Capa da publicação Advocacia Pública: 4º poder, órgão do Executivo ou NRA?
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Advocacia Pública: quarto poder, órgão do Poder Executivo ou nenhuma das alternativas anteriores?

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20/05/2015 às 08:57
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Por que a equivocada interpretação da Constituição está colocando em risco a instituição encarregada da defesa do Estado.

Antes de mais nada, é bom adiantar que o presente artigo é parcial. É parcial no sentido de defender um lado, o lado da Advocacia Pública. Além disso, é um texto elaborado por um advogado público.

O tema desse artigo tem relação com a estrutura que organiza o Poder na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Para respondê-la, utilizarei dois enfoques.1 De acordo com o primeiro deles, buscarei os fundamentos da estrutura vigente para uma reflexão sobre como ela deveria ser ou pelo menos para melhor interpretá-la. Nesse enfoque, não há limites para o questionamento, uma vez que, expostas as posições dos pensadores sobre o assunto, isso não implica que suas considerações tenham necessariamente que ser aceitas.

No segundo enfoque, partirei das normas já vigentes na Constituição para, de acordo com elas, verificar qual concepção se mostraria, em princípio, mais adequada do ponto de vista hermenêutico.

A análise sob os dois pontos de vista pode ser útil na medida em que o primeiro enfoque, em tese, teria aptidão para auxiliar no segundo enfoque.

Iniciando pelo primeiro enfoque, cabe recorrer à obra “O Espírito das Leis” de Montesquieu, muito citada quando se trata de separação dos Poderes, especificamente o Livro XI, no Capítulo “VI. Da constituição da Inglaterra”.2

De acordo com ele, haveria três espécies de poder: a) legislativo – de acordo com o qual o príncipe ou magistrado cria leis; b) executivo das coisas do direito das gentes (ou “poder executivo do Estado”) – segundo o qual o príncipe ou magistrado determina a paz ou a guerra e se relaciona com as demais nações; e c) executivo das coisas que dependem do direito civil (ou “poder de julgar”) – por meio do qual o príncipe ou magistrado julga os crimes e as questões entre os indivíduos.

Para ele, devem ser permanentes apenas o poder executivo e o legislativo, pois não atuariam sobre um determinado indivíduo, mas sobre a vontade geral. O poder de julgar deve ser dado somente quando houver necessidade de julgamento, ou seja, não haveria uma estrutura estática para o Poder judiciário. Assim, o indivíduo temeria a magistratura, mas não o magistrado.

O cidadão, segundo Montesquieu, deveria ter o direito de escolher seus magistrados ou pelo menos ter o poder de rejeitar grande número, para que não haja pessoalidade ou paixão no julgamento.

Para haver liberdade, Montesquieu prega que o homem deve governar a si próprio, mas é inconveniente ou impossível esse governo conforme cresce o número de pessoas. Daí a necessidade de um governo representativo.

Mas o povo não teria, segundo ele, capacidade para discutir questões públicas, o que é um inconveniente da democracia. Montesquieu parece dar a entender que deveriam ser escolhidos os melhores para governar. Os representantes não deveriam poder tomar resoluções ativas, mas apenas criar leis e examinar como elas foram executadas.

Como há ricos e pobres, e os pobres são maioria, isso levaria a que todas as decisões seriam contrárias aos ricos. Daí, Montesquieu sustenta que as decisões devem ser tomadas conforme a proporção da riqueza e que ricos e pobres deveriam ter o poder de impedir o direito um do outro. Por isso, o ideal é que ricos e pobres formem cada qual uma assembleia própria.

Como o Judiciário seria nulo na sua visão, a moderação dos outros dois seria melhor desempenhada pela parte nobre do legislativo.

O corpo dos nobres deve, conforme sua exposição, ser hereditário e é por natureza que eles tenham interesse em conservar sua posição odiosa que, em um Estado livre, deve estar sempre ameaçada. Para evitar que os nobres se esqueçam do povo, nas questões que possam levar à corrupção, como na arrecadação de dinheiro, eles só deveriam ter o poder de impedir.

Por fim, no que diz respeito aos poderes, o poder executivo, por fazer parte do legislativo, só deveria usar a faculdade de impedir, principalmente para que não se tornasse opressor. Dessa forma, freando o legislativo, esse não se tornaria despótico.

São essas, em síntese, as ideias principais do Capítulo VI do Livro XI da obra de Montesquieu, algumas delas mencionadas apenas a título de curiosidade.

Louis Althusser destaca como as ideias de Montesquieu se tornaram um verdadeiro mito de uma separação absoluta entre poderes3. Mas para Althusser, Montesquieu teria sido claro no sentido de que: 1) o Executivo faz parte do Legislativo, principalmente com seu poder de veto; 2) o Legislativo pode inspecionar o Executivo exigindo prestação de contas; 3) o Legislativo exerce poder judicial: a) ao julgar nobres; b) nos casos de anistia; c) em processos políticos.

Dessa forma, haveria mais sentido falar em combinação de poderes, sendo o Judiciário praticamente nulo, e restando, desse modo dois poderes, o Legislativo e o Executivo. Nestes poderes haveria três potências: a) rei; b) câmara alta; e c) câmara baixa.

Montesquieu excluiria a possibilidade de combinar: a) legislativo usurpar poderes do executivo; b) executivo usurpar a função de julgar.

A combinação pregada por Montesquieu, então, segundo Althusser, favoreceria os nobres: a) pela representação na câmara alta; b) pelo direito da câmara alta julgar os nobres. Mas o rei também acabaria protegido pelos nobres das revoltas populares.

Outros pensadores também se debruçaram sobre o tema, mas o que foi até aqui exposto já é suficiente destacar que o que importa está um pouco antes na obra de Montesquieu, mais especificamente nos Capítulos III e IV desse mesmo Livro, segundo os quais, “a experiência eterna nos mostra que todo homem que tem poder é sempre tentado a abusar dele”. Liberdade é “o direito de fazer tudo aquilo que as leis facultam”. Para que haja liberdade, sem haver abuso, é necessário que, “pela disposição das coisas, o poder contenha o poder”.4

Assim, o ideal é haver uma distribuição do Poder de modo que cada parcela possa impedir o abuso da outra. Para se chegar a esse ideal, contudo, é bom lembrar que, quanto mais repartido o poder, menor o tamanho das parcelas. Porém, na medida em que aumenta o número de parcelas de poder, pode-se prejudicar a ação estatal, seja por conflito de atribuições ou por dificuldades de consenso deliberativo. Tanto é que, para Dalmo de Abreu Dallari, Montesquieu não estaria preocupado com eficiência, mas com a liberdade.5

É por isso que Montesquieu, quando trata do exército, sustenta que ele deve estar submetido ao Executivo, pois sua existência consistiria mais na ação do que na deliberação.6 Basta trazer essa ideia para atualidade e imaginar o que ocorreria se, por exemplo, um país estivesse em guerra e fosse deixada a um parlamento com uns 513 deputados ou com uns 81 senadores a competência para decidir sobre que medidas tomar. É provável que, quando uma decisão fosse tomada, país já não existisse mais.

Assim, o ideal está naquele ponto em que o Estado desempenha a contento suas funções ao mesmo tempo em que o Poder a ele confiado não é usado de forma abusiva e, portanto, respeita a liberdade dos indivíduos.

Para se chegar a esse ideal, cabe questionar, por exemplo, por que três e não dois, ou quatro ou outro número de poderes. Vale lembrar, a esse respeito, que a Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, previa em seu art. 10. que “os poderes políticos reconhecidos pela Constituição” seriam quatro: “o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.”7

Além da questão quantitativa, também não pode ser descurado o aspecto qualitativo ou, em outras palavras, o conteúdo de cada parcela de poder, as atribuições que caberiam a cada um.

Giovani Bognetti, a título de ilustração, demonstra como a configuração tripartite da separação de poderes corresponderia a um modelo de Estado liberal, em que a preocupação maior estaria na proteção das liberdades individuais. Segundo ele, a partir do momento em que o Estado passa a intervir na sociedade, até para sanar falhas verificadas no livre funcionamento do sistema, e se configura como democrático e social, a separação dos poderes então vigente começa a não atender às novas necessidades.8

Na esfera normativa, passa a ocorrer uma delegação vertical por meio de descentralizações, principalmente em Estados unitários. Também começa a se verificar uma passagem cada vez maior da função normativa do legislativo para o executivo, para dar conta principalmente da dinâmica econômico-social impulsionada pelas conjunturas mutantes. Nos Estados contemporâneos, ainda segundo Bognetti, surgiria o fenômeno do endereçamento político, sujeito ao controle social, bem como o fenômeno da garantia jurisdicional da Constituição.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, por sua vez, faz referência à classificação de Burdeau, que diz ser preferível classificar os poderes em função governamental, responsável pela inovação na ordem jurídica, e função administrativa, responsável pela execução dessa ordem. Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra ainda que na Grã-Bretanha, atualmente, verifica-se uma função governamental, que compreenderia as funções executivas e legislativas clássicas, sendo responsável pela tomada de decisões e movimentação da máquina. Também haveria uma função de controle exercida pelo parlamento e, por fim, uma função de justiça, que aplicaria a lei aos casos concretos.9

Finalmente, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, menciona a tripartição defendida por Loewenstein, segundo o qual haveria a policy determination, a policy execution e a policy control, sendo as duas primeiras semelhantes às funções governamentais e administrativas de Burdeau, e a terceira desempenhada pelo parlamento e pelo judiciário.

Apesar de haver outros grandes pensadores sobre o assunto, a menção a Montesquieu se mostra suficiente para continuar a análise, já que teria sido o responsável pela incorporação da teoria da separação no constitucionalismo.10

Passando-se, então, para o segundo enfoque, dogmático, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê em seu art. 2º que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Embora esse dispositivo, que faz parte do Título I “Dos Princípios Fundamentais” faça menção a apenas três Poderes, o Título IV “Da Organização dos Poderes” traz alguns pontos para reflexão.

Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são tratados respectivamente pelos Capítulos I, II e III. Porém, no Capítulo IV, prevê sobre as “Funções Essenciais à Justiça”, tratando do Ministério Público, da Advocacia Pública, Da Advocacia e da Defensoria Pública nas Seções I, II, III e IV.

Seriam então essas Funções Essenciais um quarto Poder?

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Tratando especificamente sobre o Ministério Público, Elvia Lordello Castello Branco, após mencionar a posição de Haroldo Valadão, que defendia seu enquadramento como um quarto Poder, apresenta o entendimento de que seria um órgão do Poder Executivo e também rechaça sua inclusão no Poder Judiciário.11

O Ministério Público, nas Constituições brasileiras, já figurou junto ao Poder Judiciário, no tópico do Poder Executivo e em tópico à parte.12 Para José Afonso da Silva, suas funções seriam executivas, embora dotadas de independência.13

Como a Advocacia Pública nasce com o Ministério Público e depois se separa dessa instituição,14 é importante essa referência para o tema aqui tratado.

Inicialmente, caberia levantar o traço distintivo de cada um dos três Poderes.

Normalmente se diz que o Poder Legislativo teria como principal função a edição de leis. Ocorre que, de acordo com a Constituição Federal, principalmente nos arts. 48, 49, 51 e 52, há bem mais do que editar leis. Primeiro, porque há outras espécies normativas, como as Emendas à Constituição e os decretos-legislativos. Segundo, porque há um extenso de atribuições desse Poder que não diz respeito a legislar. Terceiro, cabe ao Poder Legislativo até mesmo julgar, conforme, por exemplo, art. 49, IX, e art. 52, I e II, atribuição que é dada normalmente ao Poder Judiciário. Por fim, caberia citar ainda funções que poderiam ser consideradas administrativas, e que normalmente são atribuídas ao Poder Executivo, relativas a contratações e gestão de seu próprio pessoal (art. 51, IV, e art. 52, XII e XIII).

O Poder Executivo, por seu turno, é tido como o grande administrador, aquele a quem caberia aplicar a lei de ofício, sendo que muitos até denominam função administrativa a função executiva.15 Além da importante função de garantir a prestação dos serviços públicos, novamente a Constituição elenca diversas atribuições de difícil enquadramento como “atividade administrativa”, principalmente aquelas nitidamente de natureza normativa e, porque não, legislativas, como a edição de medidas provisórias e leis delegadas (art. 84, XXVI), além da própria iniciativa de leis e o poder de veto (art. 84, III e V).

Finalmente, o Poder Judiciário, normalmente considerado o responsável pelo julgamento dos conflitos, dando a última palavra em caráter definitivo, também possuiria funções nitidamente estranhas a essa tarefa, como a edição de normas internas (art. 96, I, a) e a administração de seu pessoal e patrimônio (art. 99).

Há, portanto, na linguagem de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, uma interpenetração dos “poderes”.16

Feito esse rápido levantamento das características distintivas de cada Poder, caberia, então, apontar o que caracterizaria um Poder, ou seja, o que teria em comum cada um dos três Poderes.

Analisando as atribuições constitucionais de cada um deles, em princípio, o que traria essa característica seria a possibilidade de interferência direta na esfera jurídica -ou física- do indivíduo ou sujeito de direito, ainda que contra a vontade deste. Mas a interferência física implica um dever jurídico de sujeição.

Ilustrando essa assertiva, percebe-se que o Legislativo –e o Executivo em alguns casos- pode, ao criar uma lei, subordinar os sujeitos que se enquadrem nas disposições desta, ainda que contra a vontade deles, mormente porque a própria Constituição assim determina em seu art. 5º, I, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Há aqui uma interferência direta na esfera jurídica.

Para que todos os sujeitos se comportem conforme a norma posta, haverá situações em que o Executivo agirá diretamente sobre sua esfera jurídica (ex.: aplicação de multa) ou mesmo física (ex.: interdição de estabelecimento) e, em outras, demandará uma intervenção do Judiciário antes de agir (ex.: cobrança judicial da multa aplicada).

É certo que, em casos excepcionais, a lei autoriza o uso da força pelos próprios particulares, como, por exemplo, para retomar sua posse (art. 1.210, §1º, do Código Civil)17 ou para se defender em caso de agressão (art. 23, II, do Código Penal)18.

Então, qual a diferença entre os particulares nessas situações e o Poder Executivo? Talvez o que se possa apontar seja o fato de o Poder Executivo ter o dever de agir, enquanto que, relativamente ao particular, haveria mera faculdade juridicamente protegida, até em razão da preocupação em dar maior proteção à liberdade naqueles casos em que o Estado não tivesse como chegar a tempo.

Finalmente, quanto ao Poder Judiciário, suas decisões também atingirão a esfera jurídica de jurisdicionado diretamente, ainda que algumas delas venham a necessitar de uma execução a ser efetivada pelo Executivo (ex.: cumprimento de mandado de prisão).

Enfim, como a liberdade é a regra, seu constrangimento é a exceção e só ocorre nos termos da lei. É, então, para restringir a liberdade, e sempre em razão de um interesse maior, o interesse social, a liberdade coletiva, é que o Estado necessita do Poder.

Traduzindo em outros termos, o Poder é mero instrumento a serviço de um fim público. Frente à coletividade em geral, o Estado possui deveres, o dever de cumprir a lei. Frente àquele sujeito que viola a ordem jurídica, o Estado possui o dever de corrigir a violação e o direito, por isso, de restringir sua liberdade, ou melhor, de sanar o abuso da liberdade. Mesmo em casos em que não há violação de direitos pode eventualmente ser necessária a restrição da liberdade de alguns em favor do bem coletivo, como, por exemplo, em uma desapropriação para possibilitar a prestação de um serviço público.

Em suma, os Poderes são os instrumentos de imposição da ordem coletiva, instituída pelos representantes do povo, segundo a Constituição. Instrumentais que são, representam um dever a ser desempenhado e, por isso, são chamados de funções, que servirão à realização de finalidades coletivas.19

Se se tomar esse critério como distintivo do Poder, ou seja, a possibilidade de interferência na esfera física ou jurídica dos sujeitos, ficará nítido que as Funções Essenciais à Justiça não formam um quarto poder.

Apesar de a Advocacia Pública não poder interferir na esfera física ou jurídica de outrem, ela desempenha papel indispensável na aplicação da Justiça.

Afinal, o Poder Judiciário é inerte. É mais um Poder de veto ou de controle do que de ação. Para que o Poder Judiciário possa atuar, ele necessita ser provocado. Como normalmente estará diante de um conflito, terá, necessariamente, que ouvir as partes envolvidas, por meio de seus representantes. São os representantes os membros das Funções Essenciais à Justiça.

Além desse papel, também não se pode olvidar o papel de consultoria e assessoramento da Advocacia Pública. Mas aqui, nada mais há do que um papel preventivo do litígio, um adiantamento da posição que, se contestada, será apresentada em juízo.

Em havendo litígio, também atuará a Advocacia Pública em defesa do Estado, enquanto, no outro lado, haverá outro membro das Funções Essenciais à Justiça.

Lembrando que a Advocacia Pública nasceu do Ministério Público, era bem pertinente a menção da Constituição de 1934, de que essa instituição fazia parte da cooperação nas atividades governamentais.20 Continua essa instituição exercendo esse papel, mas agora acompanhada das demais Funções Essenciais.

Dessa forma, além de as Funções Essenciais à Justiça não serem um quarto Poder, elas também não se enquadram na estrutura constitucional de nenhum dos Poderes.

Nem mesmo no Poder Executivo. Se se argumentar que o fato de o Presidente nomear o Advogado-Geral da União justificaria esse enquadramento, então se teria que aceitar que alguns magistrados também fariam parte desse Poder, uma vez que o mesmo art. 84. da Constituição menciona a nomeação de membros do Poder Judiciário.

Cabe ressaltar ainda que o Advogado-Geral da União não é, segundo a Constituição, um Ministro de Estado. Apenas no nível infraconstitucional o AGU é tratado como Ministro e para alguns fins determinados.

E nem poderia estar subordinado ao Poder Executivo, afinal, advogado não tem chefe, mas cliente. O Advogado Público é subordinado à lei e não ao Executivo. Presta assessoria e consultoria ao Executivo porque assim determina a Constituição. Representa o Poder Público em juízo porque a Constituição assim prevê. O Estado é seu cliente.

A Constituição Federal é clara em seu art. 133. acerca da independência do advogado ao prever que ele “é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Mas qual o sentido dessa independência? Um exemplo pode esclarecer. Imagine a situação de um médico que constata a necessidade de realizar uma cirurgia em uma paciente. No momento da cirurgia, caberia ao paciente escolher quais ferramentas deveriam ser utilizadas ou indicar em que ponto do corpo deveria ser iniciada a incisão? Assim como nesse exemplo da medicina, a independência tem a função de permitir a realização do fim a que se destina a Advocacia Pública.

Obviamente que entre os advogados públicos deve haver uma coordenação e uma unidade. Mas não uma subordinação ao Executivo.

Se a Advocacia Pública fosse subordinada, como poderia livremente apontar eventual ilegalidade nos atos praticados pelo Poder Executivo? Isso não significa que o Poder Executivo estaria subordinado à opinião da Advocacia Pública, assim como um cliente não se subordina a seu advogado.

Enfim, a Advocacia Pública não se enquadra na estrutura dos Poderes e isso nem é necessário.

Necessário é cumprir suas funções, para o que é de suma importância a matéria tratada nas Propostas de Emenda Constitucional nº 82/200721 e 443/200922.

Essas propostas buscam, em síntese, deixar clara a equiparação da Advocacia Pública às outras carreiras essenciais à Justiça, mais especificamente ao Ministério Público e à Defensoria Pública. É necessária essa clareza porque o texto atual parece ainda deixar dúvidas, conforme lembra José Afonso da Silva:23

Isso tudo quer mostrar que a institucionalização da Advocacia Pública em nosso país é da tradição do nosso Constitucionalismo, que a teve sempre de mistura com as funções do Ministério Público, de onde ressai equipolência de funções que justifica igualdade de vencimentos. A Constituição de 1988 avançou nessa institucionalização, mas deixou dúvidas que serviram de anteparo a distorções contra a efetivação do princípio da isonomia que ela instituiu, exatamente como uma das garantias da função.

Tanto são equiparadas que o art. 37, XI, da Constituição Federal determina a aplicação do mesmo limite remuneratório ao Ministério Público, aos Procuradores [ou seja, Advogados Públicos] e aos Defensores Públicos. Independentemente da discussão a respeito dessa limitação, quanto a se referir ao âmbito dos Estados membros ou da União, deve-se acrescer que a equiparação também é confirmada pelo fato de o art. 29. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ter facultado aos membros do Ministério Público optar pela carreira da Advocacia-Geral da União, entre outros aspectos.

Na prática, contudo, a Advocacia Pública está hoje com a metade da remuneração das demais carreiras e com graves problemas em sua estrutura de apoio. Isso naturalmente leva a uma fuga de profissionais dos quadros da Advocacia Pública para outras carreiras com melhores condições.

Tudo isso porque, equivocadamente, o Estado vem tratando a Advocacia Pública como subalterna do Poder Executivo...

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Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Publicado no BDM, ano 31, n.11, nov.2015

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