"Narra uma velha história que, durante aceso debate a propósito de um certo problema levantado pela interpretação do Talmude e sobre o qual nenhum consenso havia sido conseguido, o rabino Eliezer, cujo pensamento jurídico rigoroso e elegante não era seguido pela maioria dos presentes, afirmou que, se o seu raciocinio fosse correcto, um ulmeiro situado fora da sinagoga se deslocaria. Quando a árvore se moveu de facto, os restantes rabinos não pareceram impressionados. Eliezer vaticinou então que, caso estivesse com a razão, o curso de um rio vizinho inverteria a sua direcção, o que efectivamente aconteceu; acrescentou ainda que os muros da escola rabínica se desmoronariam, o que de novo sucedeu. Estas maravilhas não conveceram, no entanto, os rabinos. Por fim, proclamou solenemente que o próprio Céu faria prova da sua razão. Foi então que uma voz celeste confirmou a opinião de Eliezer. Todavia, até mesmo desta voz os rabinos discordaram, dizendo: ‘Não podemos dar atenção à voz divina porque Tu mesmo escreveste na Torah, no Monte Sinai, que nos devemos inclinar perante a opinião da maioria’. E Deus riu então, repetindo: ‘Os meus filhos venceram-me, os meus filhos venceram-me’ (Talmude da Babilônia, Baba Mezia, 59b)".
(Gunther Teubner, in O Direito como Sistema Autopoiético)
O presente trabalho deita suas raízes em um mandado de segurança impetrado junto à Justiça Federal no Estado de Minas Gerais para garantir a inscrição de candidato, portador de diploma de bacharel em Direito, no 16º Concurso Público para provimento do cargo de Procurador da República.
A ação constitucional foi ajuizada porque no edital do concurso estava disposto que somente aqueles que comprovassem ser bacharéis em Direito há pelo menos dois anos (o que não era o caso do impetrante) poderiam se inscrever. O edital estava em consonância com o disposto no Art. 187 da Lei Complementar nº 75, de 20.05.93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:
Art. 187. Poderão inscrever-se no concurso bacharéis em Direito há pelo menos 2 (dois) anos, de comprovada idoneidade moral.
Para combater as normas constantes no edital e na Lei Complementar nº 75 e para garantir a inscrição do impetrante, buscaram-se os fundamentos nos princípios jurídico-constitucionais da isonomia e da razoabilidade ou proporcionalidade das leis, posto que o vício de inconstitucionalidade a ser demonstrado não era formal, e sim material, o que, de algum modo, dificulta o convencimento do julgador. Ademais, o provimento legislativo maculado pelo vício de inconstitucionalidade é uma Lei Complementar, que, segundo determinada - e ultrapassada - corrente doutrinária (1), goza de uma amplitude e de uma hierarquia superiores aos demais provimentos legislativos (sobretudo em face das leis ordinárias), com exceção das emendas constitucionais. Com isso, a regra desfruta de uma aparente juridicidade.
Todavia, como se demonstrará adiante, o enunciado legal lasca os princípios jurídico-constitucionais da isonomia e da razoabilidade das leis, por erigir o tempo, em si mesmo, como fator de discrímen entre os cidadãos, sem nenhuma correlação lógica com a finalidade presumivelmente colimada.
Assim posto, na presente monografia desenvolver-se-ão os argumentos usados naquele remédio constitucional para demonstrar que o disposto no citado Art. 187, LC nº 75, é inconstitucional. Contudo, alguns dos aspectos a serem aqui analisados não foram surpreendidos naquela peça vestibular, sobretudo o enfoque sobre o conceito de inconstitucionalidade formal e material.
De mais a mais, deve-se dizer que as citas feitas, longas e muitas, foram todas necessárias, por respeito à honestidade intelectual e para evitar o excessivo número de discursos indiretos e seus perigos em adulterar o verdadeiro posicionamento do autor originário.
Ressumbra de imediato a idéia de que a inconstitucionalidade significa a "não-constitucionalidade". Ou seja, contrário à constitucionalidade, por conseguinte, contrário à própria Constituição. Esta idéia não está errada, conquanto necessite ser melhor desenvolvida.
No pioneirismo de Ruy Barbosa encontram-se as lições propedêuticas, em nosso meio, sobre o significado de inconstitucionalidade em face dos sistemas constitucionais vigentes à época. Citando A. V. Dicey, leciona o supremo constitucionalista brasileiro:
(2) (sic).A expressão ‘inconstitucional’, applicada a uma lei, tem, pelo menos, tres accepções differentes, variando segundo a natureza da Constituição, a que alludir:
(1) Empregada em relação a um acto do parlamento inglez, significa simplesmente que esse acto é, na opinião do individuo que o aprecia, opposto ao espirito da Constituição ingleza; mas não póde significar que esse acto seja infracção da legalidade e, como tal, nullo.
(II) Applicada a uma lei das Camaras francezas, exprimiria que essa lei, ampliando, supponhamos, a extensão do periodo presidencial, é contraria ao disposto na Constituição. Mas não se segue necessariamente dahi que a lei se tenha por vã; pois não é certo que os Tribunaes francezes se reputem desobrigados a desobedecer ás leis inconstitucionaes. Empregada por francezes, a expressão de ordinario se deve tomar como simples termo de censura.
(III) - Dirigido a um acto do Congresso, o vocabulo "inconstitucional" quer dizer que esse acto excede os poderes do Congresso e é, por consequencia, nullo. Neste caso a palavra não importa necessariamente reprovação. O americano poderia, sem incongruencia alguma, dizer que um acto do Congresso é uma boa lei, beneficia o paiz, mas, infelizmente, pecca por inconstitucional, isto é, ultra vires, isto é, nullo."
Colhendo na semiótica subsídios para a compreensão do fenômeno da inconstitucionalidade das leis, Marcelo Neves (3) afirma:
A estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, da qual é corolário a supremacia da Constituição, conduz ao problema da lei inconstitucional. Define-se inconstitucional uma lei cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, expressa ou implicitamente, ao conteúdo de dispositivos da Constituição. E, no sentido rigoroso aqui considerado, é a lei (em sentido formal ou material) em relação imediata de incompatibilidade vertical com normas constitucionais. (...) Daí porque a definição de lei inconstitucional deve denotar não só a incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa) e conteúdo normativo (constitucional).
Com efeito, arrimado nas lições expostas, tem-se que a inconstitucionalidade, no sentido aqui perquirido, é a situação de desconformidade da norma legal em face da norma constitucional, ou seja, a rebeldia da norma inferior (lei) ante a obrigatoriedade máxima da norma superior (Constituição), seja em conflito material (o conteúdo da lei vai de encontro ao conteúdo da Constituição), seja em conflito formal (os pressupostos ou os requisitos ou as condições constitucionais de elaboração do provimento legislativo não foram cumpridos) (4).
A inconstitucionalidade das leis, segundo Marcelo Neves (5), ocorre em duas situações:
a) quando o conteúdo da lei é incompatível com o preceito da Constituição (inconstitucionalidade material, substancial ou intrínseca); b) quando a forma de elaboração da lei não corresponde ao modelo processual previsto na Constituição (inconstitucionalidade formal ou extrínseca). No primeiro caso, o órgão legiferante desrespeita ‘regras’ constitucionais de fundo; no segundo, há descumprimento de ‘regras’ constitucionais de forma. Ou, do ponto de vista pragmático: na primeira espécie, a lei desobedece às técnicas constitucionais de validação condicional; na segunda, há desobediência às técnicas constitucionais de validação finalística. Evidentemente, por desrespeitar concomintantemente técnicas constitucionais de validação condicional e de validação finalística, uma mesma lei pode ser formal e materialmente inconstitucional.
A apuração da inconstitucionalidade formal tem um jaez de grande tecnicidade jurídica, posto que voltado unicamente para os aspectos formais, não formulando juízos sobre o conteúdo ou a substância da norma combatida. (6)
O mesmo não se pode atribuir à inconstitucionalidade material, visto que oferta nós górdios cujo desate merecem grandes esforços dos julgadores, mais do que nunca "jurisprudentes".
Eis a advertente lição de Paulo Bonavides (7):
O controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais.
É controle criativo, substancialmente político. Sua caracterização se constitui no desespero dos publicistas que entendem reduzi-lo a uma feição puramente jurídica, feição inconciliável e incompatível com a natureza do objeto de que ele se ocupa, que é o conteúdo da lei mesma, conteúdo fundado sobre valores, na medida em que a Constituição faz da liberdade o seu fim e fundamento primordial.
Por esse controle, a interpretação constitucional toma amplitude desconhecida na hermenêutica clássica, fazendo assim apreensivo o ânimo de quantos suspeitam que através dessa via a vontade do juiz constitucional se substitui à vontade do Parlamento e do Governo, gerando um superpoder, cuja conseqüência mais grave seria a anulação ou paralisia do princípio da separação de poderes, com aquele juiz julgando de legibus e não secundum legem, como acontece no controle meramente formal.
Evidentemente que em algumas circunstâncias fácil será apontar a inconstitucionalidade da norma legal que contrariar o texto supremo. Ao modo de exemplo, cite-se, hipoteticamente, uma lei que sancione uma determinada conduta ilícita com a pena de tortura ou de castigos físicos. Esse hipotético dispositivo legal estaria transbordando de suja inconstitucionalidade, pois colidiria violentamente com as normas constitucionais pátrias. Todavia, nem sempre os conflitos materiais de constitucionalidade se apresentam com essa transparência meridiana. Oxalá nunca com tão sórdido acinte.
Assim posto, vê-se que a missão de dizer o que é direito constitucional ou o que não é, função exclusiva do Poder Judiciário, no sistema brasileiro, deve ser exercida com o máximo de prudência - como devem ser todos os julgados - haja vista a possibilidade de intrusão judicial nas funções desenvolvidas pelos demais Poderes estatais, vindo a rasgar o sudário protetor da separação de Poderes.
A ereção do tempo, isoladamente considerado, como elemento discriminatório não encontra alcova no sistema jurídico brasileiro, pois está a infringir dois princípios jurídicos da maior importância: o da isonomia e o da proporcionalidade das leis.
Quanto ao primeiro, força é convir que a lei, para ter legitimidade, deve ser instrumento aglutinador, e não excludente. Daí porque, na cabeça do art. 5º da Constituição da República, está timbrado o princípio da igualdade de todos perante a lei, a saber:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
E qual o sentido da norma constitucional de igualdade (isonomia)?
Ao elegê-la como princípio fundamental da República Democrática brasileira, impôs o constituinte o dever de tratamento equânime dos cidadãos, a vincular não só o administrador e o juiz, na aplicação das leis, mas também o legislador, em sua elaboração. Como registra Celso Antônio Bandeira de Mello (8), em opúsculo de leitura vital para os profissionais do direito:
Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.
O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela sujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.
Mas o que significa para o legislador tratar os indivíduos de maneira isonômica?
Em um primeiro estágio, significa dispensar aos iguais tratamento uniforme, e aos desiguais tratamento diferençado. Com efeito, salta aos olhos o fato de que os indivíduos carregam consigo caracteres que os tornam pares de alguns, mas que detêm igualmente características que os diferenciam de outros. Daí, em um segundo estágio, cabe ao legislador colher na realidade social elementos legítimos para a discriminação dos grupos de cidadãos que receberão tratamento diferençado.
Da leitura do enunciado constitucional transparece que o princípio da igualdade veda, num plano inicial, tratamento desuniforme às pessoas. A matriz constitucional requer o tratamento sem discriminação alguma. Contudo, a realidade social demonstra que constituiria gritante injustiça proceder de maneira uniforme frente aos que estão em situações profundamente desiguais, ou que são naturalmente diferentes. Portanto, excepcionalmente, deve o legislador eleger diferenças entre as pessoas, coisas, fatos ou situações, a fim de viabilizar o postulado supremo do Direito: a Justiça. Por essa razão, os dispositivos discriminatórios devem ser restritivamente interpretados.
O nunca demais citado Celso Antônio Bandeira de Mello (9) dá alguns exemplos de elementos de diferenciação conformados ao princípio da isonomia:
Supõe-se, habitualmente, que o agravo à isonomia radica-se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que não poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen. Isto é, acredita-se que determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade.
Assim, imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 5º caput da Carta Constitucional) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc. Descabe, totalmente, buscar aí a barreira insuperável ditada pelo princípio da igualdade. É fácil demonstrá-lo. Basta configurar algumas hipóteses em que estes caracteres são determinantes do discrímen para se aperceber que, entretanto, em nada se choca com a isonomia. (...) Pode-se, ainda, supor que grassando em certa região um epidemia, a que se revelem resistentes os indivíduos de certa raça, a lei estabeleça que só poderão candidatar-se a cargos públicos de enfermeiro, naquela área, os indivíduos pertencentes à raça refratária à contração da doença que se queira debelar. É óbvio, do mesmo modo, que, ainda aqui, as pessoas terão sido discriminadas em razão da raça, sem, todavia, ocorrer, por tal circunstância, qualquer hostilidade ao preceito igualitário que a Lei Magna desejou prestigiar.
Assim, também, nada obsta que sejam admitidas apenas mulheres - desequiparação em razão de sexo - a concursos para preenchimento de cargo de polícia feminina.
Veja-se que, nos exemplos acima citados, as discriminações têm uma razão de ser, são criteriosas e plausíveis, não ofendem o senso comum da sociedade. Assentado que, excepcional e restritivamente, deve o legislador dispensar tratamento desuniforme a algumas pessoas, coisas, fatos ou situações, por força do imperativo maior de justiça, resta saber como deve agir na escolha de tais elementos, para não ferir de morte o princípio da isonomia, posto que o mandamento constitucional é, repise-se, o da igualdade na feitura e na aplicação da lei. Eis que nessa parte surge o não menos fundamental princípio da razoabilidade das leis, que tem como função precípua garantir a proporcionalidade dos fins e a adequação dos meios.
Francisco Campos (10) assertou com pena de ouro:
Assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em conseqüência, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações.
Dispensável comentar o afirmado. Faz-se somente um acréscimo: o mecanismo da igualdade, para ser aferido na atuação político-discricionária do legislador, pede a conjugação de outros princípios, dentre os quais merece especial atenção o da razoabilidade da lei. Tais princípios se interpenetram, viabilizando a consecução do primado da Justiça, senhor do Direito e das leis.
O que seria, então, a razoabilidade na feitura isonômica das leis?
Não é fácil definir o princípio constitucional da proporcionalidade. O mestre cearense Paulo Bonavides (11), com arrimo em Peter Muller, estabelece duas noções de proporcionalidade, uma ampla e a outra restrita:
Em sentido amplo, entende Muller que o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder.
Numa dimensão menos larga, o princípio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo.
Nesta última acepção, entende Muller que há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meio e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.
O princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) pretende, por conseguinte, instituir como acentua Gentz, a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso ("eine Übermasskontrolle").
A importância da proporcionalidade na feitura e na aplicação das leis ganha elastério à medida que se compreende o caráter instrumental e finalístico do Direito. A norma jurídica não existe para si mesma. Seu nascimento e vida estão voltados para a satisfação de interesses sociais juridicamente tutelados. A eleição desses interesses constitui opção sócio-política, efetivada mediante a intervenção dos órgãos jurídico-políticos socialmente estabelecidos. Assim, compreendendo-se o jaez finalístico e instrumental do Direito, percebe-se a sombra do princípio da proporcionalidade pairando sobre a ordem jurídica.
José Joaquim Gomes Canotilho (12) denomina o princípio da proporcionalidade de princípio da proibição do excesso. Este excesso é o do legislador no uso de sua discricionariedade política, vindo a ser o sobredito princípio um limite constitucional ao eventual arbítrio do legislador. Leciona o festejado mestre de Coimbra:
Este princípio, atrás considerado como um subprincípio densificador do Estado de direito democrático (...) significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei.
(...) O princípio da proibição do excesso (ou proporcionalidade em sentido amplo) (...) constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.
Gilmar Ferreira Mendes (13) disserta, com precisão cirúrgica, sobre a inconstitucionalidade material e sobre o principio da proporcionalidade:
A inconstitucionalidade material envolve o próprio conteúdo do ato impugnado, abrangendo não apenas eventual contradição entre a norma constitucional e o ato legislativo ordinário, mas também o chamado desvio ou excesso de poder legislativo. A primeira espécie supõe o confronto entre comandos normativos, resultantes da adoção de prescrições contrárias aos princípios constitucionais. A inconstitucionalidade decorrente do desvio de poder está marcada pela incompatibilidade entre os objetivos da lei e os fins constitucionalmente consagrados, ou pela violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.
(...) É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas de controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip), isto é, de se proceder à censura sobre a adequação (Geeignetheit) e a exigibilidade (Erforderlichkeit) do ato legislativo.
O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera de liberdade de conformação do legislador (gesestzgeberische Gestaltungsfreiheit), permitindo aferir a compatibilidade das opções políticas com os princípios consagrados na Constituição. Nega-se, assim, à providência legislativa o atributo de um ato livre no fim, consagrando-se a vinculação do ato legislativo a uma finalidade.
(...) Importa assinalar, todavia, que o vício de excesso de poder legislativo, externado sob a forma de desvio de poder, há de ser aferido com base em critérios jurídicos. Não se trata de perquirir sobre a conveniência e oportunidade da lei, mas de precisar a congruência entre os fins constitucionalmente estabelecidos e o ato legislativo destinado à prossecução dessa finalidade.
A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao principio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante contrariedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.
Explanados os princípios da isonomia e da proporcionalidade das leis, que estão sendo desrespeitados pela permanência no ordenamento jurídico desse já citado dispositivo, passa-se ao exame da completa irrazoabilidade do tempo como fator discriminatório, por si, para o alcance da finalidade constitucional da norma.