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Natureza punitiva da sindicância

19/11/1997 às 00:00
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Estabelece a Lei nº 8.112/90 - que dispõe acerca do regime jurídico dos servidores públicos federais - que "a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa".

Vindo à lume, assim, a ocorrência de fato irregular no âmbito da Administração, obriga-se a autoridade que dele tomar conhecimento a adotar as providências tendentes à sua apuração e identificação do responsável, impingindo-lhe, se o caso, a penalidade disciplinar eventualmente cabível na espécie.

Para esse efeito, estatui a Lei que terá a autoridade administrativa, à sua disposição, instrumentos processuais específicos, por meio dos quais realizará a apuração correspondente, garantindo sempre o direito de defesa.

Tais meios são o processo disciplinar e a sindicância. Mais recentemente, passou-se a prever uma outra modalidade identificada como "procedimento sumário", destinado a apurar e punir os casos de acumulação ilegal, abandono de cargo e inassiduidade habitual (RJU: art. 133).

Vale dizer, portanto, que como elo de ligação entre os dois extremos (fato irregular/sanção) surge o processo administrativo disciplinar como meio de que se valerá a autoridade para, apurado o fato, aplicar a sanção pertinente.

Indagações diversas surgem, no entanto, quando se cuida da utilização da sindicância e dos efeitos que dela poderão advir, na hipótese de haver a imputação de irregularidade a determinado servidor, exigindo, em conseqüência, a aplicação de uma sanção disciplinar.

Dentre os diversos questionamentos verificados, desponta aquele que visa saber se, por meio de tal procedimento, é possível aplicar sanções ao servidor?

De tal questão cuidará o presente trabalho visando a reunir elementos que se prestem a orientar a adequada instauração e a correta utilização do procedimento sindicante.

Resta induvidoso que as irregularidades cometidas no âmbito do serviço público ensejam apuração e, quando for o caso, a aplicação da penalidade correspondente ao servidor responsável, de conformidade com a gravidade do fato cometido.

Sanções imputáveis aos servidores são advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada (RJU: art. 127).

Nenhuma sanção, no entanto, poderá ser imposta a servidor público sem que se garanta, por intermédio do devido processo, o direito de defesa a ser exercitado da forma mais ampla possível. Tal garantia se acha inscrita no próprio texto constitucional (CF: art. 5º, LV) e é reafirmado reiteradamente na Lei 8.112/90 (arts. 143 e 153).

O processo se constitui, portanto, em instrumento de apuração de faltas e irregularidades, gerando, ao final, ou a declaração de inocência ou a responsabilização do servidor a quem se imputou o cometimento do fato objeto de apuração. Resta saber, a partir de tais considerações, qual a função da sindicância no âmbito do Regime Disciplinar dos Servidores Públicos Civis. Se se presta esse procedimento a punir validamente condutas irregulares imputadas a servidores público. Impõe a lei limites para esse fim.

A esse respeito estabelece a Lei nº 8.112/90, em seu art. 145, que da sindicância poderá resultar: (1) arquivamento do processo; (2) a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; ou, ainda, (3) a instauração de processo disciplinar.

Arquivar-se-á o processo sempre que o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar (RJU: art. 144, par. único). Neste caso, serviu a sindicância apenas para realizar levantamento preliminar de dados, visando a determinar as circunstâncias e a identificar o autor. Concluindo-se pela inocorrência de irregularidade, o arquivamento é a medida mais consentânea com o que restou apurado.

Na segunda hipótese em lei referida, observa-se que a autoridade administrativa, ao avaliar o conteúdo do fato irregular noticiado, conclui haver indícios suficientes da irregularidade e de sua autoria, o que ensejará a aplicação ao servidor de sanção disciplinar de advertência ou suspensão por até 30 dias. Nesse caso, a sindicância será o instrumento processual adequado a realizar a apuração e aplicação da penalidade ao servidor, garantindo-se sempre a ampla defesa.

Terá a autoridade administrativa, no entanto, que determinar a instauração de processo disciplinar inapelavelmente sempre que, concluída a apuração preliminar, verificar que a sanção disciplinar a ser aplicada ao servidor poderá vir a exceder 30 dias de suspensão ou importar em demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade ou destituição de cargo em comissão (RJU: art. 146).

Observe-se, no entanto, que inobstante a clareza da atual lei a respeito do tema (RJU: arts. 133, 145, II e 146), ainda se aventuram alguns a afirmar que a sindicância possui apenas natureza apuratória, a exemplo do inquérito policial, sustentando, ademais, que não se poderia, por seu intermédio, aplicar qualquer tipo de punição ao servidor e que ao agir desse modo estaria a autoridade administrativa desvirtuando a natureza desse meio de apuração sumária.

Veja-se, por exemplo, que HELY LOPES MEIRELLES (in, "Direito Administrativo Brasileiro" São Paulo: Malheiros Editores, 1.997 - 22ª ed. - pág. 603), reportando-se ao tema "Processo Administrativo Disciplinar" e cuidando especificamente do que titula como "meios sumários" (sindicância, verdade sabida e termo de declarações do infrator), assevera a respeito, ipsis verbis, que "sindicância administrativa é o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição ao infrator". Aditando esse comentário acrescenta ainda o ilustrado administrativista que "... a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores,...".

Embora não negue o ilustre doutrinador a natureza punitiva da sindicância, induvidoso que tal orientação - adotada decerto com o intuito de pôr em evidência a necessidade de garantir a ampliação dos meios de defesa - acha-se calcada no sistema legal que anteriormente vigia, pois não havia na Lei nº 1.711/52 a previsão de utilização da sindicância como procedimento disciplinar autônomo (arts. 217/232).



CONCLUSÃO

Avaliado o tema proposto à luz das disposições legais em vigor, possível se torna concluir que a sindicância insere-se entre os instrumentos processuais postos à disposição da autoridade administrativa para tornar efetiva a apuração de irregularidades no serviço público, dela podendo resultar a aplicação de advertência ou suspensão de até 30 dias (RJU: art. 145, II).

Encerrado o procedimento sindicante e concluindo-se no sentido de que a sanção aplicável excederá os limites impostos na legislação de regência, ensejando a possível punição do servidor com suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade ou destituição de cargo em comissão, deverá a autoridade competente providenciar a instauração do competente processo disciplinar, devendo os autos da sindicância integrar este último como peça informativa (RJU: art. 154).

Cumpre rememorar, finalmente, que a sindicância, além de ser instrumento adequado à apuração preliminar dos fatos e à identificação do responsável, de modo a embasar a instauração futura de processo disciplinar quando ocorrentes as hipóteses previstas no art. 146 do RJU, possui inequívoca função punitiva.
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Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Natureza punitiva da sindicância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/399. Acesso em: 2 nov. 2024.

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