Pequenas e microempresas: tratamento jurídico diferenciado.

Uma análise sobre os aspectos trabalhistas das pequenas e microempresas

25/05/2015 às 11:34
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As pequenas e microempresas convivem em um cenário econômico desgastante, e sua situação diferenciada deve lhe permitir um tratamento diferenciado. Desta forma, é possível a coexistência entre o princípio de proteção ao empregado e preservação da empresa.


O cenário jurídico laboral trabalhista brasileiro conclui-se como um nítido ramo protecionista clássico, garantindo patamares mínimos de direitos para o trabalhador, através das legislações constitucionais, ordinárias e extravagantes. Percebe-se que os contratos de trabalho formais são regidos por normas baseadas em antigos padrões criados pela história do Direito do Trabalho, em que havia uma uniformidade da composição do mercado, com trabalho contínuo e permanente para o mesmo empregador; o que decorria em necessidade da elaboração de normas que visem à proteção para o obreiro, este considerado hipossuficiente.

No entanto, percebe-se que este modelo regulatório trabalhista vem sendo mitigado, com fortes influências por conta das transformações das relações de trabalho, da economia, das estruturas do Estado, do avanço tecnológico, da globalização, e do próprio direito, sendo que este último acaba por não acompanhar satisfatoriamente tais mudanças, deixando de se adequar a esse novo contexto.

Consequentemente, percebe-se um crescimento do informalismo em diversos setores da economia, em especial as empresas que acabam muitas vezes por descumprir a legislação trabalhista, que se encontra desatualizada no que se refere às constantes modificações das formas e relações de trabalho.

Nesse contexto, encontram-se as pequenas e micro empresas, que sofrem negativamente grande influência de tal desatualização da legislação trabalhista. Apesar disto, tais empresas continuam sendo extremamente fundamentais na economia de mercado, quer pela sua capacidade de gerar empregos, quer pelo considerável número de estabelecimentos.

Contudo, apesar dos dados acima, a taxa de mortalidade nestes pequenos empreendimentos é alto, por conta de sua dificuldade em adequar-se as exigências legais, em especial, do Direito do Trabalho, o que, consequentemente, gera um alto custo social decorrente do encerramento de sua atividade econômica, através da dispensa de mão-de-obra e extinção de postos de trabalho, que é bastante expressivo e acaba por elevar as taxas de desemprego e informalismo no país.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 170, como princípios gerais da ordem econômica, e em especial o inciso IX, o tratamento favorecido para empresas de pequeno porte e tratamento jurídico diferenciado para as microempresas, no intuito de promover o seu desenvolvimento econômico e incentivar o seu cumprimento das obrigações tributárias, administrativas, cíveis, creditícias e trabalhistas, para que se evite o informalismo das mesmas e para que se promova a justiça social.

A legislação atual que trata das pequenas e micro empresas contextualizada principalmente na Lei Complementar n. 123 de 2006, prevê tratamento diferenciado para essas empresas no âmbito tributário, cível, creditício, trabalhista, etc., visando sua desburocratização, no escopo de fomentar seu desenvolvimento. Como aliados, existem alguns órgãos de fomento às micro e pequenas empresas, como o SEBRAE, por exemplo.

Entretanto, apesar da existência da previsão constitucional acima mencionada e da existência do Estatuto Nacional da ME e EPP, suas contribuições na esfera das relações de trabalho ainda são tímidas, e não contribuem para que seja efetivamente conferido um tratamento distinto a essas empresas, considerando sua situação peculiar. É necessário que haja uma flexibilização das normas trabalhistas, para que estas sejam adaptadas à situação peculiar de tais empresas, sem que isso traga uma desregulação ou precarização do Direito do Trabalho, e que seja sempre mantido o princípio protetivo em favor do trabalhador.

O modelo de relações de trabalho sofreu diversas e significativas mudanças no decorrer da história, e a alteração nos sistemas de produção, com a divisão dos meios de produção em diversas empresas de menor porte abriu espaço para o aparecimento de demandas econômicas variadas. A globalização, somados ao advento da tecnologia inauguraram demandas de bens e serviços mais simplificadas.

Nesse contexto, as pequenas e microempresas surgiram no cenário econômico como uma forma alternativa de oferecimento de bens e serviços ao mercado, sendo atraentes por conta de seu dinamismo e vitalidade, decorrentes da simplificação de sua organização, uma vez que a legislação favorece um tratamento jurídico diferenciado para as mesmas, principalmente no que concerne a sua desburocratização, redução de custos com impostos e outros tributos, facilitação e estímulo ao seu desenvolvimento no mercado nacional.

Contudo, apesar de sua forte representatividade econômica e social, somados à sua importância na geração de emprego no país, já que representam mais de cinquenta por cento da geração de mão-de-obra, as pequenas e microempresas ainda representam um alto nível de informalidade e mortalidade, e a imperatividade das normas trabalhistas a que se submetem são responsáveis por sua dificuldade em se manter no mercado econômico.

Destarte, apesar da existência de previsões normativas conferindo tratamento diferenciado para tais empresas no âmbito do Direito do Trabalho, têm-se que essas ainda são precárias, ou melhor, não são satisfatórias para que se promova a verdadeira justiça social, pois em sua grande parte, as pequenas e micro empresas são tratadas pelo mesmo rigor das normas trabalhistas em que as demais empresas estão submetidas. A informalidade e precarização do trabalho e o protecionismo clássico, somados à rigidez na regulação das relações de trabalho têm apresentados efeitos perversos, gerando desemprego e informalidade nas pequenas e microempresas. Ademais, tais empresas são atualmente o maior foco de captação de mão-de-obra no país, ao contrário do que se verificava quando do nascimento do Direito do Trabalho, onde as grandes empresas no ramo industrial eram praticamente as únicas empregadoras.

É preciso que haja o ajustamento destas normas trabalhistas, a fim de flexibilizá-las, de forma a proporcionar um tratamento mais justo e adequado, promovendo a efetivação da norma constitucional insculpida no artigo 170, IX da Carta Magna, que prevê o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte”.

Entretanto, é preciso que se atente para que a flexibilização da regulação das relações de trabalho seja um ato bilateral, e que traga benefício para ambas as partes, de acordo com as necessidades específicas das empresas de pequeno porte, não se confundindo com a desregulação ou precarização dos direitos do operário, este por sua vez, significa a derrogação dos direitos trabalhistas, aviltando contra os princípios protetores inerentes do Direito do Trabalho, uma vez que expressam a alteração da relação de trabalho sem que haja uma contrapartida para o trabalhador.

O Estado também deve desempenhar papel importante na harmonização das propostas flexibilizadoras, além das já existentes no país, de forma que sua atuação não seja incisiva, mas sim estimulante e ao mesmo tempo fiscalizadora.

Existem no cenário trabalhista algumas realidades no escopo de flexibilizar a regulação das relações de trabalho, como banco de horas e contratos a termo, por exemplo, sendo que estas, ainda que indiretamente, colaboram para que se promova um tratamento diferenciado às pequenas empresas. Contudo, reitera-se que ainda há uma carência no ordenamento jurídico laboral de normas que sejam mais específicas para este tipo de empresa.

A Lei Complementar n. 123 de 2006 estabelece que, para ser considerada microempresa, deve auferir uma receita-bruta anual de até R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), o que corresponde a uma média de R$30.000,00 (trinta mil reais) mensais.

Frise-se que este valor corresponde ao produto da venda de bens e serviços, ou seja, a receita bruta da empresa, não sendo computados, para tais efeitos os descontos com folha de pagamento de empregados, insumos, fornecedores, etc. Portanto, a remuneração mensal líquida de uma microempresa e até de uma empresa de pequeno porte representa um valor baixo, se comparado aos lucros obtidos por empresas de médio e grande porte.

Segundo os dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as pequenas empresas concentram cerca de 7,3 milhões de trabalhadores nas áreas de comércio e serviços, um aumento acumulado de 32.2%, ou seja, uma média de 9,7% ao ano, bem superior à taxa de crescimento encontrada nas médias e grandes empresas, que tiveram um aumento no mesmo período de 9,0%, ou seja, apresentam uma taxa média de 2,9% ao ano (IBGE, 2003).

Portanto, é necessário que haja alteração na legislação sobre a espécie para regulamentar a aplicação do art. 170, IX e 179 da Constituição Federal, dentre elas diversas alterações nas trabalhistas visando favorecer as pequenas e microempresas.

As previsões normativas estrangeiras sobre o tema garantem um tratamento diferenciado a essas pequenas empresas, podendo ser facilmente importadas para o país. Neste sentido, a Organização Internacional do Trabalho desempenha uma importante função orientação e forma de estímulo para que seja introduzido no ordenamento jurídico legal dos seus Estados-Membros, normas específicas sobre as pequenas e micro empresas. Em especial, a Recomendação n. 189 elenca diversos elementos fundamentais para a promoção desse segmento.

Quanto ao tema em outros países, em regiões como a Europa há o modelo misto das regras trabalhistas, onde contratos coletivos e leis de garantias básicas coexistem, de forma a atender as peculiaridades regionais. Apesar das críticas, estas medidas foram implantadas, principalmente no que tange a seguridade social e a liberdade sindical, que se somam ao elevado grau de consenso político e social da região.

Já o modelo norte-americano, baseado na total ausência de intervenção estatal nas relações trabalhistas é exagerado, pois desta forma retira-se o mínimo da aparelhagem protetiva sem a qual o obreiro seria considerado apenas mais um custo ou “insumo”. Os EUA possuem o chamado “concession bargaining”, algo como concessão e negociação, no escopo de evitar a quebra de algumas empresas ou o seu deslocamento, o que provocaria uma diminuição da oferta de emprego.

É que, de forma contumaz, em determinadas situações, como no caso das pequenas e microempresas, as normas trabalhistas interferem na economia e na geração de empregos formais, principalmente quando as dificuldades para a dispensa de empregados é uma das principais causas da falta de iniciativa das empresas para abrir novas vagas de trabalho ou de promover a formalização dos empregos de determinadas empresas.

Com efeito, um regime jurídico que dê tratamento diferenciado a pequenos empreendimentos estará em plena consonância com as diretrizes centrais que balizam o direito do trabalho, em especial aos princípios protetivos do direito laboral, cuja sua interpretação deve levar em conta as transformações relativas à atuação do Estado, alterações econômicas e sociais e as relações de trabalho. Assim, respeitando-se os princípios históricos que balizam o direito do trabalho, é possível estabelecer a flexibilização diferenciada, visando o trabalho decente e à melhoria das condições das pessoas lotadas nas micro e pequenas empresas. 

E, havendo equilíbrio e razoabilidade, é possível enfrentar a realidade dos contratos de trabalho sob à ótica do justo e equitativo.

No âmbito processual, é possível existir algumas formas que possibilitem as micro e pequenas empresas demandarem em juízo, sem que isso lhe traga um comprometimento financeiro.
Uma das alternativas que de muito colaboraria para um tratamento mais justo e igualitário para as pequenas empresas que litigam na justiça do trabalho seria a possibilidade de concessão das benesses da justiça gratuita, uma vez comprovado e declarado que o empregador não tem condições de arcar com as despesas processuais, sem que isso abale o orçamento da empresa e consequentemente o seu e de sua família.

A justiça gratuita seria possível, por exemplo, em casos de sucumbência na realização de determinada perícia, que as custas fossem arcadas pela união. Outro caso seria quando sucumbente a empresa-reclamada, fosse dispensado o pagamento das custas processuais.

Outro importante ponto a ser debatido, mas sem esgotar todo o assunto sobre o tema, é acerca do depósito recursal trabalhista. Em um caso hipotético, uma empresa, que possui em torno de dez empregados e que tenha uma receita mensal de trinta mil reais, jamais terá condições de arcar com um ônus deste, de um depósito no valor atual de R$7.485,83, e melhor caminho não lhe resta se não aceitar a decisão proferida e aguardar um possível procedimento executório.

Em outras palavras, o depósito recursal constitui um entrave ao direito de acesso aos tribunais, para as pequenas e micro empresas, cuja receita mensal serve basicamente para a sua manutenção, pagamento de empregados e o seu sustento. Por outro lado, as grandes empresas dispõem de meios materiais para efetuar o depósito, sem que isso lhe traga obstáculo ao seu sustento, o que não ocorre com as pequenas e microempresas, como já dito.

Graças à Lei 11.101/2005, que instituiu a Lei de Recuperação de Empresas permitiu a edição da súmula nº 86 do TST, que, graças à situação falimentar da empresa, a massa falida estaria livre do pagamento de depósito recursal. Constata-se que efetivamente trouxe um tratamento jurídico diferenciado para as empresas nesta situação atípica. Importante ressaltar que esta vantagem não absorve as empresas em recuperação judicial ou liquidação.

Portanto, já que houve um tratamento jurídico diferenciado para estes casos, percebe-se a possibilidade de flexibilização do artigo 899 da CLT, uma vez que as empresas se encontram em situação de falência, em que não é possível arcar com os custos de uma garantia do juízo. Entretanto, ainda não existe tal favorecimento com relação às pequenas e microempresas, em que pese estar comprovado que a situação peculiar de tais empresas também não permite que esta realize o pagamento de um depósito recursal, sem que isso lhe comprometa, já que o seu faturamento é baixo na maioria dos casos, se comparado com as grandes empresas.

Outra alternativa bastante viável, cabível no sistema jurídico vigente, e defendida por muitos doutrinadores, é a utilização do consórcio de empregadores urbanos, através da aplicação por analogia do art. 25-A da Lei n. 8.212 de 1991, onde: “Equipara-se ao empregador rural pessoa física o consórcio simplificado de produtores rurais, formado pela união de produtores rurais pessoas físicas, que outorgar a um deles poderes para contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em cartório de títulos e documentos.”

A previsão acima se refere ao consórcio de empregadores no âmbito rural, criado no intuito de suprir a mão-de-obra sazonal e temporária, às vezes para realização de tarefas em parte do dia, em diversos campos de trabalho. Por conta disto, a natureza do referido tipo de trabalho é incompatível com a contratação comum, por apenas um empregador, por conta do seu custo elevado.

Portanto, para evitar a contratação informal de mão-de-obra, trazendo prejuízos ao trabalhador, começou a se firmar a contratação de trabalhadores por uma equipe de empregadores, de tal forma que vários produtores pudessem contratar empregados em comum utilizando dessa mão-de-obra em sistema de revezamento, atendendo às necessidades intermitentes de todos, chamando-se a tal fenômeno de consórcio de empregadores. Solução, como se vê, originada pelo anseio da própria sociedade.

Ainda, tem-se a negociação coletiva como uma ferramenta eficiente para adequar o Direito às necessidades de um determinado setor, principalmente, ao tamanho da empresa, e por ser eficaz meio de acompanhar as mudanças socioeconômicas. Apesar disto, é possível haver a flexibilização de normas trabalhistas por meio de negociação coletiva que traga, a primeiro olhar, uma diminuição dos direitos do trabalhador, para que sejam preservadas as relações de trabalho.

Por fim, as pequenas empresas devem ser observadas sob um prisma diferenciado das grandes empresas, em razão de sua limitação técnica e econômica, pois somente assim será possível preservar o instituto máximo do Direito do Trabalho, qual seja a congregação do princípio da proteção, com o princípio da preservação da empresa, para que esta possa então cumprir com o seu papel social.

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Sobre o autor
Rodrigo do Valle Oliveira

Advogado. Graduado pela Universidade Católica do Salvador em 2011.2. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia em 2014.1. Atualmente cursando especialização em Direito e Prática Previdenciária pela Faculdade Baiana de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo utilizado como base para apresentação de monografia para obtenção do grau de Especialista em Direito e Processo do Trabalho perante a Universidade Federal da Bahia, no ano de 2014.

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