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Ordem econômica e controle do poder

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01/05/2003 às 00:00
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4. CANOTILHO E A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE

A Constituição de 1988 pretendeu redemocratizar o País, após a ruptura com o Regime de 1964. Em seu Preâmbulo, ela já afirmou que o Estado brasileiro é um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais". Consagrou, ainda, como valor essencial, a dignidade humana, e incluiu os direitos sociais em seu Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Ela é, nitidamente, uma Constituição dirigente, no sentido de que enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pela sociedade.

A idéia de Constituição dirigente foi formulada pelo festejado jurista português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, em sua tese de doutorado [14] de 1.982, que abordou exatamente o tema das normas constitucionais programáticas e de sua inefetividade, em face da omissão do legislador. O título da obra, "Constituição dirigente e vinculação do legislador", já indicava o núcleo essencial do debate: como poderia a Constituição vincular os órgãos legiferantes, e como poderia o legislador cumprir adequadamente as imposições constitucionais.

No conceito de CANOTILHO, a Constituição não deve apenas limitar o Poder. Ao contrário, ela deve traçar as metas que deverão ser progressivamente realizadas pelo Estado, para transformar a ordem política, econômica e social, surgindo daí o problema nuclear do moderno constitucionalismo: como garantir os direitos sociais básicos? O grande desafio da Constituição dirigente é, portanto, a sua concretização, através da atividade legiferante ou regulatória, e através de sua interpretação e aplicação.

A tese do professor CANOTILHO teve uma extraordinária influência entre os constitucionalistas brasileiros, de modo que a publicação de sua segunda edição, em 2.001, suscitou uma enorme polêmica, durante o III Simpósio de Direito Constitucional, patrocinado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, quando alguns professores e alunos, em decorrência de uma tresleitura de seu prefácio, passaram a sustentar que o professor CANOTILHO teria dito que a Constituição dirigente havia morrido.

Em conseqüência, no âmbito do convênio existente entre o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná e a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o professor CANOTILHO foi chamado a participar de videoconferências, juntamente com outros 21 constitucionalistas brasileiros e portugueses, para esclarecer as dúvidas surgidas. Desses debates, resultou a obra "Canotilho e a Constituição Dirigente". [15]

4.1. CANOTILHO e os nossos juros

Pois bem: para quem já está acostumado com a inefetividade de nossa Lei (dita) Fundamental, é muito interessante observar que, durante esses debates, o professor CANOTILHO tenha demonstrado desconhecer que no Brasil não vigora, na realidade, a limitação dos juros, prevista no § 3º do art. 192 da Constituição Federal, porque o Supremo Tribunal Federal absurdamente já decidiu que se trata de norma programática, dependente de regulamentação pelo Congresso.

O professor FERNANDO FACURY SCAFF, da Universidade Federal do Pará, formulou algumas questões, referentes ao viés revolucionário vinculado ao dirigismo, e à vinculação do legislador. Assim, perguntou SCAFF ao professor CANOTILHO, às fls. 55: "Será que tudo que está inscrito na Constituição brasileira, direitos sociais inclusive, vincula o legislador?"

A essas indagações, o professor CANOTILHO respondeu, entre outras coisas, que:

"Poderá ser abusivo rastrear "normas revolucionárias" na Constituição brasileira. Mas elas lá estão a marcar a narratividade emancipatória:... .direito dos trabalhadores à participação nos lucros (...) usucapião pro labore.. (...) e a cobrança de taxas de juros reais sujeita ao limite de doze por cento ao ano, considerando-se a cobrança acima desse limite como crime de usura."

O professor SCAFF não desconhece, como ninguém no Brasil pode desconhecer, que essa norma, que existe há mais de quatorze anos, ainda não é efetiva, porque o Congresso é omisso, o Supremo é conivente e as instituições financeiras preferem cobrar juros de 180% ao ano. Todos pagamos, às instituições financeiras, juros abusivos, em limites fixados pelo Banco Central do Brasil, com supedâneo em norma não recepcionada pela vigente Constituição Federal.

Ou seja: não existe, no Brasil, a vinculação do legislador, de que fala CANOTILHO, em sua famosa tese de doutorado. Ao contrário, o legislador costuma "revogar" impunemente as normas constitucionais, como veremos a seguir, no capítulo 7º deste trabalho.

Mas a opinião do professor CANOTILHO, a respeito da efetividade das normas sociais e econômicas, ficou bastante clara, no fecho de sua resposta ao professor SCAFF:

"Quanto à terceira pergunta, ela levar-nos-ia a uma complexa discussão dogmática sobre a estrutura e natureza de normas constitucionais (distinção entre regras e princípios, normas de aplicação imediata e normas de aplicação diferida, normas auto-exequíveis e normas carecidas de interposição legislativa). Como quer que seja, a diferente estrutura e natureza das normas não autoriza, hoje, a reedição de teses (a começar pela de Carl Schmitt) que reconduziam todas as normas sociais e económicas de uma constituição a normas programáticas não vinculantes e, mais do que isso, a "não normas". Seria motivo para dizer que a norma da Constituição dos Estados Unidos impositiva da libertação dos escravos sem qualquer indenização seria apenas como uma declaração desprovida de efeitos jurídicos. Ainda bem que há revoluções sociais, económicas e políticas!" [16] (ob. cit., p.57) (os grifos não são do original)

4.2. CANOTILHO x ORLANDO BITAR

Apenas para repor a verdade dos fatos, embora sem querer desmerecer a construção doutrinária do professor CANOTILHO, deve ser ressaltado que o professor ORLANDO BITAR, em 1951, ou seja, trinta anos antes da tese do ilustre jurista português, em sua magnífica dissertação de Concurso para a Cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Pará, [17] já ressaltava, com muita propriedade e farto supedâneo doutrinário, que todos os artigos da Constituição devem ser tidos como mandamentais, para que sejam respeitadas as decisões políticas do poder constituinte:

"Cooley lembra ainda a questão das disposições que não são auto-exequíveis (self executing, self enforcing). Embora não se possam tornar obrigatórias aos particulares, por decisões do Judiciário, elas são sempre mandatórias, porque constituem uma ordem à legislatura. Esta não pode se furtar à elaboração da lei própria que regule a matéria. Tais, por exemplo, na nossa constituição vigente, os preceitos a que deveriam obedecer a legislação do trabalho e a da previdência social (art. 157), sem dúvida desde logo vigorantes aqueles que encontraram regulamentação ordinária anterior. Juristas atuais têm reafirmado categoricamente a obrigatoriedade total dos dispositivos constitucionais. O que quer que se encontre no documento escrito conhecido como constituição, diz Mathews, é constitucional no sentido formal, independentemente da essência da disposição. O que equivale à frase de Castillo – a constituição se define pela forma, e à afirmação do Ministro Castro Nunes: "toda matéria incluída na constituição é constitucional, inclusive as normas estranhas à organização dos poderes públicos, e garantias de liberdade, etc." Cada artigo da constituição sendo uma decisão política do poder constituinte, como quer Carl Schmitt e se a idéia fundamental de justiça não é determinante da própria validez da norma, diremos que todas as decisões exigem o mesmo acatamento por serem mandamentais..." (os grifos não são do original)

Mas o próprio professor CANOTILHO já apresentou, agora, um conceito mais relativo de sua Constituição dirigente, plasmada em 1982:

"A lei constitucional não tem capacidade para ser uma lei dirigente transportadora de metanarrativas ("transformação da sociedade no sentido de uma sociedade sem classes", "garantia da felicidade dos cidadãos", etc.). O caráter dirigente de uma constituição converter-se-á paradoxalmente em défice de direcção se a constituição for também uma lei com hipertrofia de normas programáticas articuladas com políticas públicas (da economia, do ensino, da saúde) sujeitas à mudança política democrática ou dependentes da capacidade de prestação de outros subsistemas sociais (ex.: políticas de pleno emprego, política de investimentos, política de habitação). Neste aspecto pergunta-se, hoje, se o texto constitucional de 1976, poderá ainda reivindicar algumas pretensões de dirigismo social e económico concebido em termos dirigentes. As considerações acabadas de referir relativizam o caráter dirigente de um texto constitucional mas tão pouco significam que as constituições não possam e não devam ter um papel de mudança social. [18](os grifos não são do original)

4.3. LASSALLE x HESSE

Também antes da tese de CANOTILHO, foi publicada, em 1959, a obra de KONRAD HESSE, [19] que pretendeu contestar a concepção sociológica de LASSALLE, [20] segundo a qual os fatores reais do poder constituiriam a essência da constituição, que não poderia ser identificada apenas como uma lei fundamental. A constituição seria apenas uma "folha de papel", se estivesse em desacordo com essa força ativa, resultante da realidade social. A Constituição formal seria determinada pela constituição real, resultante dos fatores reais do poder que regem a sociedade, em um certa época. Para Lassalle, portanto, as constituições escritas não teriam nenhum valor, nenhuma durabilidade, ou como diríamos hoje, não seriam eficazes, se não exprimissem fielmente os fatores reais do poder, determinantes da realidade social.

Em contraposição a esse entendimento sociológico, HESSE desenvolveu a tese de que existe um condicionamento mútuo entre a constituição real (fatores reais do poder) e a constituição jurídica (escrita, formal), de modo que a constituição jurídica desenvolve um significado próprio, porque a sua pretensão de eficácia lhe atribui uma força normativa. Em suma, a constituição reflete a realidade histórica, mas também se transforma, ela própria, em uma força ativa, capaz de modificar essa realidade.

Dizia o ilustre ex-Presidente da Corte Constitucional alemã:

"A Constituição não configura apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir a ordem e conformação à realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida (...). Pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -,não só a vontade de poder, mas também a vontade de constituição." [21]

Para HESSE, portanto, a constituição real e a constituição jurídica condicionam-se mutuamente, mas a constituição jurídica adquire um significado próprio, porque a sua pretensão de eficácia se apresenta como um elemento autônomo. A força normativa da constituição dependerá, conseqüentemente, de que esta logre realizar essa pretensão de eficácia. A força normativa da constituição não resulta, apenas, de sua capacidade de refletir os fatores reais do poder, mas também de que ela própria se transforme em uma força ativa, capaz de alterar essa própria realidade.

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5. PRIVATIZAÇÕES E (DES)CONTROLE

Inúmeros temas poderiam ser aqui tratados, com repercussão na ordem econômica, para que se pudesse avaliar em que medida a Constituição de 1988 tem sido capaz de exercitar essa força ativa, a que se refere KONRAD HESSE, e até que ponto ela se tem mostrado eficaz para alterar a nossa perversa realidade social.

Seria necessário, também, avaliar o grau de participação política do povo brasileiro na tomada das decisões mais importantes para o futuro do País, tais como as pertinentes às privatizações, à soberania nacional, à propriedade privada e à sua função social, aos investimentos estrangeiros, à remessa de lucros, à contratação de empréstimos externos, à reforma previdenciária, à reforma tributária, ao Mercosul, à Alca, ao controle do poder dos estabelecimentos bancários e das grandes empresas, e muitos outros.

Esse aprofundamento escapa, no entanto, aos limites deste trabalho, embora não escape a clara percepção de que tem ocorrido, em muitas oportunidades, um evidente desvio do poder do Estado em favor dos interesses dos grandes grupos econômicos, financeiros e empresariais, internos ou transnacionais, em detrimento dos reais interesses do povo brasileiro.

Ressalte-se que esse desvio ocorre nos três níveis de governo e através dos mais variados meios, expedientes e artifícios, prevalecendo sempre em virtude da impunidade, decorrente da inexistência ou ineficiência dos processos de controle, a começar pela nossa jurisdição constitucional, que adota, no dizer do Ministro Sidney Sanches, do Supremo Tribunal Federal, o controle confuso de constitucionalidade, porque o nosso é um sistema híbrido, do controle concentrado, de inspiração européia, e do controle difuso, criação norte-americana, e terminando pela quase inexistência do controle do povo em relação aos seus mandatários, o que decorre de nossa reduzida politização, ou seja, pela inexistência de "accountability", essencial à caracterização de um regime democrático.

A respeito das privatizações, disse MARCO AURÉLIO DE BARROSO [22] que:

" Privatização, por exemplo, tinha que existir. Mas o quadro de desordem nos contratos e nos financiamentos e a precariedade regulatória dentro da qual se desenvolveu o processo de privatização – do qual os casos da Vale do Rio Doce e da Light constituem exemplos espantosos - já é extremamente grave, tanto para os consumidores quanto para os cidadãos brasileiros. Na prática, o Governo privilegia as privatizações como suposto mecanismo de financiamento das contas internas e externas, deixando de lado tanto a melhoria dos serviços e a redução dos custos para o consumidor quanto o problema maior do emprego e da competitividade sistêmica. Não por acaso o processo de privatização avança na área de transferência patrimonial - com altos custos para o Tesouro e ônus de financiamento para o BNDES - sem que tenha sido definido um marco estratégico de política para os setores envolvidos e estabelecidas metas de investimento e mecanismos operacionais de regulação. A combinação deste processo desregulamentado de privatizações com a adesão inconsequente ao acordo de liberalização dos investimentos estrangeiros teria conseqüências trágicas para o país, servindo para legitimar toda sorte de abusos – econômicos, principalmente, praticados pelos investidores estrangeiros.

No que diz respeito às privatizações que envolveram concessões de serviços públicos, o exemplo da Light soou a campainha de alarme. Já está na hora de que a população brasileira passe do estágio de consumidores - maltratados e burlados - ao de cidadãos. Uma vez que se copia tantas coisas da sociedade de consumo americana, não estaria mal iniciarmos com decisão e em caráter permanente organizações do tipo "Public Citizen" nos moldes da iniciativa de Ralph Nader nos Estados Unidos. Este começou com a defesa dos consumidores e evoluiu para a defesa dos cidadãos contra os interesses dos poderosos ‘lobbies’ que operam no Congresso Americano e no Departamento de Estado. Assim foi que conseguiu frear o ‘fast track’ que autorizaria ao Presidente dos EUA tomar decisões sobre tratados de comércio e investimento que permitiriam aos grandes grupos financeiros norte-americanos obter automaticamente a aprovação da Presidência. Foi o movimento de defesa dos consumidores por ele fundado que, rompendo o muro de silêncio imposto pelo Departamento de Estado, divulgou pela Internet os termos do Acordo Multilateral de Investimentos, cujas cláusulas só agora vieram a público."

Em suma, o professor BARROSO conclui que o Governo brasileiro, sem se preocupar com as conseqüências sociais, tem sido muito complacente com a subordinação dos interesses nacionais à arrogância dos grandes grupos econômicos e financeiros multinacionais, e aos seus agentes políticos. E conclui, ainda, que é necessário criar:

"novos ‘comitês pela cidadania’ que levem o debate à sociedade, e pressionem pela imprensa e pelas vias judiciais, tanto os contratos abusivos que envolvem serviços de utilidade pública, que prejudicam o consumidor, quanto os acordos internacionais, pelos quais o governo brasileiro pode comprometer os destinos do país, sem uma consulta aos cidadãos, ampliando assim as lutas suprapartidárias iniciadas por Betinho e Barbosa Lima Sobrinho."

Fica mais do que evidente, portanto, que a cidadania não consiste apenas na participação, de dois em dois anos, através das urnas, porque se o poder realmente pertence ao povo, é preciso que o povo possa evitar que ele seja exercido apenas em benefício de uma oligarquia.

Mas é preciso insistir, ainda, em que hoje, com a redefinição da hierarquia dos poderes políticos e econômicos, decorrente do neoliberalismo e da globalização, e com o surgimento de um poder mundial hegemônico e o conseqüente enfraquecimento do princípio da soberania, não se pode mais restringir o controle do poder ao clássico sistema de freios e contrapesos.

É preciso controlar, também e principalmente, o poder econômico, que é capaz de criar e derrubar governos e que consegue, com a maior facilidade, adequar o nosso ordenamento jurídico aos seus interesses específicos. O poder econômico preenche os mais importantes cargos e funções públicas, distribui verbas e dotações orçamentárias, e influi poderosamente na mídia, para defender os seus interesses. Em um círculo vicioso, o poder político retribui as benesses recebidas, através da aprovação de leis, reformas constitucionais, e decisões necessárias à manutenção e à ampliação dos poderes dessa elite dirigente.

A respeito de nossa política econômica, interessa transcrever algumas das conclusões de LUIZ CARLOS MONTEIRO COUTINHO: [23]

"O Brasil é um país de pobres e excluídos da plena cidadania, apesar da prioridade constitucional pela pessoa humana. Os índices de mortalidade infantil, analfabetismo, mortalidade infantil, violência e desemprego indicados pela Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL e pelo professor Márcio Pochmann, nos levam a pensar que a nossa Constituição, em sede de direitos humanos, não passa de uma "folha de papel", para se usar a expressão de Ferdinand Lassale; b) o processo de concentração de renda globalizado, onde 70% da população mundial aufere apenas 23% da renda produzida, causa a pobreza extrema, especialmente nos países subdesenvolvidos, e nesse "bonde" vai o Brasil, uma vez que os dados colhidos neste trabalho nos indicam que com o serviço das dívidas interna e externa, ou seja, juros e correção monetária - sem pagamento do capital - gastou-se 76,8% do Orçamento Geral da União; c) o Programa Nacional de Desestatização criado pelo governo do Presidente Fernando Collor, através da Lei n.º 8.031/90 e a revogação do art. 171 da Constituição, serviram apenas para acabar com a soberania econômica do Brasil, não passando de artifícios legais que atendem aos interesses escusos daqueles que venderam o patrimônio nacional, aliás com empréstimos de valores vultuosos do Estado brasileiro às empresas estrangeiras; d) o Estado brasileiro, ao contrário do que se faz nos países desenvolvidos, não tem uma política normativa que priorize a preferência pelo País, na aquisição de bens e serviços de seu mercado interno, daí porque se fez necessária a extinção da empresa nacional; e) a empresa privada brasileira, por conseqüência, não tem igualdade de concorrência no mercado internacional e navega à deriva, ao passo que as empresas estrangeiras, quando não estatais, vêm tomando o nosso mercado interno e são intransigentemente defendidas pelos Estados onde têm suas sedes; f) de tudo isso resulta o processo mais insano de desnacionalização da economia brasileira; g) a Constituição brasileira é uma Constituição dirigente que vincula, não apenas o legislador ordinário ou revisor da Carta, mas também todos os Poderes da República, de natureza política; h) o Poder Judiciário, portanto, como Poder Político, tem a seu cargo a realização dos princípios fundamentais sobre os quais se assenta a organização do sistema republicano e democrático adotado pela Carta Política. Aliás, o Poder Judiciário é o guardião da Constituição, conforme dispõe o seu art. 102, e, sendo assim, cumpre a este Poder decretar a invalidade (inconstitucionalidade) dos atos normativos ou não, lesivos aos princípios e fundamentos do texto constitucional, respeitados os critérios de validade adotados pelo ordenamento jurídico pátrio. Estamos, pois, afirmando a legitimidade do Poder Judiciário para invalidar atos do governo ou políticas normativas contrárias ao Estatuto Maior, com todas as suas conseqüências; i) é hora, portanto, do povo brasileiro defender a sua Constituição, exigir o seu cumprimento, de modo que a Ordem Econômica estabelecida pelo Poder Constituinte, possa efetivamente cumprir os seus objetivos, posto que não se pode fazer da Carta de 1988 uma "folha de papel ", ou, quando muito, a ela se dar o sentido de uma democracia liberal desnacionalizada."

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Ordem econômica e controle do poder. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4028. Acesso em: 26 abr. 2024.

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