A efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente: uma reflexão diante da redução da maioridade penal

Leia nesta página:

Atualmente as discussões a cerca da redução da maioridade penal tem ocupado grande espaço no mundo jurídico. Mas será que esta se configura em uma estratégia válida e eficaz para a redução da criminalidade entre adolescentes?

            O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA inaugurou a teoria da atenção integral à criança e ao adolescente, mas o que verdadeiramente tem sido feito para implementação dessa atenção integral indispensável ao desenvolvimento do indivíduo em todos os seus aspectos? É notório e indiscutível o quanto nossas crianças e adolescentes têm sido negligenciados pela sociedade, pela comunidade, pelo Estado e por seus familiares, andando todos esses na contramão do que preceitua o artigo 4° do ECA que os responsabiliza, simultaneamente, por essas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

            A nossa sociedade, a comunidade, bem como as famílias, atualmente tem assumido uma posição de passividade diante do mundo, não assumindo para si as responsabilidades referentes à promoção do bem comum ou do bem estar social. A população como um todo, tem negligenciado na formação do cidadão de bem, responsabilizando terceiros ou o próprio Estado pelas mazelas da sociedade contemporânea. Isso pode ser facilmente constatado, observando-se a postura, por exemplo, dos pais no que se refere à educação moral de seus filhos, transferindo, muitas vezes essa incumbência à escola e aos professores.

            Do outro lado, está o Poder Público, que numa tendência de redução do Estado, também tem negligenciado essa população, que não cresce e se desenvolve, mas apenas sobrevive, internalizando também esse pensamento massificado de responsabilização do outro. A educação não educa, a saúde não cuida e a assistência social e os mecanismos de controle e acompanhamento/reabilitação das famílias são inoperantes.

            Nessa vertente, a redução da maioridade penal, é para muitos a solução apropriada e única existente para frear a criminalidade que cada dia cresce entre crianças e adolescentes. Solução essa resultado de outro comportamento característico da sociedade atual, o imediatismo. A sociedade não quer uma solução a longo prazo,  que poderia inclusive dar bem mais resultados, mas sim uma solução que traga resultados imediatos. Aproveitando-se disso, muitos utilizam essa proposta como estratégia eleitoreira, com o intuito não de dar solução à criminalidade, mas para a promoção de candidatos nessa politicagem nefasta que arruína o país.

No âmbito jurídico, a Constituição Federal traz em seu artigo 228, a inimputabilidade dos menores de 18 anos. Este artigo é considerado um direito individual, mesmo não estando no rol do artigo 5º desta lei, tendo como consequência jurídica,  à proteção pela imutabilidade que rege o artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal, chamadas clausulas pétreas, só podendo sofrer alteração por proposta de Emenda Constitucional.

            Essa não deveria ser uma solução utilizada para dar resposta à população e frear essa alta taxa de criminalidade, principalmente quando empregada separadamente. É necessário investir recursos públicos e efetivar políticas públicas no intuito de promover a verdadeira atenção integral à criança e ao adolescente, para propiciar o seu desenvolvimento moral, espiritual, educacional, ou seja, para promover a formação do cidadão de bem.

            O ECA, em seu artigo 103, conceitua ato infracional e traz também em seu artigo 112 as medidas sócio-educativas cabíveis aplicáveis, de acordo com a capacidade de cumpri-las, bem como as circunstancias fáticas e a gravidade do ato, são elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Muitos argumentam que o ECA é um instrumento apenas de proteção e que as medidas elencadas são brandas demais. Mas esta lei não é imutável, podendo ser aperfeiçoada para obtenção de melhores resultados. Não obstante, essa lei necessita ser efetivamente aplicada. As instituições, por exemplo, onde adolescentes ficam reclusos, não estão preparadas para recuperação desse menor, funcionando como escola para aperfeiçoamento de crimes.

            Nessa mesma vertente, afirma Lima Neto & Lima:

“...o ECA precisa ser aplicado... Para multiplicá-lo pelo país, basta vontade política de governantes, pois recursos financeiros não faltam - o interno da Febem, por exemplo, custa quatro a cinco vezes mais que um jovem atendido pelo NAI (Núcleo de Atendimento Integrado). Além do mais, nenhum país resolveu o problema pelo endurecimento das leis. Reduzir a idade penal é ilusório, inócuo e contraproducente. Investir em educação, oportunidades e atenção é barato, eficiente e humano".

            Já foi comprovado por diversas pesquisas que o sistema prisional não possui a capacidade de reabilitar o indivíduo para a vida em sociedade. Isso é facilmente comprovado verificando a taxa de reincidência de crimes. Se não funciona com adultos, por que funcionaria com adolescentes? Vale lembrar ainda, que o sistema prisional brasileiro está sobrecarregado, como afirma Robaldo:

“...é oportuno lembrar que a população carcerária do Brasil atualmente está na casa de 430 a 450 mil presos, com um déficit de vagas de aproximadamente 300 mil, sem computar os milhares de mandados de prisão ainda não cumpridos. Imaginem o caos que seria se a responsabilidade penal atingisse as pessoas a partir dos 16 anos...”

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            Diante do até aqui exposto posso, nessa breve análise, afirmar que a lei que regulamenta a proteção, como também a punição de adolescentes pelo cometimento de crimes e contravenções penais, existe, mas que deve ser efetivamente cumprida em todos em os seus artigos e incisos para que realmente seja combatida e prevenida a criminalidade nessa faixa etária. A palavra chave nessa discussão seria prevenção, devemos cuidar dos nossos jovens para que esses sejam donos dos seus sonhos e do seu futuro e para que se apropriem de todas as oportunidades possíveis para seu crescimento e desenvolvimento adequados.

“É mais fácil construir crianças fortes do que consertar homens quebrados” (Elizéia Rodrigues de Souza).

Referência Bibliográfica

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 22 de abril de 2015

LIMA NETO, Newton; LIMA, Agnaldo Soares. ECA: cumprir antes de modificar, Jornal Folha de S. Paulo, publicado no dia 26.02.07.

ROBALDO, José Carlos de Oliveira. A maioridade penal do ECA. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acessado em: 22 de abril de 2015.

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Sobre as autoras
Glauciane Torres Neves Quental

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAPCE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Faculdade Paraíso do Ceará - FAP

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