A moderna sociedade tecnológica em confronto com o princípio fundamental do direito à desconexão ao trabalho

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03/06/2015 às 09:59

Resumo:


  • As inovações tecnológicas têm impactado profundamente a sociedade, alterando a dinâmica entre trabalho, lazer e vida pessoal, exigindo adaptações no ordenamento jurídico para proteger a dignidade e o bem-estar dos trabalhadores.

  • O conceito de "direito à desconexão" ganha relevância frente à dificuldade de separar as horas de trabalho das de descanso devido à constante conectividade proporcionada pelas novas tecnologias.

  • É necessário um equilíbrio que garanta tanto os benefícios da tecnologia para a produtividade quanto o respeito aos direitos ao descanso e ao lazer, fundamentais para a saúde física e mental dos trabalhadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA APLICABILIDADE JURÍDICAS AO DIREITO À DESCONEXÃO AO TRABALHO

Faz-se essencial, relacionar o direito à desconexão, com a sociedade tecnológica, e como esta, tem influenciado no cumprimento do direito ao descanso do trabalhador, atingindo seu plano de efetiva concretização. Assim sendo, surge o inevitável questionamento: a tecnologia faz o trabalhador trabalhar mais ou menos? Perguntas como estas estão presentes em todos os sites, blogs, noticiários e meios de comunicação, na atualidade. Esses questionamentos, afetam vários ramos da ciência, desde a psicologia a ciência jurídica, com vistas de melhor atender aos paradigmas contemporâneos. Com todas as modificações vivenciadas na contemporaneidade, surgiram varias opiniões sobre o uso e os efeitos da tecnologia pelo trabalhador. Exigindo assim, do ordenamento jurídico, uma visão atualizada para se posicionar diante dos novos paradigmas modernos.

Christiani Marques (2007, p. 7-8) esclarece que, o trabalho gasta energia humana, para produzir outras energias, dessa maneira, ele é fundamental para o homem ter uma condição de vida digna, no entanto, o trabalhador, às vezes está sujeito a riscos físicos e psíquicos, para manter sua própria sobrevivência, na busca de uma renda mínima. Dessa forma, a intenção do legislador, foi destacar os meios que interferem e participam da relação de trabalho, de modo que, com os novos equipamentos tecnológicos, máquinas e riscos ambientais, tornou-se necessário avaliar as consequências fisiológicas e psíquicas, que comprometem a saúde do trabalhador.

Uma das respostas, para o excesso de trabalho na contemporaneidade, está relacionado ao fenômeno da globalização, que se intensificou, na última década e impulsionou as empresas a uma competitividade ente si, lutando por investimentos, projeto e clientes, exigindo por isso, mais de seus funcionários. Neste ambiente, a tecnologia é um contrassenso contemporâneo, visto que, a evolução da tecnologia não aliviou a carga de trabalho humano, e sim aumentou o volume de informação disponível. Na opinião de Marcelo Onaga (2006) “é imperioso adequar as empresa a realidade de um mundo mais ágil e mais complexo. Enquanto isso não ocorrer, mais horas terão de serem passadas no trabalho e menos vida haverá depois do expediente”.

A tecnologia trouxe consigo além das facilidades para o trabalhador, uma série de consequências ainda não administradas corretamente pela sociedade. Evidentemente, a motivação para o trabalhador permanecer conectado a empresa nos momentos de descanso e lazer deve-se a uma expectativa de superação profissional para enfrentar o competidor mercado de trabalho que exige mais de seus concorrentes a cada dia.

Na opinião de Marcelo Onaga, editor da Revista Exame, jornadas que ultrapassam quinze horas, deixaram de ser novidade no mundo dos negócios. Independente do porte das empresas, o volume de trabalho cresceu, e com isso, os profissionais se dedicam mais ao trabalho e menos a outros aspectos, como família, amigos, lazer e cultura. Colocar o trabalho acima de tudo, tornou-se necessidade para atingir o topo da carreira, trabalhar quinze horas por dia e estar conectado todos os fins de semana, transformou-se em um símbolo de sucesso, afinal, “quem trabalha menos que os demais (mesmo que seja muito), quer dizer fraqueza, e os fracos no mundo dos negócios perdem espaço. É cruel. É desumano. Mas é a lógica que rege esse mundo”. (ONAGA, 2006)

Um estudo realizado pela Agência de Recrutamento Asap – Recruiting Leaders for the Future e o Ministério da Previdência Social Brasileiro, mostram que a economia aquecida e novas tecnologias têm levado ao aumento da carga horário de trabalho. Baseado em questionamentos, os resultados foram os seguintes: 68,5% aumentaram a carga horária no trabalho nos últimos cinco anos; 56,1% tiveram remuneração satisfatória, que compensou o aumento das horas trabalhadas; 77,8% são acionados fora do expediente, seja por celular, e-mail ou outros meios; 52,1% responderam a e-mail durante as férias. (FRAGA, 2011)

Cumpre considerar que a tecnologia objetivou proporcionar uma melhor condição de trabalho, com a expectativa de oferecer mais tempo livre para o lazer e a família. Porém no mundo dos aparatos tecnológicos, repletos de aparelhos com múltiplas funções, celulares, laptops e ainda, uma série de aplicativos de comunicação e rede sociais, adotados principalmente pelas empresas, na prática, o que ocorre é a multiplicação de tarefas e a invasão da jornada de trabalho nos fins de semana dos profissionais, ou seja, uma fragilização do limite entre a vida do trabalho e a vida particular. (VICTÓRIA, 2011)

Paradoxalmente, José Pastore (2007, p. 42) alega que o argumento usado de que o número de horas ausentes na família, decorre do excesso de trabalho adicionado pela tecnologia, é irrelevante. Posto que, a possível causa seja, a distância entre a casa e o trabalho, ao contrário da suposta pressão imposta pelas novas tecnologias. Em sua opinião, ocorre o contrário, as tecnologias descentralizaram as empresas, e liberou tempo para lazer e interação familiar, inclusive, a pessoas que trabalham em casa, tem jornadas intermitentes, em dias por elas escolhidos, e interagem com a família como querem. De modo que, foram às modernas tecnologias que permitiram a transferência do trabalho para o hotel, o ônibus, o trem, o avião, o automóvel, possibilitando assim, à realização de tarefas a distância, do modo mais conveniente aos trabalhadores.

Em contrapartida a esta opinião, à vista dos pontos explanados, nota-se um flagrante desequilíbrio no universo empresarial brasileiro, com longas jornadas de trabalho, em confronto com o tempo de não trabalho destinado ao lazer. Entretanto, tendo-se em vista que a jornada de trabalho ocupa a maior parte do tempo do empregado, a utilização do tempo de não trabalho não esta relacionada à família. Conclui-se, que os grandes avanços da tecnologia, não constituíram em fator de liberação de maior tempo livre, igualmente, tornou mais difusa à fronteira, entre as dimensões do trabalho e do não trabalho, em detrimento do predomínio do tempo de trabalho, sobre os outros tempos. (SCANFONE; CARVALHO NETO; TANURE, 2008, p. 58)

Sob outro enfoque, Clóvis Victória (2011) dispõe em seu texto que, “entre a redução do lazer e a multiplicação de tarefas, os trabalhadores hiperconectados que sofrem com excesso de trabalho enfrentam o isolamento e a indecisão jurídica”. Para fortalecer esse entendimento, cita-se a pesquisa realizada pelo SINTRAJUFE (Sindicato dos trabalhadores de Judiciário da Justiça Federal do Rio Grande do Sul), em 2009, com 257 servidores dos Juizados Especiais Federais, que constatou sobrecarga de trabalho e redução da qualidade de saúde dos trabalhadores. Dentre eles, 22,5% disseram trabalhar entre uma e seis horas por semana em casa, enquanto que, 32,2% contaram que costumam levar trabalho para casa nos fins de semana. Confirmando a premissa, 97,1% reclamaram de cansaço e, 93,7% de dor ou ardência nos olhos.

Portanto, sob este assunto, convém destacar que o avanço tecnológico ao contrário de libertar o trabalhador, o escraviza através de atividades profissionais que avançam sobre seu tempo livre. Na atual era do trabalho imaterial, ou intelectual, o tempo pessoal e o período de trabalho, estão sendo confundidos e os reflexos surgem tanto para empresas e os negócios, como para a sociedade. Contudo, além da invasão da vida pessoal pelo trabalho, o maior dilema enfrentado pelo trabalhador, fruto da tecnologia ainda não apresenta nenhuma solução.

Em observação a constante conexão do trabalhador após a sua jornada diária de trabalho, convém destacar, que o tempo dedicado ao trabalho na sociedade tecnológica, compromete não somente a qualidade de vida, como invade a vida particular do empregado, através do exercício de tarefas laborais em sua residência, e nos momentos destinados ao seu descanso. O fato de o trabalhador permanecer disponível para desenvolver atividades do trabalho através dos aparatos tecnológicos, comprova que a tecnologia interfere no tempo livre, causando um estremecimento entre o tempo profissional e o pessoal.

Posta assim a questão, indubitável é afirmar, que conforme avançam na carreira, os profissionais ficam cada vez mais envolvidos com as empresas. Trabalhar demais, com a responsabilidade do cumprimento de metas cada vez mais elevadas, pode ter consequências trágicas, a exemplos da Toyota no Japão que um terço dos japoneses, trabalha mais de 12 horas por dia, sendo parte desse período sem remuneração, pois as empresas consideram as horas excedentes, um “trabalho voluntário”. Após ocorrem algumas mortes, por excesso de trabalho, o governo japonês criou leis reduzindo as jornadas, porém as empresas passaram a obrigar os empregados a trabalhar horas a mais sem remuneração. Segundo o Ministério da Saúde, do Bem Estar e do Trabalho do Japão, em 2006, 355 trabalhadores adoeceram gravemente por sobrecarga de trabalho e, cerca de 150 morreram. (SCANFONE; CARVALHO NETO; TANURE, 2008, p. 45-61)

Ao contrário disso, surgiram novos paradigmas criado como meios de forçar os executivos a irem para casa, por exemplo: na Nokia, as luzes se apagam diariamente às 8 (oito) da noite; na Duke Emergy, multinacional americana no setor de energia, nas sexta-feira a jornada encerra às 16 horas; na Promon, a orientação é não ficar além do necessário no escritório e não levar trabalho para casa, com uma simples lição: concentrar-se naquilo que realmente importa. (ONAGA, 2006)

Continuando, a Volkswagen alemã, decidiu poupar seus funcionários dos e-mails via BlackBerry fora do horário de expediente. A montadora e os representantes dos funcionários acordaram em desativar a função de e-mail durante a noite. Além disso, só receberão e-mail até meia hora antes ou depois do horário de trabalho. O objetivo é garantir um tempo de descanso, com a expectativa de que os funcionários não fiquem acessíveis em tempo integral, evitando o risco de síndrome psicológica. (BBC BRASIL, 2011)

Similarmente, a Henkel, empresa fabricante de produtos de limpeza e higiene alemã, também declarou durante o mês de novembro de 2011, que os e-mails internos, deveriam ser enviados apenas em casos de emergência, e entre o natal e ano novo os e-mails estavam proibidos. Analistas de negócios afirmam que essas medidas refletem a conscientização das empresas, a respeito de um problema que afeta o bem-estar do trabalhador. (BBC BRASIL, 2011)

Diante deste novo quadro sócio econômico, sobrevém a necessidade de repensar a questão do tempo de trabalho, e neste caso, ajustar o enquadramento jurídico nos atuais sistemas de relações de trabalho, privilegiando a saúde e a segurança do trabalhador, proporcionando-lhe a efetiva garantia do tempo para o lazer. Diante deste novo mundo do trabalho, existe a dificuldade em preservar as fronteiras entre vida pessoal e trabalho, uma vez que, vida e trabalho se encontram intimamente entrelaçados com a tecnologia.

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Por isso, seria inadequado imaginar, o direito do trabalho, que tem por fundamentos, especialmente, o objetivo de impedir a exploração do trabalho humano, manter a ética e, a dignidade nas relações de trabalho, melhorando as condições de vida do trabalhador, não se adaptando às novas formas de organização do trabalho da contemporaneidade. E, para tal hipótese, que o direito ao trabalho, não forneça base jurídica, às novas formas de produção da sociedade moderna, nem tão pouco, jogue no lixo as garantias internacionais de preservação da dignidade humana. (SOUTO MAIOR 2003)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consonância com os aspectos destacados brevemente neste trabalho, pode-se perceber que ocorreram inúmeras mudanças na sociedade através dos séculos. A nosso ver, na contemporaneidade, estas transformações foram motivadas por inovações tecnológicas, alteraram os parâmetros da sociedade, inclusive, na relação trabalho e lazer. Em razão disso, o trabalho se tornou um fim em si mesmo, afinal, na modernidade o lazer é apenas uma mercadoria de consumo, enfim, tudo é trabalho.

A partir de várias considerações, é possível vislumbrar que a tecnologia trouxe consigo incertezas sociais. É certo que, sua proposta de facilitar o trabalho foi frustrada com o avanço desordenado da ânsia humana de estar constantemente conectado ao mundo da informação. E, consequentemente, com esta atitude o direito social ao lazer, garantido constitucionalmente como um direito fundamental ao cidadão, para sua reposição de energias, desenvolvimento social e familiar, ficou prejudicado e se tornou um bem essencial para o trabalhador na contemporaneidade.

É imperativo reconhecer, que o trabalho é fundamental como elemento de socialização, sendo também necessário declarar, que a tecnologia tem um papel importante na sociedade. No entanto, diante do desequilíbrio causado na relação de trabalho, o direito à desconexão surge como instituto de garantia para uma melhor qualidade de vida do trabalhador. Alicerçado pelos diversos instrumentos jurídicos que disciplinam o descanso, o direito ao não trabalho, se posiciona com o objetivo de impedir a exploração do trabalhador, através de excessivas jornadas de trabalho, motivadas pela mobilidade tecnológica.

Em linha conclusiva, observou-se ao longo do trabalho que a tecnologia, o trabalho e o lazer, possuem uma íntima ligação na sociedade contemporânea, e diante dos questionamentos sociais sobre os impactos causados por esta relação, o ordenamento jurídico foi motivado a se posicionar sobre a questão dos excessos de horas extras, via aparelhos tecnológicos. Como era previsível, os novos posicionamentos jurídicos criaram polêmicas, e o mercado empresarial se preocupou para enfrentar esta nova realidade.

Assim que surgiram novos paradigmas com propósito de buscar solucionar o problema da conexão excessiva dos seus funcionários, bem como, criarem atitudes para equilibrar o uso da tecnologia e a qualidade de vida dos colaboradores. Mesmo que motivadas pela ordem jurídica de indenização em casos de violação, o interesse maior reside em proporcionar ao trabalhador, um tempo livre, para facilitar a conciliação entre a vida particular e profissional, contribuir para um restabelecimento psíquico, após as jornadas de trabalho, e promover o seu envolvimento no seio social e familiar, como ser humano distinto do estereótipo de trabalhador.

Conclui-se, portanto, que na sociedade contemporânea, o trabalho ocupou um lugar de destaque na vida dos indivíduos, exigindo assim das autoridades legislativas e do universo empresarial, a criação de mecanismos que efetivamente contribuam para proteção da dignidade humana do trabalhador. Sendo, pois, imprescindível que os membros da sociedade líderes do universo do trabalho, lidem com sobriedade, a invasão da tecnologia no cotidiano da classe trabalhadora, e não seja permita a abstenção de bens imensuráveis, como o lazer com a família, a prática de esportes, o enriquecimento cultural, entre outros fatores essenciais para o equilíbrio do trabalhador na atual sociedade tecnológica.

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Sobre a autora
Érica Lima Naziazeno

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho. Docente, Licenciada em Filosofia e Pós Graduada em Docência do Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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