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Concursos públicos e exigência de ser bacharel há dois anos:

inconstitucionalidade do art. 187 da LC 75 (anotação acerca dos princípios da isonomia e da proporcionalidade)

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5. O TEMPO COMO FATOR DE DISCRÍMEN

O preclaro Celso Antônio Bandeira de Mello (14), sem tergiversações, afirma:

O fator ‘tempo’ não é jamais um critério diferencial, ainda que em primeiro relanço aparente possuir este caráter.

Quando a lei validamente colhe os indivíduos e situações a partir de tal data ou refere os que hajam exercido tal ou qual atividade ao largo de um certo lapso temporal, não está, em rigor de verdade, erigindo o ‘tempo’, per se, como critério qualificador, como elemento diferencial.

Sucede, isto sim, que o tempo é um condicionante lógico dos seres humanos. A dizer, as coisas decorrem numa sucessão que demarcamos por força de uma referência cronológica irrefragável. Por isso, quando a lei faz referência ao tempo, aparentemente tomando-o como elemento para discriminar situações ou indivíduos abrangidos pelo período demarcado, o que na verdade está prestigiando como fator de desequiparação é a própria sucessão de fatos ou de ‘estados’ transcorridos ou a transcorrer.

(...) Em conclusão: tempo, só por só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia. Já os fatos ou situações que nele transcorrem e por ele se demarcam, estes sim, é que são e podem ser erigidos em fatores de discriminação, desde que, sobre diferirem entre si, haja correlação lógica entre o acontecimento, cronologicamente demarcado, e a disparidade de tratamento que em função disto se adota.

(...) Isto posto, procede concluir: a lei não pode tomar tempo ou data como fator de discriminação entre as pessoas a fim de lhes dar tratamentos díspares, sem com isto pelejar à arca partida com o princípio da igualdade. O que se pode tomar como elemento discriminador é o fato, é o acontecimento, transcorrido em certo tempo por ele delimitado.

Vê-se, com clareza solar, que a simples exigência de dois anos de conclusão do bacharelado em Direito não tem cabida para averiguar, objetivamente, a capacidade do candidato para a disputa do certame público. Diferente seria a situação se a norma exigisse a comprovação de prática forense, o que não se verifica no caso em tela.

E ainda que fosse razoável a exigência ora combatida, tem-se que o tempo de bacharelado deveria ser contado, não até a data da inscrição preliminar para o concurso, mas até a data da posse no cargo disputado, pois é só aí que têm início as funções para cujo desempenho se exige a experiência presumivelmente obtida pelo decurso do tempo.

A lei complementar não conseguiu reproduzir fielmente o desiderato constitucional na disciplina dos concursos públicos para o cargo de membro do Ministério Público Federal. Exige a Constituição da República que o concurso seja público e restrito aos bacharéis em Direito por duas razões: primeira, pelo princípio da isonomia e da livre acessibilidade aos cargos públicos em geral, colhendo no seio da sociedade cidadãos aptos a atuar no serviço público; segunda, a função do Procurador da República, assim como a de Magistrado e a de Advogado, são privativas dos bacharéis em Direito, visto que estes receberam qualificação acadêmica para o exercício de atividades técnico-jurídicas.

O prazo mínimo requerido no art. 187, da Lei Complementar nº 75 não tem alcance prático algum, é irrazoável e sem correlação lógica com a finalidade de bem selecionar os futuros membros do Ministério Público da União, não passando de uma imotivada quarentena. Ademais, quem garante que, nesse interregno, todos os "aptos" a disputar o concurso estiveram se qualificando para tal? Em dois, ou tantos quantos sejam os anos requeridos para se submeter a uma disputa, o candidato pode fazer coisas de quantidade vária e de qualidade imprevisível.

A desmascarar de uma vez por todas o despautério da exigência legal ora guerreada, tem-se que o próprio Ministério Público da União, através do Procurador-Geral da República, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn nº 1040-9-DF) contra o dispositivo atacado neste trabalho. Naquela petição inicial, arrazoa o autor:

O dispositivo impugnado (art. 187 da Lei Complementar nº 75) cria limitação ao livre exercício da atividade profissional, garantido no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, que não tem correlação com a prática profissional, contrariando ainda os arts. 5º, I, e 37, I da Constituição Federal.

A respeito, assinala o expediente que acompanha a inicial:

‘Não se trata de exigência de prática forense, que seria razoável, mas de dilação de prazo carencial entre a formatura e a inscrição ao concurso, o que poderá ser até nocivo, e não apenas inócuo, pois muitos o terão passado, sem o exercício da profissão, distanciando-se dos conhecimentos hauridos no bacharelado.

A inconstitucionalidade consiste, como já dito, na IRRAZOABILIDADE da exigência que se choca, como suficientemente demonstrado com os fins do concurso para o Ministério Público da União.’

A teor do disposto no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, as únicas limitações que o legislador pode estabelecer ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão são as pertinentes às qualificações profissionais. O tempo de bacharelado em Direito não constitui qualificação profissional para o exercício da advocacia ou das atribuições de cargos das carreiras jurídicas, de modo que a exigência é incompatível com a citada regra constitucional e ainda com o princípio da igualdade de acesso aos cargos públicos (Constituição Federal, art. 5º, I, e 37, I).

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Não obstante ter sido denegada medida cautelar na supracitada ADIn, haja vista que naquele momento não estavam preenchidos os requisitos caracterizadores do periculum in mora, vale a pena transcrever o sucinto, porém valioso, voto do Min. Francisco Rezek:

Nesse caso, a norma é exemplarmente desastrada, porque ela não diz aquilo que deveria dizer, e quer que o intérprete presuma em seu favor. Tudo que transparece aqui é um reclamo que nem sequer ostenta a plausibilidade mínima do requisito etário. O que se pede é um intervalo entre a graduação e a inscrição, e não se diz como esse tempo há de sido preenchido de modo útil ao futuro exercício da função pública.

Peço vênia para, com este sumário argumento, acolher o pedido de liminar e provisoriamente desativar a norma.

Sempre na mesma toada, as seguintes decisões de nosso tribunais:

Constitucional. Concurso Público. Procurador do Trabalho. Apresentação de Diploma de Bacharel em Direito. Expedição Há Dois Anos.

- A necessidade de apresentação de diploma de bacharel em Direito, expedido há pelo menos dois anos, para a inscrição no concurso público de procurador do trabalho, fere os arts. 3, III, e 5, XIII, da Constituição Federal.

- Remessa oficial improvida.


(TRF da 5ª região, 1ª Turma, Remessa oficial nº 00552013, Rel. Juiz FRANCISCO FALCÃO, DJ 21/06/96).

Remessa ‘Ex Officio’. Concurso Público. Inscrição. Exigência de Diploma Obtido Há Pelo Menos Dois Anos. Inconstitucionalidade.

I - É inconstitucional a exigência de apresentação do diploma de bacharel em Direito, expedido há pelo menos 2 (dois) anos.

II - Tal exigência, imotivada, fere o princípio da isonomia.

III - Remessa ‘ex officio’ improvida."


(TRF da 3ª Região, 2ª Turma, Rel. Juiz CÉLIO BENEVIDES, DJ 21/08/96).

Administrativo. Concurso Público. Inscrição Preliminar. Exigência de Apresentação do Diploma Obtido Há Pelo Menos Dois Anos. Incabimento.

Independentemente da data em que foi obtida, a apresentação do diploma somente pode ser exigida para a investidura no cargo público, não para a inscrição no processo seletivo.

Remessa a que se nega provimento.


(TRF da 5ª Região, 1ª Turma, Rel. Juiz CASTRO MEIRA, DJ 14/06/96).



6. CONCLUSÃO

A inconstitucionalidade é a situação de desconformidade da norma legal em face da norma constitucional, ou seja, a rebeldia da norma inferior (lei) ante a obrigatoriedade máxima da norma superior (Constituição), seja em conflito material (o conteúdo da lei vai de encontro ao conteúdo da Constituição), seja em conflito formal (os pressupostos ou os requisitos ou as condições constitucionais de elaboração do provimento legislativo não foram cumpridos).

Tem-se a inconstitucionalidade material, substancial ou intrínseca quando o conteúdo da lei é incompatível com o preceito da Constituição; é inconstitucionalidade formal ou extrínseca quando a forma de elaboração da lei não corresponde ao modelo processual previsto na Constituição.

O princípio da isonomia ou da igualdade significa, em um primeiro estágio, dispensar aos iguais tratamento uniforme, e aos desiguais tratamento diferençado. Com efeito, salta aos olhos o fato de que os indivíduos carregam consigo caracteres que os tornam pares de alguns, mas que detêm igualmente características que os diferenciam de outros. Daí, em um segundo estágio, cabe ao legislador colher na realidade social elementos legítimos para a discriminação dos grupos de cidadãos que receberão tratamento diferençado. Desse modo, pretende-se efetivar o primado da Justiça.

O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei.

Em arremate, tempo, só por só, é elemento neutro, condição do pensamento humano e por sua neutralidade absoluta, a dizer, porque em nada diferencia os seres ou situações, jamais pode ser tomado como o fator em que se assenta algum tratamento jurídico desuniforme, sob pena de violência à regra da isonomia. Já os fatos ou situações que nele transcorrem e por ele se demarcam, estes sim, é que são e podem ser erigidos em fatores de discriminação, desde que, sobre diferirem entre si, haja correlação lógica entre o acontecimento, cronologicamente demarcado, e a disparidade de tratamento que em função disto se adota.

Dessa sorte, é dizer que o Art. 187 da Lei Complementar nº 75 é inconstitucional por erigir o tempo em fator próprio de discriminação, violando os sagrados cânones da isonomia e da razoabilidade do Direito.



NOTAS

  1. Cf. ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo, RT, 1971. Convém mencionar que o mestre Ataliba mudou o seu posicionamento após a publicação da obra de José Souto Maior Borges (Lei Complementar Tributária, São Paulo, RT, 1975). Nesta obra, o professor Souto demonstra que tese da superioridade hierárquica da lei complementar ante a lei ordinária não encontra amparo no sistema normativo brasileiro, posto que aquela não é fundamento de validade desta. Ambas têm como fundamento de validade a Constituição. Só esta lhes é superior.
  2. Cf. BARBOSA, Ruy. Commentarios á Constituição Federal Brasileira. Colligidos e ordenados por Homero Pires. I volume - das disposições preliminares. São Paulo, Saraiva, 1932, pp. 7 e 8. A obra de Dicey de onde Ruy extrai a citação é: Lectures Introductory to the Study of the Law of the Constitution (Lond., 1885), pag. 165-6.
  3. Cf. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 73.
  4. Para a compreensão de "pressuposto", "requisito" e "condição", leia-se: RIBEIRO DE VILHENA, Paulo Emílio. O "pressuposto", o "requisito" e a "condição" na Teoria Geral do Direito e no Direito Público. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, nº 13, out. 1973, pp.185-202.
  5. Ob. cit., p. 110.
  6. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 229.
  7. Idem, pp. 230 e 231.
  8. Cf. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, São Paulo, Malheiros, 1993, 3ª ed., pág. 09.
  9. Ob. cit., pp. 15 e ss.
  10. Apud Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., pp. 09 e s.
  11. Cf. ob. cit., p. 315.
  12. Cf. Direito Constitucional, 6ª edição, Coimbra, Almedina, 1993, p. 617.
  13. Cf. Controle de Constitucionalidade - aspectos políticos e jurídicos. São Paulo, Saraiva, 1990, pp. 36 e ss.
  14. Ob. cit., pp. 30 e ss.



BIBLIOGRAFIA


ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo, RT, 1971.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, São Paulo, Malheiros, 1993.
BARBOSA, Ruy. Commentarios á Constituição Federal Brasileira. Colligidos e ordenados por Homero Pires. I volume - das disposições preliminares. São Paulo, Saraiva, 1932.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, São Paulo, Malheiros, 1993.
BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo, RT, 1975.
GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional, 6ª edição, Coimbra, Almedina, 1993.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade - aspectos políticos e jurídicos. São Paulo, Saraiva, 1990.
NEVES, Marcelo Costa Pinto. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo, Saraiva, 1988.
RIBEIRO DE VILHENA, Paulo Emílio. O "pressuposto", o "requisito" e a "condição" na Teoria Geral do Direito e no Direito Público. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, nº 13, out. 1973.
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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Concursos públicos e exigência de ser bacharel há dois anos:: inconstitucionalidade do art. 187 da LC 75 (anotação acerca dos princípios da isonomia e da proporcionalidade). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -973, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/391. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Monografia referente à conclusão da disciplina Teoria Geral do Processo Civil, ministrada pelo Professor Doutor Aroldo Plínio Gonçalves, nos Cursos de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) da Faculdade Livre de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

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