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Foro privilegiado: a impunidade dos parlamentares institucionalizada no ordenamento jurídico brasileiro

24/05/2015 às 09:15
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Este artigo apresenta posicionamento contrário à disposição constitucional que assegura aos parlamentares a prerrogativa de foro privilegiado. Trata-se de um mecanismo propiciador da impunidade e precisa ser extirpado do nosso ordenamento jurídico.

RESUMO: Este artigo apresenta posicionamento contrário à disposição constitucional que assegura aos parlamentares a prerrogativa de foro privilegiado, devido ao exercício da função pública de Deputado e Senador. Em nosso entendimento, é um mecanismo positivado propiciador da impunidade, criado de maneira proposital pelo Legislador Constituinte. 

PALAVRAS-CHAVE: Foro Privilegiado. Direito Constitucional. Ciência Política. Impunidade.


1. Introdução

 Criado de forma proposital pelo legislador constituinte, o sistema de foro privilegiado foi adotado pelo Brasil, em decorrência do exercício da função pública de Deputado e Senador, figuras componentes do nosso Poder Legislativo. Assim, as ações penais direcionadas contra essas autoridades tramitam nos Tribunais e não nos Juízos de primeira instância. Importante citar o conceito de foro privilegiado apresentado por Pontes de Miranda: "aquele que cabe a alguém, como direito seu (elemento subjetivo, pessoal, assaz, expressivo); portanto, o foro do juízo que não é o comum”.


2. Surgimento do Foro Privilegiado no Brasil

Com a proclamação da República em 1889, a Constituição de 1891, no art. 57, § 2º, instituiu a figura do foro privilegiado, outorgando ao Senado Federal a competência para apreciar demandas judiciais em que figurassem no polo passivo os membros do Supremo Tribunal Federal, em relação aos crimes de responsabilidade, e ao STF a competência para apreciar e julgar os magistrados federais inferiores (art. 57, § 2º)  e o Presidente da República, como também os Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade (art. 59, II). Os crimes de responsabilidade são aqueles praticados por funcionários públicos e agentes políticos em razão das atribuições do cargo. Posteriormente, as demais Constituições Brasileiras mantiveram o foro privilegiado. 

Em 1988, com a Constituição Cidadã, o Senado Federal passa a centralizar a competência para julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de responsabilidade (art. 52, I e II). Quanto ao STF, ampliou-se as suas atribuições, passando a julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, I, “b” e “c”).

Países como Holanda, Portugal, Espanha, Estados Unidos e Suíça não prevêem em suas cartas constitucionais a figura do foro privilegiado. E aqueles que o prevêem, como a Argentina e a Colômbia, fazem restrição quanto aos beneficiários desta condição. Só no Brasil há tamanha amplitude.


3. Foro privilegiado no Brasil

É nítida a incapacidade dos Tribunais Superiores de apreciarem com bastante minúcia um processo judicial complexo. A criação do foro privilegiado pelo Constituinte Originário aproveitou-se dessa condição. Destaco, neste ponto, o posicionamento do Ex-Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa, que afirma que “A criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal, em que cada um dos seus componentes tem 10 mil casos para decidir e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos, pode se dedicar às minúcias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional.”

O foro privilegiado foi, sim, uma grande sacada e esperteza que os políticos criaram para se proteger. “Político na cadeia? Vai demorar muito ainda para que se veja um caso. Um processo criminal, por colocar em jogo a liberdade de uma pessoa em única e última instância, tem de ser um processo feito com a máxima atenção. É difícil conciliar esse rol gigantesco de competências que o Supremo tem com a condução de um processo criminal. Coordenar a busca de provas, determinar medidas de restrição à liberdade, invasivas da intimidade, são coisas delicadíssimas.”


4. “Inchaço”

O foro privilegiado sobrecarrega a Corte Constitucional com situações simplórias, em muitas vezes. De acordo com dados do próprio Tribunal, em maio de 2014, havia 99 ações penais contra parlamentares aguardando julgamento e cerca de 500 inquéritos contra políticos em trâmite na Corte. É humanamente impossível julgar tudo isso, gerando, sem sombra de dúvida, a certeza da impunidade. 


5. PEC 470/05 e proposições apensadas

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda à Constituição Federal de número 470/05 que visa acabar com o foro especial por prerrogativa de função para deputados e senadores. Atualmente, encontra-se em processo de debate na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara. A votação foi suspensa por tempo indeterminado devido a falta de consenso entre os parlamentares que fazem parte da Comissão. 

Apesar desse congelamento, o relator da PEC, Deputado Efraim Filho (DEM-PB), emitiu parecer favorável à proposta, afirmando que "esse foro privilegiado remete a uma ideia de privilégio para os políticos e está, cada dia mais, perdendo força. Foi um dos temas principais das manifestações de junho e julho. O povo, quando foi às ruas, elencou entre os cincos principais pontos a extinção do foro privilegiado, mas acredito que essa discussão merece ser aprofundada e, por isso, meu relatório é pela admissibilidade da PEC”.

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Caso a PEC seja aprovada na CCJ, a proposta deverá ser debatida em uma Comissão Especial antes de ir ao Plenário para votação. 


6. Conclusão

No ordenamento jurídico brasileiro, a presença do foro privilegiado, em nosso entendimento, representa uma lástima na busca por uma justiça plena e não seletiva, na qual se punem apenas negros e pobres. Dados mostram que os processos direcionados ao STF em decorrência do foro privilegiado não chegam a sequer ter o mérito analisado. Assim, espera-se que, com a aprovação da PEC 470/05, haja o fim da figura do foro privilegiado, mantendo-se a prerrogativa de foro aos crimes de responsabilidade, excluindo-a quanto aos crimes comuns. 


REFERÊNCIAS

BRASIL Superior Tribunal Federal – 2ª T. Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, p.320, 2002.

COLLAÇO, Rodrigo. Presidente da AMB, Juízes propõem fim do foro privilegiado para combater corrupção e impunidade, Gláucia Gomes, Repórter da Agência Brasil, Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br /noticias/2007/07/05/materia.2007-07-5.6305857779/view Acesso  em: 22/05/2015.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Sobre o autor
Afonso Mendes Santos

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Consultor Legislativo com extensão em Processo Legislativo Municipal, Lei Orgânica Municipal e Orçamento Público Avançado pelo Instituto Brasileiro Legislativo (ILB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Afonso Mendes. Foro privilegiado: a impunidade dos parlamentares institucionalizada no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4344, 24 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39388. Acesso em: 27 dez. 2024.

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