Antes de entrar, propriamente, no tema, se faz necessário algumas considerações prévias sobre o instituto do contrato no atual Código Civil.
É sabido que o Código Civil oitocentista contemplou, em sede contratual, os princípios contratuais clássicos, quais sejam: autonomia da vontade, obrigatoriedade e relatividade subjetiva.
O cenário liberal enalteceu sobremaneira a manifestação da vontade, considerando-a suficiente para tornar o contrato eficaz e com força de lei entre as partes. Era o chamado contrato de comum acordo, o qual havia as negociações de todas cláusulas, dada a presumida existência de igualdade entre as partes. Ressalte-se igualdade formal e não material.
A liberdade individual apresentou-se incompatível com qualquer possibilidade de intervenção estatal, ou seja, o Estado-juiz era destituído de qualquer função exegética criadora ou interpretativa, jungiu-se à boca da lei.
Não tardou muito para esse arquétipo contratual baseado na vontade e na pseudo igualdade das partes ruísse e viesse à tona seu lado nefasto. A desmedida liberdade de contratar conferida aos indivíduos revelou seu lado maléfico, principalmente durante a Revolução Industrial, considerada como marco histórico do séc. XIX e o fenômeno de maior relevância da era moderna.
Sem máscaras ficou patente o divórcio existente entre a igualdade formal e a igualdade material ou substancial das partes. O contrato, como instrumento de riqueza, perdeu sua essência linear, de sorte, a exprimir uma relação desigual e opressora, favorável à formação de uma sociedade excludente e permissiva da concentração de poder e riqueza nas mãos de uma pequena camada social.
A insuficiência dos limites tradicionais e negativos da autonomia privada para dirimir os abusos das relações contratuais, impõe a saída do Estado da condição minimalista, própria do período liberal, para se transformar em agente normativo e regulador da atividade econômica. Passa a limitar positivamente a liberdade contratual e a explorar e deter o monopólio de algumas atividades, eminentemente, privadas. [1]
Verifica-se a clara transformação do papel do Estado, em especial no que diz respeito a tutela dos direitos econômicos e sociais. Quer dizer, migra-se de uma realidade onde estes direitos encontravam-se circunscritos aos interesses individuais, destituídos de qualquer intervenção estatal, e passam para um outro contexto cuja prevalência é a intervenção estatal. Este momento representa o divisor de águas entre o Estado Liberal e o Social. E é a base da compreensão do processo de intervenção estatal na economia, assumindo o Estado a função legiferante, com reflexos imediatos na propriedade privada e nos contratos.
O advento do Estado social (Welfare State) em grande medida foi consolidado a partir da propagação das idéias socialistas, cuja marca era o princípio da solidariedade social. Respaldado nisto, difundiu-se a aplicação de normas restritivas da liberdade contratual. A Constituição de Weimar (1919), considerada de vanguarda, é um bom exemplo, pois preconizava a proteção da sociedade e a anunciação dos princípios fundamentais de uma ordem constitucional privilegiando os direitos sociais e a reconciliação do Estado com a sociedade.
A codificação civil liberal foi abalada em seus fundamentos diante da nova feição constitucional, isto é, no período liberal a Constituição se reportava à limitação do Estado e a sua organização política; enquanto à codificação cabia ampliar o espaço da autonomia dos indivíduos, em especial o campo econômico. Entretanto, esta ordem foi alterada em face dos valores e da natureza compromissória previstos nos textos constitucionais oriundos do Estado social.
A Constituição abandona a condição de instrumento meramente político e passa a ser instrumento sócio-jurídico privilegiado das relações privadas.
A presença da ordem econômica e social em sede constitucional designa o conhecido fenômeno da constitucionalização do direito civil.
Imbuído neste fenômeno há também a preocupação em dimensionar o valor da pessoa humana em sede constitucional. Verifica-se a necessária revisitação do conceito. Importa numa inversão valorativa, em relação a codificação civil, ou seja deixa de ser um sujeito abstrato do código norteado pelo interesse patrimonial, tão caro ao período liberal, e passa a irradiar as relações jurídicas, ganha fórum privilegiado, e concretude. Aqui a pessoa. é um sujeito com necessidades reais e que luta para conquistá-las.
A nova realidade sócio-econônomia estabelece laço com o princípio da solidariedade social, bem como, com os princípios sociais do contrato, quais sejam: boa-fé, equivalência material e função social. Esses passam a dirigir a atividade econômica e a atividade contratual de modo a corresponder as exigências fundamentais da justiça social ou distributiva e da garantia a todos da existência digna. [2] Propugna-se por uma ordem consolidada na ideologia do social.
O alvorecer do Estado social revelou a insuficiência da codificação civil para exaurir todas as questões relacionadas ao interesse privado e, portanto para enfrentar os reclamos sociais. Era chegado o momento de se criar um modelo estatal que assegurasse, efetivamente, o primado do social sobre o individual e evitasse a espoliação dos mais fracos pelos mais fortes. De forma imediata implicou no estabelecimento de limitações políticas e econômicas.
Ao direito civil, diante da migração dos elementos fundamentais à orbita constitucional, somente resta redesenhar um outro modelo jurídico baseado na principiologia axiológica da Constituição.
Nessa quadra evolutiva, há o reconhecimento de que o contrato é um fenômeno econômico, e como tal precisa ser regulamentado. Emerge uma oposição ao despotismo econômico, e, a maneira de restabelecer o equilíbrio contratual é mediante o processo de intervenção na economia do contrato.
Torna-se claro que as atividades econômicas se externam mediante o contrato, consequentemente, imperioso regular a atividade econômica em seu conjunto. Desta feita, o contrato passa a exercer funções, tais como: a de instrumento de circulação distributiva de riquezas, a de mantenedor da igualdade formal e material das partes, além da exigência de um atrelamento a uma função social quando do estabelecimento das relações jurídicas.
A presença do Estado, subsidiando a produção e propiciando o crescimento da economia, estriba-se na necessidade premente de limitar a liberdade de contratar e a liberdade de iniciativa econômica, destituída de fins sociais, aditado ao estratagema de fortalecer a economia salvaguardando o próprio regime capitalista, de modo a inseri-lo em circunstâncias mais justa, igualitária e distributiva, possibilitando oportunidade real de acesso a todos que desejem entrar no mercado.
A intervenção estatal na economia, no início meramente esporádica, foi ganhando fôlego e passou a concorrer vantajosamente com as codificações civis, de tal sorte a abalá-las em seu epicentro, ou seja, a autonomia dos indivíduos na seara econômica. Nessa altura, as codificações já davam sinais inequívocos de declínio.
A regulação da ordem econômica e social pela Constituição importou uma série de mudanças para o direito civil, com especial veemência para o contrato, para propriedade e para família.
O intervencionismo se caracteriza pela ingerência estatal no cenário econômico. E sendo o contrato o instrumento que recebe diretamente os influxos econômicos, consequentemente se verifica o fenômeno do dirigismo contratual, cuja caracterização se dá através da intervenção estatal, na esfera privada; o Estado não apenas intervém, mas passa a dirigir os contratos, principalmente quando derivados do fenômeno da massificação social.
A massificação, antes de tudo, impõe a necessidade de rever os postulados clássicos do contrato. Diz respeito as transformações das funções e dos conteúdos dos contratos, importando o surgimento de novas figuras contratuais. [3]
A estrutura clássica do contrato é completamente modificada e novos paradigmas são utilizados como anteparo à sociedade massificada. Não obstante, o contrato não perde a primazia de instrumento indispensável das trocas econômicas.
Contemporaneamente ao processo de intervenção estatal, assinala-se o fenômeno crescente das condições gerais. São situações muito próximas e coincidentes na função de dirigismo contratual e de estreitamento do princípio da autonomia privada, mas a incidência é distinta, ou seja, a primeira de ordem pública e a segunda, privada.
A realidade e as transformações econômicas do setor produtivo demonstraram que o instrumental clássico de contrato se revelava incompatível. O aumento das necessidades sociais e o ritmo alucinante das relações exigia um instrumento negocial apto e veloz para atender, satisfatoriamente, às novas exigências.
Alguns fenômenos contribuíram diretamente para o crescimento empresarial e para massificação contratual.
- A acelerada urbanização e suas demandas de serviços;
- O gigantismo empresarial e a concentração de capitais, privados ou estatais;
- A formação de monopólios
- O fornecimento de bens e serviços em grande escala;
- O consumo em massa;
- O uso disseminado da computação;
- A utilização massiva de propaganda.
A padronização contratual passa a ser a regra da sociedade massificada. E como principal resultado desta mudança destaca-se a redução ou a mitigação da liberdade de contratar o conteúdo, o tipo e o efeito do contrato:
Princípios como o da autonomia da vontade, da obrigatoriedade e da relatividade dos efeitos contratuais, assim como os pressupostos da pessoalidade das relações, da capacidade das partes e da manifestação de vontade das partes, que outrora fundamentaram os contratos clássicos, têm reduzido ou mitigado seu espaço no contexto da sociedade de massa.
Para muitos, esse processo crescente de intervenção representou a descaracterização do próprio instituto jurídico do contrato.
O dirigismo contratual se verifica sob duas dimensões: público e privado. Aquele se configura quando o dirigismo é exercido pelo Estado e este quando sua manifestação se dá mediante às condições gerais dos contratos.
Mas independente da espécie de dirigismo suas características estão imbricadas, pois contemplam elementos permeadores da nova tipologia contratual, suscitantes de profundas transformações, são elas : o reconhecimento da vulnerabilidade de uma das partes, ou seja, ausência de igualdade material; a vinculação contratual prescinde a manifestação de vontade; há predisposição prévia e unilateral, bem como o recurso às condições gerais dos contratos, inviabilizando a negociação prévia.
Trata-se de uma situação hermética, não conferindo alternativas para o outro contratante "é aderir ou largar"; a contratação encontra-se em estado de oferta permanente e geral a um número ilimitado e indeterminado de pessoas. A possibilidade de escolher o outro pólo da relação contratual não existe. Há a obrigação de contratar (ofertar os bens e serviços necessários para o bem estar da população).
Tais características ratificam a limitação ou a relativização do espaço de incidência dos princípios contratuais liberais, demonstrando também a imprescindibilidade da vigilância estatal no sentido de preservar o pólo mais vulnerável da relação das desagradáveis surpresas das cláusulas abusivas, em regra, insertas nas condições gerais dos contratos.
Assim do contrato negociado, previsto no Código Civil, migra-se para o contrato padronizado com a correspondente mitigação da autonomia privada.
Dessa feita, tem-se que o contrato de adesão não merece nenhuma repulsa por parte do direito, pelo contrário, sua engenharia é a mais viável para a contratação em massa, o que enaltece seu reconhecimento como uma necessidade da sociedade moderna.
Tecnicamente falando o contrato de adesão não exprime espécie contratual, sua peculiaridade incide na formação do contrato. O que de fato deve ser observado é a padronização contratual, materializada nos formulários. Daí o mais apropriado é se falar em adesão às condições gerias. Essas estão em estado latente e somente quando da adesão é que são materializadas e ganham eficácia jurídica.
Voltando a perspectiva do Código Civil conclui-se que ele não dispõe de mecanismos para tutelar a nova feição contratual. Sua natureza normativa, baseada em regras rígidas e ultrapassadas, perde espaço frente ao dinamismo ínsito às relações de massa.
A ausência de tutela legal reclamou uma participação intensa da doutrina e da jurisprudência na construção de novos paradigmas. Como não é crível perdurar a lacuna da lei, paulatinamente, se viu o advento de microcodificações. Essas dotadas de textura aberta e interdisciplinar, respondem favoravelmente às complexidades da vida social. Entenda-se por textura aberta a incidência de princípios, funcionando ao lado das regras, como espécie normativa.
As microcodificações permitem uma análise plural do objeto, sem esquecer da dinamicidade que os temas, excedentes às fronteiras do direito civil, mas com ele interdependente, podem ser enfrentados apagando, com isto, em definitivo, a idéia do direito privado girar em torno da codificação civil.
Entre nós, o contrato de adesão somente ganhou fórum legislativo com o Código de Defesa do Consumidor. Microcodificação, por excelência, das relações de consumo, detentora de natureza normativa principiológica.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, contrato de adesão é :
"aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo". [4]
Esse desenho já conduz ao entendimento que a desigualdade material entre as partes é uma constante, logo configurado está a vulnerabilidade de uma das partes. A linearidade contratual, ou seja, a concretização do princípio da equivalência material depende da interferência legal, suprimindo a ausência de poder de um dos contratantes.
No plano das relações de consumo o problema do contrato de adesão está resolvido, mas no plano das relações privadas a preconização continua a cargo da doutrina e da jurisprudência, pelo menos até a entrada em vigor do novo Código Civil, pois até o momento paira uma certa parcimônia quanto a sua aplicação.
De toda sorte, o fato da nova codificação civil recepcionar o contrato de adesão representa uma evolução, pois reconhece que mesmo entre privados, a idéia de paridade nem sempre está assegurada, ou seja, reconhece a posição privilegiada de um contratante em relação ao outro e portanto a configuração da vulnerabilidade do pólo mais fraco.
Há de se ter claro que o feito do novo Código Civil recepcionar o contrato de adesão em nada colide com o Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de dois diplomas legais compatíveis e harmônicos, mas com âmbito de incidência distinta. Noutros termos, são compatíveis e harmônicos porque possuem a mesma base legal, Constituição, e concretizam os princípios sociais do contrato (boa-fé, equivalência material e função social), mas distintos porque aquele se volta a regular as relações contratuais comuns e este as relações contratuais de consumo. Extrai-se que ao lado dos contratos comuns subsistem os contratos de consumo e vice-versa.
Inobstante, o reconhecimento da evolução legislativa no tratamento da matéria, porém não é suficiente para torná-lo imune às críticas.
O novo Código Civil deveria ter seguido a mesma linha adotada pelo Código de Defesa do Consumidor referentes ao contrato de adesão. Ao contrário da legislação consumerista, que é bastante detalhada, o novo Código Civil optou pela generalidade.
Estabelecendo um cotejo entre eles verifica-se o quanto é tênue o tratamento na codificação civil. Vejamos o que preceitua os referidos diplomas:
Código Civil – "Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".
CDC Art 54 (caput)
§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.
§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
§ 5° (Vetado).
A codificação apesar de ter estabelecido o princípio da interpretação mais favorável em favor da parte mais fraca da relação, materializando o princípio da equivalência contratual, e impondo nulidade às cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, nem de perto, insistimos, se aproximou do tratamento minucioso conferido pelo Código de Defesa do Consumidor ao contrato de adesão conforme se depreende da leitura dos artigos acima transcritos.
A codificação optou pelo tratamento genérico, o que requer dos aplicadores do direito um trabalho hermenêutico mais acurado.
Destarte qualquer interpretação sobre os preceitos normativos do contratos de adesão, com base no novo Código Civil, deverá, necessariamente, ser feita sem perder de vista os outros princípios insertos na teoria geral dos contratos.. [5]
Desafortunadamente, os que predispõem as condições gerais dos contratos se valem deste poder para inserir cláusulas abusivas, as quais descrevem comportamentos contrários aos princípios contratuais. Consequentemente, quando se dá à adesão às condições gerais o conteúdo contratual está cheio delas e imediatamente cria um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes.
Renovando a comparação entre a legislação consumerista e a codificação civil, no que tange a concretização do princípio equivalência material a partir das cláusulas abusivas chegaremos ao seguinte resultado: a primeira realiza o princípio contratual de forma mais inteligente e incisiva por ocasião da enunciação das cláusulas abusivas ser meramente enunciativa, aditada a declaração de nulidade de pleno direito. Já a segunda mesmo imputando o ônus da nulidade à cláusula, mas dá a impressão de taxatividade, ou seja, consoante o dispositivo legal somente haverá nulidade na hipótese de cláusula que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Preferimos nos distanciar dessa impressão taxativa do artigo e contextualizá-lo em conformidade com a Constituição Federal, com o Código de Defesa do Consumidor e com base nos princípios sociais do contrato fazendo uma interpretação aberta. Do contrário, chegaremos a absurda hipótese que se a cláusula abusiva presente no conteúdo contratual não encontrar correspondência com aquele dispositivo da codificação civil, consequentemente, não será declarada nula por mais caracterizado que fique o desequilíbrio contratual.
Adite-se a isso o perigo da desconfiguração do contrato de adesão, cuja vulnerabilidade de uma das partes é presumida, para um contrato aparentemente negociado, mas na verdade encobrindo um significativo desequilíbrio contratual. Quanto a esse aspecto o Código de Defesa do Consumidor não silenciou e deu tratamento adequado ao problema. [6]
Ressalte-se ainda o tratamento conferido pela legislação consumerista ao princípio da informação [7], o mesmo não se verificando na codificação civil.
Estabelecidas as devidas comparações ratificamos o quanto o novo Código Civil é incipiente, no tratamento do contrato de adesão, em face do Código de Defesa do Consumidor.
Se a nomeada evolução da codificação civil, de recepcionar o contrato de adesão, não for compreendida a partir de uma tessitura aberta e em conformidade com a Constituição e com os princípios sociais do contrato, pode trazer de volta a configuração liberal e anárquica do contrato, do mais forte espoliando o mais fraco, porém encoberto pelo manto da negociação e da igualdade das partes.
Finalizo a exposição trazendo como exemplo um recurso especial (STJ – 256.456-SP /2000/0039981-7, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar) que versa sobre um contrato de compra e venda firmado entre produtores de laranjas e uma indústria de suco de laranja.
Os primeiros interpuseram ação ordinária, contra os segundo, pedindo revisão ou modificação das cláusulas do contrato devido a onerosidade excessiva e por dizer respeito a um contrato de adesão.
Em sua defesa a ré se baseou na tese que era contrato negociado e não de adesão.
O juízo monocrático, por sua vez, aceitou a tese dos autores, entendendo que era de fato um contrato de adesão, pois todos os riscos e despesas recaiam sobre eles e portanto julgou procedente a ação.
Em fase recursal, a Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, julgou em sentido oposto ao juízo monocrático, ou seja, afastou a natureza de contrato de adesão, acolhendo a tese do contrato negociado, portanto as cláusulas contratuais deveriam ser mantidas em respeito ao princípio clássico do pacta sunt servanda.
Em sede de instância superior, a Quarta Turma do STJ a decisão foi no sentido de restaurar a decisão monocrática e tornar sem efeito a da instância recursal. Ressalte-se que a fundamentação da decisão foi toda com base nos princípios sociais do contrato.
O uso deste acórdão foi para demonstrar alguns aspectos:
a) A importância e atualidade dos princípios sociais do contrato (boa-fé, equivalência material e função social) na resolução dos conflitos sociais;
b) A rendição da jurisprudência aos princípios sociais e o reconhecimento da inadequação dos princípios clássicos insertos na codificação civil de 1916 para dirimir os conflitos, pois o julgamento é de março de 2001;
c) A adequação da decisão com a justiça social;
d) A conformação com a Constituição federal, em particular com os princípios da ordem econômica;
e) A ratificação que os dispositivos do novo Código Civil, referentes ao contrato de adesão, são incipientes e precisam ser interpretados em conformidade com os princípios sociais do contrato.
NOTAS
01. A respeito ver Natalino Irti,. L’età della decodificazione. Revista de Direito Civil- imobiliário, agrário e empresarial. 1979, p. 19.
02. A propósito do princípio da solidariedade ver Pietro Barcellona. Il declino dello stato: riflessioni di fine secolo sulla del progetto moderno. Roma, 1998, p. 148. Ver ainda Franz Wieacker. História do direito privado moderno, 1967, p. 633.
03. A propósito ver Fernando Noronha. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. 1994, p. 71-72.
04. Art. 54
05. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
06. Art 54 § 1°
07. Art. 54 § 3º e 4º
BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. O dever de informar nas relações de consumo. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora PADMA, a. 2, v. 5: 83-100, jan./mar., 2001.
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código brasileiro de defesa do consumidor. Rio de Janeiro, Forense universitária, 2000.
IRTI, Natalino. L’età della decodificazione. Revista de Direito Civil- imobiliário, agrário e empresarial. São Paulo: RT, a 03, v. 10 : 15 -33, out./dez, 1979.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, São Paulo: Saraiva, 1991.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
SZAFIR, Dora. El consumidor en el derecho comunitario; proyecto de protocolo de defensa del consumidor del Mercosul. 1ª ed. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1998.