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A crise no Iraque e a importância de salvar a ONU para a manutenção do sistema internacional de proteção dos direitos humanos

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VII - Considerações Finais.

Como já afirmamos, deixou-se de discutir os direitos humanos circunscrevendo o espectro de sua aplicação para, de uma forma mais completa e integral, vislumbrá-los como uma enorme gama de direitos e situações que, para sua efetiva proteção, não se encontram isolados, mas dimensionados em diversos e interdependentes instrumentos internacionais e que demandam uma atuação responsável dos Estados en suas relações internacionais.

Os instrumentos internacionais mencionados, em conjunto, determinam o que se costumou chamar de "sistema internacional de proteção" aos direitos humanos, passando-se da proteção em relação à determinadas situações para a proteção do ser humano de forma completa e integral e reconhecendo uma enorme gama de direitos os quais atuam de forma que não exista efetiva proteção sem que se garanta toda a gama de direitos reconhecidos.

Podemos afirmar, então, que a "doutrina da proteção integral" aos direitos humanos, na verdade, se compõe de um sistema, o qual engloba duas vertentes: uma positiva e outra negativa.

Em sua vertente positiva a "proteção integral" é um sistema de concessões às pessoas ou povos potencialmente mais vulneráveis, vistos não como objeto, mas como sujeitos de direitos originários e fundamentais, importando em abrir-se (pelos Estados, a sociedade internacional, em síntese) as concessões necessárias à fruição de tais direitos por tais pessoas ou povos.

Já em sua vertente negativa a "proteção integral" é um sistema de restrições às ações e condutas dos Estados que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, representem uma violação contra os direitos dessas mesmas pessoas o povos, reprimindo-se não apenas os abusos diretos (a exploração, a mercancia), mas também qualquer abuso contra as concessões outorgadas pela vertente positiva do sistema.

Essa a doutrina patrocinada pela ONU e que cada Estado Parte aceitou ao ratificar a Carta da ONU, submetendo-se ao compromisso de construir uma ordem legal internacional voltada para a efetivação dessa proteção integral, que consubstancie o pleno e integral desenvolvimento de todos os potenciais dos povos do planeta, de forma a possibilitar o surgimento de uma sociedade internacional mais justa e equânime.

Essa mesma doutrina, somente encontra sua razão de ser e efetividade na atuação real da ONU por meio de seus orgãos, como o Conselho de Segurança, nos casos de crises inernacionais no relacionamente entre os Estados participantes do sistema jurídico internacional.

E essa era a atuação ponderada que estava sendo patrocinada pelo Conselho de Segurança, antes de ser atropelado pela ação unilateral norteamericana, o seja, buscava-se uma solução pacífica que promovia a proteção integral da dignidade do ser humano, representado pelo povo Iraquiano e por todos os povos que confiam no sistema jurídico internacional.

Justamente esse valor, a dignidade do ser humano, constitui o núcleo duro de todo o sistema de proteção internacional dos direitos humanos, que de forma sem precedentes encontrou desenvolvimento através dos trabalhos da ONU, o que por si só justifica a necessidade de defesa incondicional dessa organização internacional, do sistema jurídico internacional, e a expressa condenação das atitudes britânicas e norteamericana no desenrolar da atual crise internacional.

Assim, esperamos, diante dos conceitos aqui referidos, tais como a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, a unidade fundamental das diversas gerações de direitos humanos, o estabecimento da dignidade do ser humano como valor fundamental e a concepção de proteção integral desse mesmo ser humanos, todos eles desenvolvidos, dinamizados e explicitados em tratados internacionais por meio da ONU, ter demonstrado a importância de tal organização internacional para o estabelecimento de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos e a necessidade de uma solução internacional para a atual crise do sistema ONU, provavelmente no sentido de congregar-se os países amantes da paz, como o Brasil, em torno da Resolução Unidos pela Paz, de forma a condenar-se definitivamente qualquer ação militar unilateral e preventiva que tenha o suposto objetivo de salvaguardar direitos humanos.


NOTAS

  1. DIEZ DE VELASCO, Manuel. Instituciones de derecho internacional público. 12ª. Ed. Editorial Tecnos S. A., Madrid, España – 1999, pg. 539.
  2. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteção dos direitos humanos na ordem interna e internacional. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1984, 1ª edição, pg. 84.
  3. DIEZ DE VELASCO. op. cit., pg. 536.
  4. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS - 1948. Adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil em 10 de dezembro de 1948.
  5. Em um sistema classificatório livre, nosso, decorrente das lições de REZEK y ACCIOLY.
  6. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 8ª. Edicao. Ed. Saraiva, São Paulo, Brasil – 2000, pgs. 254 e seguintes.
  7. ZANINI, G. Contribuição ao estudo da eficácia das resoluções das organizações internacionais. São Paulo, 1977, pg. 76.
  8. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. Ed. Saraiva. São Paulo, 1983, 10ª edição, pg. 187.
  9. CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS - 1945.
  10. "Artigo 10. A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e, com exceção do estipulado no artigo 12, poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles, conjuntamente, com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos."
  11. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Princípios de direito internacional contemporâneo. Ed. da Universidade Nacional de Brasília, Brasília, 1981, pg. 227.
  12. LEWANDOWSKI. op. cit. pgs. 88 e 89.
  13. Rangel, Vicente Marotta. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e o seu vigésimo aniversário in Estudo dos problemas brasileiros nº 70. São Paulo, 1969, pg. 12.
  14. HENKIN, Louis. op. cit. pg. 223.
  15. CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS - 1945.
  16. "Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: I - níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; II - a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e III - o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
    Artigo 56. Para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente."
  17. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. Ed. Malheiros, São Paulo, 4ª edição, pgs. 474/482, 1993.
  18. Sob este ponto de vista, PASTOR RIDRUEJO conclui que todo e qualquer esforço para melhorar mundialmente o nível de respeito aos direitos de primeira geração e, por consequência, aumentar o grau de satisfação aos direitos de segunda e terceira geração, requer dos países mais ricos e desenvolvidos a cooperação para o desenvolvimento dos países mais pobres. (RIDRUEJO, José Antonio Pastor. La proteccion internacional de los derechos humanos y la cooperacion para el desarrollo. Instituto Hispano-Luso-Americano de Derecho Internacional, Secretaria General, Madrid, 1992.)
  19. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. Ed. Max Limonad, São Paulo, pg. 28, 1998.
  20. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. Ed. Saraiva, São Paulo, 1991, pgs. 41 e 42.
  21. PIOVESAN. op. cit. pg. 29.

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Sobre o autor
Sérgio Augusto G. Pereira de Souza

procurador da Fazenda Nacional, mestre em Direito Internacional pela USP, doutorando em Estudos Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Sérgio Augusto G. Pereira. A crise no Iraque e a importância de salvar a ONU para a manutenção do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3962. Acesso em: 26 abr. 2024.

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