O Destino de Júpiter: por que é fundamental que o jurista entenda economia?

Fechado cognoscitivamente, aberto axiologicamente. Por que o direito deve fazer análises zetéticas para a sua completude?

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09/06/2015 às 00:35
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Por séculos a inserção da ciência econômica esteve completamente dissociada da análise jurídica e, portanto, os estudos econômicos eram como seres extraplanetários para a análise social.

1.      Prolegômenos a inter-relação entre Economia e Direito

Por séculos a inserção da ciência econômica esteve completamente dissociada da análise jurídica e, portanto, os estudos econômicos eram como seres extra-planetários para a análise social. A metáfora empreendida, por meio da analogia, com o filme O Destino de Júpiter[1] por certo serve de guia para compreender o modo pelo qual o fechamento cognoscitivo da ciência jurídica impediu por um período considerável de tempo que a axiologia, mas também as políticas públicas, pudessem ser firmadas de modo responsável e coerente com o que há de recursos e expectativas sociais. Depreender que o Positivismo Jurídico, dotado da ânsia pela consolidação do Direito enquanto uma ciência e não apenas um instrumento social, empreendeu uma trilha na qual o direito esteve distante da política, da moral e em nossa análise, em especial, da economia é um corolário natural da análise histórica.

A priori, os juristas, assim como Jupiter Jones, a protagonista de nosso filme em comento, desconhecia a existência e a importância de suas armas. O jurista, nesse caso em especial o Pretor, quando analisado a luz do legalismo e das Teorias de Montesquieu não deveria tomar conhecimento das outras áreas, deveria guiar-se inocuamente pelas vertentes dos dogmas estabelecidos pelo legislativo. Como retrata Warat,

“propõe um saber que seja puro como teoria e, com isso, facilita que a [...] proposta seja ideologicamente recuperada, servindo agora para que os juristas contaminem a práxis de pureza, criando a ilusão de uma atividade profissional pura. [...] Os juristas de ofício, apoiados na idéia de um conhecimento apolitizado, acreditam que o advogado é um manipulador das leis, descompromissado politicamente, um técnico neutro das normas.[2]

            A neutralidade jurídica, contudo, deu margem para que surgissem regimes autoritários, eugenistas e que dizimaram milhares por meio de instrumentos que não podem, em qualquer análise que sustente a ideia de dignidade da pessoa humana, ser considerado justo. Mais profícua e interseccional é a idéia interposta por Hans Kelsen. O ilustre jurista, talvez o maior do século XX, nada obste ter consolidado as bases que firmaram todo o entendimentos sistemático que, até os dias atuais, fundamentam a formação do direito e a sua utilização metodológica, para além disto ser judeu de origem lhe fez ser protagonista em um momento histórico que demonstrou a notória necessidade de instruir o sistema jurídico por meio de valores. Observemos a categórica afirmação de Hans Kelsen sobre o Direito Nazista:

"Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem poder para encerrar em campos de concentração, forçar a quaisquer trabalhos e até matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável. Podemos condenar com a maior veemência tais medidas, mas o que não podemos é considerá-las como fora da ordem jurídica desses Estados[3]

            Adentremos, portanto, pela continuidade da análise histórico-polítca da inter-relação entre direito e economia. Em O Destino de Jupiter, assim como no direito pós-segunda guerra mundial, um “salvador” surge: Caine. Salvar Jupiter, que em momento mais oportuno descobre ser parte da realeza e talvez esteja aí um dos maiores elos de ligação entre o direito e o filme que escolhemos por tratar analogicamente, isto é, qual a ciência, a arte ou o instrumento humano mais nobre existente se não o direito? Este que legitima e condensa as distintas formas de Poder da sociedade. É o direito, portanto, uma forma de conservadorismo e de manutenção do status quo, pois, como afirma André Coelho, “mudanças radicais por meio do direito só ocorrem com rupturas políticas com o padrão jurídico esperado”[4]. Para além disto, o “salvador” Caine demonstra a Jupiter o modus operandi dos outros Planetas, de campos outrora desconhecidos, daquilo que na ciência do Direito foi notoriamente iniciado por Gustav Radbruch em seu livro Cinco Minutos de Filosofia do Direito. Compreendeu Radbruch sobre a situação anterior a interseccionalidade entre a ciência do direito e as outras ciências:

“Ordens são ordens, é a lei do soldado. A lei é a lei, diz o jurista. No entanto, ao passo que para o soldado aobrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a práctica dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece excepções deste género à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem. A lei vale por ser lei, e é lei sempre que, como na generalidade dos casos, tiver do seu lado a força para se fazer impor. Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristascontra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”[5]

                O direito deixou de estar fechado em si mesmo e conheceu, assim como Jupiter também o fez, os seus co-irmãos. Em nosso ponto de partida, por termos fixado como paradigma para este trabalho o filme O Destino de Jupiter, não olvidamos que há uma notória correlação entre nossos personagens. Jupiter, assim como o Direito, era algo, era alguém relegado a um destino desconhecido e incontrolável. Protegido e desejado por seus co-irmãos, nossos personagens possuíam uma capacidade que estava além do que se poderia antes da interseccionalidade imaginar. O conhecimento múltiplo, no entanto, possibilitou a abertura de novos horizontes, possibilitou firmar novos paradigmas. É, neste sentido que, tomando como premissa a força das análises presentes ou de pretensão futurística precisamos compreender o que afirma Marcelo Neves, “o direito constitui, em outras palavras, um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto. A qualidade normativa serve à autopoiese, a cognitiva serve à concordância desse processo entre o ambiente e o sistema”[6].

            Conhecer os irmãos Abrasax[7], assim como o direito conheceu seus irmãos sociologia, política, economia etc gerou em nosso campo de análise a possibilidade de que as decisões legislativas, jurídicas pudessem estar definitivamente abertas a influência de outros campos. Os estudos criminológicos hoje são indispensáveis para a construção das políticas criminais (quer esta afirmação seja pragmaticamente aplicada ou não). Deste mesmo modo, os estudos analíticos das ciências econômicas são fundamentais para a modificação dos paradigmas de todos os ramos do macro-sistema jurídico.

            É exatamente por esta necessidade de modificação dos paradigmas, de construção de um novo rumo intelectual e de conformação das forças sociais-econômicas, que urgem a análise do sistema capitalista e de suas conformações sociais pelo escopo de nosso maior objetivo: verificar se há vantagens em implementar o imposto negativo e havendo, quais são.

2.      Elucidando os Sistemas econômicos

Afirmar qual seja o sistema econômico que norteia o imposto negativo é tarefa das mais fáceis no momento em que é compreensível quem foi e em que contexto tal programa foi sugestionado. Milton Friedman ao analisar as políticas públicas implementadas pelo governo norte-americano com o objetivo precípuo de consolidar a autonomia das vontades, a capacidade humana de auto-determinasse ou mesmo de conscientemente realizar suas escolhas propõe a redução da carga tributária ao que estereotipa de conflito total com a liberdade. Afirma Friedman: “É difícil para mim, como liberal, encontrar alguma justificativa para a taxação gradual em termos de pura redistribuição de renda. Parece-me um caso claro de coerção, em que se tira de uns para dar a outros, e assim se entra em conflito frontal com a liberdade individual”[8].

Embora, estejamos em acordo quanto a ineficiência que o Estado intervencionista provoca ao tentar por meio artificiais reduzir as desigualdades sociais. Recorde: as políticas públicas por longos séculos estiveram dissociadas dos estudos econômicos e da análise social quanto as conseqüências lógico-objetivas de seus resultados e é por esta razão que propomos encontros cada vez mais intensos e cambiáveis entre o direito e os “irmãos Abrasax”. Análises econômicas não podem ser transformadas em dogmas absolutos, já que desse modo cometeríamos os mesmos erros que os puristas do direito cometeram quando da determinação da ciência do direito como uma ciência pura, isto porque é essencial que compreendamos também os aspectos sociológicos e porque não filosóficos da demanda coletiva. Talvez a este momento nos sobressaia a grande dúvida pertinente a qual seja a possibilidade de conciliação entre o que afirma Friedman e a necessidade firme e consolidada pelos estudos sociológicos de Justiça social.

O grande questionamento de Friedman sobre a redução da “felicidade geral”, sim, a economia e os seus cientistas, seus políticos, também utilizam de termos de carga retórica aberta e polissêmica para defender seus projetos de “poder” cientifíco social, isto é, de prestígio perante a sociedade acadêmica e de aplicabilidade perante os representantes populares, mas retornemos, a “felicidade geral” não pode ser obtusa. Isto significa que a felicidade geral também precisa levar em consideração de modo nítido que existem alguns bens sem os quais não é possível estabelecer qualquer tipo de correlação ou de consideração quanto a participação de diversos membros sociais para a, ou melhor, nas liberdades políticas e públicas e nestes questionamentos, nestas possibilidades indeléveis para a consolidação da existência humana não podemos dissociar algumas necessidades vitais, exemplos das quais são a alimentação, a moradia, o vestuário etc.

Para além disto, necessitamos considerar também o que de modo brilhante nos ilustra Richard Posner, que após conceituar economia como “a ciência da eleição racional num mundo onde os recursos são limitados em relação com as necessidades humanas”[9], explicita que a economia não trata do pressuposto de que o homem é um maximizador racional e que isto necessariamente implica em fazer escolhas que racionalmente melhorem a sua vida, suas satisfações. Devendo, portanto, termos ciência de que não devemos confundir a maximização racional com o cálculo consciente. A economia não é uma teoria do consciente. “O comportamento é racional quando se ajusta ao modelo da eleição racional, qualquer que seja o estado mental de quem o elege. E que o interesse próprio não deve confundir-se com o egoísmo; a felicidade (ou a miséria) das outras pessoas pode formar parte de nossas satisfações”[10].

De sorte que o estado é essencial em sua existência, essencial também por este aspecto faz-se o direito, o dever fundamental de pagar impostos. Contribuir para a solidariedade social é o meio mais eficaz para gerar uma sociedade coesa, mais justa, com maior alteridade. Estamos, portanto, diante de uma sociedade formada em sua base por novos paradigmas, quais sejam o de que,

“Quando conseguimos superar o egoísmo, o individualismo, a ganância, o autoritarismo e passamos a consolidar a solidariedade, a fraternidade, a partilha, a misericórdia, a compaixão, o oco e motor do nosso agir é o outro, que passa a não mais ser visto como nosso concorrente e, sim, como nosso co-responsável na construção de uma sociedade diferenciada”[11]

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            Conquanto consolidarmos um modo de vida em que as pessoas possam usufruir de bens de consumo, sendo por este motivo inseridas em um novo arcabouço jurídico-social deve ser dever universal fundamental para qualquer Estado que se proponha a formar uma nova sociedade, ainda seguindo os paradigmas de Friedman: “A humildade é a virtude que distingue o indivíduo que acredita na liberdade; arrogância é a que distingue o paternalista”[12]. Este Estado não poderia ter outra vertente política que não a que os Socialistas chamam de capitalismo.

            Neste momento em que começamos a compreender quais são os tipos de sistemas econômicos existentes é fundamental que conceituemos e indelével estabelecer a distinção entre intervencionismo e liberalismo/capitalismo que tiveram seus institutos propositalmente modificados e confundidos pelo Marxistas com o objetivo de por meio de críticas insólitas, insolventes, destituir o sistema econômico vigente e vitorioso que existia a esta época, qual seja o liberalismo.

            Em termos gerais, socialismo pode ser definido como um sistema social no qual os meios de produção, ou seja, os recursos escassos usados para produzir bens de consumo, são ‘nacionalizados’ ou ‘socializados’. Por outro lado, o liberalismo, aquilo a que os Marxistas chamam equivocadamente como capitalismo na tentativa de deslegitimar este tipo de sistema econômico, pode ser definido como “um sistema social baseado no reconhecimento explícito da propriedade privada e das trocas contratuais entre proprietários privados”[13]

            Para que não restem dúvidas quanto a esta diferenciação existente entre liberalismo e intervencionismo e a mudança paradigmática empreendida por Karl Marx e seus discípulos no objetivo de deslegitimar o capitalismo, vejamos a afirmação de Fábio Barbieri:

“Antes de Karl Marx [...], os economistas clássicos desenvolveram uma abordagem institucionalista que contemplava o intervencionismo como um sistema econômico próprio: a prosperidade das nações em Adam Smith é explicada, em última análise, em termos dos efeitos de diferentes conjuntos de instituições. Em particular, Smith argumentou pela superioridade do ‘sistema de liberdade naturais’ em comparação ao sistema mercantilista, sendo este último, em essência, o sistema intervencionista”[14].

Tal confusão metodológica do que seja capitalismo, liberalismo, intervencionismo, tem uma razão notória de existência. Razão esta que foi brilhantemente denotada por Mises ao afirmar:

“Os economistas que declaram que o intervencionismo não atinge os fins que adeptos querem atingir, mas sim piora as coisas – não do ponto de vista dos economistas, mas do próprio ponto de vista dos defensores do intervencionismo – não são intransigentes nem extremistas. Descrevem simplesmente as inevitáveis conseqüências do intervencionismo”[15].

            Diante de tudo o que foi apresentado, considerando quais são as inúmeras vantagens do sistema liberal, da ordem econômica capitalista, compreende-se o porque do Imposto Negativo ter sido idéia de Milton Friedman e de corroborar tão bem para o desenvolvimento social, de adequar as possíveis injustiças que sejam advindas do sistema econômico-social-ideológico implementado em qualquer sociedade para um sistema mais humanitário, sem que para isso sejam necessárias intervenções de Estado como proposto por Marx. Isto porque enquanto o sistema do Imposto Negativo não provoca aumentos significativos no corpo burocrático do Estado, se é que provoca aumentos no corpo burocrático, as intervenções de Estado, isto é, quando o Estado se propõe a ser detentor dos juízos da verdade e da certeza do que é que seus cidadãos precisam, cria um corpo burocrático estranho a existência natural da sociedade. Corroborando com o que afirmou Montesquieu: “o poder naturalmente (inevitavelmente) abusará da liberdade, isto é, o poder naturalmente (inevitavelmente) corrompe e que o governante tendo meios e necessidade agirá sem considerar as liberdades dos súditos”[16].

            Apenas a título exemplificativo, tratemos do que, conforme afirmou Richard Posner, “durante muitos anos foi sinônimo de análise econômica do direito: O direito contra os monopólios”[17], ou melhor: As leis antitruste. A priori é notório conceber que esta análise foi por longo período de tempo prejudicada por utilizar conceitos inadequados e incoerentes com as teorias clássicas de análise do sistema econômico. Dois conceitos elementares podem exemplificar isto. “Concorrência que deixa de ser um processo dinâmico competitivo de descoberta e passa a ser um modelo estático e fictício de ‘concorrência perfeita’”[18]. E, “Monopólio que sempre foi definido como uma barreira coercitiva a entrada e que passou por longos anos a ser reconhecido como sinônimo de único produtor, ou produtor majoritário, de algum bem ou serviço”[19]. Não obstante, as análises econômicas tenham por longo período de tempo utilizado conceitos econômicos de maneira equivocada, obtiveram conclusões também falaciosas em uma espécie de efeito cascata, já que, segundo autores como Mises, Rothbard e Kirzner, “as leis antitruste são verdadeiramente maléficas ao mercado e obstruem o processo empreendedorial”[20], isto é, conceitos econômicos equivocados levaram economistas a conclusões equivocadas para que o lobbye das empresas pretensamente capitalistas impedissem o desenvolvimento da concorrência e do aparato tecnológico de descobertas.

            De sorte que teleologicamente, para que não haja mais o contumaz costume de atribuir conceitos equivocados aos institutos econômicos, é necessário que iniciemos um estudos sobre diversas leis e conceitos fundamentais deste sistema e é a isto que nos dedicaremos no decorrer das tratativas deste campo de estudo.

3.      Os três princípios fundamentais da Economia

3.1.A Lei da Demanda

Em termos gerais, explicita a relação inversa entre o preço cobrado e a quantidade demandada. Este princípio pode e deve ser aplicado aos mais diversos casos de trocas econômicas ou mesmo de instituições de políticas públicas, isto porque é facilmente comprovado nas mais distintas formações políticas ou sociais.

Por vezes a política governamental ignora veementemente as a lei da demanda. Pensemos no caso do salário mínimo.

“Quando o governo estabelece um preço mínimo para o trabalho, os empregadores reduzem a quantidade de trabalho que demandariam e procuram alternativas. Alguns deles podem decidir reduzir as contratações. Outros podem cortar as horas trabalhadas (e de acordo com a lei da oferta, com um salário maior, os trabalhadores desejariam trabalhar mais horas), ou então podem simplesmente substituir o trabalho por capital (como os caixas automáticosem supermercados)”[21].

Ao analisarmos interseccionalmente a história, verificamos que a Lei da Demanda foi sendo paulatinamente ignorada na formação das políticas públicas. Porque embora esta lei nos ajude a compreender os mercados através de bens como as batatas, os serviços de televisão digital ou dos arquitetos, e mesmo coisas que não são tão “econômicas” assim, como a justiça e os riscos. Ela é também a lei que ignoramos em nosso próprio risco: ao formularem políticas que não levam em conta a lei da demanda, os políticos costumam utilizar “curas” políticas, como as leis de salário mínimo e o controle de preços, acabam sendo piores do que os problemas que desejam solucionar[22].

Posner na análise econômica do direito faz questão de explicitar isto ao retratar a profecia realizada da ruína da União Soviética. Isto porque para o ilustre autor, a desintegração econômica da União Soviétia confirmou reiterados prognósticos de análise econômica; a saber, que a regulação dos preços geram filas, mercados negros e escassez[23].

3.2.Quem melhor determina os preços: O Estado ou o Mercado?

Como o objetivo precípuo deste trabalho é a compreensão do inter-relacionamento entre o direito e a economia no Estado Democrático de Direito Brasileiro, é salutar trazermos a baila o entendimento consagrado na Constituição Federal, qual seja: o de que a nossa economia deve ser uma economia de mercado, consagrada pelos valores da livre iniciativa (CF, art. 170)[24], da livre concorrência (CF, art. 170, IV)[25] e outros ditames insignes a uma economia livre.

Neste sentido, é fundamental que empreendamos a trilha argumentativa deverás consagrada no arcabouço jurídico brasileiro, mas que também enobrece a afirmação consagradora de um Estado que possibilite aos seus particulares uma prática benéfica ao desenvolvimento social, qual seja o empreendedorismo e o desenvolvimento por meio da competição entre os mercados. Desta feita, consagramos tais vertentes intelectivas pelos versos que a pena do ilustre André Ramos Tavares elenca a respeito do princípio da livre iniciativa. Para André Ramos[26], tal princípio desdobra-se em duas vertentes possíveis: A primeira, que se trata de uma conotação normativa positiva, isto é, a liberdade a qualquer pessoa. E, a segunda, que traz um viés negativo, qual seja, o de imposição da não-intervenção estatal.

De modo que não é estritamente necessário a um trabalho que se destine a compreender a inter-relação entre economia e direito, mediante o arcabouço jurídico brasileiro, agir meticulosamente quanto à possibilidade estatal de regulação dos preços. Saliento ademais, a medida estatal e, por logo, normativa, que se designe a fixação de preços para as mercadorias, seria mediante o ordenamento jurídico brasileiro, uma ofensa clamorosa ao direito fundamental à propriedade, consignado no Caput do artigo 5º da Constituição Federal[27], ainda que a hermenêutica jurídica nos relegue a abertura cognitiva para a compreensão do que seja esta jabuticaba estranha, conhecida como: função social da propriedade.

De certo que defender a inconstitucionalidade de tal medida não é trabalho dos mais ardilosos. A razão de terem surgidos direitos fundamentais está intrinsecamente relacionada a proteção que os cidadãos precisam contra um Estado tirânico e hiperinflacionado. Não é por outra razão que o direito à propriedade é um direito de primeira geração. Neste sentido, vejamos o que afirma Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira:

“O núcleo central dos textos constitucionais é a existência de regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, como forma de distanciar-se da concepção autoritária de Estado presente no regime antigo. Estudar os direitos fundamentais é, de um modo geral, analisar a evolução das garantias que, ao longo dos tempos, foram conquistadas e asseguradas ao homem, do ponto de vista individual e coletivo, de forma a evitar os abusos da minoria que detinha o poder em dada época histórica”[28].

            Por outro lado, existem contemporaneamente os que defendem o paternalismo estatal. Aqueles que acreditam que com as Revoluções burguesas estaríamos renegados ao Poder das grandes Instituições e, portanto, obedecendo a interesses privados, contrariando, por logo, os interesses públicos. De modo que, as Organizações seriam um governo mundial que não poderia ser controlado por outros remédios que não o amargo fármaco estatal. Razão, contudo, não assiste a estes e, por logo, tal tese não deve prevalecer.

A priori ressalta-se que tal tese é moralmente indefensável. A ética socialista é uma falácia completa. Como afirma Hans-Hermann Hoppe, o socialismo, em todas as suas versões práticas, não é melhor do que uma regra do tipo “eu posso bater em você, mas você não pode bater em mim”[29]. Lógica que por motivos óbvios não pode ser universalizada. Por outro lado, a tese do sistema capitalista além de universalizável é plenamente satisfatória do plano de vista da espontaneidade argumentativa, isto porque, aquele que fala deve compreender ao menos que é detentor do poder de propriedade sobre o seu próprio corpo. Em outros termos, “simplesmente afirmar e argumentar da seguinte forma deve pressupor os direitos de propriedade de alguém sobre o seu próprio corpo”[30]. Assumirmos tal fronte argumentativa nos faz trilhar a rota moralmente defensável, a que desde os primórdios deste texto orientou a tração do fato elencado argumentativamente, isto é:

“Portanto, só a ética do capitalismo do primeiro-que-chega é o primeiro-que-possui pode ser efetivamente defendida como estando implícita na argumentação. E nenhuma outra ética poderia ser justificada dessa forma, enquanto que justificar algo no curso da argumentação significa pressupor a validade dessa ética da teoria natural da propriedade”.[31]

            Para além do fator moral, entretanto, reside também os vetores conseqüenciais políticos, os econômicos stricto sensu, entre outros. A crença na possível ação estatal protetora é tendente a reverberar especialmente em países que tiveram experiências recentes com sistemas ditatoriais, como notoriamente é o caso da América Latina, território do qual tem sido emergente o Neoconstitucionalismo latino-americano, em especial nos países da Bolívia e da Venezuela.

            Compreensível que por termos enquanto parâmetro argumentativo para este seqüencial argumentativo o arcabouço jurídico brasileiro, tenhamos uma prevalência para que os casos paradigmáticos sejam influenciadores diretos do contexto político, social e econômico de nosso objeto de estudo. De tal sorte, que tomaremos enquanto caso paradigmático para a análise do desejo pelo “Estado paternalista” a situação político, social e econômica da América Latina.

            A análise histórica latino-americana referente ao século XX é sistematicamente atrelada aos seus longos períodos ditatoriais, ao estado centralizador, ao governante “salvador da pátria”, ao Chavismo, Castrismo, mas também, a perseguição aos “comunistas” empreendida em razão da Aliança para o Progresso.  Elencar as razões pelas quais parcelas majoritárias das populações latinas preferem um sistema governamental forte não é tarefas das mais difíceis. O Estado sempre foi um meio centralizador do Poder e não serviu de outra forma para estas sociedades se não para garantir a legitimidade de sua linha de pensamento ou de perseguição as suas ideologias, quando respectivamente respaldadas ou não pelos que assumem a função estatal. Como demonstra Leandro Augusto Martins Junior: “Através de golpes de Estado sucessivos, a América Latina assistiu nos anos 60 e 70 a ascensão de inúmeras ditaduras militares”[32].

            Corrobora para que o direito de propriedade esteja ameaçado em tais países uma razão histórica salutar: estes regimes ditatoriais sempre foram atrelados ao financiamento do capital externo e ao bom desenvolvimento econômico[33], de modo que ainda que as liberdades civis estivessem suspensas ou pudessem ser suspensas a qualquer momento sobre o arbítrio da autoridade que controlava o poder estatal, a aparente boa condução da economia fez com que do período de libertação dos cárceres estatais surgissem também uma superestrutura que “inverte o sinal dos poderosos senhores da ditadura”, mas que mantém as mesmas práticas, isto é, centralismo do poder de decidir. Delineando o contexto no qual este pensamento se inclui devemos recordar da Constituição Federal Brasileira, isto porque, ainda que a mesma se autodenomine FEDERAL, as competências legislativas e orçamentárias ficaram excessivamente controladas nas mãos da União. Resquício nítido deste centralismo democrático em que as decisões são majoritariamente tomadas por uma e a mesma pena (isto levando em consideração aspectos qualitativos e quantitativos).

            Diante do que compreendemos a inafastável importância histórica que a Guerra Fria[34], o surgimento das Teorias Marxistas[35] e uma “Aliança pelo Progresso”[36] que inenarravelmente fomentaram perseguições, destituíram as liberdades individuais, forçaram a população a conviver com o medo e com os seus direitos cerceados também criaram um mito endêmico de que apenas o poder estatal, ou seja, “O estado, o aparato social de coerção e compulsão”[37] seria capaz de libertar os oprimidos pelo super poder das organizações.

            Este conhecimento pragmático, contudo, demonstra ser eivado de erros teóricos, filosóficos e o que é deverás paradoxal, pragmáticos. Teoricamente o entendimento de que um super-Estado seria o suficiente para proteger a população de todo e qualquer tipo de opressão é contraditório por uma razão elementar: esquece de que o próprio Estado a depender do grau em que atue executa uma determinada opressão que impossibilita ou mesmo frustra os indivíduos de sua liberdade teorética e da sua capacidade de autodeterminação. A compreensão do poder opressor do Estado não pode ser relegada ao segundo plano do entendimento. Por sinal não é outra a razão que faz com que Hobbes tenha uma posição firme quanto ao que deve ser a guia do Estado: ''se não houver um poder visível que os mantenha em atitude de respeito, forçando-os, por temor à punição, a cumprir seus pactos e a observar as leis naturais[38]. Como já outrora demonstrado o mais firme entendimento doutrinário enaltece o conhecimento da lei natural que garante o direito a propriedade. E, é neste sentido – o de que a propriedade e, por logo os pactos que a envolva, deve ser respeitada - que Hobbes complementa seu ensinamento: “sem a espada, os pactos não passam de palavras sem força, que não dão a mínima segurança a ninguém”[39].

            Conquanto, tenhamos compreendido os aspectos sociais, econômicos, políticos e éticos que tornam obtusa a possibilidade de que os preços ou a organização política e econômica de um determinado Estado (neste aspecto compreendido enquanto uma organização política de indivíduos) seja elabora com base em intervenções, em centralismo democrático, em escolhas que contrariem a liberdade de iniciativa, de empreendimento ou mesmo que concentre o poder eliminando do individuo a possibilidade de escolha; é salutar ainda que saibamos quais as razões e os moldes que nos permitem afirmar com veemência que o Mercado é o meio mais adequado, na verdade, o único possível naturalmente para que as forças sociais entrem em equilíbrio e que a sociedade como um tudo, enquanto fruto dos ganhos individuais possa ser mais desenvolvida. A este respeito resta salientar: as sociedade que possuem maior grau de liberdade econômica conseguiram lograr com êxito também o status de sociedades como maiores índices de desenvolvimento humano, por meio da elevada qualidade de vida.

“A relação entre liberdade econômica e prosperidade é inegável. Os países economicamente mais livres oferecem mais qualidade de vida e liberdades pessoais que os países piores classificados no ranking, os quais geralmente são sobrecarregados por regimes opressivos que limitam a liberdade e as oportunidades de seus cidadãos”[40]

Por todo o exposto compreendemos que esteja resoluto o questionamento que originou as possíveis divergências doutrinárias sobre qual o modelo econômico adotado pela Constituição Federal e sobre qual o modelo econômico adotado no presente trabalho. Compreendemos que “o mercado orienta os indivíduos por caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades de seus semelhantes”[41]. A economia de mercado é, portanto, um sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Deste modo, “todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos.  Por outro lado, todos são por eles servidos”[42].

Este duplo serviço, isto é, servir a si mesmo e ao mesmo tempo servir ao próximo será exemplificado a seguir por meio do processo de formação dos preços. Vejamos: O consumidor trabalha na busca da maximização da utilidade (felicidade, prazer, satisfação), enquanto os produtores trabalham na busca da maximização do benefício (maximização da diferença entre os custos e o valor de suas vendas). O ponto de equilíbrio entre estas duas maximizações é encontrado por meio do cálculo de mercado e esta é uma das razões que elimina a possibilidade de que uma economia socialista seja bem sucedida: o ato de estatizar os meios de produção elimina a possibilidade de fazer este cálculo. O ponto de equilíbrio é denominado pelos economistas de preço alternativo, segundo Richard Poesner[43].

Também aqui cabe esclarecer uma das falácias da economia, isto é, a de que a preocupação da economia é com o dinheiro. Em verdade, a economia se preocupa com os recursos, o dinheiro é apenas um direito sobre os recursos. A preocupação máster da economia são os recursos e suas respectivas alocações. Neste aspecto é importante que compreendamos o conceito de três custos salutares em qualquer alocação econômica:

1.      Custo de oportunidade à consiste no “benefício sacrificado ao empregar um recurso de tal modo que impeça o seu uso para algo mais”[44]. Em outras palavras, “é aquilo que você pode deixar de ganhar em uma transação por escolher uma determinada opção”[45].

2.      Custo social à empreendimento que diminui a riqueza da sociedade

3.      Custo privado à medida econômica que diminui a riqueza individual

Para que o conceito de Custo Social e de Custo Privado fique solidificado, podemos exemplificar por meio de medidas governamentais que interfiram na economia. Um custo social típico é quando em medidas humanitárias o governo decide fazer doações institucionais para países que passam por crises catastróficas. Um custo individual que não empreende um custo social é quando por meio da cobrança de impostos retiro uma determinada quantidade de seu direito a propriedade e a renda para realocar para um indivíduo que possua menor poder aquisitivo. Vale salientar que como a economia é equacionada pelo ponto de equilíbrio denominado de preço alternativo, quaisquer destes recursos possuem repercussões nos recursos alocados socialmente, entretanto, os custos individuais são coletivamente menos danosos, já que o poder aquisitivo de um determinado conjunto de cidadãos não é alterado.

Deste modo também deve ter sido compreensível empreender que as medidas governamentais por interferirem no ponto de equilíbrio, alterando as curvas de oferta e demanda ao inverso da “intenção desejada”, qual seja a de propiciar a todos o direito ao acesso do bem, proporciona um efeito reverso extremamente danoso a qualquer economia como a escassez[46], inflação[47], portanto, longas filas[48], desabastecimento[49] e mercado negro[50].

3.3.Economia Livre: Melhor alocação de recursos?

Richard Poesner leciona que em uma economia de livre mercado os bens são utilizados ou ao menos são tendentes a serem utilizados em seus usos mais valiosos. Isto deve-se ao fato de que em um processo de troca voluntária, os recursos se direcionam para o uso em que seu valor é maior para o consumidor, medido por sua disposição a pagar. Quando os recursos são utilizados onde seu valor é mais alto, podemos dizer que está se empregando eficientemente.

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Sobre o autor
Markson Valdo Monte Rocha

Mestrando em Jurisdição e Processos Constitucionais pela UFPE Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - Curso Fórum. Graduado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Centro de Ciências Jurídicas - CCJ. Faculdade de Direito do Recife - FDR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto escrito para ser capítulo de livro sobre o Imposto Negativo: meios de redistribuir renda.

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