Estabelece a Lei nº 8.112/90 - que dispõe acerca
do regime jurídico dos servidores públicos federais
- que "a autoridade que tiver ciência de irregularidade
no serviço público é obrigada a promover
a sua apuração imediata, mediante sindicância
ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado
ampla defesa".
Vindo à lume, assim, a ocorrência de fato irregular
no âmbito da Administração, obriga-se a autoridade
que dele tomar conhecimento a adotar as providências tendentes
à sua apuração e identificação
do responsável, impingindo-lhe, se o caso, a penalidade
disciplinar eventualmente cabível na espécie.
Para esse efeito, estatui a Lei que terá a autoridade administrativa,
à sua disposição, instrumentos processuais
específicos, por meio dos quais realizará a
apuração correspondente, garantindo sempre o
direito de defesa.
Tais meios são o processo disciplinar e a sindicância.
Mais recentemente, passou-se a prever uma outra modalidade identificada
como "procedimento sumário", destinado
a apurar e punir os casos de acumulação ilegal,
abandono de cargo e inassiduidade habitual (RJU:
art. 133).
Vale dizer, portanto, que como elo de ligação entre
os dois extremos (fato irregular/sanção)
surge o processo administrativo disciplinar como meio de
que se valerá a autoridade para, apurado o fato, aplicar
a sanção pertinente.
Indagações diversas surgem, no entanto, quando se
cuida da utilização da sindicância
e dos efeitos que dela poderão advir, na hipótese
de haver a imputação de irregularidade a determinado
servidor, exigindo, em conseqüência, a aplicação
de uma sanção disciplinar.
Dentre os diversos questionamentos verificados, desponta aquele
que visa saber se, por meio de tal procedimento, é possível
aplicar sanções ao servidor?
De tal questão cuidará o presente trabalho visando
a reunir elementos que se prestem a orientar a adequada instauração
e a correta utilização do procedimento sindicante.
Resta induvidoso que as irregularidades cometidas no âmbito
do serviço público ensejam apuração
e, quando for o caso, a aplicação da penalidade
correspondente ao servidor responsável, de conformidade
com a gravidade do fato cometido.
Sanções imputáveis aos servidores são
advertência, suspensão, demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade,
destituição de cargo em comissão e destituição
de função comissionada (RJU: art.
127).
Nenhuma sanção, no entanto, poderá ser imposta
a servidor público sem que se garanta, por intermédio
do devido processo, o direito de defesa a ser exercitado da forma
mais ampla possível. Tal garantia se acha inscrita no próprio
texto constitucional (CF: art. 5º, LV)
e é reafirmado reiteradamente na Lei 8.112/90 (arts.
143 e 153).
O processo se constitui, portanto, em instrumento de apuração
de faltas e irregularidades, gerando, ao final, ou a declaração
de inocência ou a responsabilização
do servidor a quem se imputou o cometimento do fato objeto
de apuração. Resta saber, a partir de tais considerações,
qual a função da sindicância no âmbito
do Regime Disciplinar dos Servidores Públicos Civis. Se
se presta esse procedimento a punir validamente condutas irregulares
imputadas a servidores público. Impõe a lei
limites para esse fim.
A esse respeito estabelece a Lei nº 8.112/90, em seu
art. 145, que da sindicância poderá resultar:
(1) arquivamento do processo; (2) a aplicação
de penalidade de advertência ou suspensão de até
30 (trinta) dias; ou, ainda, (3) a instauração
de processo disciplinar.
Arquivar-se-á o processo sempre que o fato narrado não
configurar evidente infração disciplinar (RJU:
art. 144, par. único). Neste caso, serviu
a sindicância apenas para realizar levantamento preliminar
de dados, visando a determinar as circunstâncias e a identificar
o autor. Concluindo-se pela inocorrência de irregularidade,
o arquivamento é a medida mais consentânea com o
que restou apurado.
Na segunda hipótese em lei referida, observa-se que a autoridade
administrativa, ao avaliar o conteúdo do fato irregular
noticiado, conclui haver indícios suficientes da irregularidade
e de sua autoria, o que ensejará a aplicação
ao servidor de sanção disciplinar de advertência
ou suspensão por até 30 dias. Nesse caso,
a sindicância será o instrumento processual
adequado a realizar a apuração e aplicação
da penalidade ao servidor, garantindo-se sempre a ampla defesa.
Terá a autoridade administrativa, no entanto, que determinar
a instauração de processo disciplinar inapelavelmente
sempre que, concluída a apuração preliminar,
verificar que a sanção disciplinar a ser aplicada
ao servidor poderá vir a exceder 30 dias de suspensão
ou importar em demissão, cassação de aposentadoria
ou disponibilidade ou destituição de cargo em comissão
(RJU: art. 146).
Observe-se, no entanto, que inobstante a clareza da atual lei
a respeito do tema (RJU: arts. 133, 145, II
e 146), ainda se aventuram alguns a afirmar que a sindicância
possui apenas natureza apuratória, a exemplo do
inquérito policial, sustentando, ademais, que não
se poderia, por seu intermédio, aplicar qualquer tipo de
punição ao servidor e que ao agir desse modo estaria
a autoridade administrativa desvirtuando a natureza desse meio
de apuração sumária.
Veja-se, por exemplo, que HELY LOPES MEIRELLES (in,
"Direito Administrativo Brasileiro" São
Paulo: Malheiros Editores, 1.997 - 22ª ed. - pág.
603), reportando-se ao tema "Processo Administrativo
Disciplinar" e cuidando especificamente do que titula
como "meios sumários" (sindicância,
verdade sabida e termo de declarações
do infrator), assevera a respeito, ipsis verbis,
que "sindicância administrativa é o meio
sumário de elucidação de irregularidades
no serviço para subseqüente instauração
de processo e punição ao infrator". Aditando
esse comentário acrescenta ainda o ilustrado administrativista
que "... a sindicância tem sido desvirtuada e promovida
como instrumento de punição de pequenas faltas de
servidores,...".
Embora não negue o ilustre doutrinador a natureza punitiva
da sindicância, induvidoso que tal orientação
- adotada decerto com o intuito de pôr em evidência
a necessidade de garantir a ampliação dos meios
de defesa - acha-se calcada no sistema legal que anteriormente
vigia, pois não havia na Lei nº 1.711/52 a
previsão de utilização da sindicância
como procedimento disciplinar autônomo (arts. 217/232).
Avaliado o tema proposto à luz das disposições legais em vigor, possível se torna concluir que a sindicância insere-se entre os instrumentos processuais postos à disposição da autoridade administrativa para tornar efetiva a apuração de irregularidades no serviço público, dela podendo resultar a aplicação de advertência ou suspensão de até 30 dias (RJU: art. 145, II).
Encerrado o procedimento sindicante e concluindo-se no sentido de que a sanção aplicável excederá os limites impostos na legislação de regência, ensejando a possível punição do servidor com suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade ou destituição de cargo em comissão, deverá a autoridade competente providenciar a instauração do competente processo disciplinar, devendo os autos da sindicância integrar este último como peça informativa (RJU: art. 154).
Cumpre rememorar, finalmente, que a sindicância, além de ser instrumento adequado à apuração preliminar dos fatos e à identificação do responsável, de modo a embasar a instauração futura de processo disciplinar quando ocorrentes as hipóteses previstas no art. 146 do RJU, possui inequívoca função punitiva.