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A relação da força normativa da Constituição com a constitucionalização simbólica, ilusionismo constitucional e a erosão da consciência constitucional

27/07/2015 às 15:33
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A força normativa da Constituição é atualmente mitigada pela chamada constitucionalização simbólica, assim com o excesso do simbolismo constitucional gera um ilusionismo Constitucional e consequentemente se constata a erosão da consciência constitucional.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Normatividade constituição. Constitucionalização simbólica. Ilusionismo constitucional. Erosão constitucional.


1.    Introdução:

A noção de que a Constituição é uma norma jurídica, dotada de caráter imperativo, cujos comandos podem ser tutelados em juízo quando não forem espontaneamente respeitados, embora possa hoje parecer uma obviedade, por um período, sobretudo nos países europeus, a ideia que prevalecia era a de que a Constituição conteria apenas uma proclamação de princípios políticos, que dependeriam sempre do legislador para a produção de efeitos concretos.


2.    A força normativa da constituição e a erosão constitucional

Foi para combater certas concepções constitucionais mais tradicionais, que implicavam no apequenamento da lei magna que Konrad Hesse delineou sua teoria sobre a “força normativa da Constituição”.

Além disso, o elemento essencial para a força normativa é o que Hesse titulou de “vontade de Constituição”. Deve haver a vontade de realização concreta da Constituição, e é importante que a sociedade se mobilize neste sentido. Quanto maior a vontade de Constituição, menores serão os limites que a realidade social poderá lhe impor. Mas os limites sempre existirão, e será preciso respeitá-los. Não é recomendável, portanto, que o constituinte se entregue a devaneios, e da Constituição, com a consequente erosão da sua força normativa.[1]

A erosão da consciência constitucional está intrisicamente ligada à falta de efetividade prática dos direitos prestacionais, pois a constante inércia Estatal quanto à garantia real de tais direitos gera na população  a sensação que o texto constitucional nada mais é que um amontoado de letras, algo distante e irrealizável.

Na ADI 1.484-DF, de Relatoria do Min. CELSO DE MELLO tem-se essa importante preleção do preclaro ministro :

“O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado. Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita”.[2]

Assim a força normativa de toda a Constituição, em especial dos seus princípios, é que vai permitir conceber o ordenamento como uma unidade, na qual a Lei Maior representa não apenas o limite para o legislador, mas também o norte para as demais legislações infra-constitucionais.


3.    A constitucionalização simbólica

3.1  Definições semânticas

É importante ressaltar dentro da abordagem desenvolvida no livro “ A constitucionalização Simbólica” de Marcelo Neves. Em uma análise que se inicia com uma rigorosa e minuciosa reconstrução do debate referente à questão da legislação simbólica desenvolvido na teoria do direito alemão nas duas últimas décadas do século XX. O autor procura determinar o sentido dos termos “símbolo”, “simbólico” e “simbolismo” em meio à ambiguidade semântica que lhes são próprias. Após examinar as diversas maneiras pelas quais tais termos são conceitualmente definidos em importantes autores da tradição filosófica e científica ocidental – tais como Cassirer, Lévi-Strauss, Bourdieu, Freud, Jung, Lacan, Castoriadis, Peirce, Firth, Saussure, Carnap, Luhmann etc. – é feita uma delimitação semântica da expressão “legislação simbólica”.[3]

3.2  Definição de Constitucionalização simbólica

A Constitucionalização simbólica replica a Legislação simbólica. A Constitucionalização simbólica é um fenômeno nocivo ao constitucionalismo.    A mola propulsora da Constitucionalização simbólica é a hipertrofia, valorização excessiva da função político-simbólica  da linguagem em detrimento da função normativa jurídica. É um manejo equivocado da linguagem que compromete a eficiência da função normativa jurídica. Tornam-se dispositivos sem normatividade efetiva. É a Constituição como embuste, engodo. Uma Carta Constitucional que formalmente assegura a todos, indistintamente, o acesso aos direitos fundamentais, mas que na prática os nega diuturnamente. Assim se manifesta o quadro formulado, tratando-se de uma constitucionalização simbólica.

Segundo palavras do próprio Marcelo Neves:  

“Fala-se de constitucionalização simbólica quando o problema do funcionamento hipertroficamente político-ideólogico da atividade e textos constitucionais afeta os alicerces do sistema jurídico constitucional. Isso ocorre quando as instituições constitucionais básicas – os direitos fundamentais (civis, políticos e sociais), a ‘separação’ de poderes e a eleição democrática – não encontra ressonância generalizada na práxis dos órgãos estatais nem na conduta e expectativas da população.”[4]

Nesse momento é importante ressaltar que problema não é o simbolismo em si, mas o excesso. Além das suas dimensões normativas, as constituições também desempenham uma função simbólica, que não pode ser negligenciada. Elas condensam valores que devem gerar unidade e coesão social, e que servem de pauta para os movimentos sociais que reivindicam a sua efetivação.

 Marcelo Neves, baseando-se em Harald Kindermann, propõe uma tipologia tricotômica que, em seu entendimento, seria expressiva do conteúdo da legislação simbólica. Nesse sentido, a legislação simbólica serviria a diversos propósitos.

Serviria como confirmação de valores sociais de um grupo de poder sobre o outro. O grupo dominante reforçaria seus valores através de dispositivos que teriam uma representatividade simbólica.

 Também seria uma forma de adotar um compromisso dilatório, assim , as normas não teriam aplicabilidade imediata mas sempre estariam em um futuro próximo se concretizando, o que traria esperança e alento aos que de fato seriam os alcançados pela norma meramente simbólica.

E talvez, a mais importante delas, a constitucionalização como álibi. Nessa perspectiva se edifica uma Constituição com dispositivos que não tem estrutura e nem intenção de concretizá-los. Assim a culpa da não concretização de anseios políticos e sociais não seria do Estado e sim da Constituição. A constituição se torna álibi para a ineficácia estatal. Dessa forma a Constituição passa a ser usada como álibi, para criar a falsa imagem, interna e externamente, de que o Estado está agindo para resolver certos problemas sociais, quando, na verdade, a promessa estampada no texto constitucional é semelhante a um placebo, pois não há nenhum empenho e  efetividade em concretizar o saneamento do problemas no mundo real.

Nesse prisma tem-se uma busca constante por um reformismo constitucional e não  uma reforma Estatal, que de fato seria resolução para a concretização efetiva das normas constitucionais.

3.3  Efeitos da Constitucionalização simbólica

A Constitucionalização simbólica provoca efeitos nocivos concretos, dos quais podem se destacar: a corrupção sistêmica e o problema da não inclusão social. O combate à corrupção é fundamental para a inclusão social, para a realização do Estado de Direito, para a concretização dos direitos constitucionais. Segundo Neves:

“Os países que têm o maior grau de inclusão social são os países escandinavos. E é exatamente nestes países que o grau de corrupção é o mais baixo. Há uma relação já comprovada entre o baixo grau de inclusão social, ou a ampla exclusão social, com práticas de corrupção sistêmica.” [5]

Marcelo Neves ressalta que a expansão do código do poder econômico em escala mundial pode provocar efeitos destrutivos à autonomia dos sistemas jurídicos e políticos decorrente da perda de normatividade jurídica das Constituições.   Nessa perspectiva, as constituições passariam a desempenhar apenas, uma função hipertroficamente político-simbólica.

3.4         A Constitucionalização simbólica e as Constituições do Brasil

A experiência constitucional brasileira segundo Marcelo Neves oscilaria entre o instrumentalismo (Constituições de 1937 e 1967/1969) e o nominalismo (Constituições de 1824, 1934, 1946 e 1988). Em ambos os caso, entretanto, estaria presente a dimensão simbólica que compromete a capacidade das Constituições de servirem como mecanismo de orientação e reorientação das expectativas normativas e como instituição jurídica de legitimação generalizada do Estado.[6]

A Constituição de 1988, conforme classificação de J. J. Gomes Canotilho, é entendida como do tipo programática, uma vez que traça programas de ação e linhas de orientação dirigidas ao Estado. Tal característica é revelada pelo disposto no art. 3º da Carta Política, dispositivo que anuncia os ideais a serem concretizados pelo Estado, in verbis: 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[7]

Segundo CANOTILHO (2000) A falta efetividade constitucional dos seus preceitos sociais causa grandes consequências na sociedade atual, afastando a igualdade material pregada pela Constituição de 1988 e violando a sua supremacia no  ordenamento jurídico.[8]

3.5  A constitucionalização Simbólica e o Ilusionismo constitucional

O excesso do simbolismo constitucional gera o ilusionismo Constitucional, expressão popularizada de forma pioneira pelo saudoso mestre  Luiz Pinto Ferreira.

Pode-se dizer que há um abismo intransponível entre o ordenamento jurídico-constitucional e sua concretização efetiva na “realidade constitucional”. De modo a aclarar com um exemplo, vale recorrer a Neves quando afirma que :

“Ao contrário da generalização do direito que decorreria do principio da igualdade, proclamado simbólico-ideologicamente na Constituição, a ‘realidade constitucional’ é então particularista, inclusive no que concerne a prática dos órgãos estatais”. Em síntese, poderíamos dizer que “ao texto constitucional simbolicamente includente contrapõe-se a realidade constitucional excludente”.[9]

Desnecessário assinalar que, com um olhar mais atento ao nosso entorno, percebe-se claramente as profundas contradições existentes entre, por um lado, o rol de direitos fundamentais elencados em nosso Texto Constitucional e, por outro, sua efetiva aplicação/observância por parte do Poder Publico. E isto após  vinte e cinco anos de sua promulgação!

Estaríamos diante de um caso de constitucionalização simbólica? É válida a reflexão...

Se a constitucionalização simbólica impede que a Carta Constitucional cumpra seus propósitos declarados, sua função latente é a de anestesiar possíveis manifestações populares e a de apaziguar suas reivindicações, sob a alegação de que, em um tempo futuro, suas carências seriam devidamente satisfeitas. Aliás, sua verdadeira finalidade consiste, sobretudo, em conservar o status quo e os privilégios da elite política, considerando que “imuniza o sistema político contra outras alternativas e transferem-se as soluções dos problemas para um futuro remoto.”[10]

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Assim a constitucionalização simbólica gera o ilusionismo constitucional. Uma é causa, outro é efeito.


4     Conclusão

Em suma,  constitucionalização simbólica  mitiga a força normativa da Constituição, gerando assim com o excesso do simbolismo constitucional o ilusionismo Constitucional e consequentemente se constata a erosão da consciência constitucional motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um constante processo de desvalorização funcional da normatividade Constitucional.


5     Bibliografia

ARGÔLO, Diêgo Edington. A Constituição simbólica no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-constituicao-simbolica-no-ordenamento-juridico-brasileiro,43520.html. Consultado em 10 de Junho de 2014.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. Ed. Coimbra: Almedina, 2000.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. consultado em 22 de Maio de 2014.

HAIDAR, Rodrigo. Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj. Consultado em 10 de Junho de 2014.

NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

SARMENTO, Daniel. A normatividade da Constituição e a constitucionalização do direito privado. Disponível em www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/.../revista23_272.pd. Consultado no dia 29 de Maio de 2014.

STF. Informativo nº 244 STF. Disponível na Internet via http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo244.htm. Consultado em 10 de junho de 2014.

VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O problema da constitucionalização simbólica. http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/orlandovillasboas3.pdf. Consultado em 2 de Junho de 2014.


Notas

[1] SARMENTO, Daniel. A normatividade da Constituição e a constitucionalização do direito privado. Disponível em www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/.../revista23_272.pd. Consultado no dia 29 de Maio de 2014.

[2] Informativo nº 244 STF. Disponível na Internet via http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo244.htm. Capturado em 10 de junho de 2014.

[3] VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O problema da constitucionalização simbólica. http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/orlandovillasboas3.pdf. Consultado em 2 de Junho de 2014.

[4] NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007,p. 100.

[5] HAIDAR, Rodrigo. "Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações". Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj. Consultado em 10 de Junho de 2014.

[6] VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O problema da constitucionalização simbólica. http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/orlandovillasboas3.pdf. Consultado em 2 de Junho de 2014.

[7] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. consultado em 22 de Maio de 2014.

[8] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. Ed. Coimbra: Almedina, 2000. pg. 217.

[9] NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007,p. 100

[10] NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007,p. 101

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Sobre o autor
Cleber Barros

Advogado, professor, Pós graduando em advocacia tributário, Pós graduando em direito Público.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Cleber. A relação da força normativa da Constituição com a constitucionalização simbólica, ilusionismo constitucional e a erosão da consciência constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4408, 27 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40692. Acesso em: 2 nov. 2024.

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