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União homossexual:

reflexões jurídicas

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IV – O casamento.

            O casamento no molde da nossa legislação teve sua origem em Roma. Lá ele era dividido em três espécies distintas: a confarreatio, a coemptio e o usus.

            A confarreatio era o procedimento reservado ao patriciado, consistia na oferta a Júpiter Farreus de um pão de farinha de trigo, em ritual religioso, perante dez testemunhas, acompanhado de palavras solenes do sacerdote de Júpiter.

            A coemptio era privativo dos plebeus, onde havia a venda simbólica da mulher ao marido, como numa forma de se adquirir a propriedade.

            O usus era o casamento pela coabitação ininterrupta do homem e da mulher.

            Álvaro Villaça Azevedo, fundamentado na explicação de Paul Fréderic Girard, dispõe que a confarreatio era o casamento religioso, a coemptio era como uma espécie de casamento civil, e o usus uma forma de aquisição pela posse prolongada. (18)

            O instituto evolui até o casamento livre. Neste exigia-se apenas a capacidade dos nubentes, o consentimento e a inexistência de impedimentos.

            Verifica-se, a seguir, a expansão e o fortalecimento do cristianismo, e a Igreja se apodera dos direitos sobre a regulamentação e celebração do matrimônio.

            No Brasil-Império, por força da Constituição Imperial de 1824 (a qual instituiu como oficial a religião Católica Apostólica Romana, embora permitindo outros cultos) o casamento acontecia entre católicos, e era celebrado por sacerdotes dessa religião.

            Com a proclamação da República, em 1889, houve a separação entre a Igreja e o Estado, e o casamento civil foi instituído no Brasil pelo Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1891. Posteriormente, a Lei nº 379, de 16 de janeiro de 1937, regulamentou o casamento religioso que, se cumpridas certas formalidades, geraria efeitos civis. Atualmente a eficácia da celebração eclesiástica é prevista na Lei nº 6015/73 (Lei de Registros Públicos, arts. 71 a 75), no Código Civil de 2002 (arts. 1515 e 1516) e na Constituição Federal (art. 226, § 2º).

            Quanto à definição de casamento, Washington De Barros Monteiro apresenta alguns "panegiristas, como Laurent, que o chama de ´fundamento da sociedade, base da moralidade pública e privada´, como Goethe, para quem o matrimônio é a base e o coroamento de toda cultura, e como Lessing, que dele diz ser a ´grande escola fundada pelo próprio Deus para a educação do gênero humano´". (19) Continua o autor, mas enumera aqueles contrários ao instituto, como Shopenhauer, para quem "casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres"; como Somerset Maugham que a um dos seus personagens faz dizer que "o casamento é uma ridícula instituição dos filisteus"; como Aldous Huxley, para quem o casamento "é um ato inoportuno e obsceno", e Lockeridge, que afirma ser o casamento "um tipo de funeral no qual emprestamos uma parte de nós mesmos".

            A definição de casamento no nosso Direito a muito se assemelha à do Direito Romano, sua gênese. Neste, estavam presentes dois elementos distintos: o objetivo, resultante da convivência do marido e da mulher, e o subjetivo, representado pela afeição marital.

            Nas Institutas de Justiniano (I,9,1) constava uma definição: "as núpcias, ou matrimônio, são a união do varão e da mulher, implicando uma comunhão indivisível de vida" (Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieres coniunctio, individuam vitae consuetudinem continens).

            O casamento, nos dias atuais, pode ser conceituado como a união entre o homem e a mulher, de conformidade com a lei, a fim de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos, sejam estes concebidos naturalmente, havidos por fecundação artificial, decorrentes de concepção artificial homóloga ou inseminação artificial heteróloga, homóloga, ou adotados. (20)

            Quanto à natureza jurídica do casamento há três correntes doutrinárias. Para a primeira o casamento tem natureza contratual (21), para a segunda o casamento é uma instituição (22) e para a terceira é um ato complexo (doutrina eclética ou mista) (23).

            Na concepção contratualista, o casamento é estabelecido por acordo entre os cônjuges. Seria um contrato, ao qual se aplicariam as regras ordinárias a todos os contratos civis, sendo o consentimento dos nubentes o elemento essencial da sua existência.

            Para os institucionalistas, o casamento constitui uma instituição social que nasce da vontade dos contraentes mas que recebe sua forma, suas normas e seus efeitos da autoridade da lei.

            Os ecléticos entendem o matrimônio como ato complexo, ou seja, ao mesmo tempo contrato (na formação) e instituição (no conteúdo); é mais que um contrato, mas não deixa de o ser também.

            Estamos com Silvio de Salvo Venosa para quem "não resta dúvida que a celebração, conclusão material do negócio jurídico familiar, tem essa natureza (contratual). Se visto o casamento, porém, como um todo extrínseco sob o ponto de vista da vida em comum, direito e deveres dos cônjuges, assistência recíproca, educação da prole, ressaltamos o aspecto institucional, que é mais sociológico do que jurídico O casamento faz com que os cônjuges adiram a uma estrutura jurídica cogente predisposta. Nesse sentido apresenta-se a conceituação institucional. Trata-se, pois, de negócio complexo, com características de negócio jurídico e de instituição. Simples conceituação como contrato reduz por demais sua compreensão". (24)

            Até 1977 a família era constituída pelo casamento com vínculo indissolúvel e merecendo a proteção do Estado. Nesse mesmo ano foi instituído o divórcio através de Emenda Constitucional, regulamentado pela Lei nº 6.515/77 (denominada de Lei do Divórcio).

            A sociedade brasileira, principalmente a partir dos anos 60, foi se conscientizando de que não é necessário que haja a solidez do matrimônio para existir felicidade na família. Muitos casamentos terminam justamente por causa de brigas ou traições e, portanto, o casal decide por bem se separar até para preservar os filhos.

            Nenhum filho gosta de ver os pais se separando, passando a não viver mais justos. O ideal seria que a família permanecesse unida e feliz para sempre.

            O divórcio foi o instrumento legal para regularizar o término do casamento e da sociedade conjugal, fazendo com que não haja mais laços unindo o homem e a mulher que não se amam mais para que, assim, cada um possa voltar a viver feliz.

            O casamento pressupõe comunhão de interesses e de sentimentos. O ideal, repita-se, é que isso fosse eterno, principalmente que o amor entre marido e mulher fosse também eterno. Se não há mais motivo para que duas pessoas permaneçam casadas, para o bem delas e de seus filhos, é melhor que haja a separação e o conseqüente divórcio.

            Se por um lado é bom que os filhos tenham os pais morando juntos e cuidando deles, por outro lado é horrível que os filhos vejam seus pais brigando, trocando insultos e um menosprezando e ignorando o outro.

            A família deve ser um conjunto de pessoas unidas pelo amor, pelo carinho, pela sinceridade, pela honestidade e pela lealdade e o casamento deveria ser o principal meio de se alcançar e de se constituir essa família.

            Não se pode conceber o casamento somente como algo tendente à satisfação sexual e à procriação. É sensato ou razoável que haja um ato extremamente solene, com procedimentos e celebrações prévias, com direitos e deveres impostos por lei ao marido e à mulher, (25) para que a pessoa tenha satisfação sexual e possa ter filhos? Não, o casamento é muito mais e significa muito mais do que isso.

            O casamento é o meio (visto até como sagrado) mais nobre de se constituir família. É a situação na qual duas pessoas, que se amam, se unem para partilhar uma vida comum.

            Não se concebe, nos dias atuais, casamento por interesses e imposição dos pais. Pior ainda é a exigência dos pais em fazer com que os filhos se casem, ou porque o filho engravidou uma moça ou porque a filha está grávida.

            Deve-se abandonar a idéia de que com o filho duas pessoas devem necessariamente morar e viver juntas. Atualmente é cada vez maior o número de pais e mães adolescentes. Deve-se forçar uma menina de 16 anos a se casar com um garoto de 17 anos? Por quanto tempo eles vão viver juntos? Por quanto tempo conseguirão ser felizes juntos? Por quanto tempo eles irão se agüentar?


V – A união homossexual no mundo

            Pode-se alegar que países de primeiro mundo, modernos, desenvolvidos em vários aspectos, até mesmo no jurídico, aceitam e regulamentam não só a união homóloga, como também o casamento homossexual.

            A França aprovou o "Pacto Civil de Solidariedade", que estende a uniões informais – homo ou heterossexuais – os mesmos direitos válidos para casamentos formais.

            Na Holanda, há lei que prevê a união civil entre pessoas do mesmo sexo e já aceita até mesmo que elas adotem crianças.

            A Islândia, a Dinamarca e a Noruega reconhecem a união civil homossexual e a custódia conjunta sobre os filhos de um dos parceiros, mas não permitem a adoção.

            Na Suécia, desde 1º de janeiro de 1995, quando entrou em vigor Lei de 23 de junho de 1994, reconhece-se a partenariat, que oficializa os laços entre pessoas do mesmo sexo.

            O Parlamento da Grã-Bretanha deve discutir, ainda em 2003, um projeto acerca da união civil entre casais homossexuais, garantindo a eles os mesmos direitos dados a heterossexuais em situação semelhante. A união civil daria aos homossexuais direito a propriedades e heranças pela primeira vez na história da Grã-Bretanha. Atualmente, casais homossexuais que vivem sob o mesmo teto não têm direito aos mesmos benefícios garantidos aos heterossexuais. Apenas em Londres há o reconhecimento legal da união de pessoas do mesmo sexo, mas que ainda não lhes dá direitos como isenções fiscais ou pensões do parceiro, por exemplo. A secretária britânica para Exclusão Social, Barbara Roche, afirmou que há um forte movimento para permitir que casais do mesmo sexo possam registrar a sua união civil. Segundo o projeto, aqueles que oficializassem sua união também seriam considerados parentes próximos perante a lei. Sem isso, entre outros inconvenientes, não é possível que os parceiros sejam consultados sobre tratamentos hospitalares. (26)

            Nos Estados Unidos existem algumas cidades, como São Francisco e Nova Iorque, que reconhecem a casais homossexuais alguns direitos relativos a bens e seguro saúde. Aliás, o New York Times, um dos mais respeitados jornais do mundo, publicou em 01 de setembro de 2002, seu primeiro anúncio de união homossexual na seção de "Casamentos/Comemorações" no caderno intitulado Sunday Style. O Times passou a ser mais um diário norte-americano a publicar anúncios de casamentos entre gays e lésbicas. Nas páginas retrancadas apenas como "Casamentos", o jornal colocou a foto de Daniel Gross e Steven Goldstein, que uniram laços em uma cerimônia civil em North Hero, Vermont. Ainda, nos Estados Unidos, o Washington Post, o Chicago Tribune e o San Francisco Chronicle são alguns dos jornais que anunciam uniões entre pessoas do mesmo sexo. (27)

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            A capital da Argentina tornou-se, em 13 de dezembro de 2002, a primeira cidade da América Latina a legalizar a união civil de homossexuais, depois de um debate acalorado na câmara local, interrompido em várias ocasiões. Os legisladores de Buenos Aires aprovaram um projeto que representa amparo legal para casais do mesmo sexo, dando-lhes certos direitos conjugais, ainda que sem permitir o casamento ou a adoção. A lei estabelece a possibilidade de união civil, não matrimonial, de duas pessoas, "independentemente de sexo ou orientação sexual". A norma permite aos homossexuais gozar direitos de uma união heterossexual, como pensão em caso de morte de um deles e plano conjunto de assistência médica. O projeto, elaborado por uma juíza e apresentado no ano de 2001, foi aprovado por 29 votos a favor 10 contra. (28)


VI – Família homossexual?

            Etimologicamente a palavra homossexual é formada pela junção dos vocábulos homo e sexu. Homo, do grego hómos, significa semelhante, e sexu, do latim, é algo relativo ou pertencente ao sexo. Portanto, a junção das duas palavras indica pessoas que sentem atração por outra do mesmo sexo.

            A homossexualidade masculina tem outras denominações, tais como uranismo, pederastia e sodomia. Uranismo é a prática sexual entre homens, por falta de mulher. A Pederastia é caracterizada pela relação de um homem com uma criança, geralmente menino. A Sodomia é a prática sexual entre homens, ambos adultos.

            Relativamente à homossexualidade feminina, pode ser denominada de safismo, lesbianismo ou tribadismo. A palavra lesbianismo deriva de Lesbos, ilha onde antigamente vivia uma tribo formada somente por mulheres, a qual era chefiada pela poetisa Safo.

            O homossexualismo também existiu nas civilizações antigas. Era praticado pelos romanos, egípcios, gregos e assírios. Entre outros povos chegou a ser relacionado à religião e à carreira militar, pois se atribuía tal condição aos deuses Horus e Set, que representavam a homossexualidade e as virtudes militares entre os cartagineses, dórios, citas e mais tarde para os normandos. Todavia, foi entre os gregos que o homossexualismo tomou maior feição, pois além de representar aspectos religiosos e militares, eles atribuíam à homossexualidade características como a intelectualidade, estética corporal e ética comportamental.

            Com a liberação dos costumes após a revolução sexual dos anos 60, intensificou-se a constatação de convivência entre pessoas de sexo oposto. Outrossim, as pessoas passaram a assumir, sem medos, sua opção sexual.

            Ressalte-se que, talvez, nem haja opção sexual. Existe, sim, o "rótulo" imposto pelo Estado acerca do status individual da pessoa.

            É sabido que um dos meios (ao lado do domicílio e do nome) de se individualizar a pessoa na sociedade é pelo estado, que significa "a posição jurídica da pessoa no seio da coletividade". (29) O estado da pessoa se divide em três aspectos: individual (modo de ser da pessoa quanto à idade, sexo e saúde), familiar (indica a situação na família – solteiro, casado etc) e político (quanto a posição na sociedade política, ou seja, quanto a capacidade eleitoral ativa e passiva).

            Assim, nosso sistema jurídico estabelece, a partir do nascimento da pessoa, com o registro civil do nascimento, a identidade sexual da pessoa. Ou seja, ele é quem firma o estado individual da pessoa, determinando quem nasce homem e quem nasce mulher.

            Não é a pessoa quem estabelece a sua situação jurídica. É o Estado quem a impõe.

            Não se pretende discutir com esses argumentos o transexualismo, mas sim a impossibilidade de haver casamento entre pessoas do mesmo sexo.

            O casamento só é aceito entre homem e mulher. É o estado individual da pessoa que possibilita o reconhecimento jurídico do casamento.

            O Código Civil não define o casamento, mas deixa evidenciado que á ato a ser consumado entre um homem e uma mulher. Ademais, o Código Civil a todo instante faz referência a cônjuges ou a marido e mulher. A Constituição Federal também não o define, mas no art. 226, § 5º, prescreve que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

            O pressuposto da diferença de sexo no casamento não é defeito, sanável ou insanável, mas requisito essencial da sua própria existência.

            "Se o defeito consiste na falta de um dos elementos constitutivos do negócio típico, como a vontade e a forma, ou na falta de um dos requisitos legais do objeto ou da capacidade jurídica específica para o negócio, este é nulo. É anulável se a vontade do agente for viciosa, ou se ele é relativamente incapaz e não estiver assistido". (30)

            O casamento só é ineficaz quando a lei o declara expressamente como tal. O legislador se preocupou apenas com elementos exigidos para a sua validade, não se preocupou com situações fáticas que, aparentemente poderiam se apresentar como matrimônio, mas sem a presença de certos pressupostos de fato. A ordem jurídica não o proíbe justamente por lhe faltar pressuposto de formação, mas não lhe empresta validade pela falta de elemento substancial.

            Assim, ato inexistente é aquele a que falta requisito juridicamente necessário à existência. (31) Tal se verifica no casamento de pessoas do mesmo sexo, pois não devem produzir efeitos jurídicos.

            Falta ao ato inexistente requisito indispensável à sua existência jurídica ou à sua identificação.

            Não obstante o ato ser inexistente, ele ocorreu e precisa ser desfeito. Isso porque o obstáculo à validade do ato é de ordem legal, não natural (porque se realizou). A maneira de se desfazer essa aparência de ato jurídico é por declaração judicial.

            Na prática deve haver a manifestação do Poder Judiciário para invalidar o eventual matrimônio de pessoas de mesmo sexo.

            Pontes de Miranda leciona que "uma união, ainda solenemente feita, entre duas pessoas do mesmo sexo, não constitui matrimônio, porque ele é, por definição, contrato do homem e da mulher, viri et mulieris coniunctio, com o fim de satisfação sexual e de procriação. Advirta-se, porém, em que a conformação viciosa ou a mutilação dos órgãos sexuais não torna impossível a existência do casamento (Pacifici-Mazzoni, Instituzioni di Diritto Civile Italiano, VII, 12), se o sexo pode ser reconhecido e se distingue do sexo do outro cônjuge. A ignorância de defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível entra na classe dos impedimentos dirimentes relativos: concerne, portanto, à validade, e não à existência do casamento. Se, no caso de conformação viciosa, predomina o sexo igual ao do outro cônjuge, está expressa a figura da igualdade sexual, e, ipso facto, inexistente o casamento. Dar-se-á o mesmo em caso de indistinção sexual, quia coniuge non habet sexum (Zachariae, Le Droit Civil Français, I, 171; aliás era bem de esperar-se que ao formulador da teoria dos atos inexistentes não escapasse o caso do ´cônjuge sem sexo´)". (32)

            Portanto, juridicamente inexistente o casamento entre homossexuais.

            Nada contra a união entre homossexuais, mas o casamento deve ser o meio de se constituir uma família no seu sentido mais natural, que é a união de um homem e uma mulher, que se tornarão pai e mãe, respectivamente, e que criarão e educarão os filhos havidos dessa união. O casamento seria a celebração do aspecto natural da família: pai, mãe e filhos.

            A família pode se originar de outras situações, não só do casamento, como já visto. Por que, então, haver casamento homossexual?

            Se o casamento entre homem e mulher tem seus problemas (a dificuldade em se cuidar dos filhos, o fato de marido e mulher ficarem acomodados e acostumados demais um com o outro etc.) imagine o entre homossexuais? Além dos problemas comuns a todos os casais, teriam outros decorrentes do preconceito, da não aceitação social, etc.

            O casamento deve ser a realização máxima da família. Pelo tempo que ele durar, reputa-se havida a família melhor constituída, porque presentes todos os seus elementos naturalmente essenciais: pai, mãe e filhos.

            Se não é possível o casamento, seria possível haver união estável entre pessoas do mesmo sexo?

            A união estável, como se viu, caracteriza-se pela convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família. (Constituição Federal, art. 226, §3º; art. 1º da Lei 9278/96).

            Também impossível, juridicamente, a união estável entre homossexuais. (33)

            Consigne-se que a união entre homossexuais existe, só que o Direito de Família dispensa o seu regramento e a sua tutela.

            O Direito de Família tutela os direitos, obrigações, relações pessoais, econômicas e patrimoniais, a relação entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e a dissolução da família, mas das famílias matrimonial, monoparental e concubinária. A união entre homossexuais, juridicamente, não constitui nem tem o objetivo de constituir família, porque não pode existir pelo casamento, nem pela união estável.

            Mas se houver vida em comum, laços afetivos e divisão de despesas, não há como se negar efeitos jurídicos à união homossexual.

            Presentes esses elementos pode-se configurar uma sociedade de fato, independentemente de casamento ou união estável. É reconhecida a sociedade de fato quando pessoas mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fim comum (art. 1363 do Código Civil de 1916; art. 981 do Código Civil de 2002).

            Assim, embora as relações homossexuais escapem da tutela do Direito de Família, não escapam do Direito das Obrigações.

            É viável e plausível que duas pessoas do mesmo sexo mantenham vida comum sob o mesmo teto com o fim de partilharem dessa convivência entre si. Não estão preocupadas e interessadas na reação das outras pessoas (ou "O que os vizinhos irão pensar?"), estão preocupadas com a sua própria felicidade. Se há o sentimento de afeição comum devem viver juntas.

            Assim, das uniões homólogas originam-se certos direitos de natureza patrimonial, que estão sendo cada vez mais reconhecidos pela jurisprudência. Não obstante, o reconhecimento como entidade familiar ainda está distante de ocorrer.

            A súmula 380 do Supremo Tribunal Federal tem sido aplicada analogicamente aos casais homossexuais.

            Se a sociedade é fruto de contrato consensual, realiza-se o seu objetivo, que é o interesse de ambos os contraentes, com a fusão dos seus esforços e recursos. Quando a lei menciona esforços, significa contribuição de natureza pessoal; quando se refere a recursos, refere-se a contribuições de natureza econômica.

            Assim, reconhecida a sociedade de fato, deve haver a partilha dos bens amealhados pelo esforço comum, quando dissolvida essa sociedade, seja por separação ou por morte.

            Deste modo, reconhecida a contribuição para a formação do patrimônio comum e verificado o término da sociedade homossexual, deve haver a distribuição igualitária desse patrimônio.

            Se comprovada a convivência, a comunhão de vida e de interesses, pautada pela honestidade, estabilidade, coabitação e respeito recíproco, essa sociedade deve ser admitida e reconhecida, conseqüentemente, uma vez extinta, impõe-se a partilha equânime dos bens adquiridos pelo esforço comum.

            Novamente trazemos à colação trecho do voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar, pois para ele "do fato de duas pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não resulta direito algum e não cria laço senão o de amizade. Porém, se em razão dessa amizade os parceiros praticam atos da vida civil e adotam reiterado comportamento a demonstrar o propósito de constituírem uma sociedade com os pressupostos de fato enumerados no artigo 1363 do Código Civil, um de natureza objetiva (combinação de esforços) e outro subjetivo (fim comum), impende avaliar essa realidade jurídica e lhe atribuir os efeitos que a lei consagra. É certo que o legislador do início do século não mirou para um caso como o dos autos, mas não pode o juiz de hoje desconhecer a realidade e negar que duas pessoas do mesmo sexo podem reunir esforços, nas circunstâncias descritas nos autos, na tentativa de realizarem um projeto de vida em comum. Com tal propósito, é possível amealharem um patrimônio resultante dessa conjugação, e por isso mesmo comum. O comportamento sexual deles pode não estar de acordo com a moral vigente, mas a sociedade civil entre eles resultou de um ato lícito, a reunião de recursos não está vedada na lei e a formação do patrimônio comum é conseqüência daquela sociedade. Na sua dissolução, cumpre partilhar os bens". (34)

            A união homossexual, por não ter respaldo no Direito de Família, não gera efeitos dele decorrentes, como direito a alimentos, ao patronímico e à sucessão (ressalvada a hipótese de existência de testamento), conquanto surtam efeitos de outra sorte.

            A união homossexual pode ser tida como sociedade de fato, apesar de no plano fático ser verdadeira entidade familiar.

            Vimos em janeiro de 2002 uma situação inusitada. A Justiça do Rio de Janeiro concedeu a guarda provisória do filho da cantora Cássia Eller, Francisco (Chicão), de oito anos, a sua companheira, Maria Eugênia Vieira Martins, com quem viveu por catorze anos. O caso gerou grandes discussões nos meios jurídico e social. Todos estavam de acordo com a permanência da criança com a companheira sobreviva: Igreja, opinião pública e conservadores em geral.

            O episódio confirma a mudança nos aspectos familiares que vem sofrendo o Brasil. A estrutura familiar brasileira está em constante mutação e ao modelo tradicional de família vão sendo aos poucos agregados outros modelos, como o homossexual.

            Esse caso demonstra, também, a real existência da família homossexual. Imagine-se a situação: duas mulheres vivendo juntas há mais de catorze anos; uma decide ter um filho e tenta a adoção, a inseminação artificial ou encontrar um homem disposto a ter relações sexuais com ela com esse fim específico. Se ela engravida, a criança, ao nascer, já estará num lar onde existem duas pessoas do mesmo sexo. Esse agrupamento humano nada mais é do que uma espécie de entidade familiar, ou deve-se entender que essa criança não tem família?

            Mesmo que não haja a criança, deve-se ter a união homossexual como entidade familiar. Se estiverem presentes todos os elementos anteriormente vislumbrados, há constituição de uma sociedade, não somente a de fato, mas também a sociedade familiar.

            A família existe para a satisfação de seus membros e como materialização de uma situação compartilhada por pessoas que vivem juntas, trocando experiências e partilhando de vida em comum. Há a opção pessoal de cada um de unir e partilhar de sentimentos comuns.

            Cumpre salientar a existência do Projeto de Lei nº 1151/95, apresentado à Câmara pela então Deputada Federal Marta Suplicy, que objetiva disciplinar a "união civil entre pessoas do mesmo sexo". Há um Substitutivo a este projeto elaborado pela Comissão Especial incumbida de apreciar e discutir seus aspectos jurídico-legais, datado de 10 de dezembro de 1996, que modificou a expressão "união civil" por "parceria civil registrada".

            Referido projeto e seu substitutivo sofreram fortes resistências por parte da bancada católica e evangélica da Câmara dos Deputados, por isso, está até hoje parado nessa Casa Legislativa.

            Em 4 de dezembro de 1997 deveria ocorrer a votação desse projeto, mas esta não se realizou por falta de quorum. A autora do projeto, temendo maiores oposições, pediu para que ele fosse retirado de pauta. Houve nova tentativa de se votar o projeto em 1998, mas também restou infrutífera. Está, desde então, sem andamento.

            Na justificação do projeto, a sua autora assevera que "a ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de expressão da sexualidade da pessoa humana. (...) Este Projeto pretende fazer valer o direito à orientação sexual, hetero, bi, ou homossexual, enquanto expressão de direitos inerentes à pessoa humana. Se os indivíduos têm direito à busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural a todas as civilizações, não há por que continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se ligadas a outra do mesmo sexo. Essas pessoas só buscam o respeito às suas uniões enquanto parceiros, respeito e consideração que lhes são devidos pela sociedade e pelo Estado. (...) O Projeto de Lei que disciplina a união civil entre pessoas do meso sexo vem regulamentar, através do Direito, uma situação que, há muito, já existe de fato. E, o que de fato existe, de direito não pode ser negado".

            Observe-se que o Projeto não tem o escopo de incentivar ou fazer qualquer tipo de apologia à homossexualidade. Somente tem o condão de regulamentar, de reconhecer, e de conferir direitos e obrigações decorrentes da união homóloga.

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Sobre o autor
Thiago Hauptmann Borelli Thomaz

advogado em Campinas (SP), professor de Direito Civil da Universidade Paulista (UNIP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual:: reflexões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3930. Acesso em: 23 abr. 2024.

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