- INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo analisar o que efetivamente é a prerrogativa da inamovibilidade, o desenvolvimento legislativo da garantia e consequências de sua não concessão aos integrantes da carreira de Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba.
O ordenamento jurídico brasileiro em suas primeiras constituições federais, de 1824 e 1889, era omisso em relação ao instituto da inamovibilidade. Os órgãos estatais encarregados da chamada persecutio criminis foram timidamente plasmados nos referidos textos constitucionais, que no mesmo sentido, não avançou no que se refere às garantias dos ocupantes de seus cargos.
Nesse sentido, as Constituições federais do século dezenove instituíram um poder judicial (à época, chamado judiciário) nacional, descrevendo a sua estrutura e ingresso na carreira. Contudo, silenciaram-se a respeito das demais carreiras jurídicas de estado, atualmente reconhecidas, no texto constitucional federal; e máxime com relação à carreira do Delegado de Polícia.
Do mesmo modo, temos que:
“O Poder Judiciário perdeu as características de submissão do período imperial. Em reforma constitucional ocorrida em 1926, insere-se no texto a garantia da inamovibilidade para os juízes, passando a ser uma terceira garantia, ao lado da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos, previstas na Constituição.[1]” (CASTRO MENDES, O poder judiciário no Brasil).
Ao longo de nossa história constitucional, outras carreiras de estado foram contempladas com os atributos da vitaliciedade[2], inamovibilidade[3] e irredutibilidade de subsídios[4], dentre elas: os integrantes dos tribunais de contas da União, dos estados e municípios, onde houver; os Membros do Ministério público da União e dos estados e Defensores públicos da União e dos estados.
Estes três atributos ou garantias ao livre exercício funcional (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) são as primeiras e mais importantes características, de modo geral, das chamadas carreiras jurídicas. Somada a estas garantias há uma quarta de não menos importância, qual seja: a do foro por prerrogativa de função.
Elas foram-se incorporando ao leque de direitos ou garantias funcionais dos agentes públicos encarregados da jurisdição[5], compreendido nesse conceito os responsáveis pelo chamado poder de punir estatal ou jus puniendi.
Fernando Capez[6], discorrendo sobre o tema indica que:
“O Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi.
Esse direito de punir (ou poder-dever de punir), titularizado pelo Estado, é genérico e impessoal porque não se dirige especificamente contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se à coletividade como um todo”.
Em nosso modelo, o poder de punir estatal é efetivado em duas fases distintas: a primeira um procedimento pré-processual (a cargo das polícias judiciárias, em regra) e a segunda a cargo do Ministério público ou da própria vítima, nos casos de ação penal privada ou subsidiária da pública – já em sede processual – chamada de jus persequendi in judicio.
Explicitando o termo pré-processual, socorremo-nos do conceito de Pacelli[7], a seguir:
“a fase de investigação, em regra promovida pela polícia judiciária, tem natureza administrativa, sendo realizada anteriormente à provocação da jurisdição penal. Exatamente por isso se fala em fase pré-processual, tratando-se de procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação.” (p. 37)
Discorrendo acerca do tema, Nucci[8], faz referência ao inquérito policial, como produto da atividade desenvolvida pelo Delegado de Polícia Civil, no exercício da atividade de polícia judiciária, nesse sentido:
“O principal instrumento investigatório no campo penal (cuja finalidade principal é estruturar, fundamentar e dar justa causa à ação penal) é o inquérito policial. Aliás, constitucionalmente, está prevista a atividade investigatória da polícia judiciária – federal e estadual (art. 144, §1º, IV e §4º, CF)”(P. 150) .
Desta feita, o início da persecução penal se dá, de regra, pelo trabalho de polícia judiciária, dirigida pelas autoridades policiais, os Delegados de Polícia. Para exercer o seu mister o Delegado de Polícia se utiliza de permissivos legais, dentre eles: requisições a órgãos públicos, a particulares, intimações, conduções coercitivas, reproduções simuladas, exames periciais, etc.
Porém, esse poder e forma de exercício não são soberanos. Em suas atividades, o Delegado de Polícia tem que observar sempre o princípio da legalidade e os direitos e garantias fundamentais[9], a legislação processual e material penais.
Somado a isso, temos que a atividade policial – por sua natureza – é incômoda para o investigado, posto que, de regra, tende a por em xeque um dos direitos mais importantes do ser humano, qual seja: o direito à liberdade.
Desta feita, ao dar início a suas atividades, a depender do alvo das investigações do Delegado de Polícia, este profissional fica sujeito a intempéries de toda sorte, dentre elas: transferências arbitrárias ou avocação[10] de procedimentos policiais.
Logo, as atribuições do Delegado de Polícia, para serem exercidas com afinco, necessitam de garantias aos ocupantes do referido cargo, de modo a lhes assegurar a autonomia funcional e imparcialidade de suas decisões, deixando-os a salvo de ingerências de outros setores da sociedade e até de assédios de superiores hierárquicos, no exercício de suas funções institucionais.
Nesse trabalho, busca-se demonstrar a necessidade de tais garantias, em especial a da inamovibilidade, para o fiel exercício da atividade policial. Contudo tem-se um problema a ser enfrentado, qual seja: a escassez de bibliografia acerca das atribuições específicas do cargo de Delegado de Polícia e, máxime, em relação ao atributo da inamovibilidade para os ocupantes de tal cargo.
Nessa esteira, veja-se que nem as atribuições e nem o próprio exercício da atividade policial é bem delimitado em nosso ordenamento jurídico, conforme leciona Paulo Rangel, in verbis:
“Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal.”[11] (RANGEL, Direito Processual Penal, p. 66)
Desta feita, o embasamento teórico do tema se deu à luz da evolução legislativa relativa a outras carreiras de estado, dentre elas: magistratura, membros dos Tribunais de Contas, Ministérios públicos e Defensorias Públicas e análise das propostas de emendas à Constituição relativas às atribuições e garantias do referido cargo, bem como projeto de lei que prevê a Lei Geral das Polícias Civis e, mais atualmente o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados 132/2012, que visa disciplinar a atividade investigativa em nosso país.
Sobre o tema, traz-se à colação a contribuição de Denise Vichiato Polizelli[12], a saber:
“O Delegado de Polícia desempenha importante papel na persecução penal, pois é ele quem instaura o inquérito policial e conduz as investigações. Este trabalho exige imparcialidade e autonomia, a fim de que, no final, a verdade real seja revelada. Entretanto, há um óbice para o bom desempenho destas funções, que é a ausência de uma garantia essencial: a inamovibilidade. A ausência desta garantia coloca a remoção como principal ameaça para o Delegado de Polícia, que fica sujeito a ingerências de outros poderes no momento de realizar suas atribuições”
- CONCEITO DE INAMOVIBILIDADE
As Constituições federais brasileiras não definiram o que se entende por inamovibilidade, apenas indicaram os agentes políticos[13] que seriam beneficiados por tal garantia.
Por sua vez, a LOMAN – LC 35/79 (Lei orgânica da magistratura nacional) prescreve que a inamovibilidade é a vedação de remoção ou promoção sem consentimento do titular do cargo, senão vejamos:
“Da Inamovibilidade
Art. 30 - O Juiz não poderá ser removido ou promovido senão com seu assentimento, manifestado na forma da lei, ressalvado o disposto no art. 45, item I.
Art. 31 - Em caso de mudança da sede do Juízo será facultado ao Juiz remover-se para ela ou para Comarca de igual entrância, ou obter a disponibilidade com vencimentos integrais”
Analisando o tema, Pedro Lenza[14] nos diz que a inamovibilidade é uma garantia atribuída ao julgador para exercer o seu mister com isenção e sem temer represálias. Nesse sentido:
“Através da regra da inamovibilidade (art. 95, II), garante-se ao juiz a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição.” (LENZA, 2008, p. 463)
No mesmo sentido, José Afonso da Silva[15], comentando a garantia em apreço, a inamovibilidade, o faz, referindo-se à magistratura.
“Refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo o tribunal e menos ainda o governo designar-lhe outro lugar, onde deva exercer suas funções (art. 95, II). Contudo, poderá ser removido por interesse público em decisão pelo voto da maioria absoluta do tribunal a qual estiver vinculado (art. 93, VIII). No entanto, o magistrado pode ser removido, a pedido ou por permuta com outro magistrado de comarca de igual entrância, atendidas, no que couber, as regras previstas nas alíneas a, b, c e e do inc. II do art. 93, referentes às promoções; mas pode também ser removido compulsoriamente, por interesse público por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.” (p. 591)
Ainda sobre o tema, temos:
“Inamovibilidade – Garantia que têm os magistrados de se manterem na comarca a que servem e de onde só serão removidos a pedido, por promoção aceita ou pelo voto de dois terços dos juízes efetivos do tribunal superior competente, se assim o exigir o interesse público. Prerrogativa de certos funcionários públicos de serem transferidos apenas a seu pedido ou consentimento.”
“V. CF: arts. 93, VIII, e 95, II.” (GUIMARÃES, 2012, p. 145)
Perceba-se que o conceito é dado, tomando-se como referência a magistratura nacional, uma vez que historicamente foi a primeira carreira de estado a ter assegurada tal garantia constitucionalmente prevista.
Com outro fundamento, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP – ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2854/2003, com o fito de que seja declarada inconstitucional a previsão do art. 10, da lei orgânica do Ministério público, in verbis:
“Art. 10. Compete ao Procurador-Geral da Justiça:
IX – designar membros do Ministério Público para:
(…)
g) por ato excepcional e fundamentado, exercer funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público” (Lei 8625/93);
Segundo a associação autora, a ressalva, ainda previamente autorizada pelo Conselho Superior da instituição, afasta a prerrogativa da inamovibilidade, também assegurada aos integrantes da referida carreira.
Desta feita, pode-se concluir que o atributo ou garantia da inamovibilidade consiste na impossibilidade de: 01. Remoção do servidor público ou agente político do local onde exerce as atribuições do seu cargo, bem como 02. Avocação de autos ou designação de outro servidor para funcionar em substituição àquele, sem a observância das hipóteses legalmente previstas, dentre elas: férias, licenças, cumulações, afastamento por interesse público, etc. ainda que o servidor não seja transferido da sede territorial onde exerce seu mister.
- INAMOVIBILIDADE E SEDE LEGISLATIVA
No nosso ordenamento jurídico, a prerrogativa funcional da inamovibilidade é tradicionalmente prevista nos textos constitucionais. Cada uma das carreiras jurídicas foram contempladas, com tal garantia, paulatinamente, em textos constitucionais distintos.
Na primeira Constituição brasileira, de 1824, não havia o instituto da inamovibilidade, tal como previsto hoje, a nenhuma das carreiras jurídicas de estado. Previu-se a vitaliciedade aos membros do então poder judicial. Nesse sentido, à guisa de ilustração, traz-se à colação os textos constitucionais atinentes à matéria:
“Do Poder Judicial.
CAPITULO UNICO.
Dos Juizes, e Tribunaes de Justiça.
Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Codigos determinarem.
Art. 152. Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei.
Art. 153. Os Juizes de Direito serão perpetuos, o que todavia se não entende, que não possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo, e maneira, que a Lei determinar.
Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação necessaria, e ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão remettidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da Lei.”[16] (grifou-se)
(BRASIL. Constituição Federal, 1824, 2013).
Nesse contexto, Karine Cristinie da Silva Fontineles[17] acerca do tema narra que:
“Há que se observar que os juízes gozavam de uma vitaliciedade e não eram beneficiados pelo princípio hoje aceito da inamovibilidade, o que pode ser observado no artigo 153, da Constituição de 1824, “Os juízes de direito serão perpétuos, o que todavia se não entende que não possam ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo, e maneira, que a lei determinar”. Isso talvez explique muitas das críticas atribuídas a desmandos desses magistrados. Todavia, isso não significa ausência de controle do Estado em relação à sua atuação.
Também na constituição de 1891, o segundo texto constitucional nacional, não falava em inamovibilidade, cuidou apenas da vitaliciedade e instituição do Tribunal de Contas e vitaliciedade de seus membros.
“SEÇÃO III
Do Poder Judiciário
Art 55 - O Poder Judiciário, da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e tantos Juízes e Tribunais Federais, distribuídos pelo País, quantos o Congresso criar.'
Art 56 - O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, nº 12, dentre os cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado.
Art 57 - Os Juízes federais são vitalícios e perderão o cargo unicamente por sentença judicial.
Art. 58 (omissis)
(…)
§ 2º - O Presidente da República designará, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República, cujas atribuições se definirão em lei,”
(…)
“Art 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.
Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.”
(BRASIL. Constituição Federal, 1891, 2013).
Na Constituição de 1934, não havia inamovibilidade para os membros do Ministério Público, ao passo que já era prevista para os membros da magistratura e dos tribunais de conta.
“CAPíTULO IV
Do Poder Judiciário
SEÇÃO I
Disposições Preliminares
Art 63 - São órgãos do Poder Judiciário:
a) a Corte Suprema;
b) os Juízes e Tribunais federais;
c) os Juízes e Tribunais militares;
d) os Juízes e Tribunais eleitorais.
Art 64 - Salvas as restrições expressas na Constituição, os Juízes gozarão das garantias seguintes:
a) vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária, exoneração a pedido, ou aposentadoria, a qual será compulsória aos 75 anos de idade, ou por motivo de invalidez comprovada, e facultativa em razão de serviços públicos prestados por mais de trinta anos, e definidos em lei;
b) a inamovibilidade, salvo remoção a pedido, por promoção aceita, ou pelo voto de dois terços dos Juízes efetivos do tribunal superior competente, em virtude de interesse público;” (sem grifos no original)
(…)
SEÇÃO II
Do Tribunal de Contas
Art 99 - É mantido o Tribunal de Contas, que, diretamente, ou por delegações organizadas de acordo com a lei, acompanhará a execução orçamentária e julgará as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos.
Art 100 - Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, e terão as mesmas garantias dos Ministros da Corte Suprema. (sem grifos no original)
(BRASIL. Constituição Federal, 1934, 2013).
A Constituição de 1937, por sua vez, não inovou e nesse sentido, apenas à guisa de ilustração, traz-se à baila a matéria atinente ao Ministério Público:
“DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
(…)
Art 99 - O Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da República, que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”. (BRASIL. Constituição Federal, 1937, 2013).
No texto Constitucional de 1946, percebe-se que houve um avanço acerca do tema, em relação aos membros do Ministério Público, in verbis:
“TÍTULO III
Do Ministério Público
Art 125 - A lei organizará o Ministério Público da União, junto a Justiça Comum, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho.
Art 126 - O Ministério Público federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República. O Procurador, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos indicados no artigo 99, é demissível ad nutum .
Parágrafo único - A União será representada em Juízo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas Comarcas do interior, ao Ministério Público local.
Art 127 - Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais da carreira mediante concurso. Após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa; nem removidos a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência do serviço.” (sem grifos no original)
(BRASIL. Constituição Federal, 1946, 2013).
Assim, percebe-se que já se previa a vedação de remoção dos membros do ministério público, salvo por conveniência do serviço, caso em que tal decisão caberia ao Chefe da instituição de forma individual.
Por seu turno, a Constituição de 1988, manteve a referida prerrogativa aos membros do judiciário, dos tribunais de contas e ministérios públicos, que como dito, asseguradas em textos constitucionais anteriores, em distintos momentos. Ademais, de acordo com a Ec nº 45 de 2004, tal garantia foi estendida aos integrantes das defensorias públicas da união, estados e distrito federal, in verbis:
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).” (sem grifos no original).
(BRASIL. Constituição Federal, 1988, 2013).
Nesse contexto, tem-se que após a emenda constitucional 45 de 2004 apenas os servidores, com formação acadêmica em Direito, detentores dos cargos de Delegado de polícia e procuradores[18], não foram contemplados pela referida garantia constitucional.
- ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[19], administrar significa não só prestar serviço, executá-lo, como outrossim, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil; e que até, em sentido vulgar, administrar quer dizer traçar programa de ação e executá-lo.
Pois bem, para o atingimento de tais objetivos e evitação de abusos, à administração pública são asseguradas uma série de direitos e deveres sem os quais não seria possível exercer tal mister.
Para exercer o seu papel, a administração pública, tomada em sentido amplo (não se confundindo, aqui, com o conceito de poder executivo) submete-se a princípios jurídicos que norteiam a sua atividade, dentre eles os da: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Em linhas gerais, tais princípios indicam que a atividade administrativa deve se pautar acima de tudo em consonância com o ordenamento jurídico. Assim, os decretos regulamentos, portarias, etc. devem ter como fundamento a legislação (leis ordinárias, complementares, Constituição, etc.) que os embasam.
Desta feita, não é permitido, em nosso ordenamento, à administração regulamentar atividades não previstas em normas legislativas (impossibilidade do decreto autônomo).
Por sua vez, o princípio da impessoalidade indica que a atividade administrativa é exercida pelos órgãos da administração e não pelos seus gestores. É vedado ao administrador vincular a atividade pública à sua imagem pessoal. Desta forma: a construção de uma rodovia é uma obra do governo federal e não do Presidente da República; a construção da barragem é atividade do governo estadual e não do Governador; a instalação de sistema de monitoramento eletrônico é da Prefeitura e não do Prefeito, e assim sucessivamente.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho:
“O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.[20]” (p. 18)
O princípio da publicidade, por seu turno, indica que a administração pública dê amplo conhecimento de seus atos a todos os administrados, para que com isso seja possível exercer o controle dos atos administrativos. Desta feita, a publicidade não é expressão sinônima de propaganda, em benefício pessoal do administrador, mas sim é o conjunto de mecanismos de publicação do que foi realizado, para tornar possível que a população possa acompanhar e fiscalizar a atividade administrativa do estado.
Nesse sentido as atividades administrativas devem ser publicadas em diário oficial e, por vezes, em jornais de grande circulação, meios de televisão, rádio e internet. Ademais, são assegurados aos administrados os direitos de petição (requerimentos diversos), certidões (atos declaratórios), processo licitatório, etc.
E, por fim, o princípio da eficiência. Este, por sua vez, indica que a atividade administrativa deve ser pautada em se obter o máximo resultado com o mínimo de recursos. O administrador deve equacionar os gastos e empregar recursos com o fim de tornar a atividade administrativa condizente com a sua função institucional e, ao mesmo tempo, reduzir o desperdício de verbas públicas, em toda a sua atividade.
Estes são os princípios explícitos na Constituição federal de 1988, tem-se, também, inúmeros outros, que não estão previstos no texto constitucional, norteadores da atividade pública, que são aceitos como princípios implícitos e devem ser observados pelo administrador, em seu mister.
A administração pública tem a incumbência de gerir os serviços públicos utilizados ou postos à disposição de todos os administrados e dentre eles se encontram os três principais, quais sejam: a educação, saúde e segurança públicas.
- SERVIDORES PÚBLICOS
Os agentes públicos são o elemento humano da estrutura orgânica do estado, chamada administração pública. A administração pública é formada em sua estrutura essencial pelos componentes: órgão, agente e função.
O direito administrativo se desenvolveu no mesmo momento histórico em que se desenvolvia o estudo da fisiologia, na medicina. Por conta disso, alguns conceitos desta foram e são utilizados até hoje nos institutos jurídicos daquele.
Desta feita, o estado é visto como um corpo que para exercer suas atividades necessita de vários órgãos que as execute e possa lhe dá vida. Assim, tem-se órgãos de tomada de decisões (órgãos chamados superiores: ministérios, secretarias, etc.), órgãos de execução (posto de saúde, escola, delegacia, etc.), órgãos de controle (ouvidoria, corregedoria, etc.).
Porém as atividades administrativas são efetivadas pelos agentes públicos. Este termo é tomado em sentido bastante amplo, posto que se consideram agentes públicos todos aqueles que efetiva ou esporadicamente, remunerada ou gratuitamente, vinculados direta ou indiretamente ao estado, exercem uma atividade estatal.
Nesse sentido, alguém que não é servidor público e é convocado a ser mesário, v. g. no processo eleitoral, em sua função (esporádica e gratuita) é considerado agente público, naquele instante em que exerce tal atividade. E por conta disso, todas as suas atividades e tomadas de decisão refletem na atividade estatal.
Segundo Carvalho[21] filho, o maior número de agentes públicos está inserto na categoria dos servidores públicos. E para ele, “tais agentes se vinculam ao estado por uma relação permanente de trabalho e recebem, a cada período de trabalho, a sua correspondente remuneração. São, na verdade, profissionais da função pública.”(p. 528).
Os servidores públicos podem ser: civis e militares (divididos e dois grupos: militares dos estados, Distrito federal e territórios – CF/88, art. 42 - e militares das forças armadas – art. 142, § 3º, da CF/88).
Relativamente à classificação dos servidores civis, há algumas subdivisões, dentre elas: servidores públicos comuns e servidores públicos especiais. Por sua vez, os servidores públicos comuns são divididos em: estatutários, celetistas e temporários.
Segundo Pedro Gordilho[22], inserem-se na categoria de servidores públicos especiais os magistrados, os membros do ministério público, os membros das Defensorias públicas, membros dos Tribunais de Contas e membros da Advocacia Pública, o seu estatuto – ou lei específica que regulamenta a carreira – é chamado de lei orgânica. Como dito acima, estas correspondem às chamadas carreiras reconhecidas como jurídicas, que de regra tem asseguradas as garantias informadas alhures, dentre elas: a da inamovibilidade.
Os servidores públicos estatutários se vinculam à administração pública, em regime de direito público administrativo. As regras estatutárias devem está previstas em lei própria, que regula a atividade dos servidores a ela vinculados. O regime estatutário tem duas características principais que o distinguem do regime celetista: pluralidade normativa e natureza não contratual.
Nesse contexto, cada ente federativo (União, estados, Distrito federal, município) deverá criar sua lei específica para cada categoria de servidor estatutário, v.g. policiais, professores, fiscais, etc.
O segundo ponto leva em consideração o fato de que não se pode enquadrar a relação estatutária como de direito privado, mas sim de direito público. Assim, uma querela entre um servidor estatutário e o ente ao qual está vinculado deverá ser dirimido pelo juízo da fazenda pública e não pelo juízo do trabalho. O ente estatal não poderá ser compelido a saldar os débitos relativos a tal relação, a não ser por meio de precatórios ou recebimentos de pequeno valor, etc.
Os servidores celetistas são aqueles que têm o seu regime jurídico regido pela CLT. A sua relação com a administração pública (em sentido lato) é contratual e qualquer querela entre ele e a administração pública é passível de ser solucionada pelo juízo trabalhista e não pelo da fazenda pública, logo poderá ver o seu patrimônio penhorado, conta bancária bloqueada, etc.
Além disso, neste sistema, a administração pública se submete às regras celetistas, tal como o empregador particular: deve pagar salário, hora extra, repouso semanal remunerado, terço de férias, recolher FGTS, etc.
Por fim, temos também o regime de contratação temporária, cuja finalidade é solucionar excepcional interesse da administração pública que não poderia em tempo hábil efetivar o recrutamento e contratação de servidores públicos, pelos mecanismos legais, v. g. concurso público.
V.1 DEVERES
Como é bastante amplo tal tema, e esta não é a seara específica para tratá-lo, falar-se-á aqui dos deveres dos servidores públicos estatutários detentores dos cargos de Delegado de polícia.
Assim, em sua função o Delegado de Polícia deverá servir a sociedade, respeitando os direitos e garantias individuais, observando os preceitos legais, éticos e morais devendo tratar a todos com distinção, respeito e urbanidade. O estatuto da Polícia civil do estado da Paraíba explicita, mais pormenorizadamente, os deveres em apreço, in verbis:
“Art. 147. São deveres do policial civil, além daqueles inerentes aos demais servidores públicos civis:
I – apresentar relatório das atividades desenvolvidas, quando solicitado por quem de direito;
II – cumprir as determinações superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
III – atender às requisições das autoridades judiciárias e do Ministério Público, desde que encaminhadas por meio da autoridade policial judiciária;
IV – comunicar ao superior hierárquico o endereço onde possa ser encontrado, quando dos afastamentos regulares;
V – conduzir-se, na vida pública e particular, de modo a dignificar a função policial;
VI – desempenhar suas funções e agir com assiduidade, pontualidade, discrição, honestidade, imparcialidade e com lealdade;
VII – desempenhar, com zelo e presteza, as tarefas e missões que lhe forem cometidas;
VIII – divulgar, para conhecimento dos subordinados, as normas
policiais;
IX – exercer o cargo de policial civil com exclusividade, respeitadas as hipóteses de acumulação de cargos previstas na Constituição Federal;
X – exercer o poder de polícia na defesa, na garantia e na promoção de direitos individuais, coletivos ou difusos, na forma da Lei;
XI – freqüentar, com assiduidade, cursos oficiais para fins de formação policial, aperfeiçoamento e atualização de seus conhecimentos profissionais, quando matriculado;
XII – identificar-se, nos atos oficiais, com a indicação do cargo, classe e a função;
XIII – informar, incontinenti, à autoridade a que estiver diretamente subordinado, toda e qualquer alteração de endereço de residência, bem como o número de telefone;
XIV – manter discrição sobre os assuntos da repartição e, especialmente, quanto a despachos, decisões e providências;
XV – manter sigilo funcional quanto à matéria dos procedimentos em que atuar;
XVI – manter-se informado e atualizado sobre as normas policiais e a legislação em vigor;
XVII – obedecer aos preceitos éticos e aos atos normativos regularmente
expedidos;
XVIII – observar as normas legais e regulamentares;
XIX – observar o princípio da hierarquia funcional;
XX – participar das comemorações cívicas da Polícia Civil do Estado da Paraíba e de outras, quando convocado;
XXI – portar, obrigatoriamente, a carteira de identificação policial, o distintivo, a arma, com munição de reserva, e um par de algemas, quando em serviço, zelando pela guarda e pela conservação de todos os equipamentos e objetos recebidos em razão do exercício da função;
XXII – prestar as informações solicitadas na forma da lei e atender prontamente à expedição de certidões para a defesa de direito;
XXIII – prestar informações corretas ao solicitante ou encaminhá-lo a quem possa prestá-las;
XXIV – providenciar para que esteja sempre atualizado seu assentamento individual, bem como sua declaração de família;
XXV – ser leal para com os companheiros de trabalho, com eles cooperar e manter espírito de solidariedade;
XXVI – oficiar à chefia imediata providências para a melhoria dos serviços, no âmbito de sua atuação;
XXVII – tratar as pessoas com urbanidade, eficiência e zelo;
XXVIII – zelar pela economia e conservação do material que lhe for confiado;
XXIX – não utilizar para fins particulares, qualquer que seja o pretexto, o material pertencente ao órgão ou destinado à correspondência oficial;
XXX – representar contra a ilegalidade, omissão ou abuso de poder no cumprimento da lei.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XXX deste artigo será encaminhada à autoridade imediatamente superior ao representado e apreciada pelo chefe do órgão, ocasião em que este servidor deverá assegurar-lhe a oportunidade de se defender.”
(PARAÍBA. Lei complementar nº 85/2008, 2013).
V.2 DIREITOS
Nos estatutos das polícias civis dos estados há, também, uma gama de dispositivos que preveem inúmeros direitos aos servidores públicos ocupantes dos cargos de Delegado de polícia, dentre eles: direito às férias, adicional noturno, diárias, reembolsos, dentre outros. Aqui vale salientar que de nada adianta haver a previsão legislativa e tais preceitos não serem respeitados na prática.
Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho, ao tratar do princípio da moralidade, cita que este deve ser observado pela administração pública, também, em sua relação com o servidor público, nesse sentido:
“… Acrescentamos que tal forma de conduta deve existir não somente nas relações entre a administração e os administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e os agentes públicos que a integram.”(Carvalho Filho, P. 18)[23]
Logo, com relação à temática do presente trabalho, vale frisar que as transferências sofridas pelos Delegados de polícia, de suas unidades de trabalho, na mesma sede territorial ou não, sob o pretexto e fundamento do interesse público, são efetivadas ao bel prazer da administração, sem que se abra a oportunidade do contraditório ou ao menos que se dê ciência anterior ao servidor, que quase sempre toma conhecimento de sua transferência, por intermédio da publicação em diário oficial.
V.3 GARANTIAS
No que tange às garantias, os servidores ocupantes dos cargos de Delegado de Polícia, tem as mesmas asseguradas aos servidores públicos, em geral, que só se diferem das garantias asseguradas aos trabalhadores celetistas, por causa da exigência de procedimento administrativo (Processo Administrativo Disciplinar ou sindicância) ou sentença judicial, para perdimento do cargo.
Porém, como visto, para o fiel cumprimento de suas obrigações institucionais, o Delegado de polícia necessita das demais garantias funcionais asseguradas aos membros da magistratura, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública.
Pois, em sua atividade, o delegado de Polícia trabalha com uma grande possibilidade de, diariamente, incomodar interesses de políticos, empresários e pessoas influentes de vários setores da sociedade, inclusive financiadores de campanhas políticas.
O fortalecimento da categoria, por intermédio do asseguramento das garantias da vitaliciedade, irredutibilidade de subsídios, foro por prerrogativa de função e inamovibilidade não se afigura tão interessante em um país em que, muitas vezes, não se leva a sério a questão da segurança pública e da persecução penal.
Como visto, de regra, a persecução penal se inicia com o inquérito policial e se encerra na fase judicial. Porém como garantir uma melhor qualidade da prestação jurisdicional, em matéria penal, se não se investe, não se leva a sério, não se assegura o mínimo de garantias aos autores responsáveis pelo início do procedimento?
Não há interesse político em garantir investimentos em estrutura, conhecimento técnico, aparelhamento, renovação constante dos quadros de servidores, dentre outros fatores, das polícias judiciárias.
E, em contrapartida, geralmente, se discute e se avalia na fase processual o acervo probatório colhido – quase que em sua integralidade – na fase policial. Às vezes surge, na fase judicial, uma nova versão para os fatos, alguns documentos novos. A regra é discutir-se o que está colacionado aos autos do inquérito e isto é natural, posto que ele é o nascedouro do processo criminal[24].
Em qualquer atividade sequenciada ou concatenada, como é o caso da persecução penal, deve-se fortalecer a base, o início, para se chegar a uma conclusão satisfatória com índices aceitáveis, seja em qual ramo ou atividade for. Mas essa falta de recursos, de investimento e, máxime, de interesse político não é exclusividade da investigação criminal, pois se vê diariamente semelhanças no sistema de saúde pública, na educação básica, sendo recorrente, dia após dia, a adoção de medidas paliativas incapazes de dar conta da raiz dos problemas.
É frequente que ao invés de se fazerem estudos sérios em matéria de políticas públicas, com o fito de se identificar a causa do problema, prefira-se atacar o efeito do problema, negligenciando-se o que concerne à evitação, redução ou eliminação de sua causa.
Corroborando o exposto, fez-se uma reforma constitucional dirigida ao poder judiciário, defensorias públicas e assim por diante, porém, até hoje nunca se fez uma mudança estrutural no sistema de segurança pública e nem em relação às garantias necessárias ao fiel exercício dos integrantes do cargo de Delegado de polícia.
Em 2011, foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição de nº 102, com o fito de unificar as polícias civis e militares, nos estados e distrito federal, porém como as demais analisadas neste trabalho não surtiu efeito até o presente momento. Esta emenda constitucional, inclusive, pretende acabar com o cargo de Delegado de Polícia.
- MODELOS ESTATAIS DE PERSECUÇÃO PENAL
O direito tem como função regular as relações sociais de cada Estado. Para tanto, cada um destes Estados cria seu próprio ordenamento jurídico em que é prevista uma gama de direitos individuais e coletivos aos quais correspondem, de modo geral, uma outra gama de obrigações e deveres.
Inúmeros são os modelos e forma de organização jurídica dos diversos Estados, bem como diferentes se apresentam os seus respectivos ordenamentos jurídicos, dentre os quais aqueles de sistema romanístico de direito, a exemplo da República Federativa do Brasil.
Nesse sentido, para cada ato atentatório ao ordenamento há um remédio jurídico capaz de neutralizá-lo ou reparar os seus efeitos, quer na esfera tributária, quer na civil, quer na penal, etc. a depender do Estado, da época e do desvalor dado à ação ou omissão antijurídica.
Nesse contexto se apresenta o direito processual penal, que por tratar de um bem jurídico de enorme relevância – o direito à liberdade – deve ser empregado pelo estado apenas em último caso. Assim, deve o legislador aplicar sanções na esfera civil, tributária, administrativa, dentre outras e, só em último caso, tipificar uma conduta como criminosa.
Mas o que é uma conduta criminosa ou delituosa? O crime é um fenômeno social e o seu conceito é artificial (não há um conceito universal de conduta ontologicamente criminosa, mas se conceitua o que é considerado crime).
Logo, o que é crime no Nepal, pode não o ser na Nigéria. Uma conduta pode ser criminosa no Gabão, mas não ser no Brasil. E, se assim o é em relação ao que é ou deixa de ser considerado crime, com mais clareza é percebido em relação à pena, sua execução, ritos processuais, etc. pois cada país utiliza um critério próprio de dosimetria e execuçõ da pena.
Há muito se discute sobre tal tema, na chamada teoria do delito, que tem como objeto de estudo a sua definição, identificação e individualização de seus elementos constitutivos. Socorremo-nos para trazer à colação o conceito de crime ou delito, Assim, na lição abalizada de Bitencourt e Muñoz Conde[25]:
“Welzel, a partir dos anos trinta, em fases distintas, procurou conduzir a ação humana ao conceito central da teoria do delito, considerando sob um ponto vista ontológico. Começando pelo abandono do pensamento logicista e abstrato das concepções anteriores, corrigiu as falhas e contradições existes e, aos poucos, foi superando algumas lacunas que foram surgindo na evolução da construção de sua nova teoria”.
E concluem dizendo que “Welzel deixou claro que, para ele, o crime só estará completo com a presença da culpabilidade, Desta forma, para o finalismo, crime continua sendo a ação típica, antijurídica e culpável”(Idem, p. 21).
Assim, perpetrado o crime, nasce para o estado o poder-dever de restabelecer a paz social, para que se retorne ao estado de coisas anterior. Este poder-dever estatal é conhecido pela expressão latina persecutio criminis.
Logo:
“Praticado o fato delituoso o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta efetiva. A aparição do delito por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade (persecutio criminis), a fim de ser submetido o delinquente à pena que tenha sido prevista em lei.”[26]
Concluindo, o insigne mestre Frederico Marques[27] indica que: “o caráter indireto da coação penal torna imprescindível o aparecimento de outra atividade estatal destinada a obter a aplicação da pena: é a persecutio criminis”( p. 127).
Para se materializar a persecução penal, foram desenvolvidos alguns modelos estatais de persecução e, doutrinariamente, tais modelos são classificados em: inquisitivo, acusatório e misto acusatório formal. São assim chamados de sistema, pois neles há um conjunto de preceitos e princípios a serem observados, bem como vários órgãos relacionados entre si, para a consecução de um fim.
Assim, para Rangel[28], “sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto”.
Segundo Eugênio Pacelli[29] de Oliveira:
“De modo geral, a doutrina costuma separar o sistema processual inquisitório do modelo acusatório pela titularidade atribuída ao órgão da acusação: inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos. (Curso de Processo penal, p. 9)
Historicamente, o sistema inquisitivo se iniciou nos regimes monárquicos e teve o seu ápice no direito canônico, com a instituição do chamado Santo Ofício, quando passou a ser adotado, tal modelo, na maioria dos estados europeus dos séculos XVI, XVII e XVIII.
O Estado concentrava as funções de acusador e julgador, comprometendo, desta maneira, a imparcialidade do procedimento investigatório/instrutório[30].
No sistema inquisitivo, as três funções (acusação, defesa e julgamento) eram exercidas pelo mesmo órgão, que dava início ao processo, de ofício. Outra característica marcante era que havia um escalonamento legal acerca das provas produzidas nos processos e desta feita umas valiam mais que as outras, sendo a confissão a mais valiosa delas – chamada de rainha das provas.
Discorrendo acerca do tema, Humberto Dalla Bernardina de Pinho[31] indica que no sistema de prova legal ou tarifada, “eram atribuídos valores pré-determinados aos meios de prova, os quais deveriam ser obedecidos pelo juiz ao decidir”.
Ademais, não havia contraditório, ampla defesa – posto que o acusado não era sujeito de direito, mas sim objeto do processo – e nem a publicidade dos atos processuais, que se davam de forma sigilosa.
O sistema acusatório surgiu como um contra ponto em relação ao sistema inquisitivo. Naquele, há uma nítida separação entre os autores do processo penal. O órgão acusador é diverso do julgador que também é diferente do defensor.
Ademais, no sistema acusatório, a acusação deve está lastreada nas provas legalmente permitidas ao passo que ao réu é assegurada a amplitude de defesa. O processo é orientado pelos princípios da publicidade, contraditório e ampla defesa.
O sistema de provas é o do livre convencimento, que consiste na liberdade dada ao Juiz para apreciar as provas e formar a sua convicção, desde que fundamentada. Também há a previsão da imparcialidade do Juiz, que está equidistante das partes.
Por sua vez, o sistema processual denominado de misto ou acusatório formal teve o seu início a partir do código de instrução criminal francês[32], em 1808. Segundo este modelo, há um procedimento preparatório (investigação) que é presidido pelo magistrado, assim já existe atividade jurisdicional na fase de investigação.
Porém, concluída a investigação a acusação fica a cargo do representante do Ministério Público. Ele é chamado de misto, pois engloba características dos dois sistemas anteriormente indicados (acusatório e inquisitivo).
Discorrendo sobre o tema, Afrânio Silva Jardim[33] indica que:
“Nele (juizado de instrução), não se retirou do órgão jurisdicional a atividade persecutória preliminar, embora se crie uma fase acusatória para o julgamento. Dispondo de uma instituição como o Ministério Público, não vemos vantagem alguma em colocar o Juiz como órgão investigador, em que pese se distinguirem os sistemas legislativos no sentido de criarem mecanismos que procuram manter a indispensável imparcialidade do órgão julgador.”
O ordenamento jurídico pátrio adotou o modelo acusatório, no qual há uma clara distinção entre os responsáveis pela persecutio criminis. Desta feita, a função de órgão acusador é exercida pelo Ministério Público ou pelo querelante[34], a defesa é exercida pelos órgãos próprios (advogados particulares, Defensores, Procuradores, etc.) e o julgamento se dá pelo juízo singular ou coletivo (poder judiciário).
Para dar início ao processo criminal, o Ministério Público se utiliza de instrumentos que subsidiem a peça inaugural da referida ação, a denúncia. Em quase sua totalidade, tal instrumento – que serve de baluarte da acusação – é o chamado inquérito policial.
Verifica-se, no Brasil, portanto, que a persecução penal tem dois momentos distintos: um investigativo – a cargo das polícias judiciárias – e outro judicial, a partir do oferecimento da denúncia.
O inquérito policial é tido como um procedimento administrativo[35], pré-processual[36], presidido pela autoridade policial (o Delegado de polícia), que deverá ser autuado e reduzido a escrito.
No inquérito policial, vigem alguns princípios que devem ser seguidos pela autoridade policial, quais sejam: oficialidade, oficiosidade, sigilo de seus atos, inquisitivo[37], dentre outros.
A finalidade do inquérito policial é fazer uma apuração dos fatos trazidos ao conhecimento da autoridade policial, apontando a autoria, circunstâncias e materialidade do delito. E assim, demonstrando o crime, as circunstâncias em que este foi cometido e a autoria do delito, o inquérito serve de fundamento ao oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, que só após o seu recebimento pelo magistrado, tem-se início à fase processual, da persecução penal (persecutio criminis in judicio).
O Código de Processo Penal define em seu art. 9º o que é o inquérito policial, in verbis: “Art. 9o Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
E em seu artigo sexto, elenca algumas diligências a serem tomadas pela autoridade policial, quando tiver conhecimento da prática de uma infração penal, dentre elas:
“Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I – dirigir‑se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter”.
(BRASIL. Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941, 2013).
Como dito acima, estas são apenas algumas diligências, elencadas exemplificativamente, a serem adotadas pela autoridade policial. E não poderia ser diferente, tendo em vista que a cada delito praticado, corresponde um caminho a ser trilhado, investigado, analisado e tal se faz por intermédio de diligências, táticas de abordagens, interrogatórios, conhecimentos técnicos diversos e multifacetários.
Por isso, o sucesso do trabalho investigativo depende de inúmeros fatores, dentre eles: empenho da autoridade que o preside e de todos os atores que elucidam ou contribuem para a sua elucidação, conhecimentos técnicos específicos, imparcialidade, etc.
Já no art. 12 do mesmo diploma legal, temos que o inquérito acompanhará a denúncia[38] ou queixa[39], sempre que servir de base a uma ou à outra.
Por outro lado, o mesmo código, em seu art. 41 descreve a peça exordial da ação penal, indicando seu conteúdo, in verbis:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá‑lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.
Neste artigo estão descritos de forma singela, mas não menos importante, todos os elementos necessários a tornar apta[40] a denúncia ou queixa e dar início à persecução penal, em juízo.
Assim, conclui-se que o inquérito policial, instrumento escrito, elaborado pela atividade de polícia judiciária[41] assume uma importância ímpar no modelo de persecução penal[42] adotado pelo estado brasileiro, merecendo, desta feita, seus atores[43] algumas garantias funcionais para exercer o seu mister com afinco, zelo, respeitabilidade e acima de tudo sem temer punições imotivadas, desmerecidas ou injustas.
- CARREIRAS JURÍDICAS
Na legislação pátria não há definição do que seja carreira jurídica, porém pode-se entender tal expressão como sendo aquela carreira na qual a atividade precípua se utilize de conhecimentos dos vários ramos do direito e cuja formação, portanto, exija do profissional colação acadêmica superior em curso de Direito.
Para regulamentar a matéria, o Conselho Nacional de Justiça, órgão administrativo do poder judiciário, expediu a resolução nº 11/2006, conceituando o seu significado e abrangência, in verbis:
"Art. 2° Considera-se atividade jurídica aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico, vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à colação de grau” (Grifo nosso)
No ano de 2009, mais uma vez, agora por intermédio da Resolução nº 75/2009, o CNJ definiu, para efeito de concursos públicos à carreira da magistratura, o conceito de atividade jurídica, in verbis:
"Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea "i":
I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
IV - o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
V - o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios. (...)".
Nesse sentido, tem-se que carreira jurídica é aquela em que para ingresso em seus quadros se faz mister que o servidor público ou Agente Político[44] se submeta a um concurso público, em regra[45], de provas ou provas e títulos, que tenha formação acadêmica em Direito e dentre as atribuições do cargo seja necessária a utilização de conhecimentos preponderantemente jurídicos.
Com relação ao cargo de Delegado de Polícia tem-se que ele é o presidente do inquérito (procedimento pré-processual) policial. A ele cabe expedir ordens de missão, intimações, requisitar perícias criminais, requisitar diligências externas, documentos, elaborar ofícios, representar por prisões temporárias, prisões preventivas, medidas cautelares sigilosas (dentre elas: interceptações telefônicas, extratos reversos, quebra de sigilo fiscal e bancário, etc.), por medidas cautelares de cunho patrimonial, para ressarcimento civil, descritas no capítulo VI do CPP, denominado de “das medidas assecuratórias”, dentre elas: sequestro, arresto, especialização da hipoteca, etc.
Nesse diapasão, tem-se a lição de Theodoro Júnior, in verbis:
“A providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal. Isto é, durante todo o tempo necessário para a definição do direito no processo de conhecimento ou para a realização coativa do direito do credor sobre o patrimônio do devedor, no processos de execução” (pp. 362-363)[46].
Tais atos podem assim ser definidos como medidas cautelares, que, no dizer de Alexandre Freitas Câmara[47]: “Denomina-se medida cautelar o provimento judicial capaz de assegurar a efetividade de uma futura atuação jurisdicional”(p.16)
Além disso, ao Delegado de Polícia cabe analisar, de forma imediata, se o caso que lhe é apresentado é considerado criminoso. Se o for, se está em estado de flagrância, se estiver, deve analisar a qualidade da pena aplicada ao delito (se reclusão, detenção ou prisão simples), depois deve observar se é passível de fiança e se o for, é obrigado a arbitrá-la, posto que se entende que a fiança[48] é direito subjetivo do réu.
No mesmo sentido, deve observar se o delito é considerado como de menor potencial ofensivo[49], caso em que será lavrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência, ao invés de iniciado o inquérito policial, seja por portaria ou auto de prisão em flagrante, com exceção dos crimes militares[50] ou recusa de assunção de compromisso de comparecimento à audiência posterior.
Em seu mister, cabe ao Delegado de Polícia, de acordo com seus conhecimentos decidir v. g. se um golpe de faca será enquadrado como um homicídio tentado ou uma lesão corporal e, para tanto, não deve analisar o grau de comprometimento do bem jurídico lesado, ao menos inicialmente, mas sim a intenção do agente. Desta feita cabe perquirir se a ação foi informada pelo animus necandi (intenção de matar) ou Animus laedendi (intenção de ferir ou lesar).
Seguindo essa linha, Nucci[51] indica que por competir à autoridade policial a apuração da materialidade das infrações penais e sua autoria, deve o Delegado classificar os crimes e contravenções que lhe chegam ao conhecimento.
No dia a dia da atividade policial, o Delegado de Polícia enfrenta inúmeras situações que exigem, deste profissional, conhecimentos jurídicos necessários a subsidiar o seu entendimento acerca do fato que é trazido à baila. Ademais, perceba-se que o Membro do Ministério Público, tem pelo menos cinco[52] dias para dar ao fato a classificação jurídica que entender pertinente.
Por seu turno, o magistrado dará a classificação jurídica do fato em sua sentença, após toda a instrução probatória. Logo, cabe à autoridade policial (Delegado de polícia) classificar o fato de forma imediata, para só então dar início ao procedimento pré-processual adequado e, em caso de auto de prisão em flagrante, providenciar para que sejam tomadas as providências de autuação, oitivas de condutor, testemunhas, vítimas, acusados, etc. requisições de exames, recolhimento e transferências de presos, expedição de nota de culpa[53], comunicação ao juízo competente e aos representantes da Defensoria Pública ou advogado Constituído e representante do Ministério Público, isso num prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
Continuando sua argumentação, o insigne mestre[54] leciona que a classificação feita pelo Delegado não vincula o Promotor e nem o juiz, mas a imputação indiciária favorece o conhecimento dos procedimentos adotados pela autoridade policial, v. g. realização de exame complementar, em caso de lesão corporal grave; concessão ou não de fiança, dentre outras.
Some-se a tal atividade, o atendimento diuturno ao público que consiste não só em tratar de atos definidos como crime, mas que também exigem conhecimentos jurídicos para apresentar uma solução à contenda.
Não raro, o Delegado de Polícia é indagado, em seu mister diário, acerca de v.g. cobranças de cheques sem a suficiente provisão de fundos, junto à instituição bancária sacada, devendo pronunciar se aquele fato é crime de estelionato ou um ilícito civil; se um descumprimento contratual pode ser solucionado na esfera policial ou não; se a não devolução de um bem pode ser considerada apropriação indébita ou mera quebra contratual, etc.
O Delegado de Polícia tem que ter em mente todos os conceitos que lhe foram repassados desde as primeiras cadeiras do curso de formação da faculdade, conhecer os princípios jurídicos que norteiam suas atividades, dentre eles: o da plenitude hermética, a teoria dos círculos concêntricos do direito e da moral, o princípio da subsidiariedade do direito penal e a teoria da chamada ultima ratio[55].
Assim, pelo exposto, entende-se que o cargo de Delegado de Polícia preenche os requisitos da chamada carreira jurídica, merecendo destarte sua recolocação no texto constitucional pátrio, conforme vem sendo feito nos textos constitucionais estaduais.
E nesse diapasão, a título de ilustração, indica-se que o estado da Paraíba foi o 12º (décimo segundo) estado a reconhecer a carreira de Delegado de polícia como jurídica, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição estadual 02/2011.
VII.1 FORMAÇÃO ACADÊMICA
Tal como ocorre com inúmeros outros cargos, atualmente também reconhecidos como de carreira jurídica (Defensoria pública, Procuradorias, Advocacia Geral da União, dentre outras), para ocupá-los, faz-se mister apenas a colação de grau em curso superior de Direito.
Não se exige para o Delegado de Polícia lapso temporal de formação acadêmica, de três anos de atividade jurídica. Como dito alhures, a ausência desse requisito não é exclusividade da carreira de Delegado de Polícia, sendo hoje, um requisito de ingresso, apenas, às carreiras da magistratura e ministério público.
VII.2 INGRESSO NO CARGO
O cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito, que depois de aprovado em concurso de provas ou de provas e títulos, deve se submeter a formação específica na área dos conhecimentos da atividade policial, ministrado pela academia de polícia de sua instituição (em que são revisados tópicos de: direito constitucional, administrativo, humanos, penal, processual penal, etc. aplicados à atividade policial, além de conhecimentos afins e voltados à atividade policial).
Depois de aprovado nestas fases, estará, juridicamente, apto a entrar em exercício e assumir as funções do cargo em apreço.
VII.3 PRERROGATIVAS DO CARGO
Os servidores integrantes dos cargos da magistratura, dos tribunais de contas, do ministério público e das defensorias públicas contam com algumas prerrogativas funcionais[56], dentre elas: 01. foro por prerrogativa de função, 02. irredutibilidade de subsídios, 03. vitaliciedade e 04. inamovibilidade.
Destas, ao menos atualmente e, em sede constitucional, nenhuma é assegurada ao integrante da carreira de Delegado de Polícia Civil.
Foro por prerrogativa de função
01. O foro por prerrogativa de função significa que o ocupante do cargo será julgado, na esfera criminal e cível[57], pelo tribunal que está acima do seu grau de atuação, quer na esfera estadual, quer na esfera federal.
Nesse sentido, os juízes e representantes do ministério público que oficiam em juízos singulares de 1º grau, serão julgados pelo tribunal (órgão colegiado escalonado em nível superior àqueles juízos) competente de acordo com a Constituição federal, independentemente de sua área de atuação.
Nesse diapasão, um juiz do trabalho, que julga processos cíveis lato sensu será julgado criminalmente perante o Tribunal Regional Federal de sua região, ainda que não esteja vinculado ao órgão ou tribunal que o julgará. Por exemplo, um juiz do Trabalho da comarca de Campina Grande, que cometa um crime, será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª região, localizado na cidade de Recife, que por sua vez não julga litígios trabalhistas.
Ao passo que o Delegado de Polícia Civil será julgado pelo juiz singular, e, perceba-se no exercício de suas funções, em sua área circunscricional, o julgamento de eventual processo criminal em desfavor dele será efetivado pelo juízo da própria comarca onde exerce suas funções, causando, inevitavelmente uma relação de subordinação entre duas carreiras que deveriam trabalhar em forma coordenada.
Logo, por vezes, o Delegado de Polícia dá ao fato um entendimento jurídico do qual o juiz pode eventualmente discordar e, em alguns casos, o Delegado age como a longa manus do Juiz, pois se o contrariar poderá sofrer alguma retaliação do julgador, que no sistema adotado no Brasil, atualmente, não deveria se imiscuir na atividade policial, para preservar a necessária isenção quando do julgamento das causas a ele apresentadas.
Irredutibilidade de subsídios ou vencimentos
02. A irredutibilidade de subsídios ou vencimentos[58] tem como objetivo manter a independência do servidor, assegurando os proventos integrais, não podendo reduzi-los mesmo que suas decisões desagradem a quem quer que seja.
Nesse sentido, alguns servidores públicos ou agentes políticos recebem sua remuneração por intermédio de subsídio que é uma forma de pagamento em parcela única, que garante a manutenção dos valores recebidos a tal título, em casos de transferências, férias, licenças, posto que são vedados acréscimos como verbas de representação, auxílio a qualquer título, etc.
Aqui, mais uma vez o Delegado de polícia civil foi preterido, posto que se entende que a norma constitucional que trata da matéria é uma norma de eficácia limitada, necessitando de lei específica que a regulamente, para surtir efeitos práticos. Porém em quase sua totalidade, os chefes dos poderes executivos estaduais não deflagram o processo legislativo com a finalidade de implementar o subsídio, constitucionalmente previsto à carreira de Delegado de polícia civil.
Logo, no estado da Paraíba, o Delegado de polícia é remunerado através de vencimentos, adicionais de representação, bolsa de desempenho, etc. que em casos de transferências imotivadas são retiradas do titular do cargo e utilizadas como punições financeiras, uma vez que são retiradas a cada transferência sofrida pelo detentor do cargo.
Vitaliciedade
03. A vitaliciedade é hoje entendida como a garantia assegurada ao servidor de só perder o cargo mediante decisão judicial, em processo específico, no qual lhe são assegurados o contraditório e a ampla defesa, que em tese é mais garantista que o perdimento do cargo mediante processo administrativo.
Sobre o tema, traz-se à colação as palavras de WILSON CARLOS RODYCZ, comentando a Constituição federal de 1824, in verbis:
“…A Constituição declarou independente o “poder judicial” e assegurou as garantias básicas da magistratura. A jurisdição deveria ser prestada por Juízes de Direito que, embora removíveis, seriam investidos em caráter vitalício (“perpétuos”), não podendo ser demitidos, a não ser em virtude de sentença - garantia que não se estendia aos juízes municipais, que eram temporários, nem aos juízes de paz, de investidura eletiva. No art.179, entre as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos, foi estipulada a independência da jurisdição: “nenhuma autoridade poderá avocar as causas pendentes, sustá-las, ou fazer reviver os processo findos (nº XII). De fato, entretanto, o Poder Judicial e a função jurisdicional permaneceram submissos ao Ministério da Justiça. No exercício do Poder Moderador, o Imperador podia suspender os magistrados, perdoar ou moderar as penas impostas nas sentenças e conceder anistia (art. 101). A interpretação das leis era vedada aos juízes.” (O JUIZ DE PAZ IMPERIAL: UMA EXPERIÊNCIA DE MAGISTRATURA LEIGA E ELETIVA NO BRASIL[59]).
Como visto, ao Delegado de polícia civil também não é assegurada essa garantia, posto que poderá perder o seu cargo mediante processo administrativo.
Inamovibilidade
04. Por sua vez, a inamovibilidade consiste na garantia funcional que assegura ao servidor a prerrogativa de não ser transferido da unidade onde exerce seu mister, senão por decisão motivada e colegiada de órgão superior da instituição a qual faz parte. Ademais, tal garantia proíbe a prática da avocação[60] de processos ou procedimentos para órgão de igual ou superior hierarquia.
O ilustre constitucionalista lusitano, J.J. Canotilho, discorrendo acerca da magistratura, no Direito Português, afirma que:
“A função jurisdicional deve constituir «monopólio» dos juizes, pelo que jurisdição e magistratura são conceitos relacionados e reciprocamente condicionados. A função jurisdicional exige determinadas características aos magistrados: independência, inamovibilidade e irresponsabilidade (cfr. art. 218.°). Do mesmo modo, a decisão jurisdicional caracteriza-se pela imparcialidade e estrita juridicidade dos juízos”.[61]
Sobre o mesmo tema, o insigne jurista José Afonso da Silva nos informa:
“Já a inamovibilidade, prevista no artigo 95, II, da Carta Magna, se refere a fixação do juiz ao cargo e ao local para onde foi designado para a prática de suas funções, não devendo ser removido sem o seu prévio consentimento, garantindo-lhe que exercerá sua atividade sem pressões político – econômicas, pois, do contrário, o magistrado estaria à mercê de remoções “arranjadas”, tudo para que não contrarie interesses do “poder” vigente no local de suas atividades jurisdicionais. [62]”.
Em que pese não ser objeto do presente trabalho, vale destacar que em Portugal e em ordenamentos jurídicos de outros países, a magistratura também é contemplada com a garantia da ir[63]responsabilidade, que se traduz no fato de que o Juiz, no exercício de suas funções e em suas decisões não será responsabilizado civil, criminal e nem administrativamente, para que assim possa exercer o seu mister com soberania e imparcialidade[64].
VII. 4 (DES)VINCULAÇÃO DO PODER EXECUTIVO
Segundo a teoria clássica de Montesquieu, o poder estatal é subdividido em três: legislativo, executivo e judiciário. Já para a doutrina contemporânea, o poder estatal é uno e indivisível. Chamando de funções àquilo que Montesquieu denominou de poder. Assim, tem-se hodiernamente que o poder estatal é formado pela função legislativa (incumbida inicialmente de criar o ordenamento jurídico legal), pela função executiva (incumbida precipuamente de aplicar a lei de ofício) e a função judicial (incumbida, de regra, de julgar a contenda e aplicar a lei e o direito ao caso concreto).
Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro adotou uma divisão de funções do poder estatal em que ao lado e como órgão auxiliar do legislativo está situado o tribunal de contas (seja da união, seja do estado ou municípios).
O tribunal de contas tem como atribuição, precípua, auxiliar o legislativo em sua função atípica de analisar as contas do executivo.
Por sua vez, o ministério público no Brasil é um órgão de função essencial à administração da justiça[65], porém não faz parte do poder judiciário e é tido como um órgão autônomo[66], embora integrante do executivo, posto que não julga e não legisla. Em alguns países, o ministério público é tido como apêndice do judiciário[67] e em outros como um quarto poder, dada a sua autonomia, garantia de seus membros e topologia da instituição na organização administrativa.
Depois da emenda Constitucional nº 45, as Defensorias públicas da união e dos estados e do distrito federal, adquiriram, basicamente, o mesmo status que atingiu o ministério público, sendo-lhes assegurada a autonomia administrativa e financeira.
O judiciário até por questões óbvias não pode ser dependente da função executiva de estado. Assim, de todas as carreiras de estado, reconhecidas como jurídicas, em sede constitucional federal, tem-se que apenas as exercidas pelas procuradorias são diretamente vinculadas ao executivo.
Mas tal não pode ser diferente, uma vez que à procuradoria cabe a defesa do interesse do estado, representado pelo poder executivo.
E nessa celeuma se encontra a função do Delegado de Polícia Civil, cujo membro é chamado a exercê-la com conhecimentos técnicos-jurídicos, dando início à persecução criminal, devendo gerenciar as ações, os recursos humanos e materiais da instituição e exercer o seu mister com independência funcional.
Porém na estrutura orgânica em que está inserta a polícia judiciária (estadual ou federal) atualmente não é possível exercer tal mister com a imparcialidade e independência necessárias, posto que o Delegado de polícia está, de acordo com a estrutura orgânica, vinculado ao Secretário de segurança ou denominação congênere, que faz parte do primeiro escalão do governo (poder executivo).
Nesse sentido, qualquer ato do Delegado de polícia, contrário aos interesses do governo, do governador ou de qualquer colaborador seu, pode repercutir em uma transferência imotivada, avocação de inquérito, transferência de unidade de trabalho, com redução de proventos, inclusive.
Isso se dá dentre outros motivos pelo fato de as polícias judiciárias estarem subordinadas aos poderes executivos e não possuírem autonomia administrativa e financeira.
Chega a ser ilógico e discrepante essa situação fática, pois de todos os atores da persecução penal, o delegado de Polícia é o que mais se arrisca, no exercício de suas atribuições, pois além de ofertar as representações, muitas vezes as executa pessoalmente (mandado de busca domiciliar, de prisão, etc.) e nessa atividade está susceptível a toda sorte de intempéries, sem que lhe sejam asseguradas condições mínimas de trabalho, como a afirmação das garantias funcionais asseguradas aos magistrados e demais integrantes das carreiras jurídicas.
- DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL
O Delegado de polícia civil é o servidor integrante dos quadros da referida instituição policial responsável pela presidência do inquérito policial e demais atividades afins.
Segundo a classificação brasileira de ocupações, o Delegado de Polícia exerce sumariamente as atribuições de: Presidir com exclusividade as atividades de polícia judiciária; dirigir e coordenar as atividades de repressão às infrações penais para restabelecer a ordem e segurança individual e coletiva; administrar atividades de interesse da segurança pública; e de expedir documentos públicos e administra recursos humanos e materiais[68].
VIII.1 INGRESSO NA CARREIRA
O ingresso na carreira de Delegado de polícia civil se dá com a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, em que são exigidos conhecimentos específicos (jurídicos) e aprovação em curso ministrado em academia de ensino de polícia em que são repassados conhecimentos relativos à atividade investigativa.
VIII.2 ATRIBUIÇÕES
Cabe ao Delegado de polícia civil a presidência do inquérito policial, gerenciando as atividades investigativas com o fito de elucidar a prática do crime, desvendando a autoria e circunstancias do delito em apuro.
Nesse mister, cabe-lhe determinar intimações, conduções coercitivas, ouvir vítimas, testemunhas, suspeitos, decidir acerca da instauração de procedimento investigativo, requisitar documentos, dados, fichas cadastrais, etc.
Também lhe cabe representar pelo afastamento do sigilo bancário, fiscal, perdimento de bens, pela prisão temporária, preventiva, mandado de busca domiciliar, dentre outros.
Além disso, cabe ao Delegado de polícia decidir acerca da lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, auto de prisão em flagrante, arbitramento de fiança, enquadramento típico-penal do fato que lhe é apresentado, etc.
Assim, grosso modo, cabe ao Delegado de polícia presidir o procedimento pré-processual, respeitando e fazendo-se respeitar os direitos fundamentais dos investigados e demais envolvidos na persecução penal, que servirá de base[69] para o membro do Ministério Público oferecer a denúncia[70] ou para a vítima apresentar a queixa-crime[71].
Nesse diapasão, traz-se à baila a LC 85/2008 (Estatuto da Polícia Civil do estado da Paraíba), in verbis:
“Art. 6º À Polícia Civil do Estado da Paraíba, no exercício de suas funções institucionais, além das atribuições ínsitas na legislação penal e processual penal vigente, cumpre:
I – formalizar, com exclusividade, o inquérito policial, o termo circunstanciado de ocorrência e outros procedimentos apuratórios das infrações administrativas e criminais;
II – realizar ações de inteligência destinadas a instrumentar o exercício de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, na esfera de sua responsabilidade, observados os direitos e as garantias individuais;
III – realizar coleta, busca, estatística e análise de dados de interesse policial, destinados a orientar o planejamento e a execução de suas atribuições;
IV – manter atualizados os arquivos sobre mandados de prisão e documentos correlatos;
V – manter, nos inquéritos policiais e nos termos da lei, o sigilo
necessário à elucidação do fato ou o exigido pelo interesse da sociedade; VI – zelar pela ordem e segurança pública, promovendo medidas de proteção à sociedade e aos indivíduos ou participando delas;
VII – atender às requisições do Poder Judiciário e do Ministério Público, cumprir mandado de prisão e de busca e apreensão, bem como fornecer informações necessárias à instrução do processo criminal nos prazos previamente estabelecidos;
VIII – organizar e manter cadastro atualizado de pessoas procuradas, suspeitas ou indiciadas pela prática de infrações penais e as que cumprem pena no sistema penitenciário estadual;
IX – manter o serviço de estatística, de maneira a fornecer informações precisas e atualizadas sobre o índice de criminalidade;
X – fiscalizar áreas públicas ou privadas sujeitas à fiscalização do poder de polícia;
XI – adotar as providências necessárias para preservar os vestígios e
provas das infrações penais, colhendo, resguardando e interpretando indícios ou provas de sua autoria;
XII – estabelecer intercâmbio permanente com entidades ou órgãos públicos ou privados que atuem em áreas afins, para obtenção de elementos técnicos especializados necessários ao desempenho de suas funções;
XIII – atuar no recrutamento e seleção, promover a formação, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento profissional e cultural dos policiais civis, observadas as políticas, as diretrizes e as normas de gestão dos recursos humanos do Poder Executivo;
XIV – definir princípios doutrinários e técnicas que visem a promover a segurança pública por meio da ação policial eficiente;
XV – desenvolver o ensino, as pesquisas e os estudos permanentes para garantir a melhoria das ações de preservação da ordem pública e repressão dos ilícitos penais;
XVI – apoiar e cooperar, de forma integrada, com os órgãos municipais, estaduais e federais de segurança pública, de maneira a garantir a eficácia de suas atividades;
XVII – realizar ações de inteligência destinadas à prevenção criminal e a instrumentalizar o exercício da polícia judiciária e a preservação da ordem e da segurança pública, na esfera de sua atribuição;
XVIII – participar, com reciprocidade, dos sistemas integrados de informações relativas aos bancos de registro de dados disponíveis nos órgãos públicos municipais, estaduais e federais, bem como naqueles situados no âmbito da iniciativa privada de interesse institucional e com vistas à manutenção da ordem e da segurança pública;
XIX – organizar e executar serviços de identificação civil e criminal;
XX – manter intercâmbio operacional e cooperação técnico-científica
com outras instituições policiais, para cumprimento de diligências destinadas à investigação de infrações penais, à instrução de inquéritos policiais e de outros procedimentos, instrumentos ou atos oficiais;
XXI – organizar, executar e manter serviços de estudo, análise,
estatística e pesquisa policial sobre a criminalidade e a violência, inclusive mediante convênio com órgãos congêneres e entidades de ensino superior;
XXII – realizar diligências policiais para cumprimento do exercício de polícia judiciária;
XXIII – exercer, além das atribuições previstas nesta Lei Complementar, outras atribuições que lhe sejam conferidas em leis e ou regulamentos afins.”
Segundo Cleyson Brene e Paulo Lépore[72], as atividades do Delegado de polícia civil podem ser assim resumidas:
“O trabalho precípuo do Delegado de Polícia Civil é a investigação criminal, que tem sua gênese no cometimento de um fato, em tese, tipificado no ordenamento jurídico como crime ou contravenção penal. E esse trabalho investigativo se materializa principalmente no inquérito policial.” (2013, p.19)
VIII.3 REGIME JURÍDICO
O servidor policial, delegado de Polícia, submete-se ao regime jurídico administrativo estatutário e não, ao celetista. Desta feita, após três anos de exercício funcional (estágio probatório) o ocupante do cargo de Delegado passará a ser estável.
Adquirida a estabilidade no serviço público, o servidor público, especificamente o Delegado de Polícia, poderá ser demitido[73] em procedimento administrativo disciplinar, em que lhe deverão ser assegurados: o contraditório e a ampla defesa.
Porém, ainda é mais vulnerável que a situação funcional dos servidores ocupantes de cargos em que é assegurada a garantia da vitaliciedade, pois faz-se necessária a judicialização do procedimento para demissão do referido servidor.
Assim, ao passo que o servidor estável pode ser demitido por procedimento administrativo (Procedimento Administrativo Disciplinar), o servidor vitalício só perderá o cargo, depois de condenado, por sentença transitada em julgado.
IX. PRODUÇÕES LEGISLATIVAS ATINENTES À CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA
Inúmeros são os projetos de lei e de emenda à constituição, quer federal, quer estadual, visando regulamentar as atribuições do cargo e carreira de Delegado de Polícia.
Os delegados de polícia civil, como visto alhures, se enquadram num regime diferenciado daquele previsto para os servidores públicos, de um modo geral. Eles estão insertos na categoria dos chamados servidores públicos estatutários.
Nesse sentido, os Delegados de Polícia Civil do estado da Paraíba tem seu regime jurídico regulamentado pela Lei Complementar 85/2008 (estatuto da polícia civil do estado da Paraíba).
Ademais, nos últimos dez anos houve uma gama de propostas de emenda à Constituição Federal, algumas já arquivadas, outras reunidas – tendo em vista a afinidade de matérias. Muitas geraram expectativas no seio da categoria, outras criaram celeumas e discussões desnecessárias e até desgastes com outras carreiras. Contudo, até o presente momento a única que efetivamente foi posta em votação, foi rejeitada.
Nesse sentido, tem-se a PEC[74] 367/2005, in verbis:
“Dá nova redação ao artigo 233 das Disposições Constitucionais Gerais, dispondo sobre o regime constitucional dos delegados de polícia de carreira.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
“Art. 233. O delegado de polícia de carreira exerce função indispensável à administração da justiça, sendo-lhe assegurada independência funcional no exercício do cargo, nos termos da Lei.””
Em seguida, teve-se a PEC 549/2006:
Acrescenta preceito às Disposições Constitucionais Gerais, dispondo sobre o regime constitucional peculiar das Carreiras Policiais que indica.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º, do art. 60, da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda Constitucional:
Art. 1º - É acrescido o art. 251 às Disposições Gerais da Constituição Federal, com a seguinte redação:
“Art. 251. Os Delegados de Polícia organizados em carreira, no qual o ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, admitido o provimento derivado na forma da lei, são remunerados de acordo com o disposto no art. 39, § 4º e o subsídio da classe inicial não será inferior ao limite fixado para o membro do Ministério Público que tenha atribuição para participar das diligências na fase investigatória criminal, vedado o exercício de qualquer outra função pública, exceto uma de magistério.”
Art. 2º - Esta Emenda Constitucional, entra em vigor na data de sua publicação.
Após a PEC 549, foi apresentada a PEC 44/2007, abaixo reproduzida:
Acrescenta um art. 251 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispondo sobre o regime constitucional das carreiras de delegado de polícia civil.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT passa vigorar acrescido do art. 251, com a redação que se segue:
Art. 251 No âmbito das polícias civis, o acesso ao cargo de delegado de carreira far-se-á por uma das seguintes hipóteses:
I – concurso público de provas e títulos, com a participação da ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se diploma de bacharel em direito e cumprimento das demais exigências legais; ou
II – ascensão funcional, obedecidos os critérios definidos em lei.
§ 1º Os delegados de polícia civil serão remunerados por meio de subsídio, observado o disposto no art. 39, § 4º, e garantida a isonomia com o valor fixado para os delegados da polícia federal.
§ 2º É vedado ao delegado de polícia civil o exercício de qualquer outra função pública, exceto uma de magistério.
Art. 2º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.
No mesmo sentido, teve-se a PEC 293/2008, in verbis:
“Altera o Art. 144 da Constituição Federal, atribuindo independência
funcional aos Delegados de Polícia.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
“Art. 144 ..................................................................................
§ 10. O delegado de polícia de carreira, de natureza jurídica, exerce função indispensável à administração da justiça, sendo-lhe assegurada independência funcional no exercício do cargo, além das seguintes garantias:
a) vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público; e
c) irredutibilidade de subsídio.” (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação.”
Na justificativa à propositura da emenda, o Dep. Federal Alexandre Silveira, proponente ou propositor da emenda Constitucional em referência, defende o ponto de vista adotado no presente trabalho, in verbis:
“A emenda Constitucional que ora apresentamos visa aprimorar o texto da Carta Magna, para explicitar institucionalmente a atividade essencial e autônoma que o integrantes da carreira de delegado de polícia exerce para a administração da justiça no País, além de estabelecer textualmente as garantias capazes de assegurar essa autonomia.” (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F564C81EC14278B014279B17C1CFE908.node2?codteor=596424&filename=PEC+293/2008).
E continua sua argumentação:
“Historicamente, e fora do sistema judiciário, é possível encontrar um grande número de órgãos que receberam o devido enaltecimento institucional e valorização profissional, em maior ou menor grau. Assim, aconteceu com os tribunais de contas, os conselhos de fiscalização profissional, as universidades, o CADE e a comissão de Valores Mobiliários. Isso se tornou mais frequente com a reforma administrativa do Governo FHC que, em 1998, por meio de emenda constitucional, introduziu o princípio da eficiência na administração pública, prevendo a possibilidade de concessão de autonomia gerencial a diversos órgãos, com notável sucesso.”
Por fim, conclui o citado parlamentar:
“Entendemos que o processado criminal tem seu início e garantia de sucesso a partir do trabalho de investigação, coleta de provas e execução de atos de autoridade desenvolvidos pelo delegado de polícia, na sua função de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, como já determina o art. 144 da C.F. A garantia constitucional de independência funcional, ora proposta, acompanhada das prerrogativas da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, são indispensáveis ao exercício do cargo de delegado, para que não sofra pressões ou intimidações prejudiciais ao esclarecimento dos fatos sob apuração. Em prejuízo, pois, da administração da justiça no país.”
(http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F564C81EC14278B014279B17C1CFE908.node2?codteor=596424&filename=PEC+293/2008)
Desta feita, pode-se concluir que o parlamentar em apreço tem em conta que o ocupante do cargo de Delegado de Polícia precisa de tais garantias, dentre elas, a da inamovibilidade para exercer o seu trabalho de forma técnica e, sobretudo, isenta.
Por fim, em sede constitucional, teve-se a PEC 37/2011.
“O congresso Nacional decreta:
As mesas da câmara dos deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º, do art. 60, da Constituição federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto Constitucional:
Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 10:
“Art. 144.............................................................................................
§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.
Art. 2º esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação.”
Contudo, em 25 de junho de 2013, a PEC 37 foi posta em votação e, depois de movimentos sociais que eclodiram nas ruas, apoiados pelos veículos de comunicação, a pressão popular fez com que a proposta fosse rejeitada com 430 votos contrários, 9 a favor e duas abstenções[75].
Por outro lado, no último dia 24 de abril de 2013, foi aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, o projeto de lei de iniciativa da câmara federal, de nº 132/2013, que visa dispor sobre a primeira parte da persecutio criminis, a investigação criminal. Neste texto, de caráter e natureza tipicamente processual, está prevista a inamovibilidade relativa, posto que abarca a proibição de avocação de autos e transferência do titular do cargo, apenas de forma fundamentada, in verbis:
“Art. 1º Esta lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais.
§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessam à apuração dos fatos.
§ 3º O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico jurídico, com isenção e imparcialidade.
§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudiquem a eficácia da investigação.
§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento dos magistrados, membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e advogados.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Este projeto de lei remonta ao ano de 2010 e foi aprovado e encaminhado à Presidência da República, transformando-se na Lei 12.830/13, em 20 de junho de 2013. O texto do projeto sofreu algumas alterações. O § 3º foi vetado sob o argumento de que “a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições”[76] (Mensagem de veto 251/2013).
- CONSEQUÊNCIAS DA GARANTIA DA INAMOVIBILIDADE AOS OCUPANTES DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA PARAÍBA
Desta feita, entendemos que o asseguramento da garantia da inamovibilidade aos ocupantes dos cargos de Delegado de Polícia civil do estado da Paraíba é de fundamental importância para o desempenho de suas atividades com isenção, imparcialidade, afinco e principalmente destemor de represálias.
No estado da Paraíba, até hoje os Delegados de polícia Civil são transferidos de suas unidades de trabalho (Delegacia especializada, distrital, municipal, etc.) ao bel prazer da administração. As transferências se dão através da publicação da portaria de exoneração e de nova lotação em diário oficial, e quase sempre o servidor só toma conhecimento que foi exonerado do cargo em comissão, com a publicação do ato, pela imprensa oficial.
Isso causa desmotivação no seio da categoria e descrença na própria instituição que deveria zelar pela aplicabilidade de tal princípio, ainda que não previsto explicitamente, porque tal atitude demonstra apenas a fragmentação dos integrantes da referida carreira, culminando com um número cada vez mais crescente de procedimentos com solução de continuidade.
Como dar seguimento a uma linha de investigação, como seguir um raciocínio, como trilhar um caminho a ser seguido, como concluir uma investigação se quando menos se espera os detentores do cargo de Delegado de polícia são surpreendidos com as suas transferências, publicadas em órgão oficial de imprensa?
Nesse diapasão, entende-se que com a implementação da garantia funcional da inamovibilidade, ao Delegado de polícia, será possível diminuir os casos em que há solução de continuidade na presidência dos procedimentos policiais e, por conseguinte, o acúmulo de procedimentos diminuirá, posto que com esta os profissionais se especializam em determinados tipos penais, não haverá a vacância do cargo, ausência de presidência do inquérito, culminando com a solidificação de um contato mais próximo entre o Delegado de polícia, o Promotor, o Juiz e o Defensor Público, etc.
Somado a isso, faz-se necessário em mesma escala a previsão de dotação orçamentária própria e autonomia administrativa, para a consecução de seus fins institucionais.
Como dito, a Lei 12.830/13 assegurou ao Delegado de Polícia, dentre outras garantias, a da inamovibilidade relativa. Contudo, a Lei em referência está em vigor a oito meses e ainda não se pode observar, na prática, a sua implementação e observância por parte dos chefes do poder executivo.
- CONCLUSÃO
Pelo que foi exposto no presente trabalho, entende-se que o Delegado de Polícia é integrante das carreiras jurídicas de estado, tal como as demais hodiernamente declaradas, em sede constitucional federal, devendo-lhe ser asseguradas as mesmas garantias dispensadas à magistratura e demais carreiras jurídicas.
Nesse sentido, traz-se o entendimento de Sérgio Marques de Moraes Pitombo, in verbis: “a polícia, enquanto judiciária, e o inquérito que ela faz, exsurgem administrativos, por sua atuação e forma, mas judiciários, nos seus fins”(p. 22)[77].
Não resta dúvida que a ausência de garantias mínimas ao exercício da função de Delegado de Polícia constitua um empecilho ao bom trabalho da polícia judiciária. Como investigar Vereadores, Prefeitos, Governadores, Secretários, se ao se fazer isso, observa-se a possibilidade de que se terá será uma transferência imotivada, uma redução nos vencimentos a título de perdimento de gratificação ou responsabilização administrativa por um suposto ato de abuso de autoridade ou transgressão disciplinar.
Tem-se que mudar o mais rápido possível essa realidade. A polícia judiciária como órgão investigativo, não pode ficar submissa a um administrador ou plano de governo. Ela deve ser independente (técnica, administrativa e financeiramente) sob pena de resumir-se a investigar apenas os delitos e as pessoas que interessam à função executiva do estado.
E, por outro lado, quando em suas funções se contrariam interesses daqueles ligados à função executiva ou dos que possuam, de qualquer maneira, influência com alguém que está ligado à cúpula do executivo, logo são sentidas as retaliações, tais como: avocação de inquéritos, transferências imotivadas (em que pese fundadas no interesse público).
Assim, a polícia judiciária e o Delegado de Polícia devem ser vistos como órgãos e atividades essenciais à função jurisdicional do estado e como Agentes políticos integrantes das carreiras jurídicas de estado, respectivamente, pela essencialidade do trabalho desenvolvido, responsabilidade e consequência da execução de tal atividade.
Nesse sentido, traz-se à colação o ensinamento de Rogério Bastos Arantes[78], comentando o exercício funcional do Ministério Público: “De fato, a garantia de independência no exercício de suas funções tem permitido a promotores e procuradores atuarem com extrema desenvoltura e autonomia – particularmente nos conflitos de dimensão social e política…” (p. 80.)
É fato notório que o Ministério Público, enquanto instituição só alcançou uma posição de destaque a partir da Constituição Federal de 1988. O fortalecimento dos integrantes da carreira do ministério público só foi alcançado depois de asseguradas as garantias acima elencadas, dentre elas a da inamovibilidade aos seus membros.
A partir daí, e só a partir daí, é que o ministério público no Brasil passou a ajuizar ações contra administradores públicos, quer de improbidade, quer no âmbito penal. Só depois disso é que se iniciou o trabalho de combate à corrupção e responsabilização dos chamados “crimes do colarinho branco”.
O poder judiciário passou a ser independente, verdadeiramente e não pro forma, do executivo, a partir dos textos constitucionais do século XX, o mesmo se diga aos membros dos tribunais de contas. As Defensorias públicas, só agora depois de mais de oito anos da edição da Emenda constitucional 45/2004, é que estão exercendo suas funções institucionais de forma mais técnica.
É consectário lógico que, depois de asseguradas tais garantias e dentre elas a da inamovibilidade, que é aqui considerada a mais importante delas, para o exercício funcional do cargo, haja uma melhora qualitativa e quantitativa da prestação funcional dos agentes investidos nos cargos em comento. Entende-se que vá ocorrer com os integrantes da carreira de Delegado de polícia, com a implementação desta garantia funcional.
Chega a ser até demagógico o discurso apregoado por membros de outras instituições, dentre elas: ministérios públicos, Judiciário, polícias militares, polícia rodoviária federal, etc. afirmando que as polícias judiciárias não conseguem exercer o seu mister e, por isso, aproveitando-se de uma debilidade estrutural, pactuem com a afirmação de que neste País todos podem exercer o papel de polícia judiciária, usurpando parte de sua atribuição constitucionalmente prevista.
Comentando a garantia da inamovibilidade, Thiago Martins Lage Bonsucesso[79] afirma que por não ter tal garantia o Delegado de polícia pode ser transferido de forma arbitrária, sem que haja processo administrativo ou qualquer procedimento de maior complexidade, comprometendo a imparcialidade no cumprimento legal e, consequentemente, o inquérito policial de maneira objetiva.
Sabe-se por fim, que, como dito, não há tanto interesse político em que a atividade do Delegado de polícia seja enaltecida, posto que causará inúmeros dissabores a cidadãos de extratos sociais privilegiados, até então, nunca investigados pelo trabalho de polícia judiciária. Mas esta realidade deve ser mudada o mais rápido possível.
É inconcebível que, de todos os atores da persecução criminal, apenas o responsável pelo seu início (aquele a partir do qual será instituída a pedra fundamental, denominada de inquérito policial, que dará início à obra arquitetônica, chamada de processo penal) – o Delegado de polícia – não seja contemplado com a garantia da inamovibilidade para, assim, poder exercer, verdadeiramente, o seu papel constitucionalmente previsto.
Não resta dúvida que a inamovibilidade causa temor a muita gente, posto que uma ação penal fundamentada em um inquérito bem elaborado (com provas colacionadas e concatenadas) pode levar a um aumento significativo de punições e esclarecimento de fatos trazidos à luz pelos órgãos de polícia judiciária, independente de quem seja o investigado, visto que a atividade do Delegado de Polícia é fundamental para o sucesso da persecução penal.
RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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