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A família: uma velha nova questão.

Apenas um ponto de partida

10/03/2019 às 12:45
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Problematizamos uma observação de Eduardo Galeano sobre a família. "Estamos perdendo as mais significativas experiências que são gêneses do afeto... Mas quem se importa? O que importa é ser 'livre', dizem".

“Os problemas dignos de ataque

provam seu valor contra-atacando”

PIET HEIN, Grooks

A extorção,

o insulto,

a bofetada,

a surra,

o açoite,

o quarto escuro,

a ducha gelada,

o jejum obrigatório,

a comida obrigatória,

a proibição de sair,

a proibição de dizer o que se pensa,

a proibição de fazer o que se sente

e a humilhação pública

são alguns dos métodos de penitência e tortura tradicionais na vida da família. Para castigo à desobediência e exemplo de liberdade, a tradição familiar perpetua uma cultura do terror que humilha a mulher, ensina os filhos a mentir e contagia tudo com a peste do medo.

-- Os direitos humanos deveriam começar em casa

– comenta comigo, no Chile, Andrés Domingues.

O TEXTO ACIMA, EM EPÍGRAFE, foi escrito pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano[i], e publicado em “O livro dos abraços”. Texto em que Galeano, de prosa rápida, de forma poética e intencionando ferina crítica social nos apresenta, sob o título “A cultura do terror/2”, a violência que ele diz ser ou poder ser a família. Disso eu não tenho muitas dúvidas! Sou filho, fui casado, sou pai, sei, é um horror! Experimentei, quando criança, na carne e no espírito os mais dolorosos “métodos de penitência e tortura” apontados por Galeano: “a extorsão”, “o insulto”, “o jejum obrigatório”, “a humilhação pública” etc. Tornei-me adulto. Casei. Não foi diferente, e as vezes até pior! Mas a violência doméstica, por definição, é sempre masculina... ??? Mas não vejo muita gente se perguntando por quê? Ou interessada em saber nela o papel da mulher? Não sei se alguém conquistou a felicidade por ter sido assim... Não sei se a dicotomia vítima vs. algoz resista uma análise mais detalhada sem sofrer grandes e inesperadas variações... Mas é preciso ter Cuidado! Prudência! Pudor! Saber auscultar a experiência!... “Um infortúnio deixa de sê-lo apenas porque é superado com grandes e extraordinários esforços?”. Eis uma boa questão que nos foi colocada por Saul Smilansky.[ii] O fato é que nem todo amor e ternura do mundo me fariam ser um marido melhor; I’m looser? Nem fariam de meu casamento algo melhor ou ter dado certo... Por quê? Um filósofo, dizem, de “matriz conservadora” (que mal há nisso?), Luís Felipe Pondé, em seu livro “A filosofia da adúltera[iii] disse com muita propriedade que:

“O casamento, como todo mundo sabe, é feito de equívocos, ressentimentos e berros. Mas a economia é sempre um impacto na vida amorosa. Engana-se quem pensa que dinheiro não compra amor. Dinheiro compra principalmente amor verdadeiro” (PONDÉ, 2013).

Portanto, temos que saber, inequivocamente, do que e o que estamos falando, a que estamos nos referindo em cada termo simples ou composto e por que – o que tem consequências jurídicas relevantes (para o bem da Justiça) em relação à Sociedade, às Pessoas, Coisas, Eventos, Instituições, ou Circunstâncias, Fenômeno, ou Matéria em análise – ou incorreremos no erro nefasto de dar aos nossos infortúnios, por catarse, argumentos de um alcance e uma força jurídica, moral ou racional maior ou menor do que geralmente se supõe e na verdade merecem. E recaímos no erro desastroso de confundir, na expressão de Descartes, “vidro com diamante, ou chumbo com ouro”... Não se trata apenas de garantir o devido processo legal, o direito ao contraditório ou os procedimentos aceitos de apuração da verdade etc. Não podemos é permitir que a Lei seja redigida ou a realização da Justiça seja feita com meias-verdades, ou seja, apenas com o conhecimento dos efeitos, ou corremos o risco da Lei tratar de efeitos sem causas, o que a tornaria dissimulação. Quando for inevitável que aconteça, é preciso prudência, ponderação, reserva lúcida da verdade... Afinal, o risco é recairmos no aprofundamento do que conhecemos por “racionalidade da irracionalidade constituída” (Marcuse), rumo à verdadeira anomia (Durkein). Precisamos saber fundamentalmente a causa ou as causas! E entender a elasticidade dos efeitos...  O que nunca é fácil! No texto de Galeano, por exemplo, a impressão que fica é que Galeano acredita ou faz acreditar que tudo acontece assim, gratuitamente, de forma banal, normal, demente, meios sem fim... E a culpa ou o pecado, em última instância, é masculino! Sendo assim, como não dizer, homens e mulheres, como André Gide: “Famílias! Como as odeio! Casas fechadas; portas trancadas; apropriação mesquinha da felicidade” (apud, FERRY, 2008)[iv]. Melhor seria dizer: apropriação mesquinha do desejo de felicidade, logo, negação do próprio desejo... Aproximaria com mais requinte Galeano e Gide. Mas, se a função do mal é destruir, e não construir; rasgar, e não costurar; cortar, e não unir; matar, e não dar a vida etc.; não é esta a função da Família. A função da Família, malgrado os diferentes sucessos ou insucessos que a caracterizaria (ou a caracteriza), é ou deveria ser justamente o oposto e situar-se no combate frontal ao mal que sempre a cerca por ser “refúgio num mundo sem coração” (Lasch)... Um refúgio inseguro, sitiado, observado, controlado; mas ainda assim refúgio. Portanto, concordo com Gide, o fundamento do mal familiar não é a crueldade, mas a busca cega ou desesperada da felicidade. E assim, o que é a felicidade? “A felicidade é algo que buscamos com grande infelicidade”, disse-me em Venda Nova do Imigrante, município do Espírito Santo, o meu amigo Zé Brioschi, com muito humor e ironia... Eu acrescentaria, e com grande intimidade. O que deslocaria radicalmente a questão: íntimo é o que está no interior ou o que está na proximidade? No interior está o que acostumamos a chamar de “alma”, “espírito”, “mente”. Na proximidade, segundo Heidegger, “está o que acostumamos a chamar de coisa” (HEIDEGGER, 2010)... Mas Galeano parece querer que a Família seja privada de suas experiências domésticas dolorosas, ou seja, que ela não realize qualquer experiência de algo que ainda nos seja dado fazer no interior do Ser em face da proximidade da Coisa... Isto é, o que chamamos “cuidado” ou “educação”! E o paradigma, paradoxalmente, é a “domesticação”. É duro! É de doer! Mas as coisas são como são! Ai! Ai!... É atualmente sintomático (mas não espantoso) que para a mulher o tempo vivido fora de casa, longe das atividades e do cotidiano da vida domestica, apresente-se como o novo padrão de construção das identidades, das funções, das atividades, dos gêneros, de um novo modo de vida, apenas porque, dizem, livre dos entraves sexuais repressivos patriarcais (sic!), e que, por tal “libertinagem”, se imagina cheio de oportunidades inimagináveis que, na verdade, quase se limita a ser de eternos momentos de muda promiscuidade (homo ou hétero) com desconhecidos ou colegas de trabalho etc., e simplesmente por isso, é o que se verifica, creem ricos, todos, em experiência e aventuras inéditas que enriquecem (na forma de um empobrecimento exponencial) a vida emocional da mulher, e blá blá blá... É a grande ilusão de realização. Palavras! Palavras! Palavras! Chegam mesmo ao delírio de dizer que “o Romance heterossexual não seria mais do que a extensão do patriarcado e do capitalismo”. Três vivas então ao romance homossexual! Que que é isso? E todas as promessas de felicidade são transexuais. Voz e linguagem de vaginas vorazes e pênis flácidos! “O objetivo é o gozo”! (Baudrillard). E o Mundo é um bordel, e os perversos seu cáften. E até, ou mesmo principalmente, os impotentes ou os incapazes de amar reivindicam o Direito de gozar!... É a consciência dominante de liberdade em todas as “frentes feministas” radicais, dizem, de combate ao “patriarcalismo” ainda residual na instituição familiar etc. E assim, o “homem” (é ainda ou já um homem), e agora também a “mulher” (é ainda ou já uma mulher) contemporânea, depois de sua jornada de trabalho na linha de produção da fabrica, ou no escritório, e depois da rua, e depois no medo do súbito estampido de pistola detonado não se sabe onde, e depois do trânsito na hora do rush, e depois do engarrafamento, etc., voltam para casa à noitinha, como que saídos de uma longa e brutal jornada de trabalho de uma fábrica de alfinetes (Smith), ocos, vazios, cansados, sem espírito, diz Giorgio Agamben:

“extenuados por uma mixórdia de eventos – divertidos ou maçantes, banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes – entretanto nenhum deles se tornou experiência” (Cf. AGAMBEN, 2005).

E eis ai expresso para a mulher o teor social do equivalente recebido da troca das atividades domésticas e das experiências efetivas e afetivas geradas na vida familiar pelo trabalho assalariado! Uma mixórdia inútil, e quantas vezes degradantes? Extremamente desproporcional! Mas e daí?... Espinhoso e dramático é saber que se perde também a verdadeira experiência de sujeito, de gênero, de espécie etc., ou seja, estamos perdendo as mais significativas experiências que são gêneses do afeto... Mas quem se importa? O que importa é ser “livre”, dizem. Sério?... E a questão mais urgente torna-se saber onde se constitui a afetividade familiar: no interior do Ser ou na proximidade da Coisa?... No cuidado ou no abandono dos filhos?... No sacrifício amoroso ou na alienação do amor?... No Ter (Coisas) ou no Ser (Amor)? Onde o resultado é mais significativo?... Onde situar a grandeza da e na vida social?... Mas, pensando como Galeano, Domingues e Gide, sem dúvida, “a “morte do afeto” à que J. G. Ballard chamou de “a maior baixa do século XXI” tem uma longa história e, finalmente, “está aqui para ficar”. Parece que não haverá mais experiência capaz de criar afeto! E parece que estamos no cemitério do afeto e em pleno dia de finados. Muito choro! Muita saudade!... E todos desejam ressuscitar o seu Lázaro! E Lázaro não é a Família, mas o Indivíduo leproso! Metaforicamente leproso. Literalmente, teria cura. Em consequência, o que existe é tão somente uma profunda e doentia preocupação individual por si mesmo que a tudo reduz, em nome da subjetividade, a positividade do não-ser ou a um abstrato cuidado de si como hipótese mal desenhada. E muito trabalho de luto! Mas como dar-lhes boas vindas? Ballard sim, mas teriam Galeano, Domingues e Gide razão? Não! Absolutamente, não. Talvez não seja só retórica, e Galeano veja mesmo na Família uma “cultura do terror”. Talvez Gide tivesse mesmo razão pessoal para “odiar as famílias”. E talvez Domingues acredite mesmo nos “direitos humanos” e que com ele seja possível o homem aprender a ser Homem, e a mulher a ser Mulher, ressuscitar o “Afeto”, reconstruir o “Respeito”, restaurar a “Autoridade”, inaugurar a “Paz Perpétua” (Kant) no lar... Mas e daí? Tudo isso é e se tornou tão arbitrário e subordinado! O que é certo é que Galeano tem consciência do que diz... Dá para entender, então, a imprecisão e a precariedade de julgamento expresso no texto em epígrafe, justamente porque, aprendemos a ver com Espinosa que “a consciência é o lugar de uma ilusão”, sua natureza é tal que ela “recolhe efeitos, mas ignora as causas”. É certo ainda que Galeano pensa ter razão... Mas tem muita coisa importante que são causas do que ele não se deu ao trabalho de considerar. Seu texto, portanto, é inacabado; sua razão é doxa, não logos. É certo ainda que pode se considerar que ele tenha razão no que diz, mas não no que não diz, ou seja, mas não no que torna seu discurso um engodo analítico, justamente o inefável, o inconexo etc., invencíveis poder pressuponente que também pertence as vozes e a linguagem na qual seu texto fala (Agamben). De fato! Na Família ocorrem real e lamentavelmente coisas grotesca, aviltantes, e algumas inaceitáveis e não importa o motivo ou a justificativa. Mas não se pode dizer que é ela o mal; não se pode dizer que ela é “uma cultura do terror que humilha a mulher, ensina os filhos a mentir e contagia tudo com a peste do medo”... No mínimo, é um julgamento injusto! Neste sentido, o primeiro Fato a considerar, é que a Família não é uma instituição abstrata (como a democracia, a liberdade e a justiça, por exemplo), não está separada da realidade econômica, religiosa, social, política, moral, cultural etc. que a envolve, engolfa, transforma, anula, contradiz, nega... Além disso, nenhum “muro do conhecimento” (Bataille) está sendo, foi, será, ou pode ser erguido para separá-la do mal ou mesmo do bem, seja aqui, ali, lá ou acolá o que um e outro signifiquem. São como dois lados de uma mesma moeda, não se opõem, complementam-se. Ora o bem e o bom também nos fazem sofrer... E apenas metaforicamente são lados reais opostos; literalmente, constituem metades de uma mesma condição e respondem a uma mesma e determinada situação, a uma mesma e determinada circunstância e expressam a uma mesma e determinada medida de equivalência nas relações de trocas. E não é a moeda em si que tem a função de dar a ilusão de que “cara” e “coroa” são lados opostos de uma mesma causa... A consciência é que cria a esfinge [no sentido figurativo, enquanto pessoa calada, misteriosa, enigmática que desliga a voz da linguagem] que a moeda caracteriza e identifica no mistério do uso e da troca. Com efeito, a espessura da moeda é o deus Jano, “o porteiro do céu”, ou seja, a espessura da moeda é que separa o duplo que cria as duas faces, as duas realidades (uma real e outra virtual), e constitui o corpo das crenças que criam a identidade e o valor enquanto símbolos de equivalência de troca... Enfim, entre o bem e o mal não existe um muro ou uma espessura que separe a Família, de um lado, e a Sociedade, de outro, eles se inscrevem nos dois lados, e as vezes, com a mesma simbologia; o que Galeano, Domingues e Gide parecem não considerar. É muito azar!... Então, triste fado social, tudo se reduz, para ser aceito, em seu efeito, a ser um posicionamento crítico tão precário quanto de baixo nível como insensato ou tolo em nome do instante,(Bachellard) da vida nua (Agamben) do espetáculo (Debord), ou do “consumo” (Baudrillard)... E chegamos às raias do absurdo: o desejo satisfaz estômagos e fantasias! Como efeito, a cada novo conhecimento inaugurado por um novo interesse, e vice-versa, faz surgir uma nova lei, e a cada nova lei em vigor a organização Familiar torna-se mais e mais mesquinha em nome do combate a “dominação masculina” (Bourdieu), por exemplo, e mais frágil perante o atual individualismo da vida, dos desejos e dos prazeres que leva a todas as transgressões. Um horror! Como não dar razão a Gide? Doravante, afirma Jean Baudrillard,[v] não ser mais o Direito, nem

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“o Humano quem pensa o Mundo, é o Inumano quem nos pensa. Não podemos mais entender o Mundo a não ser a partir de um ponto ômega exterior ao Humano, a partir de objetos e hipóteses que desempenham para nós o papel de atratores estranhos” (BAUDRILLARD, 1999).

“Atratores estranhos” que inspiram (como se fossem licença poética) e se transformam em “argumentos”, “leis”, “normas”, “tendências”... Coisa triste! E apenas por... Gosto! Desgosto! Malevolência! Ressentimento! Lucro! Gozo! Sei lá! O fato é que “sim”, os três realmente estão equivocados: não perceberam ainda que o Mundo seja sem coração, o que não significa que seja sem esperança... Mas, se é fácil dizer “não”, dizer “sim” é extremamente difícil, pois que é necessário, mas não suficiente demonstrar que Galeano, seu amigo Domingues e o francês Gide olham para a periferia dos Fatos e para o “pensamento exterior”; amam a profundidade da superfície histórica da irrealidade (Eco) que se chama cotidiano; não olham para o longo e profundo núcleo histórico da experiência de Família que inacreditavelmente se deteriora, e fogem de sua profundidade positiva radical teleológica, justamente, dado a experiência e visão cotidiana que os iludem. Fogem de todas as experiências familiares organizadas diante de um mundo sempre cruel, violento, injusto... No mais, contemporaneamente, décadas de imprensa tablóide, revistas femininas, TV realidade, manchetes de ataques a família, genealogias malucas, discursos sobre a sexualidade, e, mais recentemente, TV mulher, telenovelas, violência urbana, tráfico de drogas etc., prostituição e noticiários noturnos assustadores sobre “violências domésticas” fazem da mulher seres angelicais, das crianças anjos crucificados, e pintam a figura masculina com as cores sociológicas do mal, tornando ainda mais difícil conhecer a verdade da “violência”(que julgam conhecer violentamente) e dos “preconceitos” (que julgam combater preconceituosamente). E os problemas reverberados através da Família, ficam sem combate por não serem compreendidos e são tratados com veleidade... Transformam-se, pelo víeis antropológico, em teorias que falsificam a História atendendo a determinados conhecimentos e interesses (Habermas) relativistas e culturais que ocultam ou deformam a verdade facilitando a defesa da criminalidade... Em nome de que Direito? E assim, a antropologia, a etnologia, a sociologia, e, principalmente, a psicologia, tornam-se a base informada e comprometida sobre a qual se dá a falsificação ideológica da História! E a verdade se cobre de minuciosidades parasitárias venenosas ou virulentas, e é atormentada por lamentações sofísticas covardes ou vegetativas. Geralmente conjunturais! Particulares! Singulares! Cínicas! Ignorantes! Às vezes, até que bem humoradas! De fato, o que é que tornou ou torna possível “a cultura do terror” descrita por Galeano, “os direitos humanos” de Domingues e o “ódio” de Gide? O mal é a família? O mal vem da família? Verdadeiramente, o que é o Mal? Ou, até mesmo, o que é a Família? E não se pode perder de perspectiva a justa observação de Jeffrey Burton Russell[vi], que “a essência do mal é a violência contra um ser senciente, um ser que pode sentir dor”, (RUSSELL,1991)... É verdade! Mas o que, mais precisamente, no âmago da Família estamos chamando de violência doméstica? O que nela pode nos fazer sentir dor? O que significa a obrigação moral de “Honrar pai e mãe”? De onde vem a “cultura do terror” o “ódio” e os “direitos humanos” que desestruturam a Família? São questões que nos devemos colocar, sendo fiel ao compromisso estabelecido por Voltaire:[vii] “Cumpre-nos apenas, portanto, usar nossa razão para discernir os matizes da honestidade e da desonestidade” (VOLTAIRE, 2006). Neste sentido, é num mundo dominado pelo mal que devemos pensar a Família, não a família feliz ou a família infeliz, mas traçar seu retrato histórico honesto geral, o mais de acordo possível com a realidade contemporânea do Mundo, e não da Família ideal – que não fazemos a menor idéia do que seja ou poderia ser. Trata-se, aqui, portanto, do Direito de Família, de acordo com o que está estabelecido pela Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916, e para tal ignoramos a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 e todas as alterações posteriores (na medida em que não as reputamos como necessárias ou corretas), ou a elas só nos referimos en passant, e apenas quando imprescindíveis para ilustrar alguma crítica... Questão de método, de prioridade, e de valorização heurística do Direito, e não de suas variações conjunturais, casuísticas, permissivas, apesar de legislativas ou jurisprudenciais! Devemos então, é óbvio, antes refletir sobre o fenômeno concreto do mal que a torna insegura, sitiada, observada, controlada, ou mesmo, (como por Gide), odiada... É este deve ser e é o nosso ponto de partida!  (Walter Aguiar Valadão, Venda Nova do Imigrante/ES).


[i] GALEANO, Eduardo, “O livro dos abraços”, tradução Eric Nepomuceno, 10 ed., Porto Alegre: L&PM, 2003.

[ii] SMILANSKY, Saul, “10 paradoxos morais”, tradução Maria Inês Duque Estrada, 1ed. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2011.

[iii] PONDE, Luiz Felipe, ‘A filosofia da adúltera: ensaios selvagens”, São Paulo: LeYa, 2013.

[iv] FERRY, Luc, “Famílias, amo você: política e vida privada na época da globalização”, tradução Jorge Bastos, Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.  – A citação de André Gide encontra-se no “Prefácio”, em epígrafe.

[v] BAUDRILLARD, Jean, “A incerteza é nossa única certeza?”, in, “Café Philo: as grandes indagações da filosofia” [editado por] Le Nouvel Obeservateur; tradução Procópio Abreu, revisão, Danilo Marcondes – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

[vi] RUSSELL, Jeffrey Burton, “O diabo: as percepções do mal na Antiguidade ao cristianismo primitivo”, tradução Waltensir Dutra, Rio de Janeiro: Campus, 1991.

[vii] VOLTAIRE, (1694-1778), “O preço da justiça”, apresentação Acrísio Torres, tradução Ivone Castilho Benedetti, 2 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006 – (Voltaire vive).

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Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADÃO, Walter Aguiar. A família: uma velha nova questão.: Apenas um ponto de partida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5730, 10 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39347. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

O presente texto foi retirado da introdução do "Manual Crítico do Direito das Famílias", publico-o separado porque, no corpo do Manual ele se tornou apenas apêndice, desprovido de um interesse maior para a sua manutenção, mas que pode ajudar na reflexão dos artigos que tenho publicado, sobre Direito de Família, em Jus Navigandi.

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