Da inconstitucionalidade do “depósito caução” previsto no § 1º, do art. 59, da Lei Inquilinato

28/06/2015 às 09:42
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O presente artigo visa tão somente fomentar a discussão sobre a inconstitucionalidade da exigência legal contida no artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/1991, quanto ao depósito judicial para concessão de medida liminar de despejo "inaudita altera parte".

O contrato de locação de imóveis tem sido um dos instrumentos jurídicos mais debatidos na esfera do Poder Judiciário, haja vista que o seu objeto, a locação de imóvel urbano, tem como característica primordial garantir o direito universal à moradia digna, portanto, trata-se de um contrato eivado de um cunho social.

Em razão dessa importância toda, necessário se fez que legislador pátrio criasse uma lei específica para o referido Contrato, apartando-o das demais espécies de locação. Foi então que em 1991, foi publicada a Lei Federal nº 8.245/1991, tão conhecida e divulgada como: a Lei do Inquilinato. Ao passar dos anos esta Lei foi sofrendo alterações, tendo, inclusive, sofrido uma mini reforma em 2012, com a expedição da Lei 12.112/2012, a qual trouxe várias inovações e conceitos à relação de locação de prédio urbano, dentre as quais, a possibilidade de o Juiz conceder ao Locador o despejo do locatário, liminarmente, ou seja, sem que este último possa manifestar-se nos autos, conforme previsão do § 1º do artigo 59, da Lei 8.245/1991, abaixo transcrito in verbis:

Art. 59. (...)

§ 1º - Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente de audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:

  • (...)

IX-    a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.

Pois bem, de acordo com o texto da Lei acima, para que o Locador consiga a façanha de concessão de liminar judicial para despejar o locatário que não cumpre com suas obrigações, nem mesmo a básica de todas que é o pagamento dos aluguéis no prazo previsto em contrato, necessário se faz 03 (três) requisitos mínimos, quais sejam:

  1. Comprovar que o locatário encontra-se inadimplente;
  2. Comprovar que o contrato de locação está desprovido de garantias (caução bancária, fiança e/ou seguro de fiança locatícia – art. 37);
  3. Depositar  juizo em caução o valor de três aluguéis.

Ora, os dois primeiros requisitos até que se compreende como exigência necessária da Lei para a concessão do objeto que se pretende, qual seja o Despejo do Locatário liminarmente, pois em juízo o que se alega, deve ser provado pela parte, e assim sendo, é justo que eu comprove que este não vem cumprindo com suas obrigações contratuais, bem como não esteja o contrato devidamente caucionado de forma a não me trazer prejuízos materiais, pois do contrário perde-se o equilíbrio contratual, fator primordial para manutenção da justa e boa relação contratual.

Contudo, o terceiro requisito, “depósito judicial” de três meses de aluguel, tenho que trata-se de exigência legal eivada de vício da inconstitucionalidade e portanto, totalmente injusto, devendo ser excluído do texto da Lei, bem como, desprezado pelo Poder Judiciário na aplicação da Justiça.

Nossa afirmação não advém a toa, mas sim, após análise dedicada da matéria, com estudos de caso, legislação em vigor, doutrina e posicionamento dos tribunais.

Conforme disposto no artigo 476 do Código Civi/2002, nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. É a denominada “exceptio non adimpleti contractus” – “TEORIA DA EXCESSÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO”. Poe essa teoria, a parte contratante inadimplente não pode exigir da outra que cumpra com a sua, pois encontra-se sem a devida legitimidade contratual para tanto.  

Nessa esteira, o inciso XXXV, do artigo 5º, da CF/1988, dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ora, obrigar o Locatário a depositar em juizo o valor de três meses de aluguel, como previsto no artigo 59, da Lei 8.245/91, sem dúvida alguma o impede de requer o despejo judicial, excluindo assim, da apreciação do Poder Judiciário o direito de reaver o seu imóvel, de forma justa e imediata.

Como se não bastasse, da mesma forma é inconstitucional o referido artigo da Lei do Inquilinato, pois atinge frontalmente o inciso LXXVII, do artigo 5º, da CF/1988, que dispõe o seguinte: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (grifos nossos). Como se pode observar da leitura do referido inciso, a Constituição Federal de 1988, denominada CONSTITUIÇÃO CIDADÃ pelos seu intuito humanístico, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, (REFORMA DO JUDICIÁRIO) impôs ao Poder Judiciário a obrigação de responder às demandas dos jurisdicionados de forma mais breve e eficaz possível. Contudo, exigir do Locador o “depósito judicial” para que o juiz lhe conceda um provimento liminar, contradiz frontalmente ao mandamento constitucional acima transcrito, na medida em que, não se concederá ordem judicial para reaver o imóvel imediatamente, seguindo-se o processo pelo rito ordinário (comum), do qual as demandas judiciais eternizam-se sem uma decisão célere e eficaz.

A Jurisprudência pátria tem se manifestado da seguinte forma:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA. PEDIDO LIMINAR. CASO CONCRETO. ART. 59, § 1º, IX, LEI Nº 8.245/91. AUSÊNCIA DAS GARANTIAS DO ARTIGO 37. DESNECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. DADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70057227589, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 10/12/2013) (TJ-RS - AI: 70057227589 RS , Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Data de Julgamento: 10/12/2013, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/01/2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA. PEDIDO LIMINAR. ACOLHIMENTO. CONTRATO DESPROVIDO DE GARANTIA. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. ART. 59, § 1º, IX, LEI Nº 8.245/91. AUSÊNCIA DAS GARANTIAS DO ARTIGO 37. DESNECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. DADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70055030050, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 12/08/2013) (TJ-RS - AI: 70055030050 RS , Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Data de Julgamento: 12/08/2013, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/08/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, o rol de hipóteses de despejo liminar, previsto no art. 59, § 1º, da Lei 8.245/1991, não é taxativo, podendo o juízo, atendidos os pressupostos legais, valer-se do art. 273 do CPC para conceder a antecipação de tutela em ação de despejo. Exame do caso vertente que denota o preenchimento dos requisitos legais para concessão da medida. CAUÇÃO. DESNECESSIDADE. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70061415196, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em 30/09/2014). (TJ-RS - AI: 70061415196 RS , Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Data de Julgamento: 30/09/2014, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/10/2014)

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Conforme se depreende dos julgados acima, constata-se que de fato a obrigatoriedade de caução de três meses de aluguel pelo Locador para concessão de medida liminar de despejo, é plenamente incabível e desnecessária, quando se tratar de pedido baseado no inciso IX, do § 1º, do art. 59, da Lei 8.245/91, por ser inconstitucional, na espécie.

                     

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Fontes e Cruz

Advogado em Belém-Pa, com mais de 20 anos de experiência, atuante em diversas áreas do Direito Público e Privado, tais como, Direto de Cível, Penal, Trabalhista, Consumidor, Administrativo, Eleitoral, Sucessório, Família. Além de sócio titular do escritório Fontes Cruz Advocacia, também, é consultor jurídico da Secretaria Estadual de Turismo - SETUR/PA. Já atuou como advogado de várias empresas, atuando tanto na área contenciosa, quanto preventiva.

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