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O dano social como nova categoria de dano na responsabilidade civil e a destinação da sua indenização

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3. Análises de alguns julgados

3.1 Dano social em matéria contratual

Segundo consta do julgado em análise, houve uma fraude no sistema de loterias, chamado de “Toto Bola”, em que as pessoas compravam as cartelas, sem, contudo, obter chances de êxito. Com isso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu pela ilicitude da prática e aduziu que o dano material sofrido pelas vítimas limitava-se ao valor da cartela adquirida pelos consumidores, bem como entendeu pela inexistência de dano moral puro, ante a ausência de lesão a algum direito da personalidade:

TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. O Direito deve ser mais esperto do que o torto, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (RIO GRANDE DO SUL, 2014a).

No entanto, o referido tribunal entendeu que o dano causado por essa prática repercutiu mais na esfera social que no pessoal, causando assim um dano social, passível de reparação. Nesta senda, a indenização assumiria um caráter punitivo/ dissuasório, objetivando punir os autores pela prática danosa, mas também coibir que atos lesivos como esse se repitam, fugindo da tradicional concepção compensatória/ reparatória que a indenização possui.

Por entender que a sociedade foi a vítima maior dessa prática ilícita, o respectivo tribunal determinou que a verba indenizatória fosse destinada a um fundo social, pois, caso esta fosse revertida para o particular, o quantum indenizatório seria exagerado, caracterizando enriquecimento ilícito por parte da vítima, o que ficou qualificado no julgado como over compensation. Por esses motivos, o valor foi revertido para o Fundo Gaúcho de Defesa do Consumidor, criado pela lei estadual nº 10913 de 1997 (RIO GRANDE DO SUL, 2014b).

O caso em tela trata de protesto indevidamente realizado pelo Banco Santander de uma duplicata, o que levou a autora a ajuizar ação pleiteando danos morais, materiais e sociais. A sentença, no entanto, entendeu que o banco era parte ilegítima na ação, oportunidade em que extinguiu o processo sem resolução do mérito. Irresignada, a autora interpôs apelação objetivando a reforma da sentença, no sentido de reconhecer a legitimidade passiva do Banco Santander, bem como condená-lo em danos morais, pela negativação indevida de seu nome, em danos materiais, pelas despesas que esta teve com honorários advocatícios para propor a demanda, e em danos sociais, visto que tal ato gera reflexos não só na autora, mas também em todos os clientes do banco, que possam ser vítimas desse tipo de conduta

APELAÇÃO DUPLICATA INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS E MATERIAIS PROTESTO INDEVIDO LEGITIMIDADE ENDOSSO-MANDATO 'QUANTUM' HONORÁRIOS CONTRATUAIS DANO EMERGENTE DANO SOCIAL REPELIDO. - Duplicata que é título causal, exigível, a despeito da falta de aceite, desde que demonstrado o negócio jurídico, com de documento hábil da entrega da mercadoria (art. 15, II, b, da Lei 5.474/68) requisitos cumulativos; - Negócio jurídico subjacente quitado vício no negócio que impede a exigibilidade do título, carente de lastro; - Inconteste legitimidade, aferida a partir da relação de direito material - endosso-mandato ou translativo que não repelem a responsabilidade da instituição bancária de garantir a higidez do título emitido de forma fraudulenta precedentes desta C. Câmara; - O abalo de crédito viola elemento integrante da moral humana, constituindo dano (modalidades própria e imprópria) indenizável inteligência dos artigos 186, 188 e 927 do Código Civil; - 'Quantum' arbitrado de acordo com a extensão do dano e com os paradigmas jurisprudenciais (art. 944, do CC) R$10.000,00; - Divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza dos honorários expressos nos artigos 389 e 404 do Código Civil. Função social do contrato que permite a eficácia externa do contrato de honorários, para garantir a plena restituição dos danos materiais impostos em decorrência de violação contratual precedentes; - Danos materiais que dependem de efetiva comprovação (art. 402 do Código Civil), recibo de patrono, em valor compatível com a razoabilidade e proporcionalidade da pretensão principal, honorários que consistem em dano emergente procedência do pedido indenizatório; - Dano social correspondência da eficácia punitiva da indenização com a interpretação restrita do artigo 944, do Código Civil doutrina e jurisprudência; - Dano social não verificado conduta danosa que não se qualificou como especialmente relevante para a sociedade eficácia SOCIAL da conduta que não pode ser considerada a partir da simples reiteração da falta de zelo da Instituição Bancária no protesto de títulos; RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(SÃO PAULO, 2014a).

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o aludido recurso, reformou a decisão de piso para reconhecer a legitimidade do banco, bem como condená-lo em danos morais e materiais, pela negativação indevida do nome e as despesas com advogado que a autora suportou. Contudo, no tocante ao dano social, o tribunal entendeu não estar configurado, sob o argumento de que a mera conduta reiterada não é suficiente para caracterizar o dano social, devendo o mesmo possuir lesividade para além das partes envolvidas, e a conduta do banco não possui relevância social, motivo pelo qual afastou a incidência do dano social no caso concreto.

3.2 danos sociais na relação trabalhista

No caso em tela, o Tribunal Regional do Trabalho do Estado de Rondônia analisou a prática do chamado “dumping sócio- trabalhista”. Tal prática ocorre quando as empresas, objetivando obter maiores lucros e competitividade de seus produtos no mercado, agem em detrimento dos direitos trabalhistas e reduzem os trabalhadores a condições precárias de trabalho, pois dessa maneira os custos de produção serão reduzidos, mesmo que para isso aqueles sejam submetidos a condições desumanas de trabalho. É certo que essa constitui uma prática ilícita:

DUMPING SÓCIO-TABALHISTA - CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO PELO DANO SOCIAL DE NATUREZA SUPLEMENTAR EM PROL DO FAT - Dumping sócio-trabalhista é um termo utilizado para designar a prática empresarial visando à redução dos custos da mão obra, mediante o descumprimento reiterado da legislação. Segundo a doutrina de Jorge Luiz Souto Maior, a precarização completa das relações sociais, decorrentes das reiteradas agressões aos direitos trabalhistas, traduzem a prática de Dumping Social, capaz de gerar um dano à sociedade, ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Segundo o doutrinador, os fundamentos positivistas da reparação por dano social encontram-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, e artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT. Nesse contexto, caracteriza-se o dumping quando a empresa obtém vantagens em decorrência da supressão ou do descumprimento total ou parcial de direitos trabalhistas, reduzindo com essa postura o custo da produção, e potencializando maior lucro, o que, no fundo e em última análise, representa uma conduta desleal de prática comercial de preço predatório, além, é claro, da evidente violação aos direitos sociais. Esse importante tema foi objeto de estudo da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada no final de 2007, e desaguou no Enunciado nº 4, in verbis: ‘DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido 'dumping social', motivando a necessária reação do Judiciário Trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único, do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, 'd', e 832, § 1º, da CLT’. Assim, evidenciada a prática de dumping sócio-trabalhista, impõe-se a condenação da empresa ao pagamento de uma indenização suplementar em prol do FAT. (BRASIL, 2014d).

Dessa maneira, entende o aludido tribunal que tal prática configura um dano social, visto que as supressões reiteradas de direitos garantidos na legislação social é uma prática altamente reprovável, pois afeta diretamente o Estado social e a estrutura do sistema capitalista, em virtude da concorrência desleal proporcionada no mercado, merecendo, portanto, punição por parte do Judiciário.

Assim, diante do dumping sócio-trabalhista cometido pela empresa, o Tribunal condenou-a por dano social, impondo o pagamento de indenização suplementar de caráter punitivo, cuja verba foi revertida para o FAT (Fundo de Assistência ao Trabalhador), que é um fundo de natureza contábil- financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, e destina-se a custear programas do Seguro-Desemprego, Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. (FUNDO..., 2014).

Dessa forma, a indenização revertida para esse fundo social auxiliará no desenvolvimento e na própria qualidade de vida do trabalhador, que poderá usufruir de programas voltados para seu próprio benefício.

3.3 Dano social em relação de consumo

No presente julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhece a existência do dano social, bem como a função punitiva/dissuasória que a responsabilidade pode civil pode possuir, o que torna cada vez mais evidente a consolidação do dano social no direito brasileiro, quebrando assim o paradigma que a indenização fica tão somente restrita a reparar ou compensar a vítima pelo dano sofrido:

Ementa: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO PARA CANCELAMENTO DE SERVIÇOS NÃO CONTRADOS. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MULTA COMINATÓRIA. Hipótese dos autos que revela a ocorrência de lesão a direitos de personalidade. Na espécie, vislumbra-se a presença de dano social na conduta da ré, a justificar a invocação da função punitiva/dissuasória da responsabilidade civil. A decisão que fixa astreintes em sede de tutela antecipada possui caráter executivo autônomo, não sendo passível de análise a questão da incidência e cômputo da cominação no acórdão que julga a apelação. Confirmados os honorários advocatícios arbitrados na sentença em valor proporcional à singeleza da demanda. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2014c).

Trata-se de julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual este condenou a operadora de plano de saúde no pagamento de danos morais à vítima, pela negativa em prestar atendimento diante de um caso de infarto. Além disso, o Tribunal entendeu que tal prática caracterizou um dano social, visto que o direito a saúde da pessoa foi diretamente atingido na presente situação.

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PLANO DE SAÚDE. Pedido de cobertura para internação. Sentença que julgou procedente pedido feito pelo segurado, determinado que, por se tratar de situação de emergência, fosse dada a devida cobertura, ainda que dentro do prazo de carência, mantida. DANO MORAL. Caracterização em razão da peculiaridade de se cuidar de paciente acometido por infarto, com a recusa de atendimento e, consequentemente, procura de outro hospital em situação nitidamente aflitiva. DANO SOCIAL. Caracterização. Necessidade de se coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde, a propósito de hipóteses reiteradamente analisadas e decididas. Indenização com caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de reais que não se confunde com a destinada ao segurado, revertida ao Hospital das Clinicas de São Paulo. LITIGÃNCIA DE MÁ FÉ. Configuração pelo caráter protelatório do recurso. Aplicação de multa. Recurso da seguradora desprovido e do segurado provido em parte. (SÃO PAULO, 2014b).

Dessa forma, a condenação da operadora pelo dano social cometido tem o intuito de coibir a prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde, diante de situações largamente apreciadas e decididas pelo judiciário. Por isso, a referida corte condenou a empresa no pagamento de indenização no R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em caráter expressamente punitivo, em razão do dano social, que deveria ser revertido ao Hospital das Cínicas de São Paulo, deixando claro que tal verba não se confunde com a indenização destinada à vítima.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSUMIDOR. DANO SOCIAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na alínea a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra julgado da Primeira Turma Julgadora Mista da 7ª Região do Tribunal de Justiça de Goiás, que decidiu: “APELAÇÃO CÍVEL [RECURSO]. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CONDUTA CAUSADORA DE DANOS MORAIS. VALOR ARBITRADO SEGUNDO PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANO PUNITIVO. POSSIBILIDADE NO SISTEMA JURÍDICO PÁTRIO. NORMA PROIBITIVA DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INSTITUIÇÃO DE CARÁTER SOCIAL BENEFICIÁRIA DE PARTE DO VALOR. Pretensão indenizatória oriunda de constrangimentos passados por consumidores de serviço de telefonia móvel como o cancelamento do número da linha, sem possibilidade de portabilidade e migração. Não pode o judiciário compactuar com a conduta levada a efeito pelos prepostos da ré, posto que, empresas que atuam por concessão do poder público tem o dever jurídico de prestar suas atividades essenciais com eficiência,atenção e consideração no trato para os cidadãos.[...] Outrossim, deve-se ater, na tarefa de arbitramento de um justo valor compensatório, para o viés de punição ao infrator, capaz de desestimulá-lo a reincidir na prática do ato ilícito, tudo visando resguardar que empresas como a executada mudem de postura, coibindo a reiteração de condutas lesivas, que desrespeitam os direitos dos consumidores e representam o chamado dano social. Por tal razão, buscando equilibrar todos esses elementos, pode o julgador destinar parte do valor da condenação à instituição pública de caráter social. Recurso parcialmente provido, para reformar parcialmente a sentença, declarando rescindido o contrato de prestação de serviços firmados pelas partes. Mantida, no mais, a sentença” (fl. 82). 2. A Recorrente alega que a Turma Recursal teria contrariado o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição da República. Argumenta que: “não existe qualquer dispositivo processual que autorize o douto Magistrado a impor a referida ‘indenização social’, por mais que a justifique com base no sistema protetivo à relação de consumo e aos consumidores. Ora, o próprio Código de Defesa do Consumidor não previu indenização a esse título” (fl. 103). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste à Agravante. O Juiz Relator na Primeira Turma Julgadora afirmou: “o ‘quantum’ indenizatório do dano moral vem se mantendo num patamar que não provoque no beneficiário acréscimo substancial de patrimônio e, assim permanecendo, não serve de incentivo às empresas para adoção de medidas que impliquem melhoria dos produtos e serviços. A condenação punitiva viria, então, em complemento àquela indenização concedida à vítima em particular, em observância à repercussão social daquele comportamento negligente do fornecedor. A juíza prolatora da sentença atacada fundamentou com maestria a medida, não merecendo qualquer reparo, seja para diminuição do valor, seja para sua supressão, seja para aumentar a indenização da vítima. Transcrevo trecho da fundamentação: (...) De outro lado, de forma indireta a finalidade dessa pena privada, de que estou tratando, também terá reflexos sobre outras empresas do mesmo ramo que insistem em manter na sua planilha de custos e benefícios a infringência aos direitos dos consumidores como fator multiplicador de suas riquezas. O art. 883, parágrafo único do Código Civil, preceitua que no caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz’. O dispositivo está inserido no capítulo do pagamento indevido de forma a justificar que eventual pagamento feito nessas condições poderá ter uma destinação social. Ora, interpretando-se teleologicamente a norma, tenho que em se tratando de punição ao chamado dano social o benefício deve vir em prol da mesma sociedade afetada. Assim, o valor a ser fixado pode ser revertido tanto para um dos Fundos existentes no município que têm cunho social ou mesmo de forma direta para uma entidade com o mesmo escopo. Para concluir, o dispositivo invocado é norma de ordem pública e por tal motivo independe de qualquer pedido para sua apreciação e aplicação e ofício [...] Pelo exposto, nego seguimento a este recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. (BRASIL, 2014e).

O Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário que atacou a decisão proferida pela Primeira Turma Julgadora Mista da 7ª Região do Tribunal de Justiça de Goiás, posicionou-se de forma importante a respeito do dano social. Na oportunidade, a Ministra relatora Carmen Lúcia, entendeu que a decisão recorrida não merecia reparos no tocante a configuração do dano social e na função punitiva/ dissuasória que a indenização deste possui.

A Suprema Corte, por meio do julgado ora analisado, admitiu de forma clara e objetiva que a condenação ao pagamento de indenização punitiva, chamada no julgado de “pena privada”, servirá não só a empresa condenada, mas também, de forma indireta, às demais empresas que adotam práticas ilícitas reiteradas com o intuito de obter lucro, como uma forma didática para que elas se abstenham dessas condutas, sob pena de também serem condenadas por isso. Além disso, o Supremo afirmou ser o dano social de interesse público, o que independe de pedidos para que possa ser analisado.

Por fim, o STF decidiu que nos casos de punição pelo dano social, a verba indenizatória deve ser revertida em prol da mesma sociedade afetada, motivo pelo qual determinou que o valor fixado deve ser destinado para algum fundo existente no município que tenham escopo social, ou então determinar de forma direta a destinação para outras entidades da mesma natureza.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal admitiu a existência do dano social no sistema jurídico brasileiro, bem como a possibilidade de ser arbitrada uma indenização que sirva de punição ao infrator, objetivando o desestímulo de práticas ilícitas, além de coibir aos demais a não incidirem no mesmo erro, devendo sempre cumprir os ditames da lei, e assim, manter o nível da qualidade de vida da sociedade. Nesse cenário, o referido tribunal posicionou-se no sentido de que a verba indenizatória do dano social deverá ser revertida para fundos sociais ou então entidades dessa natureza, por ser a sociedade vítima desta categoria de dano.

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Sobre os autores
Gilberto Fachetti Silvestre

Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Professor da Universidade Vila Velha (UVV); Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Mestre em Direito Processual Civil pela UFES; Advogado sócio do escritório Caetano, Fachetti & Schneider Advogados. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7148335865348409

Alcides Caetano Silva

Advogado em Vitória - ES; Especialista em Direito Médico - EMESCAM

Flavio Britto Azevedo Schneider

Advogado em Vitória - ES; Especialista em Direito Médico - EMESCAM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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