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O poder de voto nas sociedades de economia mista

28/05/2015 às 15:36
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Discussão do caso concreto que envolve acusação de abuso de poder de voto em sociedade de economia mista e de capital aberto.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve julgar processo onde a União Federal, ente que figura como acionista controlador da ELETROBRAS,  é acusada de suposto abuso do direito de voto e de conflito de interesses na aprovação da renovação antecipada das concessões da empresa, em 2012.

Noticia-se que o Executivo Federal, buscando reduzir as tarifas de energia elétrica, editou a Medida Provisória 579, que previa a renovação antecipada das concessões das distribuidoras. Em troca, estas reduziriam as tarifas. Nem todas aderiram, mas a ELETROBRAS, em assembleia, aprovou o plano, com voto a favor da União. É dito que só as distribuidoras que aderiram acabaram amargando fortes prejuízos em 2014.

Apura-se, pois, se houve responsabilidade da União Federal pelo descumprimento da Lei de Sociedades Anônimas.

Aliás, o artigo 115 da Lei de Sociedades Anônimas prevê que o voto do acionista seja no interesse da companhia. Sendo assim, caso resulte em dano à empresa ou a outros acionistas, ele poderá ser considerado abusivo. Argumenta-se que, se houver conflito de interesses, o acionista não poderá votar.

Discute-se o chamado abuso no exercício do voto.

A melhor doutrina vê no voto não um direito subjetivo, stricto sensu, isto é, um direito subjetivo a uma prestação de outrem, mas um poder jurídico.

O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social (artigo 116 da Lei 6.404/76).

Portanto, comete abuso de poder o controlador que orienta a companhia “para fim estranho ao objeto social”(artigo 117, § 1º, a). O acionista deve exercer o seu direito de voto no interesse da companhia (artigo 115).

O acionista controlador, no seu status, tem deveres e responsabilidades não só em relação aos demais acionistas, mas também perante os trabalhadores e a comunidade em que atua a empresa.

Esse poder é uma função não uma mera prerrogativa de gozo em seu interesse próprio.

É sabido que a Lei 6.404/76 criou a figura do acionista controlador, um órgão societário, que é encarregado de “dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos demais órgãos da sociedade“, consoante preceitua o artigo 116, "b", da Lei de Sociedades Anônimas.

Assim são características do acionista controlador: ser titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; usar efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Por não existir poder passivo, deve o acionista controlador exercer seu poder de forma estável e permanente, imprimindo à companhia a marca de sua atuação.

Sendo assim, as deliberações abusivas da assembleia geral da companhia não são imputadas anonimamente a ela, mas ao titular do poder de comando empresarial.

Mesmo que o ato questionado seja aprovado em assembleia geral, em tese, não se afasta a possibilidade da ocorrência do abuso do poder e, portanto, a responsabilização do acionista controlador.

Nessa linha de entendimento, Fábio Konder Comparato (Direito Empresarial, 1990, pág. 93) ensinou que, quanto ao impedimento do voto do controlador em deliberações que digam respeito ao seu interesse em particular, “ele decorre da consideração irrecusável de que a chamada “ vontade social” reduz-se, na verdade, à vontade do acionista controlador, expressa pela deliberação de assembleia”.

Observe-se que o processo foi aberto a partir de reclamações apresentadas por sócios minoritários, que alegam abuso no poder de controle.

No questionamento feito pelos sócios minoritários há, sem dúvida, a discussão com relação ao chamado poder de controle. Aliás, a Lei de Sociedades Anônimas colocou o poder de controle no centro da economia societária. Aceita-se o direito de comandar, como direito-função, a ser exercido em proveito da empresa como um todo (artigos 116 e 117 da Lei nº 6.404). Lembre-se que o controle é o direito de dispor dos bens alheios como um proprietário. Controlar uma empresa é o poder de dispor dos bens que lhe são destinados, de sorte que o controlador se torna senhor de sua atividade econômica.

Mais uma vez, há a dicotomia entre os interesses dos acionistas  controladores e dos chamados minoritários.

Lançam-se as lições de Fábio Konder Comparato (O poder de controle na sociedade anônima, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1983, pág. 67), para quem "o desuso ou mau uso do poder não é elemento definidor do status, pois, ainda que o controlador afete desinteressar-se dos negócios sociais, não pode arredar o fato de que o poder de comando se exerce em seu nome, ou por delegação sua, o que a tanto equivale". O acionista controlador deve usar o poder, quer de controle, quer de voto. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social. Ora, comete abuso de poder o controlador que orienta a companhia “para fim estranho ao objeto social da empresa”.

Há interesses que devem ser atendidos no exercício dos poderes que a lei atribui aos acionistas, sejam eles controladores ou não. A não realização intencional desses interesses configura um abuso ou desvio de poder, que é objeto de sanção legal. Tal poder de controle é uma função, não uma prerrogativa ou gozo de um interesse próprio. Como disse Fábio Comparato (Direito Empresarial, pág. 86), o status do acionista controlador difere sensivelmente da posição do não-controlador. Enquanto aquele tem deveres e responsabilidades não só em relação aos demais acionistas, mas também perante os trabalhadores e a comunidade em que atua a empresa, os não-controladores devem pautar sua atuação na companhia pelos interesses estritamente societários.

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Cabe lembrar que o controlador da sociedade de economia mista está diretamente vinculado aos objetivos perseguidos pelo Estado quando da criação da companhia, cujo lucro pode ser uma consequência da atividade desenvolvida, mas não o elemento balizador de sua existência, como disse Marcia Carla Pereira Ribeiro (Sociedade de economia mista e empresa privada, 1999, pág. 55), sendo que o lucro pode se apresentar não só como um “resultado patrimonial” positivo, mas ainda como “lucro social” condizente com os objetivos do sócio controlador Estado.  

O que se espera é que essa questão seja revolvida, com a atuação da Comissão de Valores Mobiliários, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, com poderes para disciplinar, normatizar e fiscalizar atuação dos diversos integrantes do mercado, de forma a que os interesses político-partidários não suplantem o interesse público e, ainda, a correta política pública que deve ser desenvolvida no Brasil no campo do mercado de fornecimento de energia elétrica.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O poder de voto nas sociedades de economia mista . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4348, 28 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39515. Acesso em: 18 dez. 2024.

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