A análise econômica do Direito chega ao STJ

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O STJ proferiu decisão que cita de forma explícita a Análise Econômica do Direito. Isto evidencia sua importância e a urgência em se consolidar seus estudos em terras brasileiras.

Aqueles que estudam a Análise Econômica do Direito no Brasil podem comemorar mais uma vitória nessa longa caminhada que é dar evidência à matéria estudada. O Superior Tribunal de Justiça proferiu, em sede de Recurso Especial, decisão utilizando de forma explícita a metodologia da AED.

A lógica e a sistemática econômica sempre estiveram presentes nas decisões judiciais pelas comarcas e tribunais do Brasil, mas dificilmente era possível encontrar a confissão de seu uso, muitas vezes ela é até mesmo rechaçada de forma violenta. Essa resistência merece um estudo aprofundado, mas há pistas claras que ajudam a justificá-la[1].

Apesar dessa virtual resistência, o fato é que os tribunais têm tomado a dianteira no que se refere ao uso das razões econômicas para explicar o Direito, demonstrando que o movimento da AED está cada vez mais enraizado no nosso sistema jurídico.

É preciso que se admita que um repertório teórico é necessário para a real compreensão de uma matéria, mas que muitas vezes esse repertório nasce da própria prática. No caso da Análise Econômica do Direito, podemos afirmar que ela decorre naturalmente da nova sistemática jurídica que estamos vivendo.

O Acórdão em tela foi proferido no Recurso Especial nº 1163283/RS.

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. LEI N. 10.931/2004. INOVAÇÃO. REQUISITOS PARA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO A TODOS OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO.

1. A análise econômica da função social do contrato, realizada a partir da doutrina da análise econômica do direito, permite reconhecer o papel institucional e social que o direito contratual pode oferecer ao mercado, qual seja a segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais capazes de proteger as expectativas dos agentes econômicos, por meio de instituições mais sólidas, que reforcem, ao contrário de minar, a estrutura do mercado.

2. Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito.

3. A Lei n. 10.931/2004, especialmente seu art. 50, inspirou-se na efetividade, celeridade e boa-fé perseguidos pelo processo civil moderno, cujo entendimento é de que todo litígio a ser composto, dentre eles os de cunho econômico, deve apresentar pedido objetivo e apontar precisa e claramente a espécie e o alcance do abuso contratual que fundamenta a ação de revisão do contrato.

4. As regras expressas no art. 50 e seus parágrafos têm a clara intenção de garantir o cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis tal como pactuados, gerando segurança para os contratantes. O objetivo maior da norma é garantir que, quando a execução do contrato se tornar controvertida e necessária for a intervenção judicial, a discussão seja eficiente, porque somente o ponto conflitante será discutido e a discussão da controvérsia não impedirá a execução de tudo aquilo com o qual concordam as partes.

5. Aplicam-se aos contratos de financiamento imobiliário do Sistema de Financiamento Habitacional as disposições da Lei n. 10.931/2004, mormente as referentes aos requisitos da petição inicial da ação de revisão de cláusulas contratuais, constantes do art. 50 da Lei n. 10.931/2004.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1163283/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 04/05/2015) (grifo nosso)

O julgado acima merece breves comentários, mas anote-se que é animador ver que as cortes superiores já vislumbrem a Análise Econômica do Direito não apenas como ferramenta implícita das decisões, mas também como fundamento explícito.

Transpor a lógica da Análise Econômica do Direito, que nasceu em ambiente de “common law”, numa cultura jurídica totalmente diferente do nosso país, para o mundo do “Civil Law” é tarefa que aparenta ser difícil, principalmente se considerarmos nossa falta de tradição no campo econômico em si e das amarras legalistas que o próprio ordenamento impõe. Falo “aparenta” por entender que é totalmente possível e muitas vezes desejável tal transposição.

No “imperialismo de princípios” em que vivemos, fica cada vez mais clara a necessidade de se estudar o ordenamento de forma a entendê-lo de forma mais ampla. Não podemos mais ficar presos ao claustro do passado ao qual nos condena a doutrina ensinada nas faculdades, pois as conseqüências das normas aparecem como subsídios mais precisos não apenas para descrevermos o Direito, mas também para elaborarmos previsões. A atividade do magistrado é muito menos a de mero aplicador de normas postas, é mais a de um partícipe na própria construção do ordenamento.

Na decisão do STJ que aqui comentamos temos a alusão expressa a essa visão consequencialista do Direito, mais precisamente à Análise Econômica da Função Social dos Contratos. O relator sela essa parceria do Direito com a Economia nos remetendo à função última da norma esculpida no art. 50 da Lei 10.931/2004. Infelizmente, em um só voto não é possível tangenciar todas as temáticas trazidas à tona pela AED, que vai muito além das matérias necessariamente econômicas, como o Direito da Concorrência, o Direito Bancário e outros. Na verdade a Análise Econômica do Direito nasce de uma fuga dupla: fuga da Economia dos pressupostos metodólogicos estritamente matemáticos e voltados para os mercados explícitos; e fuga do Direito da ideologia legalista que apenas enxerga o juiz como aplicador do Direito[2].

No caso em tela o Ministro alude ao reconhecimento das consequências do contrato, não apenas às implicações legais tão conhecidas pelos operadores do direito, mas às conseqüências de mercado, ao impacto do cumprimento dos contratos no mercado, ao impacto da solidez das instituições nas transações. Houve a preocupação explícita com a sanidade do próprio mercado e não apenas com o subsídio normativo.

“ Art. 50. Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia.

§ 1o O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados”

A norma apontada tem o condão de cumprir o que determina o princípio explícito da eficiência processual, trazido pelo Novo Código de Processo Civil, fazendo com que os fins sejam atingidos com o menor uso dos recursos disponíveis. A eficiência processual não está ligada unicamente com a devida satisfação daqueles que procuram o judiciário para compor suas lides, mas verdadeiramente ao esforço depreendido para tal feito. Quanto menor o esforço, mais eficiente será o processo[3].

Com o aludido artigo se evita que a demanda judicial atrapalhe o andamento total do contrato, pois muitas vezes os autores só questionam uma parte dele. Com isso se busca o não desperdício financeiro e a segurança jurídica dos negócios. Seria necessariamente injusta a falta de eficiência econômica dos contratos. Não haveria de se falar em desenvolvimento nem em um mercado dinâmico se no ordenamento jurídico imperasse a incerteza. Tal atributo é essencial para que o mercado não apenas se desenvolva, mas também ganhe robustez e torne cada vez menos necessária a intervenção estatal em sua sede.

Veja que com a observância da eficiência em sede processual também vamos obter a eficiência da própria economia. Não se trata apenas de reconhecer que há influência da Economia na formulação das leis, mas adotar a visão consequencialista para prever (ou pelo menos tentar) o que ocorrerá com a aplicação ou não de determinada norma.

Enfim, com essa boa notícia vemos que a Análise Econômica do Direito vai se enraizando na Doutrina e na Jurisprudência do Brasil, auxiliando a compreender de forma mais rica as nuances do sistema. O caminho ainda é longo para percorrer, mas a disposição dos doutrinadores com a abertura de nossas cortes talvez acelere cada vez mais esse processo.

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Bibliografia

CARVALHO, Cristiano. (2008) Ficções Jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008.

CARVALHO, Cristiano. (2013) Teoria da Decisão Tributária. São Paulo: Saraiva.

CARVALHO, Cristiano.(2005) Teoria do Sistema Jurídico. Direito, Economia, Tributação. São Paulo: Quartier Latin.

CARVALHO, Cristiano; MATOS, Ely Lopes. (2008) Entre princípios e Regras. Uma proposta de análise econômica do direito tributário. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº 157, outubro.

CARVALHO, Paulo de Barros. (2000) Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva.

COELHO, Cristiane de Oliveira. (2007) A análise econômica do direito enquanto ciência: uma explicação de seu êxito sob a perspectiva da história do Pensamento Econômico. Latin American and Caribbean Law and Economics Annual Papers. Paper 05010

COOTER, Robert & ULEN, THOMAS. (2007) Introduction to Law and Economics (5th ed.).Disponível em: http://works.bepress.com/robert_cooter/56, acessado em 14/07/2014.

GICO, Ivo Teixeira. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. In Economic Analysis of Law Review. EALR, V. 1, nº 1, p. 7-33.

POSNER, Richard A. (Novembro, 2004) The Law and Economics of Contract Interpretation (November 2004). U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper No. 229. 

POSNER, Richard. A Economia da Justiça.  São Paulo: Martins Fontes, 2010

SALAMA, Bruno. (Janeiro de 2008) O que é Direito e Economia? In Direito e Economia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 49-61.

SALAMA, Bruno. (Junho de 2008) In search of a broad research agenda in Law & Economics for Latin America. In The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. V. 3, nº 1, art. 5.

SALAMA, Bruno. PARGENDLER, Mariana. Law and Economics in Civil Law: the Case of Brazilian Courts. Stanford Law School. Working Paper nº 471. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2514577.


 


[1] Interessante discussão sobre tais críticas podem ser vistas em: SALAMA, Bruno. PARGENDLER, Mariana. Law and Economics in Civil Law: the Case of Brazilian Courts. Stanford Law School. Working Paper nº 471. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2514577.

[2] POSNER, Richard. A Economia da Justiça.  São Paulo: Martins Fontes, 2010. Pg. 71.

[3] E aqui a discussão merece um aprofundamento maior que, infelizmente, não cabe neste pequeno artigo. O Novo Código de Processo Civil consagra não apenas em suas normas fundamentais o princípio da Eficiência, mas também em diversos dispositivos do código. A Eficiência é totalmente assemelhável ao que conhecemos como “Economia Processual”, mas seu viés pode ser arrancado também do Processo Administrativo. Dessa forma temos um modelo misto de “eficiência” que não está totalmetne voltado ao seu conteúdo Econômico em si mesmo, nem também ligado ao seu conteúdo jurídico puro. Esse princípio é uma das novidades mais interessantes do novo CPC e merece estudo pormenorizado.

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Sobre o autor
Paulo Fernando de Lima Oliveira

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogado militante. Mestrando em Teoria Geral do Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Especializando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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