O banco de horas em Portugal e no Brasil

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Cumpre, ao longo deste artigo, analisar e estabelecer uma comparação entre o banco de horas previsto no ordenamento jurídico-laboral português e brasileiro.

1. O Regime do Banco de Horas em Portugal

Cumpre, em primeiro lugar, conceptualizar o regime do banco de horas português identificando os diversos tipos previstos no Código do Trabalho português (CT) [1].

Instituído ex novo por via da Lei 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009, pode definir-se o banco de horas como uma modalidade de organização do tempo de trabalho que admite o aumento do período normal de trabalho diário e, consequentemente, do semanal, prestado para além dos limites previstos no artigo 203.º do CT (8 horas diárias e 40 horas semanais). Este regime está sujeito a determinados limites que, em situações excecionais, podem ultrapassar as 200 horas por ano, mas que, criteriosamente, não prevê o pagamento de acréscimos retributivos similares ao previsto no regime da prestação de trabalho suplementar (artigo 268.º do CT).

Quanto aos tipos desta modalidade de organização do tempo de trabalho, o CT consagra atualmente os seguintes:

- Banco de horas por regulamentação coletiva (artigo 208.º do CT);

- Banco de horas individual (artigo 208.º-A do CT) [2];

- Banco de horas grupal (artigo 208.º-B do CT) [3];

No que respeita ao primeiro tipo, introduzido no período pré-troika [4] pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009, encontra-se atualmente previsto no artigo 208.º do CT. O banco de horas por regulamentação coletiva, conforme o nome indica, pode ser instituído por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT), prevendo um aumento até 4 horas diárias ao período normal de trabalho com limite de 60 horas por semana e 200 horas anuais por trabalhador. Este limite de horas anuais pode ainda ser afastado por IRCT sempre a sua utilização tenha por objetivo evitar a redução do número de trabalhadores durante um período de até 12 meses [5]. O legislador optou, no entanto, por não consagrar o regime sobre a produção da prova, deixando à autonomia coletiva das partes este desiderato.

Relativamente ao segundo tipo elencado, o banco de horas individual foi introduzido no período Troika [6] pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho de 2012 [7], e encontra-se previsto no artigo 208.º-A do CT, podendo ser instituído por acordo escrito entre empregador e trabalhador permitindo que o período normal de trabalho diário seja aumentado até ao limite máximo de 2 horas diárias e 50 horas semanais, estando previsto um limite de 150 horas anuais por trabalhador.

O acordo pode ser celebrado mediante proposta, por escrito, do empregador, presumindo-se a aceitação por parte de trabalhador que a ela não se oponha, por escrito, nos 14 dias seguintes ao conhecimento da mesma.

Por fim, o banco de horas grupal, igualmente introduzido pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, e que se encontra previsto no artigo 208.º-B do CT. Este tipo veio legitimar que o empregador aplique o regime do banco de horas por regulamentação coletiva a todos os trabalhadores da empresa desde que pelo menos 60% sejam filiados e abrangidos pelo IRCT que o tenha instituído e do banco de horas individual a todos os trabalhadores, desde que 75% o tenham previamente acordado. Importa, no entanto, referir que nos termos do artigo 208.º-B, n.º 3 do CT, o regime de banco de horas grupal não é aplicável ao trabalhador abrangido por convenção coletiva que disponha em modo contrário a esse regime. No caso de extensão de banco de horas instituído por regulamentação coletiva o banco de horas grupal não é igualmente aplicável a trabalhador representado por associação sindical que tenha deduzido oposição a portaria de extensão da convenção coletiva em causa [8].

No que concerne à compensação do acréscimo de trabalho prestado no âmbito do banco de horas, a lei prevê três modalidades:

- Redução equivalente do tempo de trabalho. Previsão que se assemelha ao regime da adaptabilidade (artigos 204.º e ss. do CT), porquanto no período de referência o trabalhador não prestou mais tempo de trabalho do que o inicialmente previsto, compensando o tempo de trabalho a mais com períodos em que proporcionalmente presta tempo de trabalho a menos;

- Aumento do período de férias. O tempo de trabalho prestado para além do horário normal é compensado com descanso (férias pagas) [9];

- Pagamento em dinheiro. A única modalidade que se repercute num “enriquecimento” do trabalhador e traduz-se efetivamente em mais tempo de trabalho prestado pelo trabalhador.  Nesta modalidade é inexplicável que o legislador não tenha previsto qualquer acréscimo mínimo ao valor da retribuição horária em analogia com o que sucede na prestação de trabalho suplementar (artigo 268.º CT), realidade demonstrativa da sua intenção em proporcionar que o trabalho prestado “fora de horas” seja pago como trabalho prestado “dentro do horário” normal de trabalho [10].

Por força dos artigos 208.º, n.º 4 e 208.-A, n.º 1 do CT, o IRCT (no caso do banco de horas por regulamentação coletiva) ou o acordo entre as partes (no caso do banco de horas individual) deve regular a compensação do trabalho prestado em acréscimo, a antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho e o período em que a redução do tempo de trabalho para compensar trabalho prestado em acréscimo deve ter lugar, por iniciativa do trabalhador ou, na sua falta, do empregador, assim como a antecedência com que qualquer deles deve informar o outro da utilização dessa redução.

2. O Regime do Banco de Horas no Brasil [11]

Importa abordar o regime do banco de horas previsto no ordenamento jurídico brasileiro [12] introduzido pela Lei n.º 9601, de 21 de janeiro de 1998, que alterou o artigo 59.º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) introduzindo os parágrafos 2º e 3º, o qual veio implementar uma maior flexibilidade no mercado de trabalho [13].

O 2º parágrafo na redação conferida pela referida Lei estabeleceu a dispensa do acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas num dia for compensado pela correspondente diminuição noutro, de maneira que não exceda, no período máximo de cento e vinte dias, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

 O 2º parágrafo do artigo 59.º foi posteriormente alterado por força da redação dada pela Medida Provisória n.º 2.076-38, de 21 de junho de 2001, passando a ter a seguinte redação ainda hoje em vigor e que fundamentalmente aumentou a duração do período de referência de aplicação do regime de cento e vinte dias para um ano: “Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias”.

 Por sua vez, o 3º parágrafo do artigo 59.º da CLT estipula que na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, dará ao trabalhador o direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.

Dissecando o regime do banco de horas previsto no domínio laboral brasileiro cumpre destacar o seguinte:

Em primeiro lugar, tal como em Portugal (em uma das suas modalidades), encontra-se prevista a possibilidade da instituição do banco de horas mediante intervenção sindical.

Em segundo lugar, tal como em Portugal (em uma das suas modalidades), o excesso de horas prestado em determinado dia são proporcionalmente reduzidas noutro.

Em terceiro lugar, num período máximo de um ano a média das horas prestadas não pode ultrapassar os limites legais.

Por fim, o aumento diário tem como limite duas horas.

3. O Regime do Banco de Horas: Direito Comparado – Portugal e Brasil

Após a análise ao regime do banco de horas no ordenamento jurídico português e brasil cumpre destacar o seguinte:

- O regime do banco de horas no Brasil apenas pode ser instituído por acordo ou convenção coletiva, exigindo, sempre, intervenção sindical [14]. Em Portugal, o regime pode ser instituído por três vias distintas: por acordo entre empregador e trabalhador (bando de horas individual), por IRCT (banco de horas por regulamentação coletiva) e por imposição do empregador mediante o cumprimento de determinados requisitos (banco de horas grupal). O banco de horas previsto no Brasil tem algumas semelhanças com dois regimes implementados em Portugal: Primeiro, no que diz respeito ao regime da adaptabilidade por regulamentação coletiva em que o aumento de horas de trabalho diário e consequentemente semanal, é proporcionalmente reduzido para que o trabalhador, durante o período de referência, em média não ultrapasse os limites legais (artigos 204.º do CT) [15]; Segundo, no que se refere ao regime do banco de horas por regulamentação coletiva (artigo 208.º do CT);

- O banco de horas no Brasil prevê a compensação do trabalho prestado em acréscimo através da compensação pela correspondente diminuição em outro dia. Em Portugal existem três modalidades distintas: Redução equivalente do tempo de trabalho; aumento do período de férias; pagamento em dinheiro. A primeira modalidade de compensação prevista em Portugal (artigo 208.º, n.º 4, al. a) i) do CT) é semelhante à consagrada no Brasil; As restantes não têm repercussão no ordenamento jurídico deste país;

- Sem prejuízo das referidas similitudes e diferenças entre o banco de horas instituído em Portugal e no Brasil, o legislador brasileiro, diligentemente, contrariamente ao português, previu a possibilidade de compensar o trabalho prestado em acréscimo pelo trabalhador caso o contrato de trabalho cesse sem que o período de trabalho prestado ao abrigo do banco de horas tinha sido compensado pela correspondente diminuição em outro dia, recorrendo ao pagamento de trabalho suplementar. Esta previsão não existe em Portugal, cumprindo à jurisprudência resolver esta questão em caso de conflito;

- Ao contrário do que sucede em Portugal, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê que o banco de horas seja instituído por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por imposição unilateral do empregador.

Relativamente ao banco de horas individual, em Portugal prevê-se que o acordo possa ser celebrado mediante proposta, por escrito, do empregador, presumindo-se a aceitação por parte de trabalhador que a ela não se oponha, por escrito, nos 14 dias seguintes ao conhecimento da mesma. Esta solução é, ainda assim, em nossa opinião criticável porquanto consideramos que o período de ausência ao trabalho justificada (licenças, faltas ou férias) não deve ser tida em conta para efeitos da contagem dos 14 dias [16] necessários para que a aceitação tácita por parte do trabalhador seja considerada. Sendo certo que o referido prazo só começa a contar após o trabalhador ter conhecimento da proposta do empregador, poderá suceder que esta assunção ocorra, por exemplo, nos dias antecedentes às férias ou mesmo durante este período, viabilizando a hipótese do trabalhador ter de tomar previdências durante o gozo das férias sempre que deseje opor-se à referida proposta, quando supostamente este período serviria apenas para lhe proporcionar a sua “recuperação física e psíquica”.

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Ainda no que respeita à aceitação tácita por parte do trabalhador consideramos que havia sido preferível que o legislador houvesse consagrado a possibilidade do “direito ao arrependimento” por parte do trabalhador em duas fases distintas: Numa primeira fase, a ter lugar em um curto período de tempo após a sua adesão ao banco de horas individual. Se o legislador, num momento fulcral e decisivo, permite que o trabalhador revogue a resolução do contrato de trabalho (artigo 397.º do CT) ou a sua denúncia (artigo 402.º CT), não faz sentido, quando a nós, que o possa deixar de fazer sobre um aspeto acessório da relação juslaboral. Recordando os princípios da interpretação da lei, damos destaque àquele que afirma “se a lei permite o mais também permite o menos”; numa segunda fase, após um período pré-determinado da vigência do acordo se encontrar cumprido, o que permitiria que o trabalhador não receasse vincular-se a um banco de horas individual perante maiores exigências familiares e pessoais eventuais e futuras. Uma das soluções, que neste sentido que devia ser adotada pelo legislador, de forma a minimizar o impacto do banco de horas  individual, por um lado e, por outro, evitar a perpetuação ad aeternum  do acordo que o institui, seria a obrigatoriedade de aposição a esse acordo de um termo resolutivo certo em moldes semelhantes ao do regime da caducidade previsto para o contrato a termo resolutivo certo (artigo 344.º n.º 1 do CT), facultando-se ao trabalhador a possibilidade de denunciá-lo dentro de prazo e nos termos a regular. Por outras palavras, um mecanismo que permita ao trabalhador, decorrido determinado período após a celebração do acordo (por ex. 1 ano), denunciá-lo de forma a que este não se renove sendo que, no seu silêncio, este renovar-se-ia por igual período. Pois, sendo a relação laboral dinâmica, as razões que conduziram o trabalhador à aceitação do banco de horas individual podem deixar de se verificar e esta seria uma forma de se adaptar a Lei a estas eventuais contingências.

Trata-se igualmente de um regime que levanta muitas dúvidas no que concerne à sua constitucionalidade, fundamentalmente pelo facto de que o “acordo” que institui o banco de horas individual ser uma imposição travestida de consentimento, mais visível ainda no caso dos contratos a termo, no qual o trabalhador receando a caducidade do seu contrato, terminará invariavelmente por aceitar na sua esfera jurídica a implementação desta modalidade de organização de tempo de trabalho.

Relativamente ao banco de horas por imposição unilateral do empregador (banco de horas grupal), parece-nos revelador o menosprezo pela vontade individual do trabalho que pode, deste modo, ver-se obrigado a estar subjugado a um regime do qual não pretende fazer parte, apenas e tão só, porque há uma “maioria” que o acolhe [17].

 Em nossa opinião dita constitucionalidade é duvidosa porquanto o regime parece violar, por um lado, o princípio da liberdade sindical, esvaziando de conteúdo o princípio da filiação legitimando que o empregador aplique um regime previsto num IRCT, a trabalhadores não filiados na associação sindical que o tenha celebrado, admitindo o estabelecimento desta modalidade de organização do tempo de trabalho por decisão unilateral do empregador. Por outras palavras que os trabalhadores que não se revejam na representação sindical correm, ainda assim, sérios riscos de se verem vinculados às regras emanadas da regulamentação coletiva. Compreendemos o desiderato governamental em incrementar a aplicação da contratação coletiva ao maior número de trabalhadores, mas supera as expetativas, pela negativa, o recurso a formas tão imaginativas de atingir tais objetivos.

Tal constitucionalidade pode ainda ser questionada na medida em que ao legitimar-se o aumento do número de horas da jornada laboral sem que, obrigatoriamente, sejam proporcionalmente reduzidas coloca-se em causa, por um lado, o direito ao repouso e lazeres e, por outro, o direito à retribuição, ambos previstos no artigo 51.º da CRP, por ser um regime que, claramente, visa afastar o pagamento de trabalho suplementar.

Considerações Finais

O banco de horas em Portugal, tal como caracterizado neste estudo, é um regime mais ingrato para o trabalhador do que o previsto atualmente no Brasil pois, para além de prever, caso seja instituído por IRCT, o aumento em quatro horas da jornada laboral diária (contra duas horas diárias no Brasil), estabelece duas modalidades que não são permitidas no ordenamento jurídico brasileiro, nomeadamente, a possibilidade de aplicação do banco de horas a um grupo de trabalhadores, ainda que contra a sua vontade, desde que se cumpram alguns requisitos legais anteriormente descritos (banco de horas grupal) e ou por acordo entre ambas as partes da relação juslaboral (banco de horas individual) com as fragilidades que na prática correm contra o trabalhador.

No que respeita ao banco de horas grupal, parece-nos revelador o menosprezo pela vontade individual do trabalho que pode, deste modo, ver-se obrigado a estar subjugado a um regime do qual não pretende fazer parte, apenas e tão só, porque há uma “maioria” que o adota [18]. No que se refere ao banco de horas individual, não foram tidas em conta a “manipulação” que o trabalhador pode ser alvo, nomeadamente por temer represálias por parte do empregador caso opte por não dar o seu consentimento (mais determinante perante vínculos contratuais precários, como os contratos de trabalho celebrados a termo).

Seria oportuno a aproximação do regime atual português ao regime brasileiro, garantindo-se, deste modo, a intervenção obrigatória das associações sindicais, enquanto defensoras dos interesses dos trabalhadores; a consagração de um banco de horas que não preveja o absurdo de até quatro horas diárias prestadas para além do período normal de trabalho; a impossibilidade de se prever que o trabalho prestado a mais, ao abrigo do banco de horas, seja compensado com o pagamento hora de valor retributivo igual ao prestado durante a jornada normal de trabalho.

REFERÊNCIAS

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GALDEANO, BEATRIZ, “Instrumentos de gestión flexible del tiempo de trabajo en la negociación colectiva”, in Relaciones laborales: Revista crítica de teoría y práctica, ano XXVI, Wolters Kluwer, 2010, pp. 33-62

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GOMES, JÚLIO, “Algumas reflexões sobre as alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 23/2012 de 25 de junho”; in Revista da Ordem dos Advogados, Ano LXXII, vol. II/III, 2012, pp. 575-617

JÚNIOR, VICENTE DE PAULA, “Proteção Jurídica à saúde do trabalhador” in Revista da Faculdade Mineira de Direito, v.4, n.º 7 e 8, Belo Horizonte, 2001, pp. 222-250.

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MARTINEZ, PEDRO ROMANO, “O Código do Trabalho e a reforma de 2012. Apreciação geral” in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIII (XXVI da 2.ª Série), Coimbra, Livraria Almedina, 2012, pp. 11-184

MONTEIRO, LUÍS MIGUEL, AAVV., Código do Trabalho anotado, 7.ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2009

NASCIMENTO, AMAURI MASCARO. Curso de Direito do Trabalho, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004

SEVERO, VALDETE SOUTO, “A dimensão plural do trabalho humano e a inconstitucionalidade do banco de horas” in Justiça do Trabalho, v. 23, n.º 274, Porto Alegre, Hs Editora, 2006, pp. 34-63

NOTAS

[1] Cfr. GALDEANO, BEATRIZ, “Instrumentos de gestión flexible del tiempo de trabajo en la negociación colectiva”, in Relaciones laborales: Revista crítica de teoría y práctica, ano XXVI, Wolters Kluwer, 2010, p. 56 e Flexibilidad de la jornada laboral - Mecanismos legales. convencionales y contractuales para la modificación de la jornada, Valência, Tirant lo Blanch,  2009, p. 91.

[2] Aditado pela Lei 23/2012, de 25 de junho.

[3] Aditado pela Lei 23/2012, de 25 de junho.

[4] A Troika é constituída por representantes do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, a qual negociou o resgate financeiro em Portugal no ano de 2011, tendo sido estabelecido um Memorando de Entendimento assinado a 17 de Maio de 2011 que visava alterações cruciais no direito laboral português.

[5] Na opinião de Luís Miguel Monteiro, a interpretação do preceito não deverá ser realizada no sentido de permitir somente o recurso a este alargamento do limite anual, na vigência do contrato de trabalho, uma única vez quando é atingido o termo de 12 meses. Assim, para este autor, o preceito impede apenas a “aplicação por mais de doze meses da mesma disposição regulamentar que eleve para além das duzentas horas o limite anual de prestação de trabalho em regime de banco de horas”, mas não obsta a que “ao abrigo de outra disposição ou ainda da mesma, se revista, o trabalhador cumpra noutro ano mais de duzentas horas em acréscimo ao seu período normal de trabalho”. Cfr. MONTEIRO, LUÍS MIGUEL, AAVV., Código do Trabalho Anotado, 7ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2009, p. 518.

[6] Analisado o regime do banco de horas atualmente em vigor cumpre dissecar a relação entre o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica firmado, entre o Governo e a Troika, em 17 de maio de 2011. Sendo factual que o banco de horas por regulamentação coletiva é anterior ao referido Memorando de Entendimento, poderia questionar-se se a introdução dos regimes do banco de horas individual e grupal no ano de 2012 surgem por imposição daquele. Não obstante o aspeto cronológico, ainda assim, é falacioso considerar-se verídica esta afirmação. Sendo certo que a secção 4.6 do Memorando de Entendimento previa a flexibilização dos tempos de trabalho, não há, no entanto, qualquer referência ao regime do banco de horas grupal que, em nossa opinião é sem dúvida o mais controverso, mas somente ao banco de horas individual. Afere-se, deste modo, que o Governo, aproveitou a reforma ao CT de 2012 (através da Lei 23/2012, de 25 de junho de 2012), para ir mais além da Troika, implementando o banco de horas grupal (por opção política e previsto no Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego). Neste contexto urge recordar que antes da introdução dos dois mais recentes tipos de banco de horas havia sido iniciado um processo de concertação social que culminou com a assinatura, em 18 de janeiro de 2012, do Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego entre o Governo e a maioria dos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social. Neste compromisso reconheceu-se que o contexto do mercado de trabalho exigia às empresas uma capacidade cada vez mais elevada de adaptação às necessidades de uma economia globalizada, manifestando a necessidade de moldar o regime do tempo de trabalho a estas necessidades, possibilitando uma melhor utilização dos recursos. Neste sentido, as Partes Subscritoras acordaram em adotar o regime de banco de horas mediante acordo entre o empregador e o trabalhador, onde se admite o aumento de até duas horas diárias ao período normal de trabalho, com o limite de cinquenta horas semanais e de cento e cinquenta horas anuais, assim como, do banco de horas grupal, em termos similares ao regime estabelecido para a adaptabilidade grupal, caso uma maioria de 60% ou de 75% dos trabalhadores esteja abrangida por regime de banco de horas estabelecido por instrumento de regulamentação coletiva ou por acordo das partes, respetivamente. A referida Lei 23/2012, de 25 de junho de 2012, veio formalizar, na letra do CT, o referido Compromisso, apresentando-se como medida necessária e adequada ao prosseguimento dos seguintes objetivos.

[7] Relativamente à reforma laboral de 2012 Cfr. GOMES, JÚLIO, “Algumas reflexões sobre as alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 23/2012 de 25 de junho”; in Revista da Ordem dos Advogados, Ano LXXII, vol. II/III, 2012, pp. 575-617;  e MARTINEZ, PEDRO ROMANO, “O Código do Trabalho e a reforma de 2012. Apreciação geral” in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIII (XXVI da 2.ª Série), Coimbra, Livraria Almedina, 2012, pp. 11-184

[8] O regime de banco de horas grupal é similar ao previsto no regime da adaptabilidade grupal (artigo 206.º do CT).

[9] Na opinião de Monteiro Fernandes “a solução levanta problemas sérios. A circunstância de as duas formas de compensação surgirem ao lado uma da outra - não sendo, portanto, a mesma coisa - pode levar à suposição de que se tratará, no caso das férias, de algum tipo de proporcionalidade, mas não de equivalência. Ora parece inconcebível que o aumento do período de férias não seja igual, dia por dia, ao tempo de trabalho a mais que se trata de compensar. Tratando-se de uma espécie de 'devolução' ou 'reposição' de tempo ao trabalhador, caberá ainda indagar se este terá direito a subsídio de refeição (estando este ligado aos dias de trabalho). Por outro lado, a qualificação como 'férias' parece pouco congruente com o regime aplicável: nos termos do art. 264.º/2, não há lugar a subsídio de férias, e não parece também que a regra da escolha do período de concretização pelo trabalhador (art. 208.º/4-c)) possa sofrer desvio unicamente por mor dessa qualificação. Afigura-se, pois, difícil descortinar o significado e o alcance deste aditamento aos modos de compensação de trabalho a mais.” Cfr. FERNANDES, ANTÓNIO MONTEIRO, “A 'Reforma Laboral' de 2012 - Observações em torno da Lei 23/2012”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano LXXII, vol. II/III, 2012, p. 555.

[10] A compensação do trabalho prestado ao abrigo do banco de horas pode ser feita pela combinação de estas modalidades.

[11] A instituição do banco de horas no Brasil surgiu num contexto em que a economia brasileira passava por sucessivas crises, com mudanças constantes de regras das políticas económicas, os denominados “Planos Econômicos”. O primeiro esboço em instituir-se um sistema de compensação de horas trabalhadas para além da jornada normal de trabalho surgiu durante as negociações coletivas entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a Ford e a Volkswagen no final de 1995. O setor empresarial defendia aa necessidade de diferenciar os horários de trabalho sem onerar os custos com a mão-de-obra. Os trabalhadores buscavam formas alternativas de garantir o emprego, em face da crise de mercado que impunham demissões em massa em vários setores da economia.

[12] Sobre a problemática constitucional da instituição do banco de horas no Brasil Cfr. SEVERO, VALDETE SOUTO, “A dimensão plural do trabalho humano e a inconstitucionalidade do banco de horas” in Justiça do Trabalho, v. 23, n.º 274, Porto Alegre, Hs Editora, 2006, pp. 34-63 e MARQUES, RAFAEL DA SILVA, “Da inconstitucionalidade do sistema banco de horas breves comentários” in Justiça do Trabalho, v.22, n.º 264,Porto Alegre, Hs Editora, 2005, pp.30-35. Sobre as implicações do regime do banco de horas na saúde do trabalhador Cfr. JÚNIOR, VICENTE DE PAULA, “Proteção Jurídica à saúde do trabalhador” in Revista da Faculdade Mineira de Direito, v.4, n.º 7 e 8, Belo Horizonte, 2001, pp .222-250.

[13] Relativamente à flexibilidade, recorda-se as sábias palavras de Amauri Mascaro Nascimento: “Flexibilização do direito do trabalho é a corrente de pensamento segundo a qual necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador". Cfr. NASCIMENTO, AMAURI MASCARO. Curso de Direito do Trabalho, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, p.120.

[14] Relativamente à possibilidade do banco de horas ser instituído por acordo entre empregador e trabalhador importa recordar o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, de 2 de março de 2011 (Processo n.º TST-RR-504800-19.2005.5.09.0016), onde é manifesta a exigência “que a instituição do banco de horas seja feita por acordo coletivo ou por convenção coletiva de trabalho, ou seja, o acordo individual não autoriza a compensação pelo banco de horas. Isso porque a instituição de compensação anual, com a prestação de horas excedentes da jornada diária, constitui flexibilização do direito ao pagamento da jornada extraordinária, motivo pelo qual deve ser feita mediante a intervenção sindical.”

[15] O regime da adaptabilidade no âmbito laboral português, pode, igualmente, ser implementado por via de IRCT ou por via de acordo entre empregador e trabalhador sendo que e, contrariamente ao regime brasileiro, se instituído por IRCT o período normal de trabalho diário pode ser aumentado em quatro horas o que, estabelecendo uma comparação, representa uma maior sobrecarga para o trabalhador em solo português relativamente ao previsto em solo brasileiro.

[16] A presunção de aceitação verifica-se de igual modo no regime da adaptabilidade individual (artigo 205.º, n.º 4 do CT).

[17] O Tribunal Constitucional português, descurando completamente a parte mais débil da relação laboral sustentou a imposição da disponibilidade de uma maioria de trabalhadores para aceitar um regime de flexibilização do tempo de trabalho se sobreponha às situações específicas de cada trabalhador individualmente considerado. Subordinou, deste modo, interesses individuais ao interesse coletivo em articulação com o interesse da boa gestão empresarial (artigos 61.º n.º1, 80.º al. c) e 86.º n.º2 da CRP).

[18] O Tribunal Constitucional português no Acórdão n.º 602/2013, de 24 de outubro de 2013, descurando completamente a parte mais débil da relação laboral sustentou a imposição da disponibilidade de uma maioria de trabalhadores para aceitar um regime de flexibilização do tempo de trabalho se sobreponha às situações específicas de cada trabalhador individualmente considerado. Subordinou, deste modo, interesses individuais ao interesse coletivo em articulação com o interesse da boa gestão empresarial (artigos 61.º n.º1, 80.º al. c) e 86.º n.º2 da Constituição da República Portuguesa). A nossa opinião é que dita constitucionalidade é duvidosa porquanto o regime parece violar, por um lado, o princípio da liberdade sindical, esvaziando de conteúdo o princípio da filiação legitimando que o empregador aplique um regime previsto num IRCT, a trabalhadores não filiados na associação sindical que o tenha celebrado, admitindo o estabelecimento, por decisão unilateral do empregador, de um regime forçado que inicialmente não vinculava determinados trabalhadores.

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Sobre os autores
Sérgio Tenreiro Tomás

Born in Lisbon (Portugal) in 1976. LLB in Law. PhD Labour Law. Is an Assistant Professor at the Portucalense University teaching several subjects at LLB and LLM Law and Law for Solicitors (Labour Law, Criminal Law, Methodology, Family Law, Company Law). Secretary-General and member of the IJP - Portucalense Institute for Legal Research. Associated coordinator of the Research Group "Democracy and governance for the 21st century". Thesis Advisor in Labour Law. Formator in Labour Law. Speaker, moderator and coordinator at seminars and specialist congresses in Labour, Family and Criminal Law, Gender and Human Rights. Reviewer of several national and international law journals. Author of several scientific articles (books, book chapters, peer review journals, other journals, opinion articles)

David José Geraldes Falcão

David Falcão nascido em Lisboa em 1978 é Licenciado em Direito, Mestre e Doutor em Direitos Humanos. É Professor Auxiliar Convidado do ISEG – Universidade de Lisboa e Professor Adjunto com nomeação definitiva do Instituto Politécnico de Castelo Branco tendo já lecionado noutras Instituições de Ensino Superior Politécnico e Universitário, quer ao nível de Licenciatura, quer de Mestrado. Coordena a Licenciatura em Solicitadoria e, coordenou a Pós-Graduação em Insolvência e Recuperação de Empresas e a Pós-Graduação em Solicitadoria de Execução, integra a Comissão Científica do Mestrado em Gestão de Empresas e presidiu, entre 2011 e 2015 (dois mandatos) o Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico de Castelo Branco. É Vice-Presidente do Conselho Técnico-Científico bem como membro do Conselho de Representantes. Participou em diversos júris para atribui- ção do grau de doutor e de mestre no âmbito do Direito do Trabalho, Direitos Humanos, Direito Processual e Direito do Consumo e do título de Professor Especialista. Publicou diversos artigos científicos em revistas especializadas e livros tendo como áreas preferenciais Direito do Trabalho, do Consumo, Direito Empresarial e Direitos Humanos/Fundamentais. Proferiu, nas áreas mencionadas, comunicações e organizou Congressos e Seminários Nacionais e Internacionais. Integra o Conselho Científico do CIJE – Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto do qual é membro integrado, o CEMUSA – Centro de Estudos da Mulher da Universidade de Salamanca na qualidade de investigador convidado e o IJP – Instituto Jurídico Portucalense enquanto membro convidado do qual, igualmente, integra o Conselho Científico. Coordena o Gabinete de Estudos de Direito do Consumo da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Integra o corpo editorial de diversas revistas científicas. Coordenou diversas equipas para a acreditação de ciclos de estudos e criou Cursos de Especialização e de Pós-Graduação.

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