VII – CONCLUSÃO.
O Direito não pode fechar os olhos para a realidade. O Direito deve acompanhar a realidade e os fatos sociais que se impõem perante de si.
Muitas condutas foram proibidas pelo Direito. Foram porque padeciam da não aceitação social, sofriam ingerências de ordem econômica, religiosa e política. Ninguém nega ter havido tempo, principalmente em Roma e na Grécia antigas, bem como no Brasil, até o séc. XIX, em que a escravidão era conduta absolutamente tolerada e permitida.
Houve pessoas, em determinados momentos da história mundial, que sofreram a perda total de seus direitos, relegadas ao nível de coisa, pela cor da pele, pela fraqueza diante da derrota de uma batalha ou uma guerra. É imoral tal conduta? É contra os bons costumes? Depende. Depende da época, do contexto histórico em que se analisa a situação.
Quando em Roma os escravos eram tratados como coisas, alguém começou a perceber que isso era desrespeitoso, que feria os ensinamentos divinos, que todos deveriam ter os mesmos direitos. Mas teriam os mesmos direitos desde que fossem cidadãos. Além de a pessoa ter de ser livre, ela deveria ser cidadã romana para poder exercer direitos.
Nem se perquira acerca do pensamento machista que sempre existiu. Tudo deve ser tratado e entendido para facilitar a vida do homem. Este deve ser o chefe dos meios de produção, ele deve ser o chefe da sociedade, ele deve ser o chefe da família. Se a força física é o diferencial, então todo o resto está sob o comando do homem.
Mas não é assim que a sociedade evolui. A força física mostrou-se frágil, insuficiente para manter a ordem da sociedade e da família. Junto da força devem estar a inteligência e os sentimentos mais altruístas possíveis, porque senão o resultado será a desordem e o caos social.
Deste modo, se o homem deve ser o líder da sociedade, a mulher logicamente estaria em segundo plano. Se o homem é o mais forte, ele controla a mulher, conseqüentemente os filhos.
Não obstante, percebemos a força existente numa mulher. Ela batalhou pelos seus ideais, lutou pelos seus direitos e conquistou o reconhecimento social da sua total capacidade para, sozinha, comandar a família e exercer sua profissão, sem descuidar de seus atributos domésticos e maternos.
Aboliu-se a escravidão. Sociedades modernas tipificam como ilícito penal a prática da escravidão ou a submissão de uma pessoa à condição análoga a de um escravo. Mas já não foi permitida a escravidão?
A mulher ganhou espaço no meio social, ampliou seus horizontes em relação ao seu projeto de vida. A mulher é absolutamente capaz para exercer por si os atos da vida civil, sem necessidade de autorização marital ou paterna. Mas desde quando isso é possível?
A família deveria surgir do casamento e este era indissolúvel. Mas quantos famílias não existiram à margem do casamento e quantos casamentos já não foram dissolvidos pelo fato dos cônjuges não partilharem de vida em comum (por serem infiéis ou não viverem no mesmo domicílio)?
Não é justo que o Direito feche os olhos para a realidade. Este nunca fechou seus olhos. Ele ganha mais força e vitalidade com os fatos sociais. Da realidade advém a sua subsistência. Não há como dissociar o Direito da realidade.
"Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que evolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas". (35)
Assim, o Direito é o desdobramento da vida da sociedade; evolui a medida que a coletividade evolui, caminha a medida que a coletividade caminha.
Hodiernamente não é difícil aceitar o fato de uma pessoa ser homossexual. Esse preconceito está cada vez mais sendo superado. É difícil aceitar que o homossexual faça não a opção sexual, porque muitas vezes ele não escolhe nada, somente vive à sua especial maneira, mas sim uma parceria homossexual.
Se esta é uma nova realidade, o Direito deve observá-la. Se não for pelo legislador, será pelos magistrados.
É o que ocorre hoje. Não se nega a existência de tais uniões, o que se nega é a formação de entidade familiar. A relação entre homossexuais existe e surte efeitos no mundo jurídico, não efeitos de Direito de Família, mas de Direito Obrigacional.
Nada obsta que no futuro venha o legislador admitir essa união como entidade apta a realizar a família. Em certos aspectos essa união já caracteriza entidade familiar, mormente se houver o respeito mútuo, a fidelidade, a convivência pública, contínua e duradoura, e a conjunção de esforços ou recursos para lograr fins comuns. Quais seriam esses fins comuns? Seria a formação de uma sociedade, não mais de fato, mas sim familiar.
Destarte, passariam a ser uma outra espécie de família de fato. Ao lado da família concubinária, haveria a família homossexual. Se se permite a união estável entre o homem e a mulher e se ela é reconhecida como entidade familiar, deve-se considerar como entidade familiar a união (ou parceria) homossexual.
O concubinato e a união estável ficaram, como mencionado, legalmente marginalizados, mas isso não impediu o reconhecimento jurisprudencial de direitos advindos desse relacionamento.
O legislador pode não se conformar com essas idéias, mas ele não aplica o Direito, não trata com o Direito, ele se relaciona com o fato social. Se não lhe é conveniente legislar sobre determinada matéria, isto é, sobre determinado fato, ele não tem reconhecimento legal, o que não lhe retira a existência jurídica.
Não obstante, por não ter esse reconhecimento legal é que lhe falta legitimidade no âmbito do Direito de Família.
Para J.M. de Carvalho Santos Direito de Família é o conjunto de regras que disciplinam as relações de família e sua influência sobre pessoas e bens daqueles vinculados pelo parentesco ou casamento. (36) Vislumbra-se daí somente a tutela das famílias monoparental e matrimonial, havendo hoje a tutela da união estável por lei específica, já que constitucionalmente reconhecida (Lei 9278/96; Constituição Federal, art. 226, §3º; com a ressalva de que o Código Civil de 2002 disciplina a matéria na Parte Especial, Livro IV, Título III, arts. 1723 a 1727).
Reconhece-se hoje a união homossexual como sociedade de fato, talvez amanhã seja reconhecida como entidade familiar. Tudo depende da adequação do pensamento à realidade, o que não ocorre da noite para o dia.
Ademais, parece remota no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de haver casamento entre homossexuais. O casamento seria ainda o contrato especialíssimo entre homem e a mulher, sendo a instituição ético-social da vida em comum, com direitos e obrigações mútuas, assistência recíproca e educação da prole daí decorrentes.
Deve-se deixar o casamento para a constituição da mais perfeita família, porque advinda do amor do homem e da mulher para a convivência comum e guarda e educação dos filhos, conforme a natureza humana ordinariamente determina.
ANEXO I
PROJETO DE LEI Nº 1.151, DE 1995
Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá
outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei.
Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais.
§ 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo:
I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas;
II - prova de capacidade civil plena;
III - instrumento público de contrato de união civil.
§ 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil.
Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas.
Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio comum.
Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá:
I - pela morte de um dos contratantes;
II - mediante decretação judicial.
Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil:
I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;
II - alegando desinteresse na sua continuidade.
§ 1º - As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil.
§ 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido depois de decorridos 2 (dois) anos de sua constituição.
Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados,
de acordo com o disposto no instrumento público.
Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes.
Art. 8º - É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de
união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações:
"Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um:
(...)
III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato.
II - a averbação:
(...)
14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro."
Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990.
Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 16 (...)
§ 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo nos termos da lei.
Art. 17 (...)
§ 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado".
Art. 12 - Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 217. (...)
c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei.
(...)
Art. 241. (...)
Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei."
Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do mesmo sexo.
Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994.
Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela.
Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 113. (...)
I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira".
Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário.