5.PROTESTO E AÇÃO POR FALTA DE PAGAMENTO
5.1.Protesto
O protesto é, essencialmente, meio probatório de apresentação e de falta de pagamento. Ele não cria direitos e nem gera obrigações, apenas documenta de forma pública direitos já constituídos, prova a mora do devedor principal e assegura a responsabilidade dos coobrigados.
O protesto é extrajudicial, formal e não interrompe a prescrição. Faz-se perante oficial público, na forma prevista no art. 48, §§ e alíneas da Lei 7.357/85.
O sujeito ativo para pleitear o protesto é aquele que está na posse legítima do título no momento da apresentação para pagamento.
O protesto é facultativo. Na sua falta, a dívida subsiste para o devedor principal e seus avalistas, porque sua função quanto a estes, se restringe a provar a mora. Entretanto, para assegurar o direito de ação contra os endossantes e seus avalistas o portador deverá comprovar a recusa do pagamento através do protesto do título, se não houver declaração do sacado ou da câmara de compensação, escrita e datada sobre o cheque, com a indicação do dia de apresentação (art. 47, I, II, Lei 7.357/85).
O emitente, o endossante e o avalista, podem dispensar o portador do protesto para a ação de execução mediante cláusula sem despesa, sem protesto, ou outra equivalente, lançada e assinada no título. Entretanto, esta cláusula não dispensará a apresentação do cheque pelo portador nos prazos referidos pela Lei 7.357, art. 33, nem dos avisos de falta de pagamento ao endossante e emitente (art. 50, caput e §1º, Lei 7.357/85).
Quando aposta pelo emitente, a cláusula acima referida produz efeito em relação a todos os coobrigados do título, pois, os endossantes e os avalistas, ao lançar a assinatura no título já estarão sabendo da dispensa do protesto. Quando, porém, a cláusula for aposta por um endossante ou um avalista (inclusive avalista do emitente) a cláusula só produz efeito em relação a esse (art. 50, §2º, Lei do Cheque). Neste caso, Fran Martins lembra que, "se o título não for protestado, o portador só terá direito de ação contra aquele que lançou a cláusula, perdendo-o em relação aos demais."
Conforme regra do art. 48 da Lei 7.357/85, o protesto ou as declarações do sacado ou da câmara de compensação devem fazer-se no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação. Caso a apresentação ocorra no último dia do prazo, o protesto ou as declarações poderão ser feitas no primeiro dia útil seguinte. Na inobservância desta regra, o protesto poderá ser impedido por Ação Cautelar de Sustação de Protesto.
No mesmo sentido, é a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
"SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CHEQUE. PRAZO PARA O APONTE DO TÍTULO. O prazo de apresentação para o protesto de cheque é de 30 dias, forte o artigo 48 da Lei 7.357/85. Ultrapassado esse prazo, o protesto, ainda que facultativo, torna-se abusivo, em face da nefasta eficácia sócio-econômica do aponte. Precedentes jurisprudenciais do extinto Tribunal de Alçada. O fato de o ofício de Protestos estar fechado no momento do recebimento da ação cautelar pelo juiz não é óbice a concessão da liminar, quando a demanda foi oportunamente ajuizada. Basta a sustação dos efeitos do protesto já indevidamente efetivado. Mantida a decisão liminar". (TJRGS, AGI nº 70000008334, 1ª Câm. Férias Cível, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 18/11/1999).
Se o cheque for pago após o protesto, este pode ser cancelado a pedido de qualquer interessado que comprove a quitação conforme previsão do § 4º do art. 48 da Lei do Cheque.
Protestado o título, ou feitas as declarações previstas no art. 47, II da Lei do Cheque, o portador deve dar ciência da falta de pagamento ao seu endossante e ao emitente, dentro dos quatro dias úteis seguintes. Havendo a cláusula sem despesa ou equivalente, o prazo conta-se a partir da apresentação. (art. 49, caput, Lei 7.357/85)
Quanto ao aviso que deve ser dado ao sacador ou emitente, Fran Martins entende que tal é desnecessário, pois, para o doutrinador, o emitente já teria tomado ciência do não pagamento, quando notificado pelo oficial do protesto. E, por final, conclui: "o portador que não avisar ao emitente do protesto, não ficará sujeito à nenhuma penalidade."
O aviso pode ser dado por qualquer forma (art. 49, §4º, Lei do Cheque), inclusive por carta, quando o prazo contará da postagem no correio (art. 49, §5º, Lei 7.357/85). Cada endossante que receber o aviso, deve, nos dois dias úteis seguintes comunicar o seu teor ao endossante precedente, indicando os nomes e endereços dos que deram os avisos anteriores, e assim por diante, até o emitente, contando-se os prazos do recebimento do aviso precedente. (art. 49, §1º, da Lei do Cheque).
O aviso dado a um obrigado deve estender-se, no mesmo prazo a seu avalista (art. 49, §2º, Lei 7.357/85).
Aquele que estiver obrigado a dar aviso deverá provar que o fez no prazo estipulado (art. 49, §5º, Lei 7.357/85). Entretanto, se deixar de dar o aviso no prazo estabelecido, não decairá do direito de regresso, apenas responderá pelo dano causado por sua negligência, sem que a indenização exceda o valor do cheque (art. 49, §6º, Lei do Cheque).
5.2.Ação por falta de pagamento
Na hipótese do não pagamento do cheque pelo sacado, tem o portador direito a propor ação de execução para haver a importância declarada no título. A ação do cheque é executiva por força do disposto no art. 585, I, do Código de Processo Civil.
"Todos os obrigados respondem solidariamente para com o portador do cheque" (art. 51, caput, Lei 7.357/85). O portador tem o direito de demandá-los, individual ou coletivamente, independente da ordem em que se obrigaram. Direito igualmente concedido ao obrigado que pagar o cheque (art. 51, §1º, Lei 7.357/85).
O portador pode promover a execução do cheque contra o emitente e seus avalistas, independente de ter apresentado ou protestado o título; ou contra os endossantes e seus avalistas, quando dependerá da apresentação tempestiva e de comprovação do protesto ou declarações feitas pelo sacado ou por câmara de compensação (art. 47, I e II, Lei 7.357/85).
Embora sejam facultativos para acionar o emitente, o protesto e a apresentação tempestiva tornam-se muito importantes pela ressalva feita pelo art. 47, §3º, da atual lei, pois, se o portador deixou de tomar qualquer destas precauções, e a provisão deixou de existir, sem ser por fato imputável ao sacador, perderá aquele o direito de execução contra o emitente. Neste caso, quanto ao ônus da prova, Pontes de Miranda lembra que, a existência da provisão ao tempo em que devia ser apresentado o cheque, deve ser provada pelo sacador; e a prova da culpa do emitente, quanto ao desaparecimento, ou a insuficiência, incumbe ao portador.
Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação de execução do portador contra o sacador ou contra os demais coobrigados (art. 59, Lei 7.357/85).
Conforme regra do art. 52 da Lei do Cheque, o portador poderá exigir do demandado a importância do cheque, mais juros legais desde o dia da apresentação, despesas que tenha despendido e correção monetária.
A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque, caso o pagamento tenha sido feito extrajudicialmente, ou, se judicialmente, do dia em que o pagante foi demandado (art. 59, parágrafo único, Lei do Cheque).
Othon Sidou conceitua a Ação Regressiva como sendo "a ação baseada no direito de retorno ou de regresso, pelo qual aquele que satisfaz obrigação de outrem ou obrigação comum em que outros participem, pode exigir das pessoas anteriormente obrigadas ou dos consortes na obrigação, o ressarcimento que lhe couber."
Quem paga o cheque pode exigir de seus garantes a importância integral que pagou, corrigida monetariamente e acrescida das despesas que gastou, mais juros legais a contar do dia do pagamento (art. 53, I, II, III e IV, Lei 7.357/85)
O obrigado contra o qual se promova a execução, pode exigir, quando efetuar o pagamento, a entrega do cheque, com o instrumento de protesto ou declaração equivalente e a conta de juros e despesas quitada (art. 54, Lei 7.357/85).
Não cabe a ação executiva contra o sacado, porque, como ensina Othon Sidou, ele "não integra a relação cambiária", e assim "não contrai qualquer obrigação com o detentor do cheque."
Quanto ao lugar da execução, Waldírio Bulgarelli cita o art. 576 do CPC, que estatui a regra da execução no lugar onde a obrigação deve ser satisfeita, ou seja, o local do pagamento. Desta forma, reportando-se às regras quanto ao lugar do pagamento, antes referidas (art. 1º, IV, e art. 2º, I e II), tem-se a seguinte ordem: 1º) o lugar designado junto ao nome do sacado; 2) se designados vários lugares, o primeiro deles; 3º) não existindo qualquer indicação, o lugar de sua emissão, e 4º) não existindo este último, o lugar indicado junto ao nome do emitente.
Prescrita a ação executiva, o portador do cheque sem fundos, poderá, nos 2 (dois) anos seguintes, promover a ação de enriquecimento indevido contra o emitente, endossantes e avalistas (LC, 61). Poderá, também, agir contra o sacador ou endossantes mediante ação ordinária de cobrança, cujo prazo prescricional é de 20 anos, contados do momento em que tal ação pode ser proposta, ou seja, do término do prazo prescricional da ação executiva. Ou ainda, se preferir, poderá ajuizar Ação Monitória, utilizando-se do cheque prescrito como "prova escrita", o que tem sido largamente admitido pela jurisprudência:
"AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. POSSIBILIDADE. O cheque prescrito, mesmo para ação de enriquecimento indevido prevista no art. 61, da Lei 7.357/85, é prova escrita hábil para servir de substrato a ação monitória. Apelo Provido." (TARGS, APC, 196192645, 7ª Câm. Cível, Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. 30/10/96, in PROCERGS - VIA/RS)
"Ação Monitória. Cheque Prescrito. Cabimento. O procedimento monitório é adequado ao portador de título executivo extrajudicial que prescreveu. O alegado parcial pagamento não foi provado pela embargante, a quem incum- bia o ônus da prova. O embargado não provou serem os valores do cheque referentes a cobrança de juros. Apelação provida. (TJRGS, APC nº 599405271, 11ª Câm. Cív., Rel Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos, j. 06/10/99, PROCERGS - VIA/RS)
"Ação Monitória. Cheque. Legitimidade de Parte. Processual. Cheque sem executabilidade. Documento capaz para reconhecimento de dívida. Legitimidade do portador. Defesa inconsistente. O cheque emitido por devedor e que perdeu a sua executabilidade porque não apresentado ou executado nos prazos legais é documento bastante para legitimar a ação monitória. Quando a defesa do emitente se mostra inconvincente pode e deve o Juiz repeli-la, transformando a prova do credor em título executivo judicial. (TJRJ, AC nº 5.455/98, Reg. 250898, cód. 98.001.05455, RJ, 14ª C. Cív., Rel. Juiz Rudi Loewenkron, j. 06.07.1998, in Juris Síntese 18)
Fábio Ulhoa Coelho ensina que na execução e na ação de enriquecimento ilícito, operam-se os princípios do direito cambiário, e, assim, o demandado não pode argüir, na defesa, matéria estranha à sua relação com o demandante.
6.CHEQUE PÓS-DATADO
6.1.Conceito
O cheque pós-datado, instrumento de crédito largamente utilizado no comércio, não é reconhecido legalmente no Brasil, enquanto conceito, portanto, não existe um suporte legislativo para ele em nosso país.
Entretanto, na Argentina, onde o uso do cheque pós-datado é regulamentado pela Ley 24.452 de 1995 (Ley de Cheques), em seus artigos 54 e seguintes, o "cheque de pago diferido", como é denominado nesse país, é conceituado:
"Art. 54 – O ‘cheque de pago diferido’ é uma ordem de pagamento, emitida à data determinada, posterior à de sua emissão, contra uma entidade autorizada na qual o sacador, à data do vencimento, deve ter fundos suficientes depositados a sua ordem na conta corrente, ou autorização para circular em descoberto. Os ‘cheques de pago diferido’ são sacados contra as contas de cheques comuns." (livre tradução)
O Uruguai é outro país onde o cheque pós-datado é regulamentado. Também chamado de "cheque de pago diferido", nesse país ele segue as regras do Decreto-Ley 14.412, de 8 de agosto de 1975, que assim o conceitua:
"Art. 3º - O ‘cheque de pago diferido’ é uma ordem de pagamento que se emite contra um banco no qual o sacador, à data de apresentação estipulada no próprio documento, deve ter fundos suficientes depositados a sua ordem em conta corrente bancária ou autorização expressa ou tácita para circular em descoberto." (livre tradução)
No Brasil, a maioria dos doutrinadores define o cheque pós-datado simplesmente como sendo "cheque com data posterior à data em que foi efetivamente emitido".
Sérgio Carlos Covello, de uma forma mais completa, conceitua:
"O cheque pré-datado, ou pós-datado, como prefere parte da doutrina, é o cheque emitido com cláusula de cobrança em determinada data, em geral a indicada como data da emissão, ou a consignada no canto direito do talão"
Gomez Leo, doutrinador argentino, em sua obra "Cheque de pago diferido", apresenta uma definição muito completa desse tipo de cheque:
"O ‘cheque de pago diferido’ é um título de crédito cambiário, abstrato, formal e completo, que contém uma ordem incondicionada de pagamento à uma data determinada, emitido contra um banco, para que pague ao portador legitimado que apresente o ‘cheque de pago diferido’, ou o certificado nominativo transferível se foi emitido, uma soma determinada de dinheiro se houver suficiente provisão e disponibilidade de fundos na conta contra a qual se sacou, e que no caso de ser protestado, com as devidas providências, outorga ação cambiária e executiva contra o sacador e, sendo o caso, contra todos os signatários." (livre tradução)
6.2.Cheque "pós-datado" e cheque "pré-datado"
O cheque pós-datado é vulgarmente conhecido como cheque pré-datado, termo juridicamente incorreto, mas consagrado pela prática no comércio, e que tem sido mencionado até em decisões judiciais.
A expressão pré, como ensina Othon Sidou, é afixo que denota anterioridade, antecipação. Já a expressão pós, indica ato ou fato futuro. Portanto, o cheque pré-datado ou ante-datado, na realidade, é aquele em que a data lançada é anterior a data da efetiva emissão; e o cheque pós-datado é aquele em que é lançada data futura, em relação ao dia em que foi emitido.
O cheque ante-datado é de pouca importância, em geral, porque só tem reflexo realmente no prazo de apresentação, que fica diminuído, se contado da data lançada. Já o pós-datado, porém, merece grande atenção, especialmente hoje, pela sua enorme utilização no comércio, sendo, inclusive, reconhecido legalmente em alguns países, como a Argentina e o Uruguai, como já referido.
6.3.Formas de pós-datação
A pós datação de um cheque pode ser feita de várias maneiras, as formas mais utilizadas são:
- A aposição de uma data futura no espaço reservado para a data real de emissão do cheque. Neste caso, a data influi em alguns aspectos, como, por exemplo: a) a prorrogação do prazo de apresentação e conseqüentemente dos prazos que dela derivem; b) a perda da preferência, quando forem apresentados dois ou mais cheques simultaneamente, e não houver fundos disponíveis para o pagamento de todos, já que terá data maior que os outros apresentados; e c) dificulta saber, em caso de morte ou perda da capacidade, se o emitente era vivo e capaz quando da emissão do cheque.
- Outra forma de pós-datação ocorre quando se preenche corretamente o campo reservado à data de emissão, e se lança a data futura convencionada para a apresentação junto com a expressão bom para, no canto inferior direito do cheque, como é mais usado no comércio. Neste caso, verifica-se o problema quanto ao prazo de apresentação, visto que, pela lei, o prazo contará da data que constar no espaço reservado para tal finalidade. Pois, seguindo a orientação do art. 32, da Lei do Cheque, a data aposta no título junto com a expressão bom para, será considerada como não escrita.
As duas formas de pós-datação citadas são feitas no corpo do título. Contudo, a pós-datação pode se dar em separado, prática também muito utilizada no comércio, e que consiste em anexar um lembrete ao cheque, informando a data em que este poderá ser apresentado ao sacado para pagamento. Entretanto, como o cheque pode ser apresentado ao sacado antes da data convencionada, esta forma de pós-datação não dá segurança ao emitente, pois o beneficiário poderá, usando de má-fé, retirar o lembrete, e antecipar a apresentação do cheque, o que poderá ocasionar vários problemas ao emitente, e dificultará a prova do descumprimento do que fora convencionado.
6.4.Breve histórico sobre o cheque pós-datado
Segundo Celso Barbi Filho, o cheque pós-datado está longe de ser uma novidade ou uma invenção brasileira, pois, já no início do século, Carvalho de Mendonça fazia referência à existência desses cheques na prática comercial norte-americana. Da mesma forma, entendem Muguillo e Lorente, doutrinadores argentinos, que atribuem a criação do cheque pós-datado (cheque de pago diferido) ao Uruguai, e Theóphilo de Azeredo Santos, que faz referência a utilização antiga desse instituto em países como o México e o Uruguai.
No Brasil, a antiga Lei nº 2.591 de 1912, previa o cheque com data falsa, em seu art. 6º, punindo o emitente com multa de 10% (dez por cento) sobre o seu montante. A antiga Lei do Selo (Lei nº 4.961/1966) penalizava não só o emitente com data falsa, mas também aquele que o acolhesse. Entretanto, como ensina João Eunápio Borges, a finalidade dessa punição era fiscal, com o único objetivo de impedir a sonegação do imposto do selo.
A preocupação com a apresentação do cheque pós-datado, e a primeira referência legal à sua existência no Brasil, surgiu com o aparecimento da Lei Uniforme de Genebra sobre cheque, promulgada pelo Decreto 57.595, 07/01/1966, no art. 28, alínea 2, onde ficou prevista a apresentação, mesmo antes da data nele consignada, com o objetivo de se evitar a extorsão indireta. Pois, segundo explica Penalva Santos, como no Brasil havia uma pena para quem sacasse cheque sem provisão de fundos, o beneficiário do cheque, de posse do mesmo, nessas condições, procurava extorquir dinheiro do sacador, no prazo entre o saque e a apresentação.
Esse princípio foi acolhido pela Lei 7.357/85, atual Lei do Cheque em seu art. 32, parágrafo único. A regra vige ainda em nossos dias, a permitir que o beneficiário do cheque possa apresentá-lo, mesmo que a data seja posterior à estabelecida em Lei; logo, a data a posteriori não invalida o cheque nem o torna ineficaz, o que permite concluir que tanto a Lei Uniforme de Genebra, quanto a Lei 7.357/85 não proíbem o uso do aludido cheque, hoje de prática diuturna.
6.5.Natureza jurídica do cheque pós-datado
Está pacificado que a pós-datação do cheque significa uma convenção entre emitente e tomador, pela qual este se obriga a só apresentar o cheque na data estipulada, a despeito de, pela lei, poder fazê-lo a qualquer tempo.
Tal convenção, que geralmente se dá oralmente, pode resultar até de publicidade do comerciante (CDC art. 30), mas efetiva-se com a declaração escrita do emitente, lançando a data futura no cheque e o nome do tomador, sendo aceita por este. E, se por um lado tal pacto não é oponível ao banco depositário, por outro é válido entre as partes.
Existe quase um consenso entre os doutrinadores e operadores do direito quanto à natureza jurídica do cheque pós-datado, pois a grande maioria entende que a convenção entre o beneficiário e o emitente em relação à pós-datação, desnatura o título como cheque comum, mas não retira do título as suas características de cambial, pois manter-se-á como título executivo extrajudicial, poderá circular e ser apresentado desde logo ao sacado para pagamento.
Amador Paes de Almeida, entende que os cheques pós-datados têm a sua função alterada, perdendo, assim, a sua natureza de cheque, mas mantendo a sua eficácia de título executivo extrajudicial.
No mesmo sentido, é a posição do STJ :
"O cheque pós-datado emitido em garantia de dívida não se desnatura como título como título executivo extrajudicial, sendo que a circunstância de haver sido aposta no cheque data futura, embora possua relevância na esfera penal, no âmbito dos direitos civil e comercial traz como única conseqüência prática a ampliação real do prazo de apresentação." (STJ, RE nº 16.855, SP, 4ª T., Ementário da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nº 8, ementa nº 287, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo,) e (STJ, RESP nº 223486, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
O Professor Yussef Said Cahali, entende que o acordo de vontades entre o beneficiário e o emitente, desconfigura o título como cheque, retirando-lhe o elemento essencial de ordem de pagamento à vista, para fazer dele uma simples garantia de dívida ou promessa de pagamento à termo, com a vantagem de preservar algumas características originárias da cártula, como por exemplo, a possibilidade de apresentação ao sacado para pagamento, desde logo, já que o cheque deve ser pago no momento da apresentação.
Na opinião de Paulo Leonardo Vilela Cardoso, o cheque pós-datado tem duas naturezas, uma cambiária (título de crédito) e outra contratual. Para ele, trata-se de acordo de vontades em que as partes estipulam livremente o modo de aquisição e o pagamento daquilo que foi acordado, mantendo, ainda, a qualidade cambiária do cheque, que preserva a sua maior característica, qual seja, a ordem de pagamento à vista, pois ao ser apresentado ao sacado, o cheque deve ser pago imediatamente.
Quanto ao assunto, Athos Gusmão Carneiro entende que:
"Os cheques pós-datados mantêm-se como títulos cambiários, em sua plenitude, com possibilidade de apresentação imediata ao sacado, para pagamento à vista. (Lei Uniforme, art. 28, 2ª parte; Lei 7.357/85, art. 32 par. único). Os efeitos da pós-datação "operam apenas no plano do direito comum", extracartular, que rege a relação jurídica subjacente, simultânea ou sobrejacente à emissão do cheque."
6.6.Licitude do cheque pós-datado
A validade do cheque pós-datado foi muito discutida na oportunidade da elaboração do texto da Lei Uniforme de Genebra para cheque, chegando-se à conclusão de que eles são perfeitamente válidos e eficazes.
A atual Lei nº 7.357/85 não veda expressamente o cheque pós-datado e, portanto, sua validade. Embora o seu art. 32, parágrafo único, torne ineficaz a convenção da pós-data perante o banco sacado - pois este deve pagar o cheque quando o título lhe for apresentado -, a lei não influi no acordo realizado entre as partes, pois, entre elas, esta convenção é válida e deve ser respeitada.
Pontes de Miranda é enfático ao afirmar que "o cheque pós-datado existe, vale e é eficaz". Pois, na sua opinião, a lei não prevê nenhuma sanção de inexistência, invalidade ou ineficácia ao cheque que for usado dessa forma.
João Eunápio Borges entende que a pós-data é claramente admitida pelo art. 28 da Lei Uniforme de Genebra para cheques.
No mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência:
"CHEQUE. PÓS-DATADO. PAGAMENTO PARCIAL. VALIDADE – Cheque. Pré-datação e pagamento parcial não desnaturam o cheque. Honorários advocatícios. Apelação provida em parte, para efeito de fixar os honorários advocatícios em função do valor de referência, e não do salário-mínimo. (TARS, AC 24.669, 4ª C. Cív., Rel. Juiz José Maria Rosa Tesheiner, j. 19.03.81)
"CHEQUE. PÓS-DATADO. EXECUÇÃO. CABIMENTO. – Cheque. Inexiste vedação legal a pré-datação do cheque, que nem por ocorrente a circunstância perde o seu caráter de ordem de pagamento e, pois, sua plena eficácia e validade como título executivo. Aplicação do art. 28 da LUG relativa ao cheque. Precedentes jurisprudenciais do Tribunal de Alçada. (TARS, AC 183.028.539, 3ª C. Cív., Rel. Juiz Sérgio Pilla Da Silva, j. 03.08.1983).
"CHEQUE – EMISSÃO PARA PAGAMENTO FUTURO – É válido e eficaz o cheque antedatado ou pós-datado, pois ainda permanece como ordem de pagamento à vista, não desconfigurada a sua cartularidade, ainda que desviada de sua função. Irregularidade que não lhe retira a validade. Defesa extra cartular. Terceiro endossatário de boa-fé. Impossibilidade de oposição pelo emitente de exceção causal. Ações e exceções que se originam do negócio subjacente: cambiária e não-cambiária. Diferenças e efeitos. Embargos desacolhidos em 1º grau. Decisão mantida (TJRS, AC 598154318, 10ª C. Cív., Rel Des. Paulo Antônio Kretzmann, j. 20.08.1998, in Juris Síntese nº 21)
6.7.Os pressupostos da emissão do cheque pós-datado
Os pressupostos para emissão de cheque pós-datado são os mesmos estudados no capítulo II deste trabalho, a única dúvida que pode ser levantada, é em relação à provisão de fundos e a sua disponibilidade quando da emissão do cheque, pois, na maioria das vezes o emitente do cheque pós-datado não possui fundos disponíveis junto ao sacado no momento da emissão do título.
A Lei do Cheque continha, no seu projeto original, um dispositivo (art. 5º), que assim determinava: "o cheque faz supor a existência da provisão correspondente desde a data em que é emitido e, se não contiver data, desde o momento em que for posto em circulação". Entretanto, esse dispositivo foi vetado, e atualmente vale a regra do art. 4ª §1º, que dispõe: "a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento."
Dessa forma, entende-se que a ausência de fundos disponíveis do emitente junto ao sacado, quando da emissão do cheque pós-datado, não prejudica em nada a validade do título, pois a verificação desse fato só se faz quando o cheque é apresentado para pagamento. Ademais, mesmo se fosse exigida a existência de fundos disponíveis na data da emissão do cheque, este seria válido, baseado na regra contida na parte final do art. 4º da Lei do Cheque, retro analisada, a qual dispõe que a infração a qualquer dos pressupostos citados no mesmo artigo - entre eles, a existência de fundos disponíveis - não prejudica a validade do título como cheque.
6.8.A pós-datação e os requisitos legais do cheque
Todos os requisitos legais deverão ser observados quando da emissão do cheque pós-datado, quais sejam, a denominação cheque, a ordem de pagar quantia determinada, o nome do sacado, a indicação do lugar de pagamento e da emissão, a assinatura do emitente e a data, conforme determinação legal, sob pena de não valer como cheque (art. 2º, Lei 7.357/85).
No Brasil, atualmente, não existe uma lei que regulamente o cheque pós-datado. Na Argentina, como já referido, o "cheque de pago diferido", a Ley 24.452 (Ley de Cheques) determina como requisitos essenciais: a denominação "cheque de pago diferido"; o número de ordem impresso no corpo do cheque; a indicação do lugar e data de sua criação; a data de pagamento, que não pode exceder o prazo de 360 (trezentos e sessenta dias); o nome do sacado e o domicílio de pagamento; a pessoa em cujo favor se saca ou ao portador; a ordem de pagar quantia determinada; o nome do sacador e sua identificação; e endereço e a assinatura do sacador. (livre tradução)
No Uruguai, igualmente referido, o cheque pós-datado também é denominado "cheque de pago diferido", e é regulamentado pelo Decreto-Ley nº 14.412 de 8/8/1975, especificamente pelo Capítulo III, artigos 70 a 75. Nesse país, os requisitos considerados essenciais são basicamente os mesmos exigidos pela lei argentina, entretanto existe uma diferença quanto prazo de apresentação, que na Argentina não poderá ultrapassar 360 (trezentos e sessenta) dias, enquanto que, no Uruguai, não poderá exceder 180 (cento e oitenta) dias, conforme art. 73, do referido decreto-lei.
Percebe-se que as leis argentina e uruguaia são bem detalhistas quanto aos requisitos do "cheque de pago diferido", o que poderá – e deverá -acontecer no Brasil, futuramente, caso o cheque pós-datado venha a ser regulamentado. Ocorre que, pedindo venia pela tautologia, atualmente, em nosso país, o cheque pós-datado deriva unicamente da alteração da data de emissão em razão da convenção entre o beneficiário e o emitente, devendo ser observadas todas as regras do cheque comum.
Entretanto, como visto, a alteração da data, requisito essencial do cheque, não interfere na validade do título, pois, quanto ao seu preenchimento, a única exigência é que exista e seja completa, contendo dia, mês e ano, não importando se tenha sido aposta data futura em relação ao dia da emissão, pois a própria lei prevê essa hipótese.
No mesmo sentido é a opinião de Cunha Peixoto, ao firmar:
"A Lei, em suma, permite o preenchimento posterior do requisito data, mas não sua ausência. Faltando esse elemento na ocasião da apresentação, o título não é cheque; completado antes é perfeitamente válido."
6.9.Efeitos da pós-datação quanto aos prazos de apresentação e prescrição
Como já visto, a pós-datação do cheque não impede que este seja apresentado para pagamento antes da data convencionada, bem como não representa qualquer impedimento ao pagamento do mesmo pelo sacado (art. 32, Lei 7.357/85). Quanto à esse assunto não há dúvidas, pois a lei é clara, e tanto a doutrina como a jurisprudência admitem essa regra, sem divergências.
Entretanto, a pós-datação influi nos prazos de apresentação e, conseqüentemente, prescrição do cheque. Pois o prazo de apresentação deverá contar-se a partir da data aposta no título, ficando, assim, prorrogado, o que, por conseqüência, ocasionará a prorrogação do prazo de prescrição. Esta é a melhor interpretação, apesar de não estar prevista na lei.
Quanto ao assunto, Fran Martins ensina:
"Como o pagamento do cheque deve ser feito no dia da apresentação, mesmo que a sua data seja posterior àquela em que é apresentado, considera-se que, em princípio, o prazo de validade do cheque foi aumentado, juntando-se os dias anteriores à data que o cheque contém (e nos quais o porta-dor pode validamente apresentar o cheque ao sacado, para pagamento) aos dias que se contam na data constante do cheque ao termo da apresentação."
No mesmo sentido é a posição do seguinte julgado do Tribunal de Alçada do Paraná:
"Execução. Cheque pós-datado. Prazo Prescricional que inicia quando expirado o prazo para apresentação, contado a partir da data lançada no título. Prescrição inocorrente." Lei 7.357/85 (Cheque), art. 1º, V, e art. 59. (TAPR, Ap. Cív. 62.287-3, Rel. Juiz conv. Munir Karau, in BUSSADA, Wilson. Cheque. Interpretado pelos Tribunais. Campinas: Julex Livros, 1997. v. I. p. 274)
6.10.Apresentação antecipada do cheque pós-datado para pagamento
Na Argentina e no Uruguai (Decreto-Ley 14.412/75, art. 72), a apresentação antecipada do "cheque de pago diferido" é proibida, devendo o banco sacado negar o seu pagamento quando ocorrer tal situação.
No Brasil, a lei permite a apresentação antecipada do cheque pós-datado. Contudo, o emitente que for prejudicado por essa atitude poderá exigir indenização do beneficiário com o qual havia convencionado a apresentação para pagamento em data futura.
A convenção entre o emitente e o beneficiário, como retro referido, geralmente é feita verbalmente e efetivada através da inserção da pós-data no cheque. Poderá, também, derivar de publicidade de comerciante, prática comum em nosso país, e que está prevista no Código do Consumidor.
O sacado nada tem a ver com a pós-datação do cheque, e deve pagá-lo quando o mesmo lhe for apresentado; mas entre o emitente e o beneficiário existe uma obrigação, pois ambos contrataram dessa forma.
Celso Barbi Filho, do mesmo modo, entende que, mesmo não sendo o pacto oponível ao banco depositário, é válido entre as partes, e "se o tomador apresentar o cheque antes da data ajustada, cabe indenização ao emitente pelo desrespeito à obrigação de não fazer, assumida e violada."
Barboza Riezo ensina que:
"Quando esta pactuação é descumprida, o portador do cheque que assim o fez responde pelo eventual dano causado, conforme preceitua o art. 1.056 do Código Civil que diz: ‘Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la, pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos’."
Quanto ao caso em que o comerciante oferece, através de publicidade, a opção de pagamento com cheques pós-datados, Paulo Leonardo Vilela Cardoso afirma que este, ao informar que seus produtos podem ser pagos com cheques pós-datados, assume obrigação de não fazer, consistente em abster-se de apresentar o título ao sacado antes da data avençada com o consumidor. Essa obrigação, uma vez assumida, toma sentido jurídico e constitui, daí por diante, um ônus cujo cumprimento não deverá deixar de ser realizado. A quebra desse pacto, quando injustificada, importa lesão de direito, determinando o ressarcimento do dano causado pelo inadimplente.
No mesmo sentido é a posição de Fábio Ulhoa Coelho:
"(...) como em qualquer outra hipótese de descumprimento de obrigação contratual, o fornecedor que não observa os termos de seu acordo com o consumidor, deve indenizar as perdas provocadas. Trata-se de mera aplicação de princípio mais que assente na teoria da responsabilidade contratual."
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin ensina que, pelo CDC, se o fornecedor recusar o cumprimento de sua oferta, no caso, apresentar o cheque antes da data combinada, é lícito ao consumidor exigir a rescisão do contrato, com a restituição do já pago, mais perdas e danos (art. 35, III, do CDC).
O entendimento da jurisprudência atual é no sentido de ser devida indenização ao emitente do cheque pós-datado apresentado antecipadamente:
"Indenização – Dano Moral – Cheque pós-datado. A apresentação prematura de cheque a estabelecimento bancário, resultando em encerramento de conta da conta do emitente, acarreta ao responsável a obrigação indenizatória por dano moral, que deve ser fixada de acordo com a gravi-
dade da lesão, intensidade de culpa ou dolo do agente e condições sócio econômicas das partes" (TAMG, 5ª Câm. Cível, Ap. 190931-9, BH, Rel. Juiz Aloysio Nogueira – v. u., j. 27.04.95, DJ 09/08/95, in Revista Consulex, Ano IV, nº 43, julho/2000)
"Indenização – Dano Moral – Pessoa Jurídica. Perfeitamente admissível o deferimento de indenização a título de dano moral em favor de pessoa jurídica, e decorrente de protesto tirado indevidamente, bem como de abalo de confiança resultante de apresentação antecipada de cheque pré-datado" (TAMG, Ap. 230244-5, 3ª Câm. Cível, BH, Rel Juiz. Kildare Carvalho, v. u. j. 19.03.97, in Revista Consulex, julho/2000)
"Indenização – Dano Moral – Cheque pré-datado – Apresentação prematura pelo estabelecimento comercial. Importa dano moral o comportamento do estabelecimento comercial que, descumprindo acordo firmado com o consumidor, apresenta para saque cheque pré-datado cujo pagamento estava programado para data posterior"(TAMG, Ap. 233417-0, 3ª Câm. Cív., BH, Rel. Juiz Dorival Guimarães Pereira, v. u. j. 02.04.97, in Revista Consulex, julho/2000)
"Indenização. Dano Moral. Cheque devolvido antes da data ajustada para o seu resgate. Nome da emitente enviado ao cadastro dos emitentes de cheques sem fundos. Moral e honra abaladas, resultantes dos constrangimentos sofridos. Prova inequívoca nesse sentido." (TJDF, APC. nº 0036433, 3ª Turma Cív., Rel. Des. Fátima Nancy Andrighi, DJDF 02.04.96, p. 4.772)
O dano poderá se dar independentemente de o emitente ter ou não fundos no momento da apresentação antecipada. Pois, mesmo que o emitente possua, junto ao sacado, provisão de fundos no momento da apresentação, o pagamento do cheque poderá ocasionar vários transtornos ao sacador, como a devolução de outros cheques, ou mesmo o uso do limite do cheque especial, que importa em juros altíssimos.
No caso do cheque apresentado antecipadamente ser devolvido por falta de fundos, o emitente poderá ter sua conta encerrada e seu nome inscrito no Cadastro de Emitentes de Cheques Sem Fundos, situação que lhe provocará extremo constrangimento e que poderá vir a prejudicá-lo pelo abalo de crédito.
Quanto à natureza das indenizações, Celso Barbi Filho ensina que, se houver fundos na data da apresentação ou abertura de crédito em conta, a indenização será apenas material, correspondendo à perda monetária pela antecipação do saque, no valor das taxas de remuneração do capital resgatado ou dos juros cobrados pelo crédito utilizado. Já, se o cheque pós-datado for devolvido por insuficiência de fundos, a indenização poderá abranger duas parcelas, uma pelo dano material e outra pelo moral.
Fábio Ulhoa Coelho ressalta, ainda, a possibilidade do cheque pós-datado servir de título negociável, para fins de desconto bancário ou cessão para empresa de fomento mercantil, e afirma, que nestes casos, não se verifica o descumprimento da obrigação de não fazer, contratada com o emitente, pois o cheque ficará sob a responsabilidade do banco, e o processamento da liqüidação terá início apenas na pós-data.
6.11.O endosso e o aval no cheque pós-datado
A pós-datação do cheque não causa óbice ao portador que deseja endossar o título, nem impede que o mesmo seja avalizado. Devendo ser observadas as regras previstas na Lei 7.357/85, da mesma forma em que no cheque comum.
Quanto ao endosso, Othon Sidou ensina que nada, nem mesmo a cláusula contratual, impede que o portador, ponha o cheque em circulação, pois trata-se de documento cartulário.
A lei argentina (Ley 24.452/95), inclusive, admite expressamente o endosso no "cheque de pago diferido", conforme redação do art. 56, texto incluído pela Ley 24.760/97, que assim determina: "Art. 56 – El cheque de pago diferido es libremente trasferible por endosso com la sola firma del endossante."
O acordo de pós-datação não terá qualquer valor em relação ao sacado ou a terceiros, pois, em tese, o único que deve respeitar a data acordada é o beneficiário. O portador do cheque pós-datado, que o recebeu através de endosso, poderá apresentar o cheque para pagamento quando desejar, conforme determinação legal, e o sacado não poderá negar o pagamento, se houver provisão suficiente. Entretanto, o beneficiário que convencionou a pós-datação com o emitente, poderá ser responsabilizado por eventuais danos que vier a causar ao mesmo, pelo descumprimento do pactuado.
6.12.Diferença entre cheque e cheque pós-datado frente ao estelionato
O Código Penal Brasileiro, no Título dos "Crimes contra o Patrimônio", no capítulo VI – Do Estelionato e Outras Fraudes – define no art. 171, VI – "Fraude no pagamento por meio de cheque", verbis: "emite o cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento". E como sanção para esse crime prevê a pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Entretanto, tal regra não tem sido muito utilizada, tendo em vista que o portador do cheque tem como objetivo principal o recebimento do valor constante do cheque, e não a punição do emitente.
Quanto ao cheque pós-datado, a doutrina e a jurisprudência entendem não ser aplicável a referida regra. Pois, segundo eles, ao se pós-datar o título, este se desconfigura como cheque, transformando-se em promessa de pagamento, não podendo, dessa forma, ser enquadrado no tipo do crime previsto pelo art. 171, inciso VI do Código Penal.
Outro raciocínio, lembra Luiz Vicente Cernicchiaro, é que o tipo penal exige como elemento constitutivo a fraude. Entretanto, o beneficiário têm ciência da inexistência de provisão de fundos em poder do sacado, na data da emissão do cheque pós-datado, ele não é iludido, restando ausente o elemento subjetivo, ou seja, o dolo do emitente, pois as partes acordam livremente a pós-datação.
Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira concorda com essa posição ao afirmar que inexiste o delito no caso do cheque pós-datado, pois, segundo ele, se o cheque foi dado como garantia de pagamento ou posto apenas em circulação como título de crédito que é, desaparece o dolo exigido pela lei penal, embora o documento não deixe de ser cheque, podendo ser executado.
No mesmo sentido é a posição da jurisprudência dominante:
"Estelionato – Cheque pós-datado sem provisão de fundos. Denúncia fundamentada no art. 171, §§2º e 3º do CP. A emissão de cheque com data para apresentação posterior descaracteriza o crime de estelionato. (TRF, 5ª R., Acr. 945/CE, 3ª T., Rel. Juiz Nereu Santos, DJU 22.03.1996, in Juris Síntese)
"Estelionato – Cheque pós-datado – sem fundos na data de apresentação – Para se configurar o dolo, é necessário que o agente tenha consciência e vontade de empregar meio fraudulento para iludir alguém, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo alheio. A vítima, ao aceitar cheque pós-datado para descontá-lo no banco alguns dias depois de sua emissão concorreu para que a cártula fosse desfigurada de ordem de pagamento à vista para promessa de pagamento a prazo, perdendo a tipicidade do crime previsto no art. 171 par. 2º, VI do CP.
Apelo Improvido. (TJRS, Acr 699089892, RS, 7ª C. Crim., Rel. Des. Aldo Faustino Bertocchi, j. 06.05.1999, in Jurís Síntese)
"O cheque pós-datado, dado como promessa de pagamento desvirtua-se de sua função de ordem de pagamento à vista, não configurando o delito previsto no art. 171, §2º, inc. VI do CP. Também não realiza o delito de fraude no pagamento por meio de cheque quem emite e entrega cheque sem a devida provisão de fundos, quando não se obteve vantagem indevida e nem houve prejuízo para a vítima, posto que este já existia antes da emissão do título.
Recurso Provido para absolver o apelante". (Ap. Crim. 77.250-9, Rel. Juiz Bonejos Demchuck, j. 29/06/1995, in Bussada, Wilson. Cheque. Interpretado pelos Tribunais. Campinas: Julex Livros, 1997. v. I – Verbetes 1 a 142)
"Não caracteriza o delito emissão de cheque pré-datado cuja conta corrente encontrava-se encerrada, por isso que o documento equivale à mera promessa de pagamento e não foi dele, mas de relação negocial de compra de materiais de construção, que adveio prejuízo à vítima e vantagem aos réus." (TARGS, Apelação-Crime nº 2920937, 1ª Câm. Crim. Rel. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, in Bussada, Wilson. Cheque. Interpretado pelos Tribunais. Campinas: Julex Livros, 1997. v. I. p. 517.
"Estelionato – Cheque pré-datado. Garantia de dívida – Delito não caracterizado – Absolvição mantida. Se constitui em simples garantia de dívida e não ordem de pagamento à vista, cheque que é emitido antecipadamente para apresentação futura." (TJSC, Apelação Criminal nº 26.255, 1ª Câm. Crim., Itajaí, Rel Des. Marcio Batista, j. 01.10.90, Publ. no DJESC nº 8.130, p. 20, 14.11.90, in Juris Plenun)