A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi criada pela Lei Complementar nº 70/1991, portanto, sob a égide da Constituição Federal de 1988, e com fulcro no art. 195, I, "b" da Carta Magna. É contribuição social criada para financiar a Seguridade Social e que tem como base de cálculo o faturamento percebido pelos contribuintes discriminados no inciso I do citado artigo. A própria Lei Complementar que institui a Cofins, em seu art. 1º, ressalta, de maneira expressa, que não haverá prejuízo das contribuições ao PIS/PASEP.
Abrimos aqui um parêntese para breves considerações acerca do PIS. O Programa de Integração Social (PIS) foi criado pela Lei Complementar nº 07/1970 e é "destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas"(art. 1º), bem como "as importâncias creditadas aos empregados nas cadernetas de participação são inalienáveis e impenhoráveis, destinando-se, primordialmente, à formação de patrimônio do trabalhador"(art. 9º). (grifos nossos). Como a Cofins, a contribuição para o PIS também incide sobre o faturamento do empregador. Devemos notar, no entanto, que o PIS foi criado em regime anterior à Constituição Federal de 1988, muito embora não tenha remetido a sua criação a qualquer permissivo legal, como fez o legislador quando da criação da Cofins, em referência direta ao art. 195 da Carta Magna de 1988.
Com o advento da atual ordem constitucional, os institutos já existentes deveriam necessariamente ser recepcionados pelo regime legislativo máximo, sob pena de serem reconhecidos como inconstitucionais. Nesse sentido, é necessário encontrarmos, no regime constitucional atual, o permissivo relativo à já tradicional contribuição ao PIS, em obediência ao princípio da legalidade. Não provoca maiores debates a afirmação de que a contribuição ao PIS configura-se em verdadeiro suporte ao sistema nacional de Seguridade Social, e dessa feita, encontramos o seu fundamento no já citado art. 195, inciso I, alínea "b" da Constituição Federal, e assim, sua exigência vem protegida pelo mais transparente manto da legalidade. Frise-se, a contribuição ao PIS, com o advento da Constituição Federal de 1988, tem como fundamento o art. 195, I, "b" da Carta Magna.
De volta à Cofins, lançamos olhar atento à sua data de criação e o seu fundamento legal: a sua criação data de 1991, ou seja, sob a égide da atual Constituição, e o seu fundamento legal expresso é o art. 195, I, "b" da Lei Maior. Não é preciso maior diligência para afirmar que o fundamento legal para criação da Cofins coincide com o fundamento existente para a cobrança da contribuição ao PIS, inclusive tal referência foi feita pelo próprio legislador na Lei Complementar nº 70/1991, que criou a Cofins.
Das considerações até aqui aduzidas torna-se inafastável a seguinte conclusão: a cobrança da Cofins é inconstitucional!
Tal conclusão urge da interpretação sistemática da legislação constituinte nacional, em especial dos seus artigos 154, inciso I e do citado art. 195, I, "b" e parágrafo 4º a seguir transcritos:
Art. 154. A União poderá instituir:
I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
(...). (grifos nossos).
No dispositivo acima, o legislador expôs de forma clara e precisa referência a impostos, que é apenas uma das espécies de tributo e de exigências tributárias. Tal lisura na redação do artigo tem motivado decisões judiciais no sentido de reconhecer que a não-cumulatividade e não coincidência entre fato gerador ou base de cálculo aplicam-se apenas na criação de novos impostos, excluindo-se dessas restrições, portanto, as taxas e contribuições. Em princípio e analisado o dispositivo de forma isolada, não merece críticas tal posicionamento.
Para alcançarmos a matéria discutida nestas humildes linhas, reportamo-nos ao outro dispositivo da Constituição:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a)omissis;
b)a receita ou o faturamento;
(...).
§ 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
(...). (grifos nossos).
O comando constitucional discrimina as contribuições sociais a serem criadas para o custeio da Seguridade Social, fundamento expresso para a criação da Cofins, bem como registra a possibilidade da criação de novas fontes com o mesmo objetivo, desde que obedecido o disposto no art. 154, I.
A inconstitucionalidade se verifica porque a Cofins foi criada sob uma previsão legislativa que já havia sido preenchida pela contribuição ao PIS, que embora criada antes da Constituição de 1988, foi necessariamente por ela recepcionada, caso contrário, sua cobrança estaria eivada de inconstitucionalidade desde a promulgação da atual Carta Magna. Ora, se já existia, quando da criação da Cofins, contribuição que preenchesse a previsão do art. 195, I, restaria ao legislador instituir novas fontes de custeio com fulcro no parágrafo 4º do art. 195. No entanto, não foi essa a conduta do legislador, que não só não desrespeitou o que disciplina o citado parágrafo 4º, como fundamentou a criação da Cofins, de forma expressa, no inciso I do art. 195.
É claro que a instituição de contribuições à Seguridade Social não pode acontecer ao bel prazer arrecadatório do Estado, que para tanto deve respeitar os comandos legislativos e constitucionais. No caso da criação da Cofins, o legislador deveria reconhecer que o permissivo contido no art. 195, I já estava preenchido pela contribuição ao PIS, e dessa feita, se almejasse pela criação de novas fontes de custeio, deveria observar o que disciplina o parágrafo 4º do mesmo artigo, ou seja, que o novo tributo fosse não-cumulativo e que não houvesse coincidência entre os fatos geradores e bases de cálculos já previstos na Constituição, o que não ocorreu no caso da Cofins, que possui exatamente a mesma base de cálculo do PIS.
A tal passo, não há mais razão em afirmar que essas restrições previstas no art. 154, I e referidas no parágrafo 4º do art. 195 aplicam-se apenas aos impostos, e a Cofins, por ser contribuição social não estaria sujeita às referidas restrições, conforme veremos nas linhas seguintes.
Como vimos, a criação da Cofins teve como fundamento o mesmo dispositivo constitucional que permite a contribuição para o PIS, sem contudo, substituí-lo, e assim, as referidas contribuições passaram a existir em conjunto. Entretanto, da redação desses dois artigos da Constituição Federal transcritos acima, destaca-se a seguinte conclusão: primeiro, é permitida a criação de novas fontes de custeio para a Seguridade Social, que não as descritas no art. 195 da Constituição Federal. Segundo, que essa nova fonte de custeio, seja ela imposto, taxa ou contribuição social, deve obedecer, mutatis mutandis, os comandos dispostos no art. 154, I, também da Magna Carta, quais sejam, a não-cumulatividade e a não coincidência entre o fato gerador e a base de cálculo.
Não é possível admitirmos que o art. 195 refere-se a instituição apenas de impostos, pois estaríamos admitindo uma redundância pobre na norma legislativa máxima, que estaria repetindo o já consignado no art. 154, I, ignorando a máxima de que no texto legal inexistem palavras inúteis. Da mesma forma, não seria razoável assumirmos que o parágrafo 4º do art. 195 não trouxe qualquer inovação ao art. 154, I, pois dessa forma, estaríamos admitindo que o legislador constituinte se repetiu, cometendo uma grosseira falha técnica na redação da Lei Maior, regulando exatamente a mesma matéria, em seus exatos termos, em passagens distintas do texto legislativo. Ora, ao nosso ver, tal interpretação é absurda e insustentável, e como é notória, a interpretação das normas legais não pode gerar conclusões teratológicas, e sendo assim, melhor razão assiste àqueles que defendem que o parágrafo 4º do art. 195 tem por escopo impedir que novas fontes criadas para o custeio da Seguridade Social, sejam elas impostos, taxas ou contribuições, venham a ferir o disposto no art. 154, I, ou seja, essas novas fontes não devem ter como base de cálculo ou fato gerador coincidentes com os já expostos na Constituição, inclusive no art. 195, I, bem como devem ser não-cumulativos.
Assim, temos que a contribuição para o PIS foi recepcionada no atual regime constitucional pelo art. 195. Ora, não é razoável a interpretação de que podem ser criadas quantas contribuições sejam desejadas sob o manto constitucional do art. 195, pois isso resultaria em uma total desregulamentação tributária, com margens para abusos provocados pelo "apetite arrecadador" do Estado. Nesse sentido, a criação da Cofins só se justifica pelo disposto no parágrafo 4º do citado artigo da Constituição Federal. Não obstante, como já demonstramos, esse novo tributo deve, obrigatoriamente, respeitar as determinações de não-cumulatividade e não coincidência entre fato gerador e base de cálculo de outro tributo já existente. No entanto, e conforme a própria Lei Complementar nº 70/91, a determinação constitucional não foi respeitada, sendo textual a coincidência entre as bases de cálculo utilizadas tanto para a contribuição para o PIS como para cobrança da Cofins.
Urge, portanto, reconhecermos a inconstitucionalidade da Cofins, por afronta direta ao disposto na Constituição Federal em seus arts. 154, I e 195, parágrafo 4º. Se havia o interesse em aumentar a arrecadação, melhor sorte assistiria ao legislador se optasse pela majoração da alíquota do PIS, mas a criação de nova contribuição não possui qualquer suporte legal, e sua cobrança, conforme o exposto e argumentado neste espaço, é ato flagrantemente inconstitucional.