Artigo Destaque dos editores

Processo coletivo passivo?

19/07/2015 às 09:15
Leia nesta página:

Dificilmente a sistemática da ação coletiva passiva lograria êxito no ordenamento brasileiro.

Sumário: I. Generalidades; 2. Apontamentos sobre as espécies de Ações Coletivas Passivas; 3. Representação adequada nas demandas coletivas passivas; 4. Limites subjetivos da coisa julgada material; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.

Resumo: O presente estudo pretende abordar a questão relativa à (in)existência em nosso sistema processual coletivo da denominada ação coletiva passiva e suas espécies, trazendo, sobretudo, temas relativos à representação adequada nesta espécie de demanda e, ainda, a problemática envolvendo os limites subjetivos da coisa julgada material.

Palavras-chave: ação coletiva; ação coletiva passiva; representação adequada; limites subjetivos; coisa julgada material.


1. Generalidades.

Nos anos 2000, presenciamos um movimento que buscava idealizar um verdadeiro Código de Processo Civil Coletivo[1].

Todos eles anunciavam a denominada “Ação Coletiva Passiva”, disciplinando-a, “como sendo uma demanda proposta em face de uma coletividade, devidamente representada, cuja causa seja de interesse social relevante”[2].

Contudo, o Projeto de Lei (PL) 5.139/2009 – nova Lei da Ação Civil Pública (ACP) – não contemplou o instituto das Defendant Class Action.


2. Apontamentos sobre as espécies das Ações Coletivas Passivas.

De um modo geral, classificam-se as ações coletivas passivas em duas espécies, a saber: originárias e derivadas.

As primeiras trazem a ideia de que a demanda coletiva passiva foi instaurada sem qualquer relação de dependência com um processo coletivo tradicional (por meio de um dos colegitimados estabelecidos no artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP)[3].

As últimas, por seu turno, consistem na instauração de um processo coletivo passivo vinculado a uma demanda coletiva ativa, como por exemplo, uma ação rescisória ajuizada pelo réu em face de uma sentença favorável à coletividade autora.

Com a intenção de lançar alguns exemplos reais de nossa jurisprudência acerca das ações coletivas passivas, GIDI[4], definiu-as como sendo a hipótese de um potencial réu numa futura demanda coletiva indenizatória por danos individuais homogêneos propõe uma demanda coletiva passiva contra seus consumidores, antes que os consumidores proponham a sua demanda coletiva ativa, esses não são exemplos legítimos de demandas coletivas passivas, mas demandas coletivas ativas iniciadas pelo réu, constrangendo o grupo a tomar uma posição prematura sobre um processo coletivo que provavelmente proporia no futuro.


3. Representação adequada nas demandas coletivas passivas.

A atuação adequada da coletividade seja essa difusa (coletiva lato sensu), coletiva (estrito senso) ou individual homogênea, nada mais é do que os legitimados para, em nome desta coletividade, agir perante as demandas instauradas em face da classe de interessados que lhe representam. Exige-se, portanto, para a admissibilidade da ação coletiva passiva que a demanda seja proposta contra um representante adequado, fazendo este o papel de genuíno legitimado extraordinário no amparo de uma situação jurídica coletiva[5].

Nessa direção DIDIER JR; ZANETI JR[6] sustentam que o “objeto da ação coletiva passiva são deveres e estado de sujeição coletivos”, onde a coletividade é uma espécie de titular de um dever, como arriscam a afirmar DONIZETTI; CERQUEIRA[7].

Assim, como sustentamos outrora, os bens jurídicos tutelados por meio de ação passiva são, em verdade, deveres ou estados de sujeições que uma determinada coletividade venha a experimentar, seja ela formada por uma classe, categoria ou grupo de pessoas indeterminadas, seja ela composta de indivíduos que sofram prejuízos divisíveis fruto de origem comum[8].

A atuação adequada, nas ações coletivas comuns ou ativas encontra amparo no rol estabelecido no artigo 5º da LACP, o que nos leva a compreender que o controle dessa representação seria ope legis.

E na Ação Coletiva Passiva, esse controle dá-se ope legis ou ope judicis?

Lembremos, por oportuno que, em todo caso concreto, embora a lei designe de plano quem possa ser o legitimado extraordinário a representar adequadamente os titulares da pretensão declaratória, constitutiva ou condenatória, a autoridade judicial, no caso concreto faz a análise da adequação da referida atuação – por meio do que possa ser denominada pertinência temática –, ou seja, o exato liame entre o direito ou interesse coletivo posto em juízo e os fins a que se dedicam a instituição ou associação representante.

MENEZES VIGLIAR[9] sustenta que a preocupação com a correta análise da representatividade adequada para as nossas ações coletivas passivas faz com que afirme que deveríamos contar com um sistema de aferição sui generis, composto de duas partes: a) deixar ao encargo do juiz a análise da representatividade adequada para o polo passivo (seria a regra); b) realizar uma exclusão ope legis, daqueles que (assim como o Ministério Público) jamais poderiam figurar no polo passivo.

 Foi essa a solução encontrada pelos Códigos e Anteprojetos de processo civil coletivo, ou seja, o controle da representação nas demandas coletivas passivas se daria de forma mista, em uma espécie de juízo ope legis a priori, seguido de uma aferição judicial da pertinência temática entre o legitimado e o direito a ser tutelado (ope judicis).


4. Limites subjetivos da coisa julgada material.

O alcance subjetivo da coisa julgada nas demandas coletivas e consequência direta do controle da representação adequada.

Coerentemente com a sistemática da Defendant Class Action a coisa julgada produz efeitos erga omnes, vinculando, portanto, os membros do grupo, categoria ou classe. Assim, em um primeiro momento a coisa julgada nas ações passivas seria pro et contra vinculando a coletividade.

Por essa linha, seja em relação aos direitos transindividuais (difusos e coletivos em sentido estrito), seja nos individuais homogêneos, não poderíamos falar em coisa julgada secundum eventus litis ou secundum eventus probationis, como verificamos para as ações coletivas ativas reguladas pelo nosso microssistema.

Ora, o fato de que os direitos difusos e coletivos não podem compor situações diversas para o mesmo grupo, categoria ou classe de indivíduos vincularia todos àqueles que estão na mesma situação jurídica (deveres ou estados de sujeições).

Entretanto, como ficaria o alcance da coisa julgada quando se tratar de direitos individuais homogêneos tutelados por ação coletiva passiva?

Como já asseverado, nas ações coletivas comuns é possível a formação da coisa julgada “segundo a prova produzida” ou “segundo o resultado”, os quais, aplicados às demandas passivas que vinculem pretensões individuais homogêneas, torná-la-á inútil.

A “não vinculação” dos membros do grupo, categoria ou classe ao resultado, admitindo que sejam propostas ações próprias ou defesas incidentais no processo passivo, afastando a eficácia da decisão na esfera jurídica individual, elimina a utilidade da coisa julgada produzida na demanda passiva, mas por outro lado, garante o regime da coisa julgada dado pelo Código de Defesa do Consumidor.

É fato que essa opção em não se sujeitar aos limites subjetivos da coisa julgada permitida aos indivíduos nas ações coletivas passivas[10], embora esvazie por completo a demanda, está em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor e com a Constituição Federal, pois, do contrário, infringiríamos o direito a exclusão consagrado na Constituição Federal, notadamente o artigo 5º, XVII e XX[11].


5. Considerações finais.

Portanto, quer em razão da ausência de legislação disciplinando a ação coletiva passiva, quer pela sua baixa aplicabilidade, inclusive no sistema da common law estadunidense, aliado ao fato de que dificilmente qualquer obrigatoriedade em se vincular ao regime da coisa julgada, por certo, ofenderia a CF e caracterizaria um retrocesso em relação às ações comuns, dificilmente a sistemática da ação coletiva passiva lograria êxito no ordenamento brasileiro.


6. Referências bibliográficas.

DIDIER JR; Fredie; ZANETTI JR, Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo, vol. 4. Salvador: Juspodivm, 2009.

DONIZETTI; Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010.

GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Defendant Class Action Brasileira: Limites Propostos para o “Código de Processos Coletivos”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro e WATANABE, Kazuo (coords.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.


Notas

[1] São, em síntese, quatro documentos, sendo dois Anteprojetos e dois Códigos.

[2] ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 260.

[3] Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;  V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. § 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. § 4° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. § 5° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.     

[4] GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 350-353.

[5] ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 265-270.

[6] Curso de direito processual civil. Processo coletivo, vol. 4. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 400.

[7] Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 169.

[8] ROSSI, Julio César. A Ação Coletiva Passiva. In WANBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Revista de Processo. Ano 36 nº 198. ago/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 266.

[9] VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Defendant Class Action Brasileira: Limites Propostos para o “Código de Processos Coletivos”. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro e WATANABE, Kazuo (coords.). Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 315.

[10] GIDI, acerca da possibilidade de “não extensão” ou “não vinculação”, ou ainda autoexclusão, é enfático ao prescrever que “se os membros do grupo-réu tiverem a faculdade de se excluírem da demanda coletiva, todos o farão”, mas, parece-nos, que nada impede essa prática no ordenamento brasileiro (GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, 345).

[11] “Artigo 5º, incisos XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (...); XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado (...)”.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Júlio César Rossi

advogado em São Paulo (SP), pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo CEU/SP, mestrando em Direito pela UNESP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Júlio César. Processo coletivo passivo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4400, 19 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40994. Acesso em: 18 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos