Princípio como vetor do neoconstitucionalismo

11/05/2015 às 17:22
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A elevação de princípios jurídicos efetivam valores metajurídicos de inegável relevância à dignidade humana firmando-se como elemento central do desenvolvimento do neoconstitucionalismo.

1 Introdução

A aceleração da vida social é marca notável no século XXI. E a sociedade civil produz, a passos largos, incessantemente, uma gama de hábitos, valores e culturas de dimensões inimagináveis. Por sua vez, a estrutura jurídica (o direito posto, positivado) não acompanha a dinâmica das realizações humanas. A incerteza jurídica encampa a vida cotidiana das pessoas e representa, talvez, a maior consequência da pós-modernidade para os operadores da ciência jurídica. É nesse contexto que se anuncia a crise pela qual atravessa o Direito.

E a tentativa de superar o descompasso normativo leva à produção de novas perspectivas jurídicas. Este trabalho analisa alguns vetores de interpretação que permeiam a conformação das decisões judicias, atentando-se para o que se denominou de “neoconstitucionalismo” e “bloco de constitucionalidade”.

2 Princípio como vetor do neoconstitucionalismo

A postura do operador do Direito, particularmente no século XXI, recusa a análise isolada da lei, postura marcadamente positivista que vigorou no Brasil até o final do século XX.

A distância entre legalidade e justiça ocupa espaço peculiar na pauta política do Poder Judiciário. E a estrita observância da lei constitui um paradigma a ser afastado pelo próprio Estado.

Com relação a essa preocupação, vale destacar a seguinte passagem de Dalmo de Abreu Dallari:

A primeira grande reforma que deve ocorrer no Judiciário, e sem dúvida a mais importante de todas, é a mudança de mentalidade. Embora se tenha tornado habitual, na linguagem comum do povo, a referência ao Judiciário como sendo ‘a Justiça’, o fato é que na grande maioria das decisões judiciais, sobretudo dos tribunais superiores dos Estados e do país, fica evidente que existe preocupação bem maior com a legalidade do que com a justiça.[1]

O apego exagerado ao formalismo da lei compromete a efetivação da justiça e também é destacado por Dalmo de Abreu Dallari:

Extensas e minuciosas discussões teóricas, farta citação de autores e de jurisprudência, acolhimento ou refutação dos argumentos dos promotores e advogados, tudo isso gira em torno da escolha da lei aplicável e da melhor forma de interpretar um artigo, um parágrafo ou mesmo uma palavra. São frequentes as sentenças e os acórdãos dos tribunais recheados de citações eruditas, escritos em linguagem rebuscada e centrados na discussão de formalidades processuais, dando pouca ou nenhuma importância à questão da justiça. [2]

E a sociedade civil não mais tolera a afirmação de que o magistrado seria o “escravo da lei”. O sentimento de justiça desponta e a estrita legalidade perde seu status jurídico de dogma inquestionável.

Exige-se, hoje, um olhar para além da lei, sem desconsiderar, é claro, o direito posto. A lei, portanto, atuaria como ponto de partida importante para o operador jurídico.

Firma-se a noção de interpretação segundo a unidade do sistema jurídico, com o objetivo precípuo de efetivação dos direitos fundamentais.

Noutras palavras, significa dizer que é insuficiente a mera disposição formal de direitos. É preciso, no Estado Democrático de Direito, concretizá-los. É, nesse contexto, então, que surge a noção de neoconstitucionalismo, também denominado pós-positivismo.

A propósito, veja-se a noção de pós-positivismo desenvolvida por Pedro Lenza:

O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria da justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais.[3]

E na perspectiva pós-positivista torna-se corrente o uso da expressão “bloco de constitucionalidade”.

Tal expressão foi examinada durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 595-ES (STF, Inf. 258 – Min. Celso de Mello) e compreende o seguinte conteúdo: Constituição Federal; Emendas à Constituição; Tratados, convenções ou pactos internacionais sobre direitos humanos; preceitos e princípios decorrentes da Constituição; e, por fim, a ordem constitucional global (valores suprapositivos).

O conteúdo do bloco de constitucionalidade não apresenta hierarquia, certo que o operador do Direito, ao solucionar o caso concreto, deve apoiar-se numa análise sistemática de seus elementos.

O bloco de constitucionalidade, em apertada síntese, presta-se a subsidiar o controle de validade de leis e demais atos normativos.

Cuida-se de um sistema de análise da compatibilidade vertical (sistema de verticalidade hierárquica) entre leis ou atos normativos editados pelo Poder Público e a Constituição Federal. Os atos considerados incompatíveis com a Constituição, ou melhor, com o bloco de constitucionalidade, sob o ponto de vista formal ou material, serão declarados nulos pelo Poder Judiciário, com a indicação dos respectivos efeitos (Ex.: ex nunc, ex tunc ou, ainda, a partir de outra modulação adotada no caso concreto).

É no interior do bloco de constitucionalidade que ganha relevo a temática principiológica.

O princípio surge como vetor de interpretação da realidade normativa e constitui elemento de preponderância no jogo das relações de força que se estabelecem durante a atividade hermenêutica.

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A primazia do princípio relativamente à lei é festejada por significativa parte da comunidade jurídica. Anota-se, a propósito, a célebre passagem de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.[4]

Vale ressaltar, portanto, pelo interesse didático, a analogia construída por Bandeira de Mello, no sentido de considerar que o sistema jurídico assemelha-se a um vasto edifício, que se ergue a partir da combinação de vários elementos. O princípio constituiria a sua viga mestra, o seu alicerce. Uma vez atingido, o edifício tenderia a ruir. A lei, ao contrário, seria semelhante à janela. Atingida, o edifício não teria o mesmo grau de comprometimento.

Logo, pode-se afirmar, com todo vigor, que o princípio constitui um vetor da mais alta envergadura interpretativa e ocupa uma condição de primazia em relação à lei. Um enunciado, implícito ou explícito, que vincula a aplicação do Direito.

Mas não é só. A avaliação principiológica é de suma importância no plano da colisão de direitos fundamentais e faz viabilizar a penetração de conteúdo moral ao direito positivo, o que, de certa forma, é garantido pela adoção da temática dos princípios fundamentais em várias Constituições modernas, como a nossa Constituição de 1988.

Dessa forma, ao introduzir no Texto Maior a enumeração de princípios (expressos e implícitos), busca-se a necessária implicação entre moralidade e Direito. Veja-se a afirmação de Ralf Dreier:

As constituições políticas de determinados Estados, ao incorporar certos princípios (dignidade da pessoa humana, solidariedade social, liberdade e igualdade) ao direito positivo como princípios juridicamente válidos e como expressão da ética política moderna, estabeleceram uma relação necessária entre direito e moral, já que graças a ela se exige, por direito próprio, em casos de vaguidade e colisão, aproximar a noção do direito, como ele é, do direito como ele deve ser. [5]

E todas essas transformações fazem com que, aos poucos, se construa uma nova categoria jurídica intimamente ligada à concretude de princípios e valores: o pós-positivismo.

3 Conclusão

No Brasil, as últimas décadas ilustram o amadurecimento político-jurídico da nova ordem constitucional de 1988, de nítida matriz principiológica, inspirada em movimentos humanísticos que deflagraram diversas revoluções a partir do século XVIII.

A efetivação das promessas constitucionais, ainda com certo patinar  jurisprudencial,  passa  a compor a preocupação de todos os atores sociais envolvidos com a solidificação do Estado Democrático de Direito.

O abandono de paradigmas jurídicos afetos ao positivismo é uma realidade. E a estreita plataforma legal, isolada, que suportava as decisões judicias não mais tende a prosperar.

A expansão da jurisdicional constitucional é incontestável. E com isso, torna-se presente a elevação de princípios que, de alguma forma, efetivam valores metajurídicos de inegável relevância à dignidade humana. É, assim, o papel desempenhado pelos princípios na dinâmica social de construção do pós-positivismo nos Estados modernos, de feições democráticas.

4 Bibliografia

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991.

______________. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal. Campinas: Bookseller, 2004.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Renascer do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.

______________. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.

DREIER, Ralf. Derecho y Justiça. Bogotá: Temis, 1994.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão - Teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

NALINI. José Renato. Uma nova ética para o juiz. São Paulo. Evista dos Tribunais. 1994.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 808.

WEIS, Carlos. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2006.

WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.


  1. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva: 1996, p.80.
  1. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva: 1996, p.80.
  1. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.  18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 76.
  1. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 808.
  1. Derecho y Justiça. Bogotá: Temis, 1994. p .82-83.
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Sobre o autor
Eliezer Pereira Martins

Advogado, mestre e doutorando em direito (PUC/SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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