O inquérito policial do intróito ao cabo: aspectos fundamentais

20/07/2015 às 16:29
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Aborda-se seus principais aspectos, evidenciando suas características e valor probatório.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Natureza, Conceito e Finalidade; 2. Características; 3. Competência e Prazos; 4. Valor Probatório e Vícios; 5. Notitia Criminis e Início do Inquérito Policial; 6. Providências e Indiciamento; 7. Encerramento e Arquivamento; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

Parte-se da identificação de inquérito policial como procedimento de natureza eminentemente administrativa e de caráter informativo correspondente à fase preliminar da persecução criminal, destinado a dar embasamento à propositura da ação penal, para, em seguida, abordar seus principais aspectos, evidenciando suas características e valor probatório e, ao final, demonstrar como se inicia, se encerra e se procede o arquivamento, além de evidenciar de forma abreviada quando não há necessidade de sua instauração e como é exercido o controle externo da atividade policial.

PALAVRAS-CHAVE

Persecução Criminal. Polícia Judiciária. Sigilo. Prazo. Provas. Providências.

INTRODUÇÃO

Rotineiramente, infelizmente, toma-se conhecimento de que inúmeras infrações são cometidas. Os noticiários estão sempre repletos de assassinatos, roubos, violência sexual, acidentes de trânsito, tráfico de entorpecentes, etc., frutos da violência em que a sociedade está imersa, e aqui se fala em violência em sua amplitude máxima. E, diante da ocorrência de infrações, surge para o Estado, através de seus órgãos, o dever de investigar, averiguar a veracidade dos fatos, descobrir a autoria e, consequentemente, aplicar a devida sanção ao autor da infração. Do conhecimento da infração até a aplicação da sanção são realizados inúmeros procedimentos, é um caminho a ser percorrido chamado de persecução criminal, ou persecutio criminis, que apresenta duas fases distintas: uma preliminar e inquisitiva (inquérito policial) e outra processual (ação penal). Vai interessar a este trabalho apenas a fase preliminar, que corresponde ao inquérito policial.

Neste contexto, de atuação do Estado frente à violência, buscando coibi-la ou mesmo dar uma resposta à sociedade, convém destacar o papel da polícia que pode ser subdividido, basicamente em: a) de caráter preventivo, normalmente desempenhado pela Polícia Militar dos Estados-membros (polícia administrativa ou de segurança), visa impedir a ocorrência de infrações; e b) de atuação repressiva, em regra, de competência da Polícia Civil (polícia judiciária), conforme previsão constitucional inserta no art. 144, § 4º, da CF, busca a coleta e reunião de elementos para constatação da materialidade delitiva, bem como apuração da autoria. A esta última, a polícia judiciária, compete a elaboração do inquérito policial, ficando a autoridade policial incumbida de cooperar com a instrução e julgamento dos processos, seja prestando as informações necessárias, realizando as diligências requisitadas pelo juiz ou Ministério Público, cumprindo os mandados de prisão, seja representando, havendo necessidade, pela decretação de prisão cautelar, na forma da lei.

Pretende-se fazer uma análise acerca, senão de todos, mas da maioria, ou dos mais importantes, aspectos que envolvem a temática aqui trabalhada, compreendendo a finalidade e valor probatório, para em seguida demonstrar como o inquérito se inicia e se encerra, abordando, evidentemente, as providências que podem e devem ser tomadas, sem, conduto, ter-se a pretensão de esgotar o tema, até mesmo pela dimensão e natureza deste trabalho.

1. NATUREZA, CONCEITO E FINALIDADE

Trata-se de instrumento de natureza eminentemente administrativa, servindo de embasamento para a propositura da ação penal, que pode, também, subsidiar decisões proferidas pelo juiz, mesmo antes de iniciado o processo, como ocorre, por exemplo, na decretação de prisão preventiva, na determinação de interceptação telefônica e na quebra de sigilo bancário (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

“Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação privada” (NUCCI, 2011, p. 74).

Importante destacar que o magistrado não pode proferir sentença condenatória fundamentando apenas com base no inquérito policial (ALENCAR; TÁVORA, 2010), haja vista, como se verá mais adiante, a não participação ou exercício de defesa e do contraditório no transcorrer do procedimento por parte do indiciado.

Não obstante a finalidade do inquérito policial, consubstanciada, em parte, na apuração do fato delituoso (CAPEZ, 2012), o art. 4º, parágrafo único, do CPP, consagra a possibilidade de inquéritos não policiais, quais sejam: a) inquéritos parlamentares, patrocinados pelas CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito), deverão ser remetidos os respectivos relatórios conjuntamente com a resolução que o aprovar aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder decisório, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência; b) inquéritos militares, que estão a cargo da polícia judiciária militar, composta por integrantes de carreira, conforme teor do art. 8º do Código de Processo Penal Militar; c) inquérito civil, disciplinado no art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/85 e visa reunir elementos para a propositura da ação civil pública, podendo embasar ação de âmbito criminal, sendo presidido pelo Ministério Público; d) inquérito judicial, estava disciplinado na antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/45) e, por força da entrada em vigor da nova Lei de Falências que não disciplinou o instituto, encontra-se revogado; e) inquéritos por crimes praticados por magistrados ou promotores, as investigações serão presididas pelos órgãos de cúpulas de cada carreira; f) investigações envolvendo autoridades que gozam de foro por prerrogativa de função, se desenvolverão perante tribunal onde referida autoridade desfruta de foro privilegiado; g) investigações particulares, embora possam embasar ação penal, sofrem limitações devido aos escassos recursos que dispõe o cidadão para a colheita dos elementos probatórios; h) investigações a cargo do Ministério Público, é possível por força de disposição constitucional a colheita de material probatório para viabilização de futura ação (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

2. CARACTERÍSTICAS

Entendendo característica como a qualidade especial que distingue algo dos demais, tem-se que as características do inquérito buscam diferenciá-lo substancialmente do processo em sentido estrito. Essas características são tradadas a seguir.

a) Discricionariedade: a condução das investigações está a cargo do delegado, que a faz de acordo com sua conveniência, estando previstas nos arts. 6º e 7º do CPP as diligências — serão expostas mais adiante, em tópico específico — que podem ou devem ser desenvolvidas. Em se tratando da realização do exame de corpo de delito, caso a infração deixe vestígios, não poderá indeferi-la. O delegado pode ou não atender requerimentos formulados pelo indiciado ou vítima, entretanto, por imposição legal do art. 13, II, CPP, estará obrigado a atender as requisições feitas pelos juízes e promotores (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

b) Escrito: por força do art. 9º do CPP, o inquérito policial deve ser escrito, sendo reduzidos a termo os atos produzidos de forma oral, “não se concebe a existência de uma investigação verbal” (CAPEZ, 2012, p. 117). Não há, entretanto, impedimento à utilização de outros meios de documentação, como por exemplo, o registro de som e imagem durante as oitivas (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

c) Sigiloso: não comporta publicidade, porém, não há sigilo para o magistrado, nem para o membro do Ministério Público. O sigilo pode ser externo, por não permitir a divulgação das informações ao público em geral, ou interno, pelo fato de restringir o acesso para o indiciado e/ou seu defensor (ALENCAR; TÁVORA, 2010). O sigilo externo é necessário, objetivando-se o êxito das investigações, bem como evitar condenações antecipadas por parte da opinião pública baseadas em informações preliminares que não venham a se comprovar na fase processual.

Já com relação ao sigilo interno, tem-se que o advogado do indiciado pode consultar os autos do inquérito policial, desde que os elementos de prova já tenham sido documentados e digam respeito ao exercício do direito de defesa, conforme preceitua súmula vinculante n° 14 do STF. A não observância do mandamento da súmula referida autoriza a interposição de mandado de segurança, de reclamação constitucional ao STF, ou mesmo habeas corpus, caso haja lesão ou risco de lesão à liberdade de locomoção do indiciado, além da possibilidade de responsabilização por abuso de autoridade (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Como efeito do sigilo, o art. 20 do CPP estabelece à autoridade policial a não menção de anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes, nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, exceto em caso de condenação anterior. Poderá, todavia, certificar informações de inquéritos em curso, em caso de requisições de magistrado, membro do Ministério Público, autoridade policial ou agente de Estado, desde que motivadas, devendo explicar a finalidade do documento (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Segundo Damásio de Jesus (2010, p. 49) “Nos atestados de antecedentes, não devem constar referências à instauração de inquérito policial contra alguém (parágrafo único do art. 20 do CPP). Impede-o o princípio constitucional de inocência”.

d) Oficialidade: conforme dicção do art. 144, § 4º, CF, o inquérito policial deve ser presidido por órgão oficial do Estado, “não podendo ficar a cargo do particular, ainda que a titularidade da ação penal seja atribuída ao ofendido” (CAPEZ, 2012, p. 118).

e) Oficiosidade: a autoridade policial atuará de ofício, procedendo à instauração do inquérito e apuração dos fatos em caso de crime de ação penal pública incondicionada. De outra parte, nos crimes de ação penal pública condicionada e ação penal privada, a atuação da autoridade policial dependerá de permissão do ofendido para dar início à persecução criminal (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

f) Indisponibilidade: instaurado o inquérito policial, não poderá ser arquivado pela autoridade policial, por força do art. 17, CPP (CAPEZ, 2012).

g) Inquisitivo: como não há partes, não há a possibilidade do contraditório, ficando concentradas nas mãos de uma única autoridade todas as atividades persecutórias (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

h) Autoritariedade: conforme se depreende do art. 144, § 4º, da CF, o delegado de polícia é autoridade pública.

i) Dispensabilidade: a propositura da ação penal dispensa o inquérito. Todavia, tendo a ação penal por base o inquérito policial, este acompanhará a peça inicial acusatória (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Damásio de Jesus (2010, p. 32), citando julgados, afirma que “O inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento de denúncia ou queixa, desde que a peça acusatória tenha fundamento em dados de informação suficientes à caracterização da materialidade e autoria da infração penal”.

3. COMPETÊNCIA E PRAZOS

A competência é aqui entendida como atribuição, ou seja, busca-se saber qual delegado atuará em determinado caso, para tanto são utilizados critérios a seguir.

a) Critério territorial: segundo dicção do art. 4º, caput, CPP, o delegado responsável pelas investigações será aquele que exerce suas atividades na delimitação territorial (circunscrição) em que se consumou a infração (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

b) Critério material: aqui a atividade policial está delimitada pelo tipo de infração cometida, ou seja, há uma segmentação da atuação da polícia, devido a existência de delegacias especializadas, como por exemplo, delegacia de roubos e furtos, homicídios, entorpecentes, etc (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

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c) Critério em razão da pessoa: considera-se a figura da vítima, característica ou qualidade especial da mesma, como por exemplo, idoso, criança, mulher (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Importante destacar a previsão expressa no art. 22, CPP, in verbis:

No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, independentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.

Em se tratando de prazos, a regra geral, prevista no art. 10, CPP, é que a conclusão do inquérito deva ocorrer no prazo improrrogável de 10 dias se o indiciado estiver preso. Caso esteja solto, o prazo é de 30 dias, podendo haver prorrogação caso o delegado o requeira e o juiz autorize. A lei, entretanto, não especifica o tempo de prorrogação, quantas vezes a mesma pode ocorrer, bem como a necessidade de oitiva do Ministério Público (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

A regra do art. 10, CPP, pode ser excepcionada por previsão em leis especiais, em decorrência da natureza da infração, podendo a conclusão do inquérito policial comportar outros prazos (CAPEZ, 2012), conforme se passa a expor.

a) Nos crimes contra a economia popular: o prazo é único e de 10 dias (art. 10, § 1.º, da Lei n. 1.521, de 26-12-1951).

b) Nos inquéritos atribuídos à polícia federal: prazo de 15 dias (indiciado preso), podendo ser prorrogado por mais 15 (art. 66 da Lei n. 5.010, de 30-5-1966). Estando solto, segue-se a regra geral de 30 dias, prorrogável mediante solicitação do delegado e autorização judicial, podendo ser mais de uma vez, devendo o juiz estipular o prazo, haja vista o silêncio da lei (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

c) Nos inquéritos militares: prazo de 20 (indiciado preso) e 40 dias (indiciado solto), podendo, neste último caso, ser prorrogado por mais 20 dias (art. 20 do Decreto-lei n. 1.002, de 21-10-1969). Esta prorrogação não será possível caso já estejam concluídos exames ou perícias já iniciados, ou necessidade de demais diligências necessárias (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

d) Nos crimes da Lei de Drogas: prazo de 30 (indiciado preso) e 90 dias (se solto) (art. 51 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006). Estes prazos poderão ser duplicados mediante requerimento justificado da autoridade policial e autorização judicial, ouvido o Ministério Público (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Uma vez conhecidos os prazos, importante a fixação dos marcos iniciais e finais da contagem. Para o indiciado solto, segue-se a regra do art. 798, § 1º, CPP, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o último dia. Já para indiciado preso, a regra é o do art. 10 do CP, sendo o dia da prisão computado no prazo (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Este não é o posicionamento de Fernando Capez (2012, p. 144), para quem “O prazo para encerramento do inquérito policial não pode ser contado de acordo com a regra do art. 10 do CP, pois não tem natureza penal, já que seu decurso em nada afetará o direito de punir do Estado”.

Aqui cabe um breve comentário acerca da possibilidade de compensação em caso de excesso prazal, que vem sendo admitido pela jurisprudência pátria. Se o réu estiver preso, o prazo para conclusão do inquérito é de 10 dias e improrrogável, e o prazo para oferecimento da denúncia é de 5 dias, perfazendo um total de 15 dias para mantença do indiciado preso. Entretanto, se o inquérito for finalizado em 12 dias, por exemplo, e a denúncia oferecida em 2 dias, não estaria configurado o constrangimento ilegal, o que inviabiliza o relaxamento de prisão (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Damásio de Jesus (2010, p. 42) discorda, asseverando que “A remessa no undécimo dia constitui constrangimento ilegal”.

4. VALOR PROBATÓRIO E VÍCIOS

Em razão de seu caráter informativo, o inquérito policial tem a finalidade de fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme o caso os elementos que irão subsidiar a propositura da ação penal (CAPEZ, 2012). Entretanto, o valor probatório do inquérito policial é relativo, vez que há carência de confirmação através de outros elementos colhidos na instrução processual. Essa relatividade probatória se justifica pelo fato de que não é realizado sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Assim sendo, entende-se que a confissão extraprocessual só terá validade como elemento de convicção do juiz, se referendada ao longo da instrução processual (CAPEZ, 2012). Nesse sentido é o teor do art. 155 do CPP, adiante transcrito.

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Há ressalva com relação às provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas. A necessidade de urgência justifica a ressalva quanto às provas cautelares, haja vista que os elementos podem se esvair, como no caso de interceptação telefônica e medida de busca e apreensão. Por sua vez, as provas irrepetíveis são aquelas que não são possíveis de serem refeitas, devido a tendência ao desaparecimento dos vestígios, sendo normalmente obtidas através de exame pericial. Estes elementos probatórios, ao serem valorados na sentença, ganham status de prova depois de submetidas ao contraditório e manifestação da defesa (contraditório diferido ou postergado). Já as provas antecipadas, serão requeridas através de incidente de produção antecipada de prova, devendo tramitar perante o magistrado, com a presença das futuras partes, para garantir o valor probatório (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Tendo em vista o inquérito policial ter natureza de procedimento informativo que se destina à formação da opinio delicti do titular da ação penal (CAPEZ, 2012), é patente na doutrina e na jurisprudência que os vícios ocorridos na fase pré-processual não contaminam a ação penal. Isso é decorrente da dispensabilidade do inquérito policial. Entretanto, se a peça inicial acusatória se embasar apenas em inquérito viciado, deverá ser rejeitada por falta de justa causa, conforme previsão do art. 395, inciso III, CPP. Caso as provas sejam obtidas em razão de ilicitude precedente, estas deverão ser reputadas inválidas (teoria dos frutos da árvore envenenada), interferindo na fase processual (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

5. NOTITIA CRIMINIS E INÍCIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Para que a autoridade policial possa dar inicio às investigações, é necessário que tome conhecimento do acontecimento de um fato aparentemente criminoso (CAPEZ, 2012). Essa ciência, que pode ser espontânea ou provocada, recebe o nome de notitia criminis, ou notícia do crime, e é normalmente endereçada à autoridade policial, ao membro do Ministério Público ou ao magistrado. Será espontânea ou de cognição imediata, quando o conhecimento dos fatos for direto pela autoridade policial, podendo também ser através de comunicação informal. Importante frisar que a instauração de inquérito policial pode ser ensejada por delação apócrifa ou notitia criminis inqualificada. Será provocada ou de cognição mediata, quando houver requerimento e/ou representação da vítima, delação, requisição do juiz, do Ministério Público ou do Ministro da Justiça. A notícia do crime pode, ainda, ser revestida de forma coercitiva, quando apresentada conjuntamente com o infrator preso em flagrante, podendo ser espontânea, se a prisão é feita pela própria autoridade policial, ou provocada, quando a prisão é efetivada por particular (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Segundo Guilherme de Souza Nucci (2011), embora a doutrina denomine a prisão em flagrante como notitia criminis coercitiva, esta não deixaria de ser uma maneira indireta pela qual a autoridade policial toma ciência da ocorrência de um delito.

O art. 5º do CPP enumera os momentos e as formas pelas quais o inquérito policial se iniciará, a depender do tipo de ação em que processará o delito. Em se tratando de crime de ação penal pública incondicionada, poderá o inquérito se iniciar de ofício, quando a autoridade policial tomar conhecimento da ocorrência de fato delituoso, independente de provocação, ou por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, não podendo se recusar, uma vez que, embora não exista subordinação hierárquica, tal requisição tem natureza de determinação. Se for crime de ação penal pública condicionada, o inquérito poderá se iniciar mediante representação do ofendido ou de seu representante legal, que se consubstancia na livre manifestação da vítima em autorizar a persecução penal, ou mediante requisição do Ministro da Justiça, devendo ser encaminhada ao chefe do Ministério Público, que poderá oferecer denúncia ou requisitar diligências à polícia. Já em caso de ação penal privada, a instauração do inquérito está condicionada a requerimento escrito ou verbal, reduzido a termo, da vítima ou de seu representante legal (CAPEZ, 2012).

Cumprindo as formalidades que cercam esse procedimento, convém falar das peças pelas quais o mesmo pode se materializar. Quando instaurado ex officio, caso de ação penal pública incondicionada, a peça inaugural será a portaria. Se iniciará por auto de prisão em flagrante em qualquer espécie de infração penal. Com requerimento do ofendido ou de seu representante legal, em caso de ação penal privada. Com requisição do Ministério Público ou da autoridade judiciária, em se tratando de ação penal condicionada, acompanhada de representação, e incondicionada. Terá início com representação do ofendido ou de seu representante legal, ou requisição do Ministro da Justiça, em sendo ação penal pública condicionada (CAPEZ, 2012).

Ainda sobre a temática da instauração do inquérito policial, cumpre fazer breve comentário sobre a possibilidade ou não da incomunicabilidade. O art. 21 do CPP possibilita a incomunicabilidade do preso em sede de inquérito policial se for conveniente para a investigação ou o interesse público o exigir. No entanto, o mandamento constitucional do art. 136, § 3º, IV, CF, veda expressamente a incomunicabilidade até mesmo no Estado de Defesa, o que evidencia que o disposto no art. 21 do CPP é inconstitucional e não foi recepcionado. De outra parte, importante destacar que o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) não prevê a incomunicabilidade dos presos nesse regime, apenas a organização e agendamento das visitas (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

6. PROVIDÊNCIAS E INDICIAMENTO

As providências que podem e/ou devem ser realizadas pela autoridade policial estão previstas nos arts. 6º e 7º do CPP. As providências previstas no art. 6º são as seguintes:

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais: esta diligência é obrigatória e os objetos da cena do crime só poderão ser apreendidos após liberação dos peritos. Exceção à regra está prevista no art. 1º da Lei 5.970/73 que permite, em caso de acidentes de trânsito, a imediata remoção das pessoas envolvidas no acidente que tenham sofrido lesão, se estivem em via pública prejudicando o tráfego (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais: os instrumentos utilizados no cometimento da infração devem ser periciados a fim de que se verifique sua eficiência e natureza (CAPEZ, 2012).

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias: busca-se evitar o perecimento de elementos necessários à elucidação dos fatos, vez que o inquérito deve estar pautado na apuração da verdade.

IV – ouvir o ofendido: este não presta o compromisso de dizer a verdade, entretanto, dando causa à instauração de investigação ou processo sobre pessoa inocente, responderá pelo crime previsto no art. 339, CP, denunciação caluniosa (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

V – ouvir o indiciado, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura: ao indiciado é assegurado o direito ao silêncio.

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações: objetiva-se a identificação de pessoa ou objeto possivelmente visto em momento anterior, bem como elidir divergências nas informações prestadas por aqueles que tiveram conhecimento ou presenciaram o fato (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias: deve ser realizado o exame de corpo de delito sempre que houver vestígios, ou quaisquer outras perícias necessárias à elucidação dos fatos (CAPEZ, 2012). Visa-se a demonstração da materialidade delitiva, podendo ser substituída pela prova indireta – prova testemunhal. Não poderá, em hipótese alguma, ser substituída pela confissão (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes: o objetivo é diferenciar o indiciado das demais pessoas, através de sinais e dados pessoais, levando em conta o prenome, sobrenome, estado civil, filiação, naturalidade, etc. Cumpre lembrar que a identificação criminal é exceção, apenas cabível nas hipóteses autorizadas em lei. Tais hipóteses estão previstas no art. 3º da Lei 12.037/09. O art. 5º da Lei 9.034/95 prevê a identificação criminal no que refere a pessoas que tenham envolvimento com atos praticados por organizações criminosas. Já a folha de antecedentes faz-se necessária para que se conheça a vida pregressa do indiciado, averiguando-se possível reincidência (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter: visa-se a identificação de qualquer circunstância que venha a interferir na fixação da pena, como eventual qualificadora, privilégio, causa de isenção de pena (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

O art. 7º do CPP, por sua vez, contempla a reprodução simulada dos fatos, desde que não constitui ofensa à moralidade ou à ordem pública, podendo, por força do art. 260, o indiciado ser forçado a comparecer, não estando obrigado a participar (CAPEZ, 2012). Não será possível a condução coercitiva ou a decretação da prisão preventiva caso o indiciado não compareça no dia e hora marcados para a reconstituição (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Para Damásio de Jesus (2010, p. 41) “O indiciado não está obrigado a comparecer para a reprodução simulada do crime”.

Cumpre lembrar que no caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher, os procedimentos e as providências a serem tomadas pelo delegado são específicas e estão previstas na Lei 11.340/2006 (CAPEZ, 2012).

No decorrer das investigações, havendo indícios da autoria, procede-se o indiciamento, que nada mais é do que a cientificação ao indiciado de que foi instaurado inquérito policial e que ele é suspeito da prática delitiva (ALENCAR; TÁVORA, 2010). “Com o indiciamento, todas as investigações passam a se concentrar sobre a pessoa do indiciado” (CAPEZ, 2012, p. 134). Para tanto, é necessário que haja lastro probatório mínimo ligando o suspeito à prática da infração, caso contrário, o indiciamento será ilegal, ensejando inclusive a impetração de habeas corpus para ilidi-lo ou ainda para provocar o trancamento do inquérito policial (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

O CPP, em seu art. 15, impõe a nomeação de curador na fase inquisitorial para indivíduos entre 18 e 21 anos. Entretanto, com a entrada em vigor do Código Civil que, em seu art. 5º, passou a considerar os maiores de 18 anos plenamente capazes, referido dispositivo foi revogado (CAPEZ, 2012).

Se no transcorrer das investigações a autoridade policial entender que a pessoa indiciada não guarda relação com o fato investigado, poderá promover o desindiciamento, quer no transcurso do feito, quer no relatório de encerramento. O desindiciamento também pode ocorrer de forma coacta, se procedente habeas corpus impetrado visando o trancamento do inquérito em relação a qualquer dos suspeitos (ALENCAR; TÁVORA, 2010). Damásio de Jesus (2010, p. 29) destaca que “o mero indiciamento em inquérito policial não constitui constrangimento ilegal”.

7. ENCERRAMENTO E ARQUIVAMENTO

Findas as investigações, a autoridade policial deverá fazer minucioso relatório constando informações de tudo quanto apurado, sem, no entanto, esboçar juízo de valor, exceto para os delitos previstos na Lei 11.343/2006 (CAPEZ, 2012).

Cumprindo o disposto nos arts. 10 e 11 do CPP, encerrado o inquérito policial,  o mesmo deve ser remetido, conjuntamente com o relatório, ao Poder Judiciário para que o magistrado dê vistas dos autos ao titular da ação penal para oferecer denúncia, requisitar novas diligências ou promover o arquivamento do inquérito policial, não podendo o magistrado indeferir as diligências requisitadas pelo Ministério Público. As diligências complementares só poderão ser requisitadas se o indiciado estiver solto; caso preso, deverá ser posto em liberdade (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Já o arquivamento do inquérito ou de outras peças de informação, deverá ser promovido pelo Ministério Público e homologado pelo magistrado, ocorrendo impossibilidade de oferta da ação, não fazendo coisa julgada material a decisão que homologa pedido de arquivamento. A promoção de arquivamento poderá ocorrer nas seguintes hipóteses: a) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; e b) faltar justa causa. Havendo discordância do magistrado em relação às razões do arquivamento, este deve remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça ou, no âmbito federal, à Câmara de Coordenação e Revisão (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Vislumbrando o membro do parquet que, pelos elementos que lhe são trazidos, está demonstrada hipótese autorizando a absolvição sumária, não deve promover a denúncia (ALENCAR; TÁVORA, 2010). As possíveis hipóteses que autorizam a absolvição sumária estão previstas no art. 397 do CPP, e são as seguintes: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente.

Seguindo-se na seara do arquivamento do inquérito policial, tem-se que pode ser dos tipos abordados na sequência. O arquivamento implícito, que não tem disciplina legal, por essa razão não tem sido aceito nem na doutrina e na jurisprudência, ocorre quando o Ministério Público é omisso e essa omissão passa despercebida pelo magistrado. Poderá também ocorrer quando o parquet requer expressamente o arquivamento com relação a algumas infrações ou alguns criminosos, silenciando com relação aos demais. O arquivamento indireto ocorre quando o promotor deixar de oferecer denúncia, entendendo pela incompetência do juízo, requerendo a remessa dos autos ao órgão competente. O arquivamento originário ocorre quando o requerimento parte diretamente do Procurador Geral, nas ações em que o mesmo atue originariamente. O arquivamento provisório possibilita o arquivamento fundado na ausência de uma condição de procedibilidade. É o que ocorre, por exemplo, quando a vítima se retrata antes de ser oferecida a denúncia, em crime de ação pública condicionada à representação. Nessa hipótese, aos autos ficam arquivados aguardando eventual arrependimento da vítima e nova representação, o que, se não ocorrer, ensejará o arquivamento definitivo pelo decurso do prazo decadencial (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

Em se tratando de crimes de ação penal privada, após encerramento do inquérito, os autos são remetidos a juízo, e devem aguardar a iniciativa da vítima, pelo prazo de 6 meses a contar da data em que a vítima teve conhecimento da autoria do delito, para oferecimento de queixa. Superado esse prazo, opera-se a decadência. Cumpre lembrar que não há arquivamento do inquérito nos crimes de iniciativa privada e, caso o ofendido o requeira, estará, na verdade, renunciando ao direito de ação, o que enseja a extinção da punibilidade de autor do fato (ALENCAR; TÁVORA, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já dito no início deste trabalho, a persecução criminal, ou persecutio criminis, apresenta duas fases distintas: uma preliminar e inquisitiva (inquérito policial) e outra processual (ação penal). Esta fase preliminar se inicia, de regra, com a ciência, que pode ser espontânea ou provocada, da autoridade policial acerca do acontecimento de um fato com aspecto criminoso, oportunidade em que se procede às investigações e se instaura o competente inquérito policial.

Não obstante, a Lei 9.099/95, em seu art. 69, determina que em caso de infrações penais de menor potencial ofensivo, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado, encaminhando-o imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. O art. 61 da mesma lei conceitua as infrações penais de menor potencial ofensivo como sendo as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

O parágrafo único do art. 69 apregoa que ao autor do fato não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, caso, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer. Em se tratando de violência doméstica, poderá o juiz determinar, como medida de cautela, que o autor do fato se afaste do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. A exemplo do inquérito policial, a presidência do TCO compete à autoridade policial, entretanto, a Lei 11.343/2006, em seu art. 48, prevê que a autoridade judicial deve tomar as providências previstas no § 2º do mesmo artigo, nos delitos previstos no art. 28 da mesma lei, ou seja, nos delitos de porte de substância entorpecente para uso e cultivo ou semeio para consumo.

De outra parte, embora as atividades da polícia judiciária se desenvolvam de forma discricionária, estas, por previsão constitucional (art. 129, VII, CF), estão sujeitas ao controle externo que é exercido pelo Ministério Público, na forma em que dispor lei complementar de iniciativa dos respectivos Procuradores-Gerais da União e dos Estados. Deixa-se de fazer maiores considerações acerca do tema do controle externo das atividades da polícia judiciária, por entender-se estar muito mais afeto à função do Ministério Público do que propriamente à temática do inquérito policial.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 4. ed. rev. rev., atual. e ampl. São Paulo: Juspodivm, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 out. 1941.

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 set. 1995.

BRASIL. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 ago. 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.


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Sobre o autor
Antonilson Lélis França

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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