Antes da CF/88 ser promulgada a proteção à gestante era mínima. As empregadas somente tinham garantia legal ao salário-maternidade. A garantia de emprego não existia como regra geral, mas apenas como exceção negociada. Algumas categorias profissionais, as mais combativas e organizadas, lograram conseguir a estabilidade para a gestante através de Convenções Coletivas firmadas com os Sindicatos patronais. Com o tempo os TRTs passaram a conceder o benefício através de sentenças normativas em dissídios coletivos. Não havia, contudo, uniformidade e várias categorias profissionais não gozavam da proteção á maternidade.
A CF/88 inovou ao proibir a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, b, ADCT). Vários obstáculos, contudo, foram opostos ao instituto.
A princípio as empresas somente atribuíam esta garantia de emprego ás empregadas que informassem o estado gravídico ao empregador. A existência ou inexistência de ciência da gravidez foi objeto de longas demandas judiciais e a jurisprudência ficou divida. Uma parte da mesma considerava que a estabilidade independia do conhecimento da gestação. A outra entendia que a ciência da gravidez pelo empregador era essencial à concessão da estabilidade provisória.
Num outro front, as empresas contestaram a atribuição da estabilidade às gestantes com contrato de experiência. Argumentavam os juristas a serviço dos empregadores que há incompatibilidade entre a garantia do emprego e a natureza jurídica do contrato por prazo determinado. Novas disputas judiciárias, nova divisão da jurisprudência. Em razão da falta de uniformidade dois casos semelhantes poderiam ter destinos diversos dependendo da sorte ou azar da gestante com contrato de experiência que pleiteasse em Juízo os benefícios do art. 10, II, b, ADCT.
A outra objeção que feita à concessão da estabilidade provisória à gestante tinha como fundamento o momento do ajuizamento da ação. Entendiam alguns juristas que, para adquirir o direito, a empregada deveria ajuizar imediatamente a ação. A demora para processar o empregador acarretaria a renúncia à estabilidade provisória. Também neste caso a tese acarretou disparidades jurisprudenciais. Parte dos Juízes entendiam que a ação poderia ser ajuizada dentro do prazo prescricional sem prejuízo para a gestante. Parte entendia que a demora no ajuizamento da ação acarretava inevitavelmente a perda do direito á estabilidade provisória.
Após longas demandas judiciais a jurisprudência foi pacificada pelo TST. A proteção da maternidade é objetiva, portanto, independe do seu conhecimento ou não pelo empregador. A ação pode ser ajuizada pela gestante dentro do prazo prescricional, se a reintegração no emprego foi impossível a empregada deve ser indenizada. A garantia de emprego abrange inclusive os contratos por prazo determinado. É o que consta da Súmula 244, do TST:
“GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.”
Esta Súmula, contudo, tem sido interpretada de maneira distorcida em alguns casos. Há juízes de primeira instância que entendem que o Contrato Temporário não permite a concessão da estabilidade gestante. Há aqueles que, no TRT/SP, entendem o oposto:
“Insurge-se a reclamante aduzindo que faz jus a estabilidade gestante prevista no art. 10, II, "b" do ADCT, pois se encontrava grávida à época da dispensa.
Em que pese o entendimento da origem, prevalece hoje o entendimento de que a estabilidade provisória é direito da gestante mesmo no caso de contrato por prazo determinado (inciso III, da Súmula nº 244 do C. TST), como decorrência da proteção constitucional às gestantes e à criança, nos termos do artigo 10, inciso II, alínea "b" do ADCT.
Logo, o fato de a autora ter sido contratada como temporária, não obsta o direito a indenização pretendida, sobretudo porque o contrato temporário é por prazo determinado e nenhum dos argumentos trazidos pela ré tem acolhida diante do que é hoje o direito positivo brasileiro.
Dou provimento ao apelo para condenar a ré ao dos salários devidos desde a ruptura contratual ocorrida, até 05 meses pós o parto, abrangendo as frações de férias + 1/3, 13º salários e FGTS + 40%.” (TRT-SP, processo nº 1000013-61.2015.5.02.0232, RECORRENTE: LETICIA FERREIRA DA SILVA, RECORRIDAS: 1. RIGHT TIME RECURSOS HUMANOS E SERVIÇOS TEMPORÁRIOS LTDA; 2. SAFRA COMÉRCIO DE PAPÉIS LTDA, Acórdão publicado em 26/06/2015).
Dentro do próprio TRT/SP, contudo, há divergência acerca da interpretação da Súmula 244 do TST. Num caso recente, aquele Tribunal interpretou a mesma de maneira a afastar a garantia de emprego porque a empregada demorou para ajuizar sua ação. O TST reformou a decisão do TRT/SP através do seguinte Acórdão:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS E DEMAIS CONSECTÁRIOS DE TODO O PERÍODO ESTABILITÁRIO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. Caracterizada a hipótese da alínea a do artigo 896 da CLT, merece ser processada a Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS E DEMAIS CONSECTÁRIOS DE TODO O PERÍODO ESTABILITÁRIO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. LIMITAÇÃO DO DIREITO AO PERÍODO POSTERIOR AO DO AJUIZAMENTO DA RECLAMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos do item II da Súmula n.º 244 do TST, a garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. Desse modo, a Reclamante tem direito à reintegração ou à indenização correspondente aos salários, que deveriam ter sido pagos durante todo o período de estabilidade, porquanto o ajuizamento da respectiva Reclamação Trabalhista, no decorrer do período estabilitário, ou ainda que findo o período de estabilidade, não tem o condão de limitar a aplicabilidade da estabilidade provisória conferida à gestante (art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), ou da indenização substitutiva correspondente. Recurso de Revista conhecido e provido." (TST, 4ª Turma, publicado no Diário Oficial em 20 de junho de 2014, Acórdão na integra -http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20138-14.2011.5.02.0385&base=acordao&rowid=AAANGhAA+AAANUsAAQ&dataPublicacao=24/06/2014&localPublicacao=DEJT&query)
As batalhas em torno da proteção à maternidade não acabaram. E certamente continuarão a produzir divergência em relação às questões aqui levantadas e a outras que surgiram. Uma delas, a mais recente, diz respeito á indenização por dano moral devida às empregadas dispensadas grávidas. Há decisões rejeitando a indenização ou condicionando a mesma à prova efetiva do dano moral. Mas também há decisões concedendo este direito às gestantes em razão do dano moral ser presumido e decorrente da própria fragilidade da empregada durante o período de gestação.
“A reclamante recorre da decisão aduzindo que foi dispensada por estar grávida, motivo pelo qual sofreu constrangimento e humilhação."
Aqui reside minha divergência com o voto do Exmo Sr. Relator sorteado, pois entendo que a dispensa da trabalhadora grávida sob o argumento de que o contrato é por prazo determinado viola a dignidade da reclamante, bem como lhe causou uma série de privações, em especial diante da ausência do salário.
Aliás, desde setembro de 2012 a jurisprudência do TST reconhece a estabilidade de gestante para os contratos por prazo determinado (Súmula nº 244).
Assim, defiro o pagamento de indenização por dano moral, a qual arbitro no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O valor será atualizado a partir da data deste julgamento e juros a partir do ajuizamento. Descabem descontos de INSS e IRPF ante a natureza indenizatória da verba.” (TRT-SP, processo nº 1000013-61.2015.5.02.0232, RECORRENTE: LETICIA FERREIRA DA SILVA, RECORRIDAS: 1. RIGHT TIME RECURSOS HUMANOS E SERVIÇOS TEMPORÁRIOS LTDA; 2. SAFRA COMÉRCIO DE PAPÉIS LTDA, Acórdão publicado em 26/06/2015).
“A reparação financeira de cunho moral tem lugar quando o empregador ou seus prepostos submetem o empregado a condições que lhe provocam dor e sofrimento, atingem sua honra ou imagem frente aos demais, vilipendiam sua integridade como ser humano, causando-lhe prejuízos de ordem imaterial, impalpável e incomensurável, que afligem a esfera psíquica de sua personalidade.
Ora, é evidente que a forma adotada para a ruptura contratual, estando a reclamante grávida e às vésperas do nascimento de seu filho, causou-lhe imenso constrangimento e influenciou negativamente seu grau de auto-estima e, como corolário, sua integridade como ser humano, sua auto-imagem frente aos demais.
Tais circunstâncias são mais que suficientes para ensejar o pagamento de indenização por dano moral.
Sua fixação, entretanto, deve considerar os padrões estabelecidos pelo artigo 944 do Código Civil. Assim, deve o Juiz se pautar pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A indenização deve satisfazer o interesse de compensação da vítima, a fim de atenuar-lhe o sofrimento, sem se esquecer de seu caráter pedagógico, que objetiva reprimir a conduta do agente, mas não pode servir com meio de empobrecimento deste ou de enriquecimento daquela.
Atenta a tais parâmetros, fixo a indenização em R$ 7.020,00 (sete mil e vinte reais), conforme postulado.” (TRT/SP, processo nº 01350200938102008, Relatora Designada Rilma Aparecida Hemetério, Acórdão nº 20100173181, publicado em 16/04/2010).
Estas disputas, creio, dizem menos sobre a qualidade da Justiça do Trabalho do que sobre a natureza perversa da própria sociedade brasileira. A proteção à gestante (uma realidade constitucional e jurisprudencial) já deveria ser um lugar comum, mas segue sendo violentada e contestada de maneira sistemática. O desejo de obter lucro a qualquer custo continua sendo uma motivação mais forte do que o respeito à dignidade humana das empregadas. O vil metal cintila mais forte nos olhos dos empregadores brasileiros do que os sorrisos das crianças que as operárias deles colocam no mundo.
O Mercado, incensado diariamente pela imprensa, não tem nem coração, nem humanidade, nem qualquer compromisso real com a proteção da maternidade. O mais trágico, porém, é ver as próprias operárias sendo induzidas a votar em políticos que gostariam muito de revogar os direitos que elas com dificuldade conseguiram.