Durante os anos de ouro do plano real travou-se uma batalha amarga no terreno do Judiciário em torno da implantação dos mecanismos do neoliberalismo. O governo FCH jogava pesado no sentido de evitar a reposição das perdas inflacionárias e os aumentos reais de salário e edificou sua estratégia na idéia de repassar o Direito do Trabalho para o campo da negociação coletiva. No caminho, surgiu um obstáculo inesperado: os juizes do Tribunais Regionais do Trabalho convencidos de que são operadores de uma maquina de Justiça que serve a viabilizar a paz social mediante a introdução de um fator de contenção no conflito entre capital e trabalho mediante a imposição de um arbitramento judicial minimamente justo na pacificação dos conflitos coletivos.
O consenso do que seria minimamente justo repousava em, ao menos, manter a situação preexistente, renovando as cláusulas anteriores e concedendo a reposição da perda inflacionária. Tal postura transformou os TRTs em barreira contra o desmonte das vantagens obtidas pelos trabalhadores. O avanço do Plano Real, ou seja, a redução da massa de salários através do desmonte do patamar de direitos obtidos na negociação coletiva era uma batalha crucial para as classes dominantes e foi preciso quebrar esta resistência dos Tribunais Regionais através do desmonte do mecanismo denominado de Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Nesta tarefa, o Tribunal Superior do Trabalho ativou-se em diversas frentes: a) ruptura com a jurisprudência sedimentada no sentido de que a Justiça do Trabalho dispunha de poder competência para renovar as cláusulas e conceder reajustes; b) o uso devastador dos despachos de concessão de efeito suspensivo para instantaneamente transformar em pó as decisões dos tribunais regionais; c) a burocratização obsessiva do processo de dissídio coletivo para dificultar o acesso dos trabalhadores ao poder normativo.
Durante estes anos de ferro, a pressão do TST sobre os TRTs foi se tornando tão opressiva que fez crescer uma reação severa no andar de baixo. Os mesmos tribunais regionais que há dez anos atrás viam com escândalo as greves contra a concessão de efeito suspensivo, passaram a recusar-se a decretar a abusividade destas paralisações. Seria preciso ter muita fleuma para conformar-se em assistir passivamente ao TST suspender sistematicamente todas as cláusulas das decisões regionais deixando os trabalhadores sem nada e destruindo todas as vantagens por eles obtidas. Era muito visível o absurdo embutido em obrigar os trabalhadores a submeter-se a um arbitramento judicial e retornar ao trabalho para, dois dias depois, sobrevir o despacho concessivo de efeito suspensivo dizendo que o tribunal regional não dispõe de poderes para fazer qualquer arbitramento.
Ao longo dos anos mais recentes, este aferrolhamento começou a amenizar-se ligeiramente com o TST, progressivamente, voltando a manter parcelas dos reajustes salariais e das cláusulas renovadas pelas sentenças normativas. No entanto, causa um certo espanto que a assessoria de imprensa daquele Tribunal venha a anunciar em março de 2003, com grande pompa e circunstância, que se estaria a promover uma substancial inflexão nesta política através do cancelamento da instrução normativa n. 4 instituída por aquela Côrte.
Este anúncio tão sonoro procura entronizar a burocratização como a grande culpada: instrução normativa n. 4 reduziu renda do trabalhador brasileiro. Ao se atribuir este papel histórico a um pedaço de papel fica escamoteado a avalanche de extinção de processos sem julgamento do mérito foi causada pela postura dos ministros do TST em buscar sistematicamente a negativa do acesso ao poder normativo. A burocratização dos dissídios coletivos era uma parte do problema e em nada adianta suprimir este escolho no caminho dos jurisdicionados e manter a postura de negar aos tribunais regionais o poder-competência para renovar as cláusulas da norma coletiva preexistente.
Subsistem em vigor outros artefatos do TST, muito mais ameaçadores do que a norma revogada. Tais como os precedentes da SDC que legislampara revogar o artigo 8º e o inciso I do parágrafo único do artigo 14, ambos, da lei 7783/89 e o acintoso precedente normativo 119 que se arroga a pretensão de proibir que se faça aquilo que o STF diz ser perfeitamente legítimo e constitucional. A verdade é que a revogação da instrução normativa n. 4 é algo sem muito significado prático. Seja porque a maioria dos sindicatos sérios já se organizou para enfrentar esta dificuldade ou, seja porque remanescem em operação todos os outros mecanismos de negativa de acesso ao poder normativo.
O único significado desta revogação é de caráter simbólico, no sentido de sinalizar que o TST está disposto a avançar mais na caminhada que já vem fazendo no sentido de retroceder de tais posições extremadas e ir reconstruindo o poder normativo da justiça do trabalho. No entanto, é muito pouco e vamos ter que esperar os próximos passos para ver até onde vai essa nova postura daquele Tribunal. Por enquanto, cumpre registrar que não existe nenhuma pessoa que atenda por este nome de Instrução Normativa Número Quatro. Foram pessoas que vestiam a toga de ministros do TST que, utilizando um conjunto de mecanismos que incluía aquela norma, reduziram a renda dos trabalhadores brasileiros.