Reclamação constitucional: um estudo sobre a ausência de obrigatoriedade de interposição simultânea de recurso para o seu julgamento

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O presente artigo analisa a questão da interposição de recurso concomitantemente à propositura da reclamação constitucional, verificando se é uma obrigação ou uma faculdade, isto é, como um pressuposto para o seu processamento ou uma garantia processual.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como escopo um aprofundamento sobre o estudo da reclamação constitucional, principalmente no que tange à obrigatoriedade ou não de interposição de recurso concomitantemente à propositura da reclamação, para que esta seja apreciada pelo órgão competente, isto é, como um pressuposto de seu processamento.

Esse remédio constitucional é um tema muito controvertido no direito processual brasileiro, havendo inúmeras discrepâncias quanto a sua natureza, os seus legitimados, o seu prazo, a obrigatoriedade de interposição simultânea de recurso, entre outros, sendo que se dará preferência à análise deste último caso.

 Colhe-se da doutrina processual inúmeros aspectos favoráveis e contra tal exigência, pelo que este artigo busca chegar a uma solução a esse imbróglio, a fim de obter uma resposta adequada aos jurisdicionados.

Far-se-á, primeiramente, uma análise geral sobre o instituto da reclamação constitucional e suas principais características. Ultrapassado isto, será examinada a doutrina e o entendimento jurisprudencial que entende pela necessidade de interposição concomitante de recurso e de reclamação constitucional contra a mesma decisão. Por fim, abordar-se-á a parte da doutrina da qual nos filiamos, segundo a qual a interposição simultânea neste caso é uma mera faculdade do jurisdicionado, não se tratando de um requisito para a propositura da reclamação constitucional.

2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

                   A reclamação constitucional enquadra-se como um dos ditos procedimentos jurisdicionais constitucionalmente diferenciados, tendo como intrínseca a finalidade de assegurar a preservação da competência e soberania das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – STF – e Superior Tribunal de Justiça – STJ –, conforme o texto dos arts. 102, I, “l” e 105, I, “f”, ambos da Constituição Federal – CF. Sua regulamentação na esfera infraconstitucional está nos arts. 13 a 18 da Lei n.º 8.038/90, arts. 156 a 162 do Regimento Interno do STF – RISTF – e arts. 187 a 192 do Regimento Interno do STJ – RISTJ.

                   Denota-se que o legislador constituinte não se preocupou apenas em atribuir às decisões proferidas pelas Instâncias Máximas do Judiciário nacional a devida relevância no sistema jurídico, bem como assegurar que demandas de maior importância social fossem julgadas apenas pelos Tribunais de Vértice; mas também positivou um procedimento legal que fosse destinado unicamente a assegurar que a competência de tais instituições fosse mantida incólume e também de que a prevalência das decisões obtidas nos julgamentos daquelas Cortes fosse respeitada.

                   Com este norte, confirma-se a proeminência de tal procedimento quando sopesamos o caráter vinculante atribuído a determinadas decisões proferidas pelo STF, especialmente às Súmulas Vinculantes obtidas com observância ao rito estabelecido pelo art. 103-A da CF, conforme o exato teor do art. 7º da Lei n.º 11.417/06 e também, muito embora silente a Lei n.º 9.868/99, dos julgamentos proferidos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade e nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade, nos termos do art. 102, §2º da CF.

                   A doutrina apresenta divergência quanto à natureza jurídica deste procedimento, apontando para variados horizontes, conforme menciona o Ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento do Agravo Regimental na Reclamação n.º 14.333[1] do Distrito Federal, de sua relatoria:

É que, como se sabe, a reclamação, qualquer que seja a natureza que se lhe atribua – ação (PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (MOACYR AMARAL SANTOS, RTJ 56/546-548; ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, “O Poder Judiciário e a Nova Constituição”, p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (OROSIMBO NONATO, “apud” Cordeiro de Mello, “O Processo no Supremo Tribunal Federal”, vol. 1/280), incidente processual (MONIZ DE ARAGÃO, “A Correição Parcial”, p. 110, 1969), medida de direito processual constitucional (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”, vol. 03, 2ª parte, p. 199, item n. 653, 9ª ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (RTJ 112/518-522, Rel. Min. DJACI FALCÃO) –, configura instrumento de extração constitucional, não obstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, de um lado, e a garantia da autoridade de suas decisões, de outro (CF, art. 102, I, “l”), consoante tem enfatizado a jurisprudência desta Corte Suprema (RTJ 134/1033, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).  (BRASIL, 2015).

                   Do excerto supramencionado, salta aos olhos que é a temática é pulsante e embora não mencionado pelo Ministro, ainda há o entendimento de que a reclamação constitucional trata-se de mero direito de petição, conforme o art. 5º, inciso XXXIV da CF, ideia esta principalmente defendida por Ada Pelegrini Grinover.

                   O STF, quando julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – n.º 2.212[2], sob a Relatoria da Ministra Ellen Gracie; acolheu esta linha de raciocínio, porquanto a reclamação Constitucional não teria como objetivo discutir a causa com um terceiro, afastando de si as características de uma ação e considerando que a relação processual já teria encontrado se termo, sem viabilidade de reforma da decisão, também não poderia ser um recurso. Seu objetivo seria unicamente dar efetividade às decisões prolatadas pelas Cortes Máximas de Justiça, bem como impedir a usurpação de sua competência, mediante pleito direcionado a tais Tribunais, para o exato e integral cumprimento de suas decisões. (BRASIL, 2003).

                   Entrementes, tem prevalecido a corrente que defende a reclamação constitucional como uma ação, porquanto o seu manejo exige a demonstração não apenas dos pressupostos de validade e constituição de um processo, mas também das condições e elementos da ação, entendidas como: a legitimidade do reclamado e do reclamante; a causa de pedir advinda da desobediência de uma decisão proferida pelo STF ou STJ, bem como da invasão da competência destes Sodalícios; há uma lide a ser resolvida, culminando em atividade de verdadeira prestação jurisdicional. Não se pode descartar ainda que o provimento final deste procedimento terá o condão de gerar coisa julgada. Neste norte, encontram principais defensores Pontes de Miranda, Marcelo Navarro Dantas, Leonardo Lins Morato, Fredie Diddier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha.

                   Aliás, Diddier e Cunha[3] complementam que não detém a reclamação natureza recursal, pois recursos pressupõem sucumbência do recorrente e devem ser manejados dentro de determinado prazo, enquanto a reclamação pode ser interposta independente do resultado da lide, objetivando apenas resguardar a competência das Instâncias Máximas, não se sujeitando a qualquer prazo prescricional. Arrematam também dizendo que não pode ser considerada mero incidente processual, pois a sua interposição não altera o curso do processo, determina seu encerramento prematuro ou até mesmo sua suspensão.

                   Não se pode descartar que o STF admitiu, por ocasião do julgamento da ADI n.º 2.212, retro mencionada e da ADI n.º 2.480[4], que foi relatada pelo ora Ministro Sepúlveda Pertence, a reclamação no âmbito dos Tribunais Estaduais, a fim de assegurar a autonomia de suas decisões diante de atos dos Juízes a eles vinculados, desde que a respectiva Constituição Estadual preveja tal possibilidade, vedada sua criação por meio de Regimento Interno, inadmitindo-se sua propositura contra atos de autoridades administrativas, conforme a decisão do Agravo Regimental na reclamação n.º 2.918 do STJ, da Relatoria da Ministra Denise Arruda[5].

                   Um dos poucos pontos de convergência na doutrina sobre a reclamação é de que esta constitui medida jurisdicional, não podendo ser aceita qualquer argumentação no sentido de tratar-se de diligência administrativa, eis que não se confunde com reclamação correcional ou correição parcial.[6] Obtém-se esta conclusão ponderando que: a) a decisão tomada em sede de reclamação terá reflexos em outras decisões tomados em processos judiciais, o que não ocorre com medidas meramente administrativas; b) a reclamação tem força de coibir a desobediência, inclusive de outros Poderes; c) a decisão final obtida em sede de reclamação tem natureza cognitiva de mérito, que pode ser atada por recurso de embargos de declaração e agravo regimental, produzindo coisa julgada passível de questionamento via ação rescisória; d) não há vedação à concessão de liminares; e e) é necessária capacidade postulatória específica para a propositura da relação.[7]

                   Outra discussão que exsurge sobre a temática é da possibilidade de ser acatada como hipótese de cabimento da reclamação em sede de controle de constitucionalidade abstrato, com atenção à teoria da transcendência dos motivos determinantes, por meio do qual os efeitos vinculantes das decisões do STF não ficariam limitados aos seus dispositivos, mas estender-se-iam aos fundamentos ditos determinantes (a ratio decidendi, não ao obter dictum) do provimento jurisdicional daquele Pretório; com a ressalva do previsto no art. 469, I do Código de Processo Civil – CPC. Contudo, consultando os julgados mais recentes do STF, denota-se a rejeição de tal possibilidade. Para fins exemplificativos, citamos a excerto do voto proferido no Agravo Regimental na Reclamação n.º 4.454[8], com Relatoria do Ministro Roberto Barroso:

Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a eficácia vinculante dos acórdãos abrange apenas o objeto examinado pela Corte. Dessa forma, o que vincula os demais órgãos não é a fundamentação dos julgados, mas apenas seu dispositivo, afastando-se a chamada “teoria da transcendência dos motivos determinantes”. [...]. (BRASIL, 2015).

                   Com relação aos legitimados para propor tal ação, novamente encontra-se alguma polêmica. Analisando o art. 13 da Lei n.º 8.038/90, o art. 156 do RISTF e o art. 187, caput, do RISTJ, verificamos que tem capacidade para ser autor (ou reclamante) deste tipo de ação a parte interessada e o Ministério Público. O primeiro termo, por muito tempo foi interpretado pelo STF de modo a entender que seria parte interessada para propor uma reclamação constitucional os mesmos legitimados previstos no art. 103 da CF para o controle concentrado de constitucionalidade, sendo estes: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

                   Neste sentido, o julgamento obtido no Agravo Regimental em Reclamação n.º 486[9], relatada pelo Ministro Carlos Velloso, que se referindo a voto proferido pelo Ministro Célio Borja na Reclamação n.º 224, explica que:

Não sendo os reclamantes diretamente interessados na representação de inconstitucionalidade da lei em tese, carecem de legitimação ativa para ajuizarem reclamação, medida específica prevista no art. 156 do RISTF para “preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões”. (BRASIL, 1994).

                   Tal precedente enfrentou verdadeiro overruling, passando a vigorar o entendimento, vetorizado pelo advento da Emenda Constitucional n.º 45 que atribui efeito vinculante às decisões do STF obtidas em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade, de que parte interessada para propor a reclamação é qualquer pessoa jurídica de direito público ou privado que se sinta lesada por alguma decisão que ofenda os arestos do Excelso Pretório. Com este pensar, encontramos como paradigma o acórdão preferido no julgamento do Agravo em Reclamação n.º 2.143[10], cujo relator era o Ministro Celso de Mello e constou a seguinte argumentação:

Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. (BRASIL, 2003).   

                   De outro plano, se a causa petendi da reclamação não for guarnecer o efeito vinculante de alguma decisão proferida pelo STF, as partes interessadas legitimadas ativas para tal ação são limitadas. Nestes casos, somente aqueles que participam do processo em que a decisão usurpadora da competência ou descumpridora dos julgados dos Tribunais Superiores poderão valer-se de tal procedimento. Estão inseridos neste rol os terceiros interessados, de forma análoga àqueles da ação rescisória, previstos no art. 487, II do CPC, conforme preceitua a decisão da Reclamação 1.762[11] do STJ.

                   A legitimidade do Ministério Público, ao seu turno, é ampla; decorrendo das suas próprias funções institucionais previstas na CF. Contudo, perante o STF e o STJ, os legitimados para representar Órgão Ministerial são o Procurador-Geral da República e os Subprocuradores-Gerais da República, vedada, a priori, a atuação de Procuradores Regionais da República, Procuradores da República, Procuradores de Justiça e Promotores de Justiça. Todavia, encontramos no ementário do STF, particularmente naquele referente à Reclamação n.º 7.358[12], da relatoria da Ministra Ellen Gracie, originalmente proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, deixou-se de declarar a ilegitimidade ativa em razão da ratificação da exordial pelo Procurador Geral da República, que assumiu a iniciativa da demanda, consignando-se a possibilidade do Ministério Público Estadual propor a ação.

                   Já a legitimidade passiva para a reclamação, nos termos previsto no art. 14, I da Lei n.º 8.038/90, art. 157 do RISTF e art. 188, I do RISTJ; é da autoridade, judicial ou administrativa, a quem o reclamante imputa a prática do ato que usurpou a competência do STF ou STJ, ou que desrespeita a autoridade das suas decisões. Importante fazer a ressalva de que os membros do Poder Legislativo, por estarem imunes ao efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade[13], não podem figurar no polo passivo deste tipo de demanda.

                   Destacamos que os art. 15 da Lei n.º 8.038/90, art. 159 do RISTF e art. 189 do RISTJ possibilitam a qualquer interessado impugnar o pedido do reclamante, viabilizando que outras partes, inclusive terceiros, do processo no qual foi pratico o ato combalido, ou onde se está prestes a praticar, intervenham nos autos da reclamação, expondo suas razões.

                   A definição da figura da parte interessada em defender a decisão admoestada na reclamação é de assistente simples e não litisconsorcial, conforme explica por Bocalon[14], já que o objeto da lide em questão não constitui uma relação jurídica material do assistente, porquanto exclusivamente ligada à atividade judicial. Outrossim, haverá mera afetação da esfera jurídica do assistente, ou apenas efeito consequente, mas somente como questão fática. O autor menciona que este é o posicionamento de Tereza Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, e José Miguel Garcia Medina. Em sentido oposto, encontramos Leonardo Lins Morato e também Cassio Scarpinella Bueno que entendem tratar-se de assistência litisconsorcial.

                   A petição inicial da reclamação, que deverá ser escrita e poderá ser protocolada por meio eletrônico, deverá ser dirigida ao Presidente do STF ou do STJ, dependendo do caso e deverá estar instruída por documentos capazes de comprovar a assertiva do reclamante, sendo imprescindível a representação por advogado, salvo nos casos em que a ação for promovida pelo Ministério Público. Depois de autuada, será distribuída ao Relator do feito principal, isto é, do processo que ensejou a reclamação, regra esta que vem sendo mitigada nos casos em que o objeto é afronta das decisões proferidas no controle concentrado de constitucionalidade.

                   O órgão competente pelo julgamento dependerá da situação que motivou a interposição da reclamação. No STF, será incumbência do Plenário o julgamento da reclamação quando esta tiver propósito de preservar a competência originária daquela Corte ou no atinente à garantia da autoridade de suas decisões; não sendo estas as hipóteses, a competência será da respectiva Turma. Já no STJ, as reclamações nas primeiras hipóteses, serão apreciadas pela Corte Especial e nos outros casos pelas Seções ou Turmas que as compõe.

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                   O Relator, a fim de assegurar o direito de defesa, requisitará ao reclamado informações sobre as assertivas do reclamante, que deverão ser apresentadas no prazo de 10 dias. No mesmo plano, com atenção à dicção do art. 14, II da Lei n.º 8.038/90, art. 158 do RISTF e art. 188, II do RISTJ, caberá ao Relator determinar a suspensão do processo do qual advém o ato questionado, ou do próprio o ato objurgado, para evitar dano irreparável. Se o reclamante não for o Ministério Público, depois de cumpridas estas formalidades, deverá ser colhido o seu parecer e assim, o processo está pronto para julgamento.

                   Destarte, no caso de procedência do pedido inicial da reclamação, o STF ou o STJ cassarão a decisão na medida em que esta contrastar com o seu julgado ou determinará a adequação do ato impugnado para que sua competência seja preservada, ex vi no art. 17 da Lei n.º 8.038/90 e art. 191 do RISTJ.

                   De outro turno, o art. 161 do RISTF, prevê para o caso de procedência da reclamação as seguintes hipóteses: avocação do conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência; ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto; ou cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição. O parágrafo único deste dispositivo, além disso, possibilita que o relator julgue a reclamação monocraticamente a reclamação, quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal. Esta última medida é semelhante àquela prevista no art. 557 do CPC.

                   O cumprimento desta decisão será imediato, sendo prescindível até mesmo a lavratura do acórdão. Porém, este tipo de situação deve ficar restrita aos casos de urgência. O cumprimento será determinado pelo Presidente de STF ou da respectiva Turma Julgadora ou o Presidente do STJ. Aqui se desvela uma questão delicada, atinente ao fato de o reclamado, malgrado a determinação advinda das Instâncias Superiores, não praticar o ato que lhe foi determinado, porquanto aqui haveria verdadeiro conflito entre os poderes e atribuições dos órgãos do judiciário. Contudo, não há impedimento da utilização das medidas previstas no §5º do art. 461 do CPC, afim de implementar de forma concreta a decisão proferida nos autos da reclamação; o que não impediria a apuração, desde que respeitada todas as garantias constitucionais, da responsabilidade pessoal, civil, administrativa e penal do infrator, conforme o art. 64-B da Lei n.º 9.784/99, inserido pela Lei n.º 11.417/06.

                   Convém ainda observar que serão cabíveis os seguintes recursos da decisão que julga reclamação: embargos de declaração, nos termos do art. 535 do CPC; se deslindado por decisão monocrática, agravo interno, nos termos do art. 161 do RISTF; e, nos casos julgados pelo STJ e se preenchidos os requisitos do art. 102, III da CF, Recurso Extraordinário.

Por fim, com o advento do Novo Código de Processo Civil, Lei n° 13.105/2015, a reclamação constitucional veio a ser positivada no direito processual civil brasileiro. O art. 988 dispõe sobre as hipóteses de cabimento, quais sejam: a) preservar a competência do tribunal (inciso I); b) garantir a autoridade das decisões do tribunal (inciso II); c) garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (inciso III); e d) garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência (inciso IV).

Nota-se, assim, a inclusão de novas hipóteses de cabimento da reclamação constitucional, bem como a sua ampliação vista do prisma do direito processual, tendo em vista que confere competência aos Tribunais para além dos casos de controle concentrado de constitucionalidade, mormente pelo advento do sistema de respeito a precedentes instituído pela novel legislação processual, conforme a dicção do art. 927 deste diploma legal.

Nesse ponto, destaca-se a implementação da Súmula 734[15], do Supremo Tribunal Federal, cuja redação foi adaptada à temática atual do direito processual e da novas hipóteses de reclamação constitucional, conforme se observa do §5º[16] do art. 988, do Novo CPC, a qual se tratará mais adiante.

3. DA NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO CONCOMITANTE DE RECURSO E DE RECLAMAÇÃO CONTRA A MESMA DECISÃO

                   Há estudiosos do Direito que entendem pela imprescindibilidade da interposição do recurso cabível e de reclamação em desfavor de uma mesma decisão, no intuito de impedir seu trânsito em julgado, fato que tornaria impossível a interposição desta última ação.

                   Incialmente, Bocalon[17], mencionado o Leonardo Lins Morato, aponta que não subsiste qualquer argumentação de que sempre que cabível um recurso não poderia ser manejada uma reclamação, pois esta afirmação seria o mesmo que elevá-la à natureza jurídica de um reclamo, fazendo incidir o princípio da unirrecorribilidade. 

                   Importante deixar claro, ademais, que não há qualquer impedimento legal para que a parte reclamante adote os dois procedimentos, eis que o art. 7º[18] da Lei n.º 11.417/06 previu expressamente que o ato, administrativo ou judicial, que contrariar súmula vinculante pode ser atacado por reclamação, sem qualquer prejuízo dos recursos cabíveis à espécie.     

                   Por isto, o entendimento sobre a indispensabilidade da interposição do reclamo cabível, dependendo do caso, é obtido quando consideramos que a reclamação, que ostenta natureza jurídica de ação, tem requisitos, legitimação e causa de pedir manifestamente diversa de um recurso, inexistindo possibilidade de um fazer as vezes de outro. É incontestável que a reclamação poderá unicamente ser proposta em face do ato que desafia a autoridade das decisões do STF ou STJ, bem como daquele que lhes usurpa competências originárias, a fim de averiguar a existência desta mácula, com determinação de que a mesma seja sanada, sem que a cognição neste tipo de procedimento poda ultrapassar estes limites, para apreciar eventual error in procedendo ou judicando do reclamado, que poderia motivar anulação ou reforma do provimento jurisdicional. Para obter êxito nestas empreitadas, será necessário que seja interposto o competente recurso em face da decisão, devolvendo ao Tribunal competente a apreciação da matéria.

                   Neste ponto, é assente a jurisprudência nos Tribunais de Vértice, conforme podemos observar do julgamento da Reclamação n.º 19.838[19] do STJ, relatada pelo Ministro Gurgel De Faria:

Assim, exatamente por não ter natureza jurídica de recurso, não se aplica à reclamação o óbice relativo ao princípio da unirrecorribilidade.  Da mesma forma, considerando-se que a reclamação não interrompe o prazo recursal, não há como  impedir a interposição concomitante de recurso para essa finalidade.

[...]

Note-se, ainda, que o art. 7º da Lei 11.417⁄2006, que trata das súmulas vinculantes do STF, dispõe que a utilização da reclamação não prejudica a interposição de recursos ou outros meios de impugnação, o que confirma a possibilidade de essas espécies de irresignação existirem simultaneamente.  

                   Além disso, conforme já mencionado alhures, a reclamação não terá o condão de automaticamente interromper (tampouco suspender) o prazo para o manejo do recurso cabível, sendo que há evidente risco de sobrevir o trânsito em julgado da decisão judicial, o que impediria que a ação fosse deflagrada, considerando o enunciado da súmula n.º 734 do STF, o qual prevê expressamente que “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.”. Inclusive, tal enunciado foi recepcionado pelo NCPC, no §5º do art. 988: “É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão”.

De fato, o advento do trânsito em julgado da decisão que motivaria o aforamento da reclamação também importaria na perda de interesse no julgamento do mérito deste procedimento perante o STF ou STJ, considerando que malgrado o reclamante ter uma decisão favorável ao seu pleito, não teria força para alterar o provimento judicial já coberto pelo manto da coisa julgada, impondo-lhe, assim, adotar a via da ação rescisória para acoimar tal decisum, já que todas as hipóteses de cabimento da reclamação poderiam amparar este procedimento.

                   Deste modo, não poderia a reclamatória ser utilizada como um sucedâneo para a ação rescisória. Este é o entendimento que dá o tom no STF para casos semelhantes, bem como que amparou a edição da súmula acima mencionada. Corroborando, colacionamos trecho do Agravo Regimental na Reclamação n.º 20.061[20] do STF, de relatório do Ministro Luiz Fux:

Com efeito, o trânsito em julgado da decisão reclamada atrai a incidência do óbice da Súmula 734 desta Corte, assim redigida: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Em que pesem os argumentos expendidos nas razões do presente recurso, esta Corte já firmou entendimento de que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo processual da ação rescisória, bem como de nenhum recurso.

                  

                    Portanto, segundo esta corrente, considerando que a reclamação não poderá ultrapassar os limites de questionar a usurpação da competência ou o desrespeito às decisões do STF ou STJ, não poderá impedir o trânsito em julgado da decisão acoimada; impondo que o reclamante interponha concomitantemente o recurso cabível, pois sobrevindo a preclusão do direito de recorrer, não poderá ser interposta a reclamação, pela força da Súmula n.º 734 do STF e da impossibilidade desta ser utilizada como sucedâneo da ação rescisória.

4. A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO SIMULTÂNEO À RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO MERA FACULDADE

Ultrapassada a exposição dos fundamentos da corrente anterior, passamos a demonstrar nossa opinião quanto ao tema, no sentido de que a interposição de recurso e reclamação constitucional trata-se de uma mera faculdade do jurisdicionado, e não de uma obrigação.

Primeiramente, é de salutar importância destacar que neste tópico não se pretende desmistificar a natureza jurídica da reclamação constitucional, a qual preponderantemente é reconhecida como uma ação, sendo que até pela sua própria disposição no Novo CPC é possível verificar essa condição.

Reconhece-se que a natureza jurídica da reclamação constitucional é de ação, na qual, após autuação e distribuição, haverá intimação do reclamado para prestar suas informações (garantia da ampla defesa e do contraditório), manifestação do Ministério Público (quando não for parte no processo) e, por fim, será proferida decisão de procedência/improcedência dos pedidos, que tem força de gerar coisa julgada. Além disso, pelo fato de que há provocação da jurisdição, há um pedido de tutela jurisdicional, contém uma lide, assim como possui partes, pedido e causa de pedir[21].

Entretanto, não se pode afirmar que a reclamação é uma ação puramente autônoma e independente, afinal de contas ela sempre será proposta com o escopo de cassar uma decisão visando: preservar a competência do tribunal; garantir a autoridade das decisões do tribunal; garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; ou garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

Em que pese a reclamação ter natureza jurídica de ação autônoma e independente, ela é compreendida também como um processo incidente (não um incidente processual), uma vez que se trata de um processo novo, que dispõe uma nova relação processual e que é proposto em razão de outra demanda já pré-existente e designado “a exercer alguma influência sobre ele”[22].

Segundo Dantas[23], a concepção de ação incidente é diferente do conceito de incidente processual. Este último faz parte do procedimento de uma determinada ação, sendo uma questão interna (como um embargos à execução), enquanto o processo incidente é aquele tem vida própria, isto é, embora seja um processo acessório, não é incidente ao processo principal (como no caso de uma ação cautelar).

E, ainda, completa:

[...] Ainda que no procedimento de algumas ações possa haver a fixação de certos marcos a respeito da possível interposição de uma ação incidental (como o faz o rito da execução, que só admite os embargos respectivos após seguro o juízo), o procedimento das ações, incidentemente às quais é possível promover outras, não controla, por suas normas, pelo menos não completamente, o desenvolvimento destas.[24]

Desse modo, a reclamação constitucional, além de ser incidente somente poderá ser interposta em momento posterior ao ajuizamento de outra ação já julgada, visando uma tutela jurisdicional, em conformidade com suas hipóteses de cabimento[25].

Admite-se que nem sempre a reclamação constitucional é uma ação incidente à outra, como muito bem aponta Cunha[26] no caso em que um órgão administrativo descumpre uma decisão do Tribunal Superior, de modo que não haverá um “prévio processo judicial”. Entretanto, essa hipótese não se enquadra no presente artigo, porquanto está sendo abordada a questão da necessidade de interposição de recurso junto com a reclamação, para que esta seja processada, de modo que sempre haverá, nesse caso, um processo prévio, do qual a reclamação é incidente.

Na verdade, o que se pretende demonstrar e discutir aqui é que esse remédio constitucional – que, apesar de não ser recente, possui muitas lacunas e perguntas não respondidas – não obriga a interposição concomitante de recurso para que aquele seja apreciado, isto é, caso uma sentença viole uma súmula vinculante editada pelo STF, a parte não está obrigada a interpor recurso de apelação juntamente com a reclamação constitucional, para que essa seja processada e julgada.

Há motivos para se chegar à essa conclusão. É cediço que a reclamação constitucional é inadmissível se proposta após o trânsito em julgado da decisão, conforme preceitua o §5º do art. 988 do NCPC e a Súmula 734, do STF.

Aliás, é principalmente nesse ponto que a doutrina favorável à obrigatoriedade da interposição de recurso baseia seu posicionamento, como visto anteriormente, uma vez que a reclamação, por ter natureza jurídica de ação, não teria o condão de suspender aquela decisão, a qual viria a transitar em julgado, mesmo que a reclamação seja interposta dentro do seu prazo (para interposição de recurso).

Esclarece-se, nesse aspecto, que não se está aqui acolhendo a tese de que cabe reclamação constitucional após o transito em julgado da decisão que se enquadre em uma das hipóteses de cabimento desta. Muito pelo contrário, concordamos que somente é cabível esse remédio, quando a decisão reclamada não tiver ainda transitado em julgado.

Desse modo, caso a reclamação seja proposta dentro do prazo de interposição do respectivo recurso não incide o artigo supracitado (caso não opte por interpor recurso também, oportunidade em que o prazo da reclamatória será maior), motivo pelo qual não é possível se falar em inadmissibilidade da reclamação, a qual terá cumprido tal requisito, até porque, como visto acima, sua natureza é de ação incidente, pelo qual seu objeto é exatamente aquela decisão atacada e, se proposta dentro do prazo, não haverá o que se falar em transito em julgado.

À vista disso, eventual interposição de embargos de declaração em face da decisão reclamada igualmente interromperá o prazo para propositura da reclamação, tal qual o respectivo recurso.

Da leitura do §6º também do art. 988, verifica-se a seguinte regulamentação criada pelo legislador: “A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação”.

A análise da norma jurídica contida no §6º acima citado, demonstra dois aspectos muito importantes para a posição aqui defendida. O primeiro é que somente prevê uma situação de inadmissibilidade ou de julgamento do recurso interposto contra a decisão objeto da reclamação constitucional, porém em nenhum momento se pode inferir qualquer obrigatoriedade quanto à sua interposição.

Nesse ponto, reside outra informação valiosa para o entendimento ora explanado. O art. 7°, da Lei n° 11.417/2006, já visto acima, limita-se a dispor que o ingresso da reclamação não impede a interposição de recurso ou outros meios admissíveis de impugnação, mas em nenhum momento aborda qualquer obrigatoriedade do remédio constitucional em relação ao pedido recursal de reforma da decisão.

Além disso, colhe-se da sua redação que, interposto o recurso em face da decisão atacada simultaneamente à propositura da reclamação constitucional, eventual inadmissibilidade ou julgamento do recurso não prejudicará a reclamação. Nesse ponto é reside um fundamento imprescindível para legitimar a presente tese.

O juízo de admissibilidade é aquele que “declara a aptidão do recurso para ser analisado”, ao passo que o juízo de mérito é “a verificação da matéria de fundo, ou seja, a existência ou não de fundamento acerca daquilo que se postula”[27].

Miranda de Oliveira, por sua vez, estabelece que o juízo de admissibilidade é aquele feito em um primeiro momento pelo Poder Judiciário, o qual “julga se o recurso é admissível ou não, ou seja, decide se conhece ou não o recurso; no segundo, decide se concede ou nega o provimento”[28].

Segundo o doutrinador Araken de Assis[29]:

Admissível que seja o recurso, em virtude do estrito cumprimento das condições de admissibilidade, diz-se que ele é conhecido; inadmissível, ele é não conhecido ou a ele se nega seguimento. Na primeira hipótese, porém, nada assegura que a impugnação seja efetivamente provida. E isso porque o acolhimento ou não das alegações do recorrente, a tarefa de apurar a existência ou a inexistência de fundamento para o ato postulatório, constitui etapa ulterior no itinerário mental do órgão judiciário, designada de juízo de mérito. Tratando-se de uma etapa posterior e diferente, a possibilidade de realizá-la não se encontra subordinada ao juízo positivo de admissibilidade, mas ao negativo: inadmissível o recurso, o órgão judiciário não pode, nem deve examinar-lhe o mérito. Em síntese, as condições de admissibilidade – o art. 500, parágrafo único, designa desse modo tais requisitos – funcionam como questões preliminares, pois o teor da resolução tomada a seu respeito de modo algum predetermina o provimento ou o desprovimento.

Dessa análise, pode-se afirmar que o legislador buscou determinar a seguinte situação: interposto recurso contra a decisão reclamada considerado inadmissível ou julgado significa dizer que a decisão atacada transitou em julgado, isto é, já foi superada essa questão no processo originário, porém isso não implicará na análise e no julgamento do processo reclamatório, o qual terá o seu prosseguimento normalmente até seus ulteriores termos.

Infere-se que o legislador foi bem claro ao prever essa hipótese em relação tanto à inadmissibilidade do recurso quanto ao seu julgamento, sendo que, neste último caso, necessariamente o julgamento do recurso foi desfavorável ao reclamante, ou seja, foi negado provimento ao pleito recursal, seja em todo ou em parte (no ponto que aborda também a matéria objeto da reclamação).

Apesar dessa breve ressalva quanto à questão do julgamento do recurso, acreditamos que a hipótese mais evidente que demonstra a tese aqui defendida é o fato de que se o recurso é inadmitido, isso não obsta o julgamento da reclamação constitucional.

Desse modo, levando-se em consideração que o recurso declarado como inadmissível e transitado em julgado não prejudica a análise e o julgamento da reclamação, por qual motivo então se compreende que a interposição de recurso junto com a reclamação constitucional é indispensável? Este é o primeiro ponto de ponderação.

Se é possível a análise e o julgamento da reclamação, ainda que tenha transitado em julgado a decisão reclamada, também se pode considerar como válido o entendimento de que a reclamação prescinde da interposição de recurso para ser apreciada.

Aliás, nem adentraremos no argumento do momento que se considera o trânsito em julgado da decisão que inadmitiu o recurso, como no caso do recurso intempestivo, porquanto isso não importa para na presente temática – até porque o processo estará transitado em julgado de qualquer jeito, mas sim demonstrar que a inadmissão, tal como a ausência de interposição de recurso, não atingem o regular processamento da ação reclamatória.

Ressalta-se, neste caso, que entendemos que a reclamação constitucional deve ser proposta dentro do prazo de interposição do respectivo recurso contra a decisão vergastada, isto é, se for uma sentença, o prazo para ingresso da reclamação é o mesmo da apelação cível, qual seja 15 (quinze) dias após a publicação, sob pena de a decisão transitar em julgado e ser indeferido o remédio constitucional, sem apreciação do mérito.

Não obstante, esclarece-se que esse posicionamento não está deslegitimando a interposição de recurso, até porque se trata de uma estratégia processual de cada parte e de seus respectivos causídicos, pois pode ocorrer da reclamação constitucional ser julgada improcedente e, caso a parte não tenha interposto recurso, somente poderá rever aquele entendimento proferido na decisão atacada caso tenha sido deferido pedido de tutela cautelar liminar, para fins de suspensão daquela ação até o trânsito em julgado da reclamação constitucional, o que é muito arriscado.

Ainda assim, ultrapassada essa questão, outro aspecto que pode ser entendido como favorável à dispensabilidade dessa propositura em conjunto é o fato de que, se julgada procedente a reclamação, “o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia”, conforme dispõe o art. 992, do Novo CPC.

Colhe-se dos ensinamentos de Veiga[30] a decisão proferida na reclamação “não ocupa o lugar do ato impugnado, pois não é proferida para substituí-lo”. Tem-se, então, que esse remédio constitucional “cassa ou anula o ato violador da competência e das decisões do STF ou do STJ, bem como da súmula vinculante”.

Desse modo não há reforma da decisão atacada por aquela proferida na reclamação constitucional, mas sim esta “determina ao órgão judicante inferior que profira nova decisão, sem os vícios da primeira decisão, que fora cassada”[31].

Para Veiga[32], não é possível a substituição da decisão por aquela proferida na reclamação constitucional, ante o seu “caráter pedagógico”, uma vez que tem o condão de cassar a decisão reclamada e determinar, por conseguinte, a prolação de nova decisão “sem os vícios da decisão cassada”.

Nesse caso, tem-se que ao ser cassada ou determinada medida adequada em face da decisão reclamada será proferida nova decisão em conformidade com a decisão proferida em sede de reclamação constitucional. Considerando que em ambos os casos a decisão atacada terá sido anulada; não conferindo, portanto, efeitos naquele processo.

Assim, não se mostra verossímil que uma decisão objeto de reclamação constitucional, proposta dentro do prazo legal do respectivo recurso, e posteriormente anulada/cassada venha a ser considerada transitada em julgado simplesmente porque a parte reclamante não interpôs o recurso cabível juntamente com a reclamação.

Se o principal aspecto da reclamação constitucional é justamente determinar que o juiz violador profira nova decisão ou que esta seja realizada pelo órgão competente, em conformidade com o que fora julgado no procedimento reclamatório, não tem como aquela decisão transitar em julgado, até porque, ao ser anulada, automaticamente o processo voltará ao estágio anterior ao seu veredicto, como se fosse inexistente.

Verifica-se, diante disso, que, ainda que a parte reclamante não interponha recurso simultâneo à propositura da reclamação, isso não terá o condão de transitar em julgado a decisão e, por conseguinte, ensejar o indeferimento do remédio constitucional, uma vez que a decisão reclamada será anulada e o magistrado ou tribunal terá que proferir nova decisão, a qual passará então a ser válida.

Nada obstante, ainda que se considere que o processo originário transitou em julgado durante o curso do feito reclamatório, isso nada afetará no processamento e julgamento da reclamação constitucional, tendo em vista que, conforme exposto alhures, o §6º do art. 988 do NCPC será aplicável, mutatis mutandis, ao caso. Compreende-se inclusive a desnecessidade de ingresso com ação rescisória para rescindir o julgado atacado (por ofensa à coisa julgada), porquanto a norma jurídica em questão não adentra nessa possibilidade, pelo que se pode considerar que a reclamação constitucional terá o condão de determinar por si só a adequação da decisão reclamada, independente do seu transito em julgado.

Por fim, mas não menos importante, com o avanço do processo civil brasileiro tem-se buscado cada vez mais uma prestação jurisdicional mais eficaz ao jurisdicionados, assim como um processo mais rápido, conforme se observa do princípio da duração razoável do processo; sem, contudo, que isso signifique uma diminuição da atenção concedida às garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa e do contraditório.

A ideia de obrigatoriedade de interposição de recurso e de propositura da reclamação constitucional atentaria diretamente contra os avanços e os almejos do direito processual brasileiro, na medida em que ofenderia o princípio da economia processual, em que há um empenho cada vez maior do Poder Judiciário e dos próprios operadores de Direito no sentido de buscar afastar qualquer desperdício na condução dos processos, assim como nos atos processuais, no trabalho dos litigantes e do judiciário, no tempo e demais despesas.

Por exemplo, enquanto tramita um recurso de apelação no TJSC, ao mesmo tempo corre uma reclamação no STF, em ambos os casos contra uma decisão que violou súmula vinculante. Nesse ínterim, o TJSC nega provimento ao recurso e posteriormente o STF julga procedente a reclamação ou, por outro lado, o TJSC dá provimento ao recurso e aplica a súmula vinculante, o que precisa ser informado no STF e este irá proferir sentença de extinção do processo, sem julgamento do mérito, por perda superveniente do objeto.

Deduz-se, então, não ser razoável que tenha se implementado no direito processual brasileiro duas medidas cabíveis contra a mesma decisão que, apesar de possuírem natureza e objetivo distintos, conferirá trabalho em dobro ao Poder Judiciário, principalmente ao se levar em consideração o fato de que a reclamação é uma ação, com todos os procedimentos processuais como qualquer uma, citação, despacho, etc.

5. CONCLUSÃO

Pelo presente artigo verificou-se as grandes lacunas deixadas pela reclamação constitucional aos operadores de Direito, porquanto há muitas perguntas não respondidas em relação aos seus procedimentos. Isso levando em conta que sequer se adentrou profundamente em todas essas questões, caso contrário seria impossível neste breve ensaio resolver todos esses problemas.

Discorreu-se sobre os principais aspectos da reclamação constitucional, abordando mais detalhadamente sobre a questão da obrigatoriedade ou faculdade de interposição de recurso concomitantemente à propositura da reclamação constitucional como um requisito de admissibilidade desta.

Após toda a análise, constatou-se que a interposição de recurso e a propositura da reclamação constitucional simultaneamente são uma mera faculdade dos jurisdicionados, de modo que, se interposta dentro do prazo recursal, não incidirá a regra prevista na Súmula 734 e no §5º do art. 988 do Novo CPC.

Isso se dá pelo fato do caráter incidental da ação de reclamação constitucional, diante da necessidade de haver um processo em trâmite, porquanto seu objeto será a cassação da decisão reclamada ou determinação de medida adequada à solução da controvérsia, referindo-se necessariamente ao processo anterior.

Ainda assim, o §6º do art. 988 do NCPC deixa bem claro o fato de que a reclamação constitucional será apreciada, ainda que o recurso interposto contra a decisão reclamada tenha sido inadmitido ou até mesmo julgado. Esse é o ponto chave para demonstrar a ausência de obrigatoriedade, aqui defendida.

Tem-se, também, a questão de que, ao anular/cassar a sentença ou determinar medida adequada à solução da controvérsia, não é possível considerar que aquela decisão tenha transitado em julgado durante o processamento da reclamação, porquanto em ambos os casos não será apenas reformada, e sim tornada inexistente e ineficaz, proferindo-se uma nova decisão em adequação ao que fora decidido na reclamação.

É de salutar importância mencionar a questão do princípio da economia processual e que tal obrigatoriedade iria contra todo o sistema que vem sendo implementado em nosso direito processual civil, principalmente com o advento do Novo CPC.

Esclarece-se, por fim, que, em que pese o presente artigo compreenda pela desnecessidade de interposição de recurso juntamente com a propositura da reclamação, isso não significa dizer que o jurisdicionado não deverá fazê-lo. Isso porque, se julgada improcedente a reclamação e a parte reclamante não tenha interposto recurso, somente será possível rever aquele entendimento proferido na decisão atacada caso tenha sido deferido pedido liminar de suspensão daquela ação até o transito em julgado da reclamação constitucional.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre os autores
Felipe Rudi Parize

Advogado, inscrito na OAB/SC 32.341, graduado no curso de Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), em 2011. Especialista em Processo Civil, em 2013 e em Direito e Processo do Trabalho, em 2018, pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC). Secretário Geral da Comissão Estadual do Jovem Advogado da OAB/SC na gestão 2013/2015.

Camila Matos

Assessora da Presidência do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. Mestranda em Direito de Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Especialista em Direito Processual Civil, com ênfase no Novo CPC, e Graduada em Direito pela CESUSC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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