A moderna sociedade tecnológica em confronto com o princípio fundamental do direito à desconexão ao trabalho

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03/06/2015 às 09:59
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As inovações tecnológicas impactaram a sociedade propondo facilitar a vida. O trabalho busca questionar a relação tecnologia, trabalho e lazer na contemporaneidade, com realce sobre a conexão excessiva do trabalhador e o direito à desconexão ao trabalho.

Resumo: As inovações tecnológicas avançaram nos últimos anos e impactaram a sociedade com propostas para facilitar a vida dos indivíduos, ao passo que as suas implicações sobre o cotidiano das pessoas, nas relações de trabalho e nos períodos de descanso, revelaram a necessidade de um posicionamento jurídico moderno em garantia à dignidade humana do trabalhador. Diante disso, este trabalho busca questionar a relação existente entre o trabalho, a tecnologia e o lazer na contemporaneidade, apontando sinteticamente o parecer doutrinário e jurídico sobre o direito à desconexão ao trabalho frente às mobilidades oferecidas pela tecnologia. Procedendo, uma breve abordagem ao direito social ao lazer e suas transformações na sociedade contemporânea, com realce sobre a conexão excessiva do trabalhador e as novas posições jurídicas, enfatizando as inovações empresariais que surgiram para enfrentar o paradigma da sociedade tecnológica. Sempre com o objetivo de suscitar a questão da qualidade de vida do trabalhador e o seu direito social ao descanso.

Palavras-chave: Direito ao Lazer. Sociedade Tecnológica. Desconexão ao trabalho.


INTRODUÇÃO

Inúmeras mudanças ocorreram na sociedade através dos tempos. Dentre elas, aquela que ocupa lugar de destaque na contemporaneidade é o desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, a relação entre empregador e empregado sofreu interferência direta dos avanços tecnológicos, afetando direitos fundamentais, tais como os direitos ao descanso, ao lazer e, consequentemente, à desconexão ao trabalho.

Ocorre que a sociedade enfrenta um constante desafio em se adaptar a todas as possibilidades oferecidas pela tecnologia, e os trabalhadores componentes desta sociedade, por sua vez, foram submetidos ao enfrentamento desses desafios a partir do rompimento dos limites entre a vida profissional e a vida privada. Assim, entende-se que a mobilidade apresentada pela tecnologia no mundo corporativo, apesar de oferecer facilidades para o trabalhador, trouxe consigo consequências ainda não administradas corretamente pelo ordenamento jurídico.

Deve-se, então, questionar se existe um equilíbrio entre os avanços tecnológicos e os direitos fundamentais do trabalhador, ou se, em virtude destes avanços, os trabalhadores têm seus direitos violados através de excessivas jornadas de trabalho, ou da constante conexão com a empresa durante os períodos de descanso.

Considerando que o direito ao lazer consiste em um direito social previsto constitucionalmente, acresce-se que os processos envolvidos nas relações de trabalho e as novas tecnologias foram discutidos e questionados a fim de se obter possíveis soluções para os problemas enfrentados pela sociedade, assim como pela própria família do trabalhador, que sente os impactos da violação ao direito a se desconectar do trabalho. Em face disso, cumpre destacar que o direito à desconexão se apresentou como a forma possível do ordenamento jurídico se posicionar diante dos novos paradigmas modernos. Assim, acredita-se que novas propostas legislativas aliadas às inovações empresariais são formas de aplicabilidade do direito à desconexão a fim de contribuir efetivamente para uma melhor qualidade de vida dos trabalhadores.

Para tanto, serão abordados, as transformações que aconteceram nas relações de trabalho em decorrência do avanço tecnológico. Com ênfase nas mudanças provocadas na sociedade, no trabalho e no lazer, em razão da intima ligação do homem com a tecnologia na contemporaneidade. Tratando-se, assim, de uma análise sintética da opinião de especialistas de diversas áreas sobre a questão da mobilidade tecnológica e os novos entendimentos jurídicos frente às mobilidades.


1. CONTEXTO ATUAL SOBRE A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O TRABALHO, A TECNOLOGIA E O LAZER.

A sociedade mundial experimentou através dos tempos grandes mudanças na relação entre trabalho e lazer. Os avanços tecnológicos e industriais comprometeram o ritmo do trabalho, em razão das técnicas e instrumentos utilizados as atividades do empregado atingiram condições físicas extenuantes. Por outro lado, em decorrência do processo histórico da sociedade, percebe-se que o trabalho determina a identidade social da população, posicionando e qualificando o indivíduo na estrutura social, representando um fator de estruturação para a vida coletiva, determinando lugares, papéis sociais, relações e ideologias. Vale dizer que o trabalho é um referencial simbólico da sociedade contemporânea. (ALCÂNTARA, 2003, p. 24)

Nesse sentido, tudo isso que se estende sobre as alterações nas relações de trabalho ocorreram, dentre outros fatores, em função do progresso do capitalismo e do desenvolvimento da própria tecnologia, afinal, segundo Alexandre Lunardi, (2010, p. 46) o objeto da busca do homem mudou transformando a busca pelo sustento um fim em si mesmo, perdendo assim, sua liberdade, sua capacidade criativa e moral, e colocando em questão sua própria identidade.

Com a implementação tecnológica, tornou-se evidente que as atividades produtivas estão relacionadas mais à informação do que à transformação da matéria, ou seja, atualmente há uma preponderância do trabalho intelectual sobre o manual. Na contemporaneidade, o avanço científico criou novas dimensões na organização do tempo de trabalho, constituindo uma verdadeira ameaça à liberdade e à vida privada do trabalhador. Visto que, a competitividade proporcionada pela base tecnológica existente condiciona os indivíduos a trabalharem mais e a estarem disponíveis ao sistema mercadológico do capitalismo. (MAÑAS, 2005, p. 21)

Nesse sentido, com os avanços tecnológicos, a centralidade do trabalho na sociedade foi questionada, e a força de trabalho se tornou explorada intensamente em função do próprio sistema capitalista de produção. Contudo, em virtude das inovações, as relações de trabalho apresentam em seu núcleo uma debilidade, negligenciado direitos fundamentais que preservam a dignidade do trabalhador, alem de “[...] não mais oferecem, na sua grande maioria, as garantias sociais e trabalhistas conquistadas pelos trabalhadores ao longo de anos de luta operária”, (ALBUQUERQUE, 2007, p. 3)

As novas tecnologias provocaram uma série de mudanças na sociedade. De toda forma, tecnologia e sociedade produzem e reproduzem uma a outra, e também se contrapõem, sendo que, de um lado, a tecnologia propõe tornar a vida humana melhor e mais fácil e, por outro lado, a sociedade vive um constante desafio em desfrutar de todas as possibilidades oferecidas pela tecnologia. Um mundo novo que causa fascinação, pelas possibilidades tecnológicas oferecidas, porém desenvolve insegurança, frente aos desafios que surgem nesta realidade estabelecida na constante readaptação.

Sob este aspecto, as atividades para aproveitamento do tempo de lazer para o trabalhador, apresentam-se como ações sem sentido, apenas preenchendo espaços vazios, pois o individuo é impelido a capacitar-se para melhor competir no mercado de trabalho, ou ainda “exaurir-se num consumo coisificado e fetichizado inteiramente desprovido de sentido”. Assim, a busca por um tempo livre deverá estar “[...] intimamente articulada à luta contra o sistema de metabolismo social do capital que converte o tempo livre em tempo de consumo para o capital”. (MAÑAS, 2005, p. 114)

É sobremodo importante assinalar outro fator prevalecente na modernidade, que é o avanço tecnológico na era da informação. Em vista disso, o progresso da tecnologia tem atingido todos os setores da atividade humana. O centro da vida econômica e social não é mais a produção de bens materiais, mas a informação. Nesse sentido, Rodolpho Silva Oliveira (2011) esclarece que “a informação, portanto, funciona como parâmetros das relações de poder do mundo contemporâneo, onde a globalização teve papel basilar para construção da sociedade de informação”.

Disso decorre que o trabalho, a educação, a saúde, o lazer, a política, a economia, enfim, tudo depende da informação. Em verdade, com a observância dessa sociedade de informação conclui-se que sua principal ferramenta de desenvolvimento é a rede mundial de computadores, a Internet, visto que é através dela que informações de todo o mundo formam um grande universo virtual.

A série de mudanças que ocorreram na esfera social, econômica, política e cultural, motivadas como dito anteriormente, pelo desenvolvimento tecnológico, demonstram que a tecnologia é uma ferramenta que proporciona melhorias no cotidiano, bem como uma readaptação do modo de vida do homem, solucionando diversos problemas práticos. Incontestável é que a presença da tecnologia é um fator preponderante na sociedade. Estar conectado possibilita um avanço das atividades relacionadas a atividades humanas e, assim, contribui para o desenvolvimento do conhecimento científico, dos padrões sociais e econômicos.

Em reconhecimento desta posição, Oliveira (2011) declara que a sociedade enfrenta a maior das revoluções, a revolução tecnológica. Visto que não se registra na história outro momento em que houve tamanha influência da concepção inventiva do homem sobre a sociedade. Na era da Sociedade da Informação, a globalização é o fenômeno diretamente ligado à expansão capitalista, propulsora das relações tecnológicas de âmbito mundial, em que redes de informação unem pessoas e lugares de todo o planeta em uma grande teia social. E, portanto, é este intercâmbio motivado pela globalização que permite a circulação de conhecimento, de cultura e de informação. Dessa forma, o modelo de desenvolvimento baseado na Internet justifica o fato de que a economia e a tecnologia avançam com uma velocidade equivalente à própria rede, e, assim, a produção, a competição e a administração baseadas nesse modelo são consideradas um pré-requisito para a prosperidade, a liberdade e a autonomia. (CASTELLS, 2000, p. 220)

Inadequado seria esquecer as implicações da tecnologia sobre os indivíduos, a cultura e o lazer. Na sociedade tecnológica, o tempo, o lazer e o trabalho não são devidamente explorados, apesar de sua grande importância na contemporaneidade, isto porque, em razão das novas tecnologias, a sociedade vivencia a percepção da perda do tempo para descansar.

O sociólogo alemão Roberto Kurz (1999), enfatiza que, na modernidade, a estrutura do trabalho e lazer atingiu limites insustentáveis, uma vez que todos os tempos e espaços da vida humana como o do trabalho, o do consumo e a vida pessoal estão tomados pela percepção do trabalho excessivo. Em outras palavras, tudo agora se transformou em trabalho, independente de sua validade econômica real, já que “[...] a quase economizarão da alma, da personalidade e até mesmo da sexualidade não mais deixa espaço para o relaxamento e o descanso”.

Vislumbra-se que a prática do lazer na sociedade contemporânea é determinado por fortes componentes de produtividade, nela se valoriza o desempenho, o produto, e não o processo de vivência que lhe dá origem. Estimula-se a prática de atividades denotadoras de moda ou status, adiando com estes comportamentos o prazer do fim de semana, dos períodos de férias. No entanto, o lazer mesmo influenciado por outras áreas de atuação da vida social, está intimamente ligado à relação de trabalho, figurando inclusive enquanto conquista da classe trabalhadora. (SCANFONE; CARVALHO NETO; TANURE, 2008 p. 61)

Sob este aspecto, destacam-se no ordenamento jurídico nacional e internacional, diversas normas que fazem referência ao direito ao lazer, na perspectiva de proporcionar uma melhor condição de vida, estabelecendo o direito ao lazer para descanso e repouso do trabalhador enquanto direito social fundamental. Dentre elas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no art. XXIV ao destacar o direito ao repouso e lazer. De outra parte, no ordenamento jurídico nacional a Constituição Federal de 1988, regulamentando o lazer como um direito social, no titulo II – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, capitulo II, art. 6º.

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Para Otavio Amaral Calvet, (2006, p. 68) o lazer possui uma importância social, aprimorando a interação humana na família e nas relações privadas. O autor entende que o lazer também tem uma função psíquica, pois atua como uma ruptura da hierarquia da sociedade, em que através do lazer o individuo pode recarregar as suas energias e o equilíbrio dentro próprio meio social. Em vista disso, o direito ao lazer se encontra no mesmo grau de importância que o direito ao trabalho e, assim, se completam, pois ambos buscam a dignidade da pessoa humana por meio da proteção do trabalhador.

Destaca-se ainda que o direito ao lazer, ou seja, direito ao tempo efetivamente livre, se manifesta enquanto limite sócio-jurídico ao trabalho extraordinário, como condição de um trabalho verdadeiramente dignificante. A propagação, entretanto, enquanto direito fundamental na esfera jus-laboral é condição indispensável para a garantia da dignidade do trabalhador, de forma que “só se pode falar em trabalho digno ou respeito à dignidade do trabalhador numa relação em que se possa realmente vislumbrar a concretização do direito fundamental ao lazer”. (MACHADO; RIBEIRO, 2011, p. 5-12)

Como foi demonstrado, o direito ao lazer pode ser interpretado como um direito fundamental do homem de se desenvolver como ser humano, capacitado de razão e desejo, buscando sua elevação física, psíquica, social e espiritual. Essa compreensão sobre o lazer centralizado na dimensão humana baseia-se na possibilidade de produção de modificações da pessoa sobre o seu papel na sociedade, de viabilizar questionamentos, resgatar a complexidade das relações humanas em contraposição à rigidez e à profilaxia das cadeias de comando empresariais. Deste modo, consiste em um direito do ser humano se desenvolver existencialmente, “[...] tanto nas relações que mantém com outros indivíduos e com o Estado, quanto pelo gozo de seu tempo livre como bem entender”. (CALVET, 2006, p. 70- 76)


2. PONDERAÇÕES QUANTO AO DIREITO À DESCONEXÃO ATRAVÉS DA PESPECTIVA JURÍDICA E TECNOLÓGICA

O trabalho ainda é extremamente significativo para as pessoas enquanto elemento de socialização do individuo e, dessa forma, é um grande desafio tratar do direito ao não trabalho. O direito à desconexão não tem sua proposta baseada na ideia de privar-se de trabalhar, pelo contrário, trabalhar dentro dos padrões necessários à preservação da vida privada e da saúde. Assim, interessante se faz considerar que “é essencial esta preocupação (de se desligar completamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução da tecnologia e pela deificação do Mercado”. (SOUTO MAIOR, 2003)

Em um mundo interconectado, onde os empregadores dispõem para os seus funcionários uma série de aparatos tecnológicos através dos quais reuniões de trabalho são realizadas em tempo real, e os trabalhadores trabalham em qualquer lugar e horário, inclusive fora da sua jornada, os empregados são submetidos a jornadas de trabalho excessivas, afetando direitos fundamentais como o direito ao descanso, ao lazer e, consequentemente, a garantia de desconectar-se do trabalho.

Partindo desta premissa, o direito à desconexão decorre de direitos constitucionais como: direito à saúde, na prevenção de doenças relacionadas ao trabalho, a exemplo do estresse do trabalhador, por ter que ser manter atualizado constantemente; direito ao descanso, através da reposição de energias e higiene mental do trabalhador; do direito ao lazer, limitando-se a jornada de trabalho. (CASSAR, 2010, p. 162)

Tornou-se evidente, que o texto constitucional objetivava “[...] à proteção à vida, à saúde, ao equilíbrio e bem-estar do corpo, da alma e da mente, pois se ocorrer um desequilíbrio em algum destes elementos, surgirão os desajustes”. Em função disso, “seu âmbito de aplicação e proteção atinge não só a higidez física, mas também pode alcançar a capacidade intelectual e psíquica da pessoa humana”. (MARQUES, 2007, p. 7)

O direito à desconexão está relacionado às normas de saúde e segurança no trabalho, bem como à limitação da jornada, ao descanso, às férias. Estes institutos estão disciplinados na Constituição Federal no art. 7°, incisos XIII, XV, XVII, XXII, com o intuito de preservar a saúde física e psíquica do trabalhador. Assim como se vincula com a proteção do obreiro em face da automação, art. 7°, XXVII, da CF, no sentido de resguardar condições saudáveis e adequadas para o exercício do trabalho, evitando a degradação relativa ao uso exagerado das novas tecnologias, de modo interrupto, pelo empregador diante do empregado. (OLIVEIRA, 2010, p. 84-86)

Sendo, portanto, vislumbrado no direito brasileiro sob diversas formas: no direito ao lazer, art. 6° CF; na limitação da jornada, art. 7°, XIII, CF e art. 58 ss da CLT; no intervalo Inter jornada, art. 66 da CLT; no intervalo intrajornada, art. 71 da CLT; no descanso semanal remunerado, Lei n. 605/49; férias, arts. 129 e seguintes da CLT e horas de sobreaviso art. 244 da CLT. Deste modo, os períodos de repouso são a materialização do direito à desconexão ao trabalho, sendo que somente com a total desvinculação do trabalho é possível o descanso.

Aponta Jose Luiz Souto Maior (2003), em pertinente observação, que o direito à desconexão deve ser entendido como um tema surrealista e contraditório, primeiramente porque se preocupa com o não trabalho. Além disso, porque fazendo um paralelo entre o trabalho humano e a tecnologia, confronta-se com as inovações que proporcionam ao homem uma possibilidade quase infinita de informações e atualizações e, em contraste, o escraviza a esta tecnologia para mantê-lo no mercado de trabalho. E, ainda, há o contrassenso de que, de um lado, o trabalho que dignifica o homem e, de outro, tira a dignidade ao impor limites enquanto avança sobre a vida privada e a intimidade do trabalhador.

Em face disso, comprova-se que o direito à desconexão ao trabalho, possui em sua propriedade a proteção física e psíquica do trabalhador, que submetido a conexão de uma serie de aparatos tecnológicos compromete os objetivos estabelecidos pelo direito social ao lazer para resguardar a sua saúde e a interação do meio social, bem como, a dignidade do trabalhador que tem seu direito violado. Corroborando este entendimento, Vólia Bonfim Cassar (2010, p. 161) expõe que “tem o trabalhador o direito fundamental ao descanso, sem os incômodos da modernidade nem de ter sua intimidade e privacidade invadida”.

De forma semelhante, Salomão Resedá (2007, p. 822-824) expressa que o mundo da tecnologia tornou-se o vilão do próprio homem. A facilidade de comunicação e localização ocasiona o surgimento de uma nova escravidão: a tecnológica. Afinal, a partir de um computador conectado à Internet é possível desenvolver as atividades sem estar necessariamente dentro do local de trabalho, tornando o período temporal destinado ao lazer e ao trabalho uma tênue linha, confundindo estes dois ambientes e ocasionando uma real possibilidade de prolongamento da jornada de trabalho.

Em entendimento ao conceito do direito à desconexão, o mesmo autor expõe ser um direito do trabalhador de não permanecer “lincado” com o empregador fora dos horários de trabalho. Por outro enfoque, apresenta-se como uma garantia de cumprimento do preceito constitucional referente ao período de descanso, frente às novas tecnologias que utilizam o tempo destinado ao lazer para cumprimento de atividades posicionais. (RESEDÁ, 2007, p. 825-829),

Nesse sentido, afirma Jose Luiz Souto Maior (2003) que os períodos de repouso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso significa pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando houver a desvinculação plena do trabalho. Fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho tecnológico usado para o acesso, não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso.

Chistiana D’Arc Damasceno Oliveira, (2010, p.84) ao tratar da questão, conceitua o direito à desconexão como aquele que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito à interferência, solicitação ou contatos do seu empregador em seus períodos de descanso. Especialmente diante da existência das novas tecnologias, ou seja, o direito do trabalhador de permanecer “desconectado” do pólo patronal e da exigência de serviços em seu período de repouso.

Um traço marcante desta realidade, é o conforto presente entre os avanços tecnológico no ambiente de trabalho. Todavia, em sintonia com outros entendimentos expostos anteriormente, os novos aparelhos tecnológicos usados fora de padrões responsáveis, pode provocar desajustes na sociedade. Um exemplo são os reflexos da tecnologia para as relações de trabalho, quanto à subordinação dos trabalhadores a um processo produtivo intenso, onde não gozam férias, por estarem diante de constantes mudanças das complexidades empresariais e um inesgotável acesso a fontes de informações posto que, ficar muitos dias “desconectado” do trabalho representa um risco para a manutenção do próprio emprego. (VIEIRA, 2009)

Evidentemente, a tecnologia produziu novos modos de trabalho, contudo, em decorrência desta evolução, “o homem está sendo transformado em sua essência: está se criando o homem cibernético”. Deste modo, o direito a desconectar-se do trabalho tornou-se uma questão de responsabilidade social, para que o trabalhador enquanto gênero humano consiga ser pai, mãe, filho, amigo, ou mesmo encontre tempo livre para ler, assistir a filmes, que tenha tempo para rir, chorar e se emocionar. (SOUTO MAIOR, 2003),

Na relação de trabalho atual, ocorrem situações em que o empregador exige que o empregado permaneça conectado, para eventual contato, ou realização de serviço, por meio de aparatos tecnológicos, no período em que este não esta efetivamente desempenhando suas atividades. Em face desta violação ao direito ao descanso, é imperativo ponderar uma indenização pelo descumprimento do direito ao não trabalho. Quanto à indenização, reitere-se, porém, que para estes casos, existem precedentes jurisprudenciais que autorizam o pagamento de adicional, por tempo de sobreaviso, previsto no art. 244, § 2º, da CLT.

Christina D'Arc Damasceno Oliveira (2010, p. 93) esclarece que, a corrente defensora da possibilidade do pagamento do adicional em razão do sobreaviso, tem por base, a liberdade do trabalhador, para utilizar o seu tempo de descanso, limitando o seu deslocamento para qualquer local que lhe aprouver. Vale ressaltar, que as novas tecnologias, como o celular e o pager à época do advento da CLT não existiam, no entanto, a necessidade de disponibilidade tecnológica ou virtual, atualmente, permanece restringindo o direito de ir e vir, sendo os novos tempos diferentes daqueles em que para fins de percepção de adicional de sobreaviso, deveria permanecer em casa aguardando ordens.

Em comentário à natureza e o valor da reparação, pela violação ao direito ao descanso, Otavio Amaral Calvet (2006. p. 56-58) expõe que, “sendo um bem imaterial que a ordem constitucional reconhece como valor intrínseco ao próprio ser humano a fim de manter sua dignidade”, a lesão a este direito corresponde, portanto, a uma indenizatória dos danos morais de natureza trabalhista, com base, no art. 114, VI, da Constituição Federal.

Conforme o parecer de Alexandre Lunardi (2010, p. 132-133) a criação de uma indenização, por violação ao direito ao lazer em simetria com a indenização do dano moral, ao menos reprimirá a violação do art. 61, § 3º da CLT, que estipula o máximo de duas horas extras diárias. Além de inibir a violação ao lazer, o que ocorre, constantemente, com a prática de jornadas habituais extraordinárias.

A posição jurídica subjetiva, em relação ao direito ao lazer, reconhece que a tutela judicial com possível reparação por dano imaterial, sempre que lesionado o seu direito ao descanso. A saber, sempre que, o empregador adotar conduta que ameace ou que lesione este direito, deverá ser imposto uma sentença inibitória com fixação de multa, para que, o empregador, não adote a referida conduta. Nas hipóteses de violação persistente e, reiterada do direito à desconexão ao trabalho, o empregado, postulando a reparação pelo dano causado pelo empregador, deverá receber indenização com caráter de compensação, através da já conhecida, doutrina do dano moral, arbitrado pelo órgão judicial. (OLIVEIRA, 2010, p. 91)

Outro aspecto essencial a ser observado, é mencionado por Jose Luiz Souto Maior (2003), quando afirma que, às horas extraordinárias, prestadas de forma ordinária interfere na saúde dos trabalhadores. Aliás, deixa-se o campo da normalidade, passando para o campo da ilegalidade, não sendo suficiente nestes casos, apenas o pagamento do adicional as horas excedentes, para corrigir o desrespeito à ordem jurídica. Isto decorre, dos arts. 186-187 do CC 2002. Assim, quando o empregador, ao determinar serviço em certas condições de trabalho, ou quando exercer seu direito abusivamente, seu ato pode ser considerado ilícito, divergente dos limites impostos pelo fim econômico ou interesse social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, dando origem, à obrigação de pagar uma indenização. Isto pode ser exemplificado, quando exige-se que do empregado, a prestação de serviços em regime de horas extras, de forma ordinária, agredindo o interesse social e econômico, cometendo ato ilícito, que neste caso a correção, naturalmente, não será pelo mero pagamento do adicional de horas extras. (SOUTO MAIOR, 2003)

As autoras, Iara Cardoso Machado e Ludmilla Souza Ribeiro, (2011, p.12) declaram que, a aplicação do direito fundamental ao lazer, nas relações de trabalho, requer a imputação ao agente agressor da conduta delituosa a respectiva sanção, nestes casos, o empregador. No entanto, faz-se necessário demonstrar, a ocorrência da conduta ilícita, dano e o nexo, isto se torna possível, na habitual prestação extraordinária de serviço pelo empregado, quando este subordinado ao empregador, excede o limite legal de jornada estabelecido.

Enfim, a violação ao direito ao lazer, além dos demais direitos trabalhistas, fere o principio da dignidade humana, visto que, não proporciona ao trabalhador o tempo efetivamente livre para a família, o convívio social e os prazeres pessoais. Todavia, é importante destacar que, “o que se está a defender não é simplesmente a patrimonialização do direito lazer, mas despertar a importância em se exigir na relação de trabalho a garantia deste direito”. (MACHADO. RIBEIRO, 2011, p. 12-13)

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Sobre a autora
Érica Lima Naziazeno

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho. Docente, Licenciada em Filosofia e Pós Graduada em Docência do Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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