6. A (IN)EFICÁCIA CONSTITUCIONAL
MARIA HELENA DINIZ [24] afirma que as normas programáticas possuem eficácia jurídica, a partir dos seguintes argumentos:
"a) impedem que o legislador comum edite normas em sentido oposto ao direito assegurado pelo constituinte, antes mesmo da possível legislação integrativa que lhes dá plena aplicabilidade, condicionando assim a futura legislação com a conseqüência de ser inconstitucional;
b) impõem um dever político ao órgão com competência normativa;
c) informam a concepção estatal ao indicar suas finalidades sociais e os valores objetivados pela sociedade;
d) condicionam a atividade discricionária da administração e do Judiciário;
e) servem de diretrizes teleológicas para a interpretação e aplicação jurídica (subsunção, integração e correção);
f) estabelecem direitos subjetivos por impedirem comportamentos antagônicos a elas."
Dizia o professor CANOTILHO [25] que hoje não é mais possível considerar como meramente programáticas as normas sociais e econômicas da Constituição, como se elas fossem "não normas".
Dizia, também, EROS ROBERTO GRAU, que "a Constituição do Brasil é – tem sido – uma Constituição dirigente e vincula o legislador. E ainda que tenha sido múltiplas vezes emendada, o seu cerne, que identifico fundamentalmente nos preceitos dos artigos 3º, 1º e 170, resta intocado." [26]
Caberia portanto, de acordo com EROS GRAU, [27] recordar a lição do Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, que em 1969 decidiu que a omissão do Legislativo na regulamentação das normas programáticas não deve vulnerar a hierarquia máxima normativa da Constituição, porque isso consistiria na transferência da função constituinte ao Poder Legislativo, e que o Judiciário deveria ajustar a solução do caso sub judice ao preceito constitucional não implementado pelo legislador.
6.1. A Constituição hipócrita
Na verdade, a nossa Constituição de 1.988 não foi feita para instaurar uma nova ordem, mas apenas para manter a dominação já existente. Não pretendeu, na verdade, instaurar um Estado Social. A seguir, a opinião de EROS ROBERTO GRAU: [28]
"A Constituição formal, em especial enquanto concebida como meramente programática – continente de normas que não são normas jurídicas, na medida em que define direitos que não garante, na medida em que esses direitos só assumem eficácia plena quando implementados pelo legislador ordinário ou por ato do Executivo -, consubstancia um instrumento retórico de dominação. Porque esse o seu perfil, ela se transforma em mito.
(...) As Constituições formais inúmeras vezes consubstanciam modalidade exemplar de mito moderno. Por um lado, instalam no seio da coletividade a convicção de que se vive sob a égide do Estado de Direito. Por outro – sobretudo a partir do instante em que, tocada por um gesto de brilhantismo invulgar, a burguesia faz incluir nela um capítulo atinente aos direitos econômicos e sociais – funcionam como anteparo às expansões da sociedade, amortecida naquilo que seria expressão de sua ânsia de buscar a realização de aspirações econômicas e sociais. A Constituição, então, instaura o "Estado Social" e passa a ser exaustivamente "consumida" pela sociedade. Pouco importa que suas disposições tenham caráter programático, contemplem direitos não juridicamente exeqüíveis, isto é, não garantidos. Outro lance de brilhantismo invulgar encontra-se na teorização da distinção entre direitos e garantias. Pacificam-se as consciências das ordens privilegiadas e os néscios encontram o conforto próprio aos que vivem sob a égide da Constituição, devidamente conformados – seja porque se tornam pacíficos, seja porque seus comportamentos assumem padrões predeterminados, na dupla denotação do vocábulo. A Constituição, assim – isto é, o documento formal denominado "Constituição" – desnuda-se como instrumento de dominação ideológica. É mito que acalentamos, dotado de valor referencial exemplar, na medida em que contribui eficazmente para a preservação da ordem que não se pretendia instaurar, mas, simplesmente, manter."
Evidentemente, não havia sinceridade na Constituinte de 1.987/1.988, aliás uma estranha Constituinte, porque foi convocada pelo Poder Reformador, através da Emenda Constitucional nº 26, de 27.11.1985. Ou seja: o Congresso Nacional, que não poderia exercer o Poder Constituinte Originário, mas apenas o Poder Reformador, através dessa Emenda (?) transformou o futuro Congresso em uma Assembléia Constituinte, dotada de poderes soberanos para aprovar uma nova Constituição Federal. E com uma agravante: participaram da Constituinte os senadores "biônicos", um por Estado, que haviam sido eleitos indiretamente, em 1.982, pelos Colégios Eleitorais, nos termos do § 2º do art. 41, c/c o § 2º do art. 13 da Constituição Federal de 1.967, com a redação da Emenda Constitucional nº 8, de 14.04.1977 (integrante do Pacote de Abril, conjunto de normas editadas com fundamento no Ato Institucional nº 5/68, após a decretação do recesso do Congresso Nacional).
A burguesia, que no dizer de EROS GRAU fez incluir na Constituição de 1988 um capítulo atinente aos direitos econômicos e sociais, não pretendia nenhuma mudança, mas apenas simular que tudo mudaria, como no cínico presságio de LAMPEDUSA, ao explicar os objetivos e a dissimulação da elite dominante: "Se quisermos que tudo permaneça como está, basta simularmos que tudo muda." [29]
Esperemos que haja um mínimo de sinceridade nas propostas do Presidente Lula e do novo Governo, referentes à redução da pobreza, para que não se concretize, uma vez mais, esse presságio.
7. A DESVINCULAÇÃO DO LEGISLADOR: UM ESTUDO DE CASO
Mas seria muito interessante, realmente, que tivéssemos uma Lei Fundamental, respeitada por todos, governantes e governados. No entanto, essa não é a nossa realidade, porque a respeito das normas programáticas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido muito clara, no sentido de negar ao Judiciário a possibilidade de sua efetivação. Na prática, a omissão do legislador tem prevalecido, porque as garantias constitucionais do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão têm sido anuladas pelo entendimento de que o Judiciário não pode sanar a omissão do legislador, mas apenas "recomendar" que seja providenciada a edição da norma indefinidamente postergada.
Não existe, assim, na prática, a vinculação do legislador. Nossa Constituição, embora seja teoricamente rígida, porque prevê um processo especial para a sua reforma, e um complexo sistema de controle de constitucionalidade, que deveria servir para evitar a prevalência das leis inconstitucionais, na verdade tem sido facilmente modificada, pela sistemática omissão do legislador. Entre nós, infelizmente, o legislador está inteiramente desvinculado da obediência às normas programáticas da Constituição.
A Constituição de 1.988 determinou, no § 3º de seu art. 192, que:
"As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar."
Qualquer jurista, que não esteja familiarizado com os critérios hermenêuticos às vezes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, ao ler esse dispositivo, entenderá, com certeza, que a norma que limita os juros a doze por cento ao ano é de eficácia plena, e que apenas a tipificação do crime de usura e a fixação das penas foram deixadas para uma lei posterior. No entanto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa é uma norma meramente programática, e que os juros abusivos poderão continuar sendo cobrados, enquanto o Congresso Nacional não elaborar a referida lei.
Hoje, decorridos quase quinze anos de sua edição, a norma do § 3º ainda não existe em nosso ordenamento jurídico. É completamente ineficaz, o que significa que a Constituição vem sendo, continuamente, reformada, através da simples omissão do Congresso Nacional, que se nega a editar as leis que seriam necessárias à efetivação de inúmeros dispositivos constitucionais. Não se pode afirmar, portanto, que a nossa Constituição seja rígida, porque somente admite a sua reforma, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, pelo Congresso Nacional, através de um processo especial, mais difícil do que o processo utilizado para a legiferação ordinária.
Na realidade, ela vem sendo reformada, por um processo muito mais flexível, o da simples omissão do Congresso Nacional, porque o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não lhe cabe editar a norma necessária, mas apenas "recomendar" ao Legislativo que o faça, para suprir a sua omissão. Sem a fixação de um prazo para que essa omissão seja suprida, a Constituição perdeu, em grande parte, a sua eficácia, porque inúmeras normas programáticas servem, apenas, para enganar os juristas estrangeiros, que às vezes pensam que existe alguma seriedade em determinados setores de nosso Governo, que seriam responsáveis pelo respeito ao princípio da supremacia constitucional.
Mas o problema é ainda muito mais grave, porque se é graças ao beneplácito do Supremo Tribunal que a omissão do legislador tem prevalecido em relação aos dispositivos constitucionais tidos como programáticos, por outro lado, deve-se à ineficiência de nosso controle de constitucionalidade a prevalência de inúmeras leis inconstitucionais, que têm conseguido revogar, na prática, dispositivos constitucionais de eficácia plena, que não dependeriam, absolutamente, da edição de qualquer norma posterior.
7.1. Os temporários do Bararú
Dispõe a Constituição Federal de 1.988 que a investidura em cargo ou emprego público dependerá da aprovação prévia em concurso público (art. 37, II), e que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). A matéria foi rigorosamente disciplinada pela Lei 8.745/93.
No entanto, essa exigência constitucional, que encontra motivação nos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade, e que não se trata, absolutamente, de norma programática, cuja eficácia dependesse da edição de uma lei regulamentadora, vem sendo inobservada, há muitos anos, em todo o Brasil, em diversos Estados e Municípios, e até mesmo em alguns órgãos federais.
No Estado do Pará, apenas para exemplificar, temos os "temporários do Bararú", assim denominados em razão do nome do deputado que durante muitos anos apresentou os projetos que resultaram na indefinida prorrogação dos contratos desses servidores.
Tudo começou com a Lei Complementar nº 7/91, de 25.09.91, que estabelecia, em seu art. 2º, que o prazo máximo da contratação seria de seis meses, prorrogável, por igual período, uma única vez.
No entanto, em 04.02.93, a Lei Complementar nº 11/93 autorizou a prorrogação dos contratos temporários até 31.12.93, embora prevendo que deveria "o Estado promover concurso público para provimento das funções, na medida da necessidade".
No ano seguinte, em 01.02.94, a Lei Complementar nº 19/94, embora estabelecendo que deveriam ser realizados os concursos públicos até 31.07.95, permitiu a prorrogação dos contratos temporários até 31.12.95, "em função da insuficiência de pessoal para a execução dos serviços e do desempenho anterior do servidor". Antes dessa data, a Lei Complementar nº 30, de 28.12.95, autorizou a prorrogação dos contratos dos servidores temporários até 31.12.98. Recomendou, porém, que "devem as autoridades responsáveis tomar as providências para a realização de concurso público, para admissão de pessoal, em caráter permanente, nos setores em que houver vagas e necessidade de serviço".
A Lei Complementar nº 36, de 04.12.98, autorizou a prorrogação desses contratos até 31.12.02, embora repetindo a recomendação acima transcrita. Evidentemente, prorrogar contratos de servidores temporários por quatro anos não deixa qualquer dúvida a respeito da completa ineficácia, no Estado do Pará, da norma constitucional que exige o concurso público, e que somente permite a contratação sem concurso para atender a uma necessidade temporária de excepcional interesse público. Conseqüentemente, deveria ser aplicada a norma do §2º do mesmo art. 37, que prevê a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável.
No entanto, a nossa Assembléia Legislativa aprovou, por unanimidade, diga-se de passagem, em junho do ano passado, a Lei Complementar nº 40/02, em uma tentativa de "efetivar" os servidores temporários; segundo os ilustres deputados, para evitar um grave problema social, com o desemprego desses servidores. Ressalte-se, ainda, que os nossos deputados publicamente confessaram reconhecer a inconstitucionalidade dessa Lei, mas disseram que a sua aprovação seria necessária, por uma questão de "justiça social".
Mais recentemente, em dezembro, foi aprovada a Lei Complementar nº 43/02, que prorrogou por dois anos esses contratos.
Evidentemente, todas essas leis eram e são inconstitucionais, e têm servido apenas a determinados interesses políticos, e para que se chegasse hoje aos números absurdos que têm sido divulgados, de 20.000, apenas nos órgãos estaduais, sabendo-se que existem inúmeros servidores temporários na Assembléia Legislativa (261), e também no Tribunal de Justiça do Estado, no Ministério Público Estadual (158), no Tribunal de Contas do Estado, e no Tribunal de Contas dos Municípios, ou seja, nos próprios órgãos que deveriam impedir que essa imoralidade se concretizasse.
Mas essas leis, sendo materialmente inconstitucionais, são também formalmente inconstitucionais, porque o art. 105 de nossa Constituição Estadual dispõe que são de iniciativa privativa do Governador as leis que disponham sobre "os servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos,... " (art. 105, II, "b").
Todos os projetos foram apresentados pelos deputados, a maioria pelo deputado Antenor Bararú, diversas vezes reeleito em conseqüência de sua atuação em favor desses servidores. Portanto, todas as leis que autorizaram a contratação e a prorrogação dos contratos dos servidores temporários são também formalmente inconstitucionais, por vício de iniciativa, porque compete privativamente ao Governador a iniciativa das leis que disponham sobre os servidores públicos do Estado.
Ressalte-se, ainda, que no Tribunal de Contas dos Municípios a situação é ainda mais escabrosa, porque a contratação sem concurso vem desde as origens dessa Corte, ainda como Conselho de Contas dos Municípios, quando a Lei nº 5.033/82, em seu art. 46, cuja redação foi alterada pela Lei 5.033/82, autorizou a primeira investidura sem concurso público, em caráter efetivo, nos cargos de Auditor e Procurador desse Órgão.
Em 1.987, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Representação de Inconstitucionalidade nº 1.359/PA, referente a essa Lei, sendo Relator o Ministro Oscar Correa (Publicação: DJ DATA-19-06-87 PG-12448 EMENT VOL-01466-01 PG-00054). No entanto, mais de quinze anos depois daquela decisão, esses servidores temporários (37, de acordo com a mídia) continuam exercendo suas importantes atribuições naquela Corte, e muitos deles estão hoje aposentados.
7.2. Constituição Federal e Lei de Improbidade
Desde a vigência da Constituição de 1.988, o princípio da exigência do concurso público tem sido desrespeitado, em todo o Brasil, em inúmeros municípios, nos Estados e até mesmo em órgãos federais, mas em nosso Estado a questão dos temporários apresenta pelo menos duas peculiaridades:
a) a primeira, a existência das leis acima referidas, que autorizam a contratação e a prorrogação dos contratos dos temporários, e que de certa forma têm servido para que os administradores estaduais acreditem que não podem ser alcançados pelas normas dos parágrafos 2º e 4º do art. 37 da Constituição Federal e pelas sanções da Lei nº 8.429/92, que tratou dos atos de improbidade administrativa, que poderão resultar na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível. Afinal, esses administradores podem perfeitamente afirmar, agora, que estão apenas cumprindo a Lei Complementar nº 43/02, que autorizou a contratação dos temporários e a prorrogação dos seus contratos, por mais quatro anos! Evidentemente, ao cumprirem essa lei inconstitucional, que é totalmente nula, eles estão preferindo descumprir a Constituição Federal, para satisfazerem a outros interesses, que não o interesse público, nem o de fazer a "justiça social".
b) além disso, fica também evidente, em nosso Estado, a completa ausência dos órgãos que teriam a missão constitucional de fiscalizar e de evitar que se chegasse a esta situação absurda, em que os governantes deliberadamente descumprem as normas constitucionais, prejudicando não apenas o interesse público, mas também os próprios servidores temporários, que trabalham durante longos anos e que não têm qualquer direito, a não ser o pagamento dos salários e a aposentadoria pela previdência geral, mesmo depois de "efetivados" no quadro suplementar. Ao contrário, o mesmo não parece ter acontecido em outros Estados, como São Paulo, onde tramitam inúmeras Ações Civis Públicas, e inúmeros prefeitos e vereadores foram responsabilizados pela prática da improbidade administratriva. Apenas para exemplificar, pode ser também citado Santa Catarina, que tem sido bastante rigoroso na fiscalização da contratação de temporários, pelos 293 municípios catarinenses, e cujo Ministério Público possui uma Coordenadoria da Moralidade Administrativa.
Seria perfeitamente possível, portanto, a instauração de Inquérito Civil, pelo Ministério Público Estadual, para a apuração da eventual prática de atos de improbidade por membros de qualquer dos Poderes Constituídos, para a posterior instauração de Ação Civil Pública, destinada à anulação do ato e à responsabilização de seus mentores. Os legisladores também podem cometer atos de improbidade, quando aprovam um instrumento normativo de caráter concreto, destinado a beneficiar, de maneira inconstitucional, um grupo de pessoas, como os temporários, em detrimento do interesse público.
O problema, evidentemente, é que o próprio Ministério Público do Estado do Pará tem inúmeros servidores temporários, beneficiando-se também dessa imoralidade, e os Promotores responsáveis alegam que não podem tomar nenhuma providência contra os administradores que efetuam essas contratações e prorrogações (entre elas, o próprio Procurador Geral de Justiça), porque eles estão apenas cumprindo a Lei que autoriza essas contratações. Disseram eles, pelo Ofício nº201/2002-MP/2ºPJ/DC/PP, de 03.06.2002, que caberia ao Procurador Geral de Justiça ingressar perante o Tribunal de Justiça do Estado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa lei, para que eles pudessem, posteriormente, responsabilizar as autoridades que efetuaram aquelas contratações. Até hoje, isso não foi feito, evidentemente.
Fica assim provado, portanto, que a separação de poderes não funciona, na hipótese, porque todos os órgãos e inúmeros políticos estão interessados na manutenção desse esquema, que beneficia apenas a elite dominante, e não estão nem um pouco preocupados com a efetividade da Constituição, nem com o respeito ao princípio constitucional da moralidade. Fica provado, também, que os nossos legisladores não estão vinculados pelos dispositivos constitucionais, nem pelas normas programáticas, como seria o caso daquelas acima referidas, que limitam os juros, e nem mesmo pelas que deveriam ter eficácia plena, se a nossa Constituição fosse respeitada e os mecanismos de controle do poder fossem efetivos, para que se evitasse a impunidade.
Diria LUÍS ROBERTO BARROSO [30] que ainda estamos sofrendo as conseqüências do Regime de 64:
"No plano institucional, o exercício autoritário do poder desprestigiou e enfraqueceu os órgãos de representação política e afastou da vida pública as vocações de toda uma geração. O processo de amadurecimento democrático, de consciência política e de prática da cidadania ficou truncado. Agravou-se, ainda, pelo fisiologismo e clientelismo – que não podiam ser denunciados nem combatidos à luz do dia – a atávica superposição entre o público e o privado, com as perversões que a acompanhavam: favorecimentos, nepotismo, corrupção e descompromisso com a eficiência."