A legitimidade do Congresso Nacional e a reformação que deve anteceder a reforma política

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07/07/2015 às 23:48
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3. DA FEDERAÇÃO

O federalismo, como modelo de organização do Estado, surgiu nos Estados Unidos da América, lembra o professor Paulo Gustavo Gonet Branco (2011, p. 827), “como resposta à necessidade de um governo eficiente em vasto território, que, ao mesmo tempo, assegurasse os ideais republicanos que vingaram com a revolução de 1776”. Posteriormente, “outros Estados assumiram também esse modo de ser, ajustando-os às suas peculiaridades, de sorte que não há um modelo único de Estado federal a ser servilmente recebido como modelo necessário” (BRANCO, 2011, p. 828). Entretanto, há características comuns entre os vários modelos possíveis de Estado federal, como a distinção entre soberania, que no federalismo constitui “atributo do Estado Federal como um todo”, e a autonomia, de que dispõem os Estados-membros, caracterizada pela descentralização do Poder, administrativa e politicamente (BRANCO, 2011, p. 828).

Os Estados assumem a forma federal tendo em vista razões de geografia e de formação cultural da comunidade. Um território amplo é propenso a ostentar diferenças de desenvolvimento de cultura e de paisagem geográfica, recomendando, ao lado do governo que busca realizar anseios nacionais, um governo local atento às peculiaridades existentes.

O federalismo tende a permitir a convivência de grupos étnicos heterogêneos, muitas vezes com línguas próprias, como é o caso da Suíça e do Canadá. Atua como força contraposta a tendências centrífugas.

O federalismo, ainda, é uma resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisões que afetam o país como um todo. A fórmula opera para reduzir poderes excessivamente centrípetos.

Aponta-se, por fim, um componente de segurança democrática presente no Estado federal. Nele o poder é exercido segundo uma repartição não somente horizontal de funções- executiva, legislativa e judiciária-, mas também vertical, entre Estados-membros e União, em benefício das liberdades políticas. (BRANCO, 2011, p. 832)

A divisão de recursos é essencial para a concretização da Federação, lembrando Ferreira Filho (2012, p. 88) que constitui “a medida da autonomia real dos Estados-membros”. Oportuno seu escólio:

Na verdade, essa partilha pode reduzir a nada a autonomia, pondo os Estados a mendigar auxílios da União, sujeitando-os a verdadeiro suborno. Como a experiência americana revela, pelo concurso financeiro, a União pode invadir as competências estaduais, impondo sua intromissão em troca desse auxílio.

A questão é mais complexa ainda nos tempos que correm. Pode a União, com suas faculdades econômicas e financeiras, manipular a seu bel-prazer o crédito mais o câmbio e o volume de papel-moeda. Daí decorre que de sua política é que depende a substância dos recursos à disposição dos Estados-Membros. Uma política inflacionária, por exemplo, pode reduzi-los a nada, tornando incapazes os Estados de pagar seus próprios funcionários. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 88-89)

Todavia, em que pese a influência do modelo estadunidense na formação da Federação brasileira, esta, “em função do modelo de Estado que existia à época do Império, originou-se da divisão política do Estado Unitário, com a conversão das antigas províncias em Estados federados”, de modo que “a Federação brasileira é de formação distinta daquela que lhe serviu de paradigma, pois é por segregação, e não por agregação” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 861).   

Em casos como o dos Estados Unidos, da Alemanha, da Suíça, o Estado federal resultou de uma agregação (federalismo por agregação) de Estados que a ele preexistiam. O Estado federal veio superpor-se a tais Estados. Noutros, como no Brasil, o Estado unitário, em obediência a imperativos políticos (salvaguarda das liberdades) e de eficiência, descentralizou-se a ponto de gerar Estados que a ele foram “subpostos” (federalismo por segregação). (destaques no original) (FERREIRA FILHO, 2012, p. 82)

3.1 DA AUTONOMIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

A autonomia dos Estados é assegurada pelos arts. 18, 25 e 28 da Constituição Federal, “que se consubstancia na sua capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração” (SILVA, 2013, p. 610)

Como lembra André Ramos Tavares (2013, p. 844), o “Estado-membro pode-se organizar, administrar e governar por si mesmo, sem precisar recorrer à União ou obter-lhe vênia”, embora essa “autonomia em seus diversos elementos” não possa  jamais “desgarrar-se dos contornos traçados pela Constituição Federal”, de sorte que “Autonomia não implica soberania, de forma que a obediência aos termos constitucionais é inafastável”. Para o autor, a capacidade de autogoverno decorre da não dependência do Estado “das autoridades da União, que não têm gerência sobre seus negócios” (TAVARES, 2013, 847).

A essência da organização político-administrativa do Brasil é a sua estrutura federativa. Os entes que a compõem são: a União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal. Cada um deles tem uma plêiade de competências que foram demarcadas pelo Texto Constitucional.

Eles possuem autonomia e capacidade para realizar as atribuições deferidas, como a capacidade administrativa, a capacidade tributária, a capacidade financeira, a capacidade legislativa etc. Como todos gozam de autonomia, nos limites estipulados constitucionalmente, não podemos dizer que haja uma hierarquia entre eles, como erroneamente se tem afirmado, que, por exemplo, a União prepondera sobre os Estados-membros e estes sobre os Municípios. A União não pode estorvar as competências tributárias dos Estados, sob pena de se atribuir ao Presidente da República a prática de crime de responsabilidade e de se requerer a declaração de inconstitucionalidade da medida ao Poder Judiciário.

Se não há uma hierarquia entre os entes federativos, o que existe é um sistema de repartição de competência em espaços de incidência, e nessa separação há maiores prerrogativas para a União, com o superdimensionamento de suas atribuições. Se um ente federativo não pode mandar no outro, se todos devem obedecer ao que foi estipulado na Lei Maior, se não pode existir usurpação de competências, impossível se torna a existência de uma hierarquia, em que um ente federativo deva se submeter ao outro. (AGRA, 2012, p. 355)


4. DO CONGRESSO NACIONAL

Na Federação Brasileira, o Poder Legislativo é bicameral, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que juntos compõem o Congresso Nacional (art. 44/ CF). Leciona Silva (2013, p. 511):

É da tradição constitucional brasileira a organização do Poder Legislativo em dois ramos, sistema denominado bicameralismo, que vem desde o Império, salvo as limitações contidas nas Constituições de 1934 e 1937, que tenderam para o unicameralismo, sistema segundo o qual o Poder Legislativo é exercido por uma única câmara. Debate-se muito sobre as vantagens e desvantagens de um ou de outro sistema. Mas a dogmática constitucional, desde a promulgação da Constituição dos EUA, recua aceitar o unicameralismo nas federações, por entender que o Senado é a câmara representativa dos Estados federados, sendo, pois, indispensável sua existência ao lado de uma câmara representativa do povo. (destaques o original)

São quatro os tipos conhecidos de bicameralismo, como salienta Ferreira Filho (2012, p. 195-196), variáveis “conforme a natureza da segunda Câmara”: (i) o aristocrático, que preponderou no século XIX mas, hodiernamente, experimenta sua “quase completa desaparição”, onde “a segunda Câmara destina-se a representar uma classe, a nobreza”, sendo “exemplo de Câmara assim destinada a dos Lordes, na Grã Bretanha, cuja influência juridicamente é quase nula mas que ainda é ponderável politicamente”, por englobar “a elite intelectual e profissional enobrecida pela Coroa, em razão de seus serviços”; (ii) o federal, onde “a Câmara alta representa os Estados; a baixa, o povo”; (iii) o sistemático, também conhecido como de moderação, no qual “a existência da segunda Câmara deriva da consideração da necessidade de se refrearem os impulsos da representação, estabelecendo uma Câmara cuja composição  faça agir o contrapeso”, sendo exemplos “o Senado italiano e do Senado francês contemporâneos”; e (iv) o técnico, no qual “a segunda Câmara é especializada, tendo uma função de assessoria técnica”, como as Câmaras Corporativas estabelecidas na Áustria de 1934.

4.1 DO CUSTO DO CONGRESSO

Com dados de 2007, a Transparência Brasil-TB apurou que apenas os valores despendidos anualmente aos congressistas estadunidenses, em média R$ 15,3 milhões, supera custos dos parlamentares brasileiros, em média R$ 10,2 milhões, “montante é 12 vezes maior do que os R$ 850 mil que o mandato de cada parlamentar custa na Espanha”; os gastos brasileiros são concentrados no Senado Federal, onde “cada um dos 81 senadores custa aos cofres públicos R$ 33,1 milhões por ano, enquanto o número correspondente para os 513 deputados federais é de R$ 6,6 milhões”. Entretanto, “elevado custo por mandato no Legislativo brasileiro não se limita ao Congresso Nacional”, porque também os legislativos das demais Unidades da Federação são dispendiosos:

País/ órgão

Orçamento do Legislativo

Parlamentares

Custo por Parlamentar

Brasil- Senado

R$ 2.680.468.223,00

81

R$ 33.092.200,28

Estados Unidos

R$ 8.174.300.000,00

535

R$ 15.279.065,42

Brasil

R$ 6.068.072.181,00

594

R$ 10.215.609,73

Câmara- DF

R$ 236.338.530,00

24

R$ 9.847.438,75

Brasil- Câmara dos Deputados

R$ 3.387.603.958,00

513

R$ 6.603.516,49

Assembleia- MG

R$ 496.937.556,00

77

R$ 6.453.734,49

Assembleia- RJ

R$ 445.431.493,00

70

R$ 6.363.307,04

Assembléia- RN

R$ 151.784.000,00

24

R$ 6.324.333,33

Assembleia- SC

R$ 243.840.000,00

40

R$ 6.096.000,00

Assembleia- MS

R$ 146.272.000,00

24

R$ 6.094.666,67

Câmara- Rio de Janeiro

R$ 295.294.534,00

50

R$ 5.905.890,68

Assembléia- RS

R$ 310.753.267,00

55

R$ 5.650.059,40

Assembléia- MT

R$ 132.100.000,00

24

R$ 5.504.166,67

Assembléia- SE

R$ 130.058.860,00

24

R$ 5.419.119,17

Câmara- São Paulo

R$ 278.232.198,00

55

R$ 5.058.767,24

Assembleia- GO

R$ 198.410.000,00

41

R$ 4.839.268,29

Assembleia- SP

R$ 436.560.984,00

94

R$ 4.644.265,79

Assembleia- RO

R$ 105.568.173,00

24

R$ 4.368.673,88

Assembleia- AM

R$ 104.035.000,00

24

R$ 4.334.791,67

Assembleia- PR

R$ 229.595.060,00

54

R$ 4.251.760,37

Assembleia- AL

R$ 108.000.000,00

27

R$ 4.000.000,00

Itália

R$ 3.766.705.810,60

945

R$ 3.985.932,07

Assembleia- PI

R$ 113.620.000,00

30

R$ 3.787.333,33

Assembleia- CE

R$ 163.394.055,00

46

R$ 3.552.044,67

Alemanha

R$ 2.104.494.224,60

614

R$ 3.427.515,02

Assembleia- PE

R$ 167.277.300,00

49

R$ 3.413.822,45

Assembleia- ES

R$ 98.764.000,00

30

R$ 3.292.133,33

Assembleia- AC

R$ 76.995.072,00

24

R$ 3.208.128,00

Assembleia- BA

R$ 194.633.000,00

63

R$ 3.089.412,70

Assembleia- PA

R$ 125.809.846,00

41

R$ 3.068.532,83

França

R$ 2.154.458.711,78

745

R$ 2.891.890,89

Assembleia- AP

R$ 67.868.595,00

24

R$ 2.827.858,13

Assembleia- MA

R$ 115.676.389,00

42

R$ 2.754.199,74

Assembleia- RR

R$ 58.560.852,00

24

R$ 2.440.035,50

Assembleia- PB

R$ 87.432.030,00

36

R$ 2.428.667,50

Canadá

R$ 952.581.722,62

413

R$ 2.306.493,28

Câmara- Belo Horizonte

R$ 92.759.069,00

41

R$ 2.262.416,32

Reino Unido

R$ 1.422.529.950,00

646

R$ 2.202.058,75

Câmara- Florianópolis

R$ 33.299.150,00

16

R$ 2.081.196,88

Assembleia- TO

R$ 48.188.374,00

24

R$ 2.007.848,92

México

R$ 1.187.041.566,45

628

R$ 1.890.193,58

Câmara- Porto Alegre

R$ 65.710.103,00

36

R$ 1.825.280,64

Câmara- Curitiba

R$ 69.000.000,00

39

R$ 1.815.789,47

Câmara- Recife

R$ 62.556.622,00

39

R$ 1.737.683,94

Câmara- São Luís

R$ 34.961.507,00

21

R$ 1.664.833,67

Câmara - Fortaleza

R$ 67.215.000,00

41

R$ 1.639.390,24

Câmara- Maceió

R$ 33.702.800,00

21

R$ 1.604.895,24

Câmara- Salvador

R$ 64.498.000,00

41

R$ 1.573.121,95

Câmara- Palmas

R$ 18.355.000,00

12

R$ 1.529.583,33

Câmara- Manaus

R$ 54.041.000,00

36

R$ 1.501.138,89

Chile

R$ 207.012.200,60

158

R$ 1.310.203,80

Argentina

R$ 427.671.000,00

329

R$ 1.299.911,85

Câmara- Natal

R$ 29.151.000,00

23

R$ 1.267.434,78

Câmara- Vitória

R$ 19.000.000,00

15

1.266.666,67

Câmara- Campo Grande

R$ 26.211.000,00

21

1.248.142,86

Câmara- Goiânia

R$ 41.509.910,52

34

1.220.879,72

Câmara- Cuiabá

R$ 19.247.000,00

19

1.013.000,00

Câmara- João Pessoa

R$ 20.158.806,00

21

959.943,14

Portugal

R$ 219.100.058,97

230

952.608,95

Câmara- Teresina

R$ 21.429.000,00

23

931.695,65

Câmara- Aracaju

R$ 17.638.095,00

19

928.320,79

Câmara- Boa Vista

R$ 11.738.000,00

13

902.923,08

Espanha

R$ 517.813.467,75

609

850.268,42

Câmara- Belém

R$ 30.117.330,00

36

836.592,50

Câmara- Porto Velho 

R$ 12.535.704,00

16

783.481,50

Câmara- Macapá

R$ 11.7000.000,00

15

780.000,00

Câmara- Rio Branco

R$ 10.014.675,00

14

715.333,93

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Sopesando as ponderações apresentadas pelo Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal contra o referido estudo elaborado pela Transparência Brasil, de que (i) a amostragem de Parlamentos estrangeiros foi muito diminuta; (ii) não foram consideradas “diferenças institucionais entre os países (em especial o fato de que o Congresso Nacional inclui entre seus gastos o pagamento de aposentadorias e pensões, o que não necessariamente ocorre nos demais parlamentos considerados nos estudos da TB)”; (iii) não foram consideradas “as diferentes atribuições dos parlamentos, que variam desde um papel figurativo até ampla inserção no processo decisório do Estado”; e (iv) existem equívocos metodológicos na aferição da “taxa de câmbio, não considerando a volatilidade do câmbio dos países envolvidos na análise nem se preocupando em ajustar os gastos pela ‘paridade do poder de compra’” (MENDES, 2009, p. 3-4), Marcos Mendes (2009, p. 29) conclui, com relação à remuneração dos parlamentares, que os valores pagos (i) “não parecem exagerados quando comparados com os das carreiras de nível superior do setor público federal”, porque “diversas carreiras, ao agregar gratificações de chefia e outros adicionais, tendem a ganhar mais que os parlamentares”; (ii) são superiores à remuneração “de cargos de direção de empresas privadas”. Com relação a esta última situação, o autor explica:

Esse fato, contudo, não pode ser apresentado como prova de remuneração excessiva dos parlamentares, pois decorre de dois efeitos:

a) a superioridade dos salários do setor público em relação ao setor privado;

b) a preponderância das micro e pequenas empresas no universo de empresas privadas, que tendem a puxar para baixo a média da remuneração de seus dirigentes (dado o grau de responsabilidade, o ideal seria comparar a remuneração dos parlamentares com a de dirigentes de empresas médias e grandes, mas essa informação não está disponível). (MENDES, 2009, p. 29- 30)

Ao final, Marcos Mendes (2009, p. 30) aduz que “os gastos do Legislativo nacional situam-se na média ou acima da média internacional, havendo espaço para enxugamento de gastos”, embora “um ajuste substancial da despesa depende muito mais de mudanças no sistema previdenciário do setor público do que de medidas administrativas das duas Casas legislativas”, e que não houve avaliação com relação à “qualidade e eficácia dos gastos: parlamentos com despesa abaixo da média podem estar gastando mal os seus recursos, e vice-versa”.

4.2 DO SENADO FEDERAL

Compreende-se o Senado Federal “como órgão legislativo federativo, uma vez que é formado por representantes de entidades da federação, eleitos pelo sistema de escrutínio majoritário, em número de 3 membros por Estado ou Distrito Federal”, aos quais é “assegurada a renovação da representação de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços, totalizando 81 Senadores da República, para o mandato de oito anos”. (PEÑA DE MORAES, 2013, p. 403- 404)

Suas atribuições estão fixadas no art. 52, embora atuem também conjuntamente com Deputados Federais nas matérias dos arts. 48 e 49, todos da Carta Política.

4.2.1 Da importância da Câmara Alta

Para Araújo (2012, p. 124- 125), “o Senado se equipara à Câmara em termos das respectivas listas de atribuições constitucionais legiferantes e extralegiferantes, ainda que os graus de simetria entre elas variem conforme os campos de atuação política”, ressaltando que, na seara “das atribuições legislativas relacionadas com a produção de políticas, ficou claro que a Câmara tem maior controle sobre as deliberações” porque, na maioria das vezes, a única possibilidade “de o Senado dar a palavra final é vetando os projetos previamente aprovados na Câmara, mas essa decisão nem sempre é possível, devido ao caráter dramático das escolhas”, resultando que, “em certos casos, os custos de uma rejeição total podem ser altos demais para serem assumidos pelos senadores”. O autor completa:

O certo é que, em decorrência da simetria e da incongruência típicas do bicameralismo brasileiro, o potencial legiferante do Senado vai muito além de sua função de eficiência, que promove o aprimoramento da legislação, e toca na essência das questões políticas, redistributivas e conflitivas, que afetam o processo legislativo e a produção de leis no Brasil. A segunda conclusão, igualmente importante e carente de estudos, relaciona a atuação do Senado à dinâmica de coalizões que fundamenta as relações entre Legislativo e Executivo. Se por um lado a incongruência bicameral pode gerar incentivos à manifestação ostensiva da simetria por parte dos senadores, por outro as estratégias adotadas pelo Executivo para formar sua base de apoio podem aumentar ou diminuir as bases para divergências políticas entre Senado e Câmara. Em outros termos, a configuração bicameral das coalizões montadas pelo governo pode reforçar ou mitigar os efeitos da incongruência nas interações do Senado com a Câmara. A propósito, o efeito da política de coalizões sobre a dinâmica das relações bicamerais não há de ser mera casualidade, ao contrário, deve ser o resultado de estratégias bem planejadas dos sucessivos chefes do Executivo para se entenderem com o Congresso. (ARAÚJO, 2012, p. 125- 126)

Em que pese o pensamento de Araújo (2012, p. 123), para quem é inegável “importância política do Senado brasileiro em face da estrutura bicameral vigente”, Silva adverte (2013, p. 513) que “A dogmática federalista firmou a tese da necessidade do Senado no Estado Federal como câmara representativa dos Estados federados”, adotada pelos constituintes de 1988, com a premissa de que os Senadores deveriam representar os interesses de seus Estados, o que não necessariamente ocorre:

O argumento da representação dos Estados pelo Senado se fundamentava na idéia, inicialmente implantada nos EUA, de que se formava de delegados próprios de cada Estado, pelos quais estes participavam das decisões federais. Há muito que isso não existe nos EUA e jamais existiu no Brasil, porque os Senadores são eleitos diretamente pelo povo, tal como os Deputados, por via de partidos políticos. Ora, a representação é partidária. Os Senadores integram a representação dos partidos tanto quanto os Deputados, e dá-se o caso não raro de os Senadores de um Estado, eleitos pelo povo, serem de partido adversário do Governador, portanto defenderem, no Senado, programa diverso deste; e como conciliar a tese da representação do Estado com situações como esta?

Nesse sentido Bulos (2012, p. 1084), para quem, “Na prática, o Senado em quase nada representa os Estados-membros; simplesmente funciona como uma espécie de segunda Câmara de representação popular”[2].  Daí porque Ferreira Filho (2012, p. 199) reconhece que o Senado Federal constitui uma Câmara “com laivos de inspiração moderadora”, ressaltando que, “em razão da existência de partidos nacionais que dividem entre si as cadeiras nele existentes, na realidade dos fatos o Senado é bem menos uma Câmara de representação dos Estados que uma outra assembleia popular, de espírito mais conservador”.

4.2.2 Dos suplentes

Os Deputados Federais são eleitos “pelo sistema proporcional” (caput do art. 45/ CF), enquanto os Senadores são “eleitos segundo o princípio majoritário” (caput do art.46/CF), com dois suplentes (§3º do art. 46/ CF). Para Altafin (2011),

O modelo atualmente em vigor tem recebido críticas dos próprios senadores. Essas críticas se devem ao fato de o eleitor votar no candidato a senador e depois ver um suplente, quase sempre desconhecido, assumir o lugar daquele que recebeu os votos. O número de suplentes na legislatura passada, que chegou a representar 20% das cadeiras no Senado, mostrou ser essa uma situação muito presente. Atualmente são dez os suplentes que exercem mandato na Casa. 

 No caso de Deputados Federais, está pacífico no Supremo Tribunal Federal- STF que a ordem dos suplentes observa a ordem de votação da coligação partidária, não bastando apenas pertencer ao mesmo partido do substituído[3]. Já no âmbito do Poder Executivo, Presidente, Governadores e Prefeitos são eleitos com seus respectivos vices[4].  

Assim, na esfera do Poder Legislativo, apenas com relação aos Senadores existe a possibilidade do prévio conhecimento de quem substituirá ao titular nas hipóteses legalmente previstas, da mesma forma como dos ocupantes da Prefeitura, da Governadoria e da Presidência; nos demais Legislativos, a substituição do titular se dará conforme a ordem de votação. 

4.3 DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

A Câmara dos Deputados é entendida “como órgão legislativo popular, na medida em que é formada por representantes do povo, eleitos pelo sistema de escrutínio proporcional, em número não inferior a 8 e superior a 70 membros por Estado ou Distrito Federal”, o que totaliza “513 Deputados Federais, para o mandato de quatro anos”. (MORAES, 2013, p. 403)

 Suas atribuições estão fixadas no art. 51, embora atuem também conjuntamente com os Senadores nas matérias dos arts. 48 e 49, todos da Carta Política.

Nos Estados Unidos, o número de deputados não pode exceder 435, e deve representar proporcionalmente a população dos 50 Estados; disso resulta, por exemplo, que em 2015 Estados como Alaska, Montana, Delaware e o Distrito de Columbia tenham apenas um representante cada, Florida 27, Louisiana 6, Massachusetts 9, Michigan 14, New York 27 etc .

4.3.1 Da representação proporcional

Dentro do sistema bicameral mantido pelos constituintes de 1988, caberia ao Senado Federal a representação equitativa dos Estados-membros e do Distrito Federal, e na Câmara dos Deputados a representação populacional de cada Unidade da Federação no Parlamento. 

Entretanto, a Câmara dos Deputados deve atentar-se, na sua composição, aos limites estabelecidos entre o mínimo de oito e o máximo de setenta deputados (art. 45, §1º, CF). Para Silva, “Essa regra que consta do art. 45, §1º, é fonte de graves distorções do sistema de representação proporcional”, pois

[...] com a fixação de um mínimo de oito Deputados e o máximo de setenta, não se encontrará meio de fazer uma proporção que atenda o princípio do voto com valor igual para todos, consubstanciado no art. 14, que é aplicação particular do princípio democrático da igualdade em direitos de todos perante a lei. É fácil ver que um Estado com quatrocentos mil habitantes terá oito representantes enquanto um de trinta milhões será apenas setenta, o que significa que um Deputado para cada cinquenta mil habitantes (1:50.000) para o primeiro e um para quatrocentos e vinte e oito mil e quinhentos e setenta e um habitantes para o segundo (1:428.571).

Em qualquer matemática, isso não é proporção, mas brutal desproporção [...]. (2013, p. 512-513)

Essa desproporcionalidade tem sido acentuada ao longo dos Textos constitucionais republicanos. Em 1891, a Constituição fixava que “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria” (art. 28), “em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado” (art. 28, §1º). Na Constituição de 1934, foi assentado que os eleitos deveriam representar, proporcionalmente, a população dos Estados e do Distrito Federal, “não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para cima, de um por 250 mil habitantes” (art. 23, §1º). Em 1937, a Carta Magna estabeleceu que “O número de Deputados por Estado será proporcional à população e fixado por lei, não podendo ser superior a dez nem inferior a três por Estado” (art. 48), o que perdurou até o advento da Lei Constitucional nº 9, de 1945, que modificou aqueles limites para um mínimo de cinco e um máximo de trinta e cinco.  Na Constituição de 1946, ficou dito que “O número de Deputados será fixado por lei, em proporção que não exceda um para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte Deputados, e, além desse limite, um para cada duzentos e cinqüenta mil habitantes” (art. 58), que com o advento da Emenda Constitucional nº 17, de 1965, teve a parte final do dispositivo alterada para que a proporcionalidade “não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além dêsse limite, um para cada quinhentos mil habitantes”. Em 1967, a Lei Maior determinou que a quantidade de Deputados obedecesse a “proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes” (art. 41, §2º). Com o novo Texto Constitucional em 1969, a quantidade de parlamentares na Câmara Federal passou a ser calculada conforme faixas preestabelecidas: (i) “até cem mil eleitores, três deputados” (art. 39, §2º, “a”); (ii) “de cem mil e um a três milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de cem mil ou fração superior a cinqüenta mil” (art. 39, §2º, “b”); (iii) “de três milhões e um a seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de trezentos mil ou fração superior a cento e cinqüenta mil”; e (iv) “além de seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de quinhentos mil ou fração superior a duzentos e cinqüenta mil”; posteriormente, a Emenda Constitucional nº 8, de 1977, estabeleceu que “nenhum Estado tenha mais de cinqüenta e cinco ou menos de seis deputados”, o que novamente foi alterado pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982, “para que nenhum Estado tenha mais de sessenta ou menos de oito deputados”. Os constituintes de 1988 apenas ampliaram o teto para setenta Deputados, sem corrigir efetivamente qualquer desproporção.

Tomando por base dados do IBGE de 2007, a somatória da população dos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro ultrapassa 50% da brasileira. Todavia, esses Estados ocupam apenas 18 vagas no Senado Federal, restando as outras 63 para outras unidades da Federação; tampouco a questão se resolve pela quantidade de assentos na Câmara dos Deputados, porque enquanto os Estados mencionados ocupam 246 cadeiras, os demais, que representam menos que a metade da população brasileira, possuem 267 lugares.

A desproporção fica mais flagrante quando tomados os dados populacionais do Estado de São Paulo, que em 2007 possuía 39,838 milhões de habitantes e representação no Congresso Nacional de 70 Deputados Federais e 3 Senadores. Somadas as populações dos sete Estados das regiões norte e dos três do centro oeste, mais a do Distrito Federal, perfaziam 27,789 milhões de habitantes, mas estavam representadas no Congresso Nacional com 106 Deputados Federais e 33 Senadores.

4.4 DAS EMENDAS AO ORÇAMENTO

Hodiernamente, conforme consta no endereço eletrônico do Senado Federal, existem quatro tipos possíveis de emendas apresentadas ao orçamento da União: as individuais, de autoria de cada Senador ou Deputado; as de bancada, sejam estaduais ou regionais; as de comissões técnicas, sejam da Câmara ou do Senado; e as de relatorias, apresentadas pelas Mesas Diretoras, sejam do Senado ou da Câmara.

A atual Constituição “resgatou a possibilidade de apresentação de emendas individuais ao projeto de lei orçamentária anual”, ao contrário da anterior, onde “somente os órgãos colegiados tinham essa prerrogativa”, leciona Túlio Cambraia, (2011, p. 1), que arremata:

As emendas individuais podem desempenhar importante papel na distribuição das receitas públicas, uma vez que procuram satisfazer os pedidos de verba elaborados por autoridades locais, nas quais os parlamentares estão politicamente vinculados. Elas procuram reduzir o desequilíbrio entre as receitas dos entes da Federação e as despesas necessárias para cumprir suas atribuições a fim de atender os anseios da população. No que tange ao aspecto político, por seu turno, elas representam uma maneira de renovar os relacionamentos políticos dos parlamentares com suas bases. (CAMBRAIA, 2011, p. 30)

Daí porque feliz a síntese de Roberto Macedo (2015), para quem

As emendas [...] são as apresentadas por parlamentares federais ao orçamento que o Poder Executivo envia anualmente ao Congresso Nacional. Seu principal objetivo? Agradar à base eleitoral de suas excelências nos Estados e municípios de origem, de olho na reeleição e, em qualquer caso, no aumento do prestígio político pessoal. No discurso, o propósito é trazer benefícios para comunidades carentes de serviços públicos.

Na verdade, “As emendas parlamentares são um dos pontos mais sensíveis na relação entre o Congresso e o Executivo”, porque “A liberação das verbas é usada como moeda de troca, pelos dois lados, especialmente em meio a votações de projetos estratégicos”, de modo que “O governo, não só a atual gestão, quase sempre usou a liberação extra de emendas em momentos de votações importantes para garantir apoio a matérias de seu interesse” (FALCÃO; BRAGON, 2015).

Como salientam Figueiredo e Limongi (2005, p. 739),

O Executivo precisa de votos dos parlamentares, mas não disporia dos meios para obtê-los. [...] como o presidente controla a execução orçamentária, o Executivo poderia trocar os recursos que os parlamentares querem levar às suas bases eleitorais pelos votos que necessita para aprovar sua agenda. A liberação de recursos do orçamento, portanto, seria o meio utilizado pelo Executivo para obter apoio dos parlamentares.

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Sobre o autor
Vladimir Polízio Júnior

Professor, advogado e jornalista. Membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/SP, 33ª Subseção de Jundiaí. É especialista em direito civil e direito processual civil, em direito constitucional e em direito penal e direito processual penal. Mestre em direito processual constitucional. Doutor em direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Pós-doutor em em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor de artigos e livros, como Novo Código Florestal, pela editora Rideel, Lei de Acesso à Informação: manual teórico e prático, pela editora Juruá, e Coleção Prática Jurídica, por e-book, com 4 volumes: Meio Ambiente e os Tribunais, Crimes contra a Vida e os Tribunais, Crimes contra o Patrimônio e os Tribunais, e Liberdade de Expressão e os Tribunais.

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