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Regulamentação da terceirização nas relações de trabalho:

avanço ou retrocesso?

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29/08/2015 às 11:33
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2 ALTERAÇÕES QUE ADVIRÃO COM A APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº 4330/2004

O Projeto de Lei nº 4.330, de autoria do Deputado Sandro Mabel, tem por escopo dispor sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes.

Atualmente, o projeto já teve seu texto base aprovado na Câmara dos Deputados, se encontrando agora junto ao Senado Federal, onde será submetido à votação pela Casa.

Desde a sua proposição, que se deu no ano de 2004, o texto vem sendo amplamente criticado. Na realidade, a temática da terceirização já dividia opiniões, fato que inclusive levou o Tribunal Superior do Trabalho a regulamentá-la por meio da súmula 331, já contemplada no capítulo anterior.

Partindo-se de uma análise inicial sobre o projeto, cabe atentar-se para a justificativa apresentada junto à sua propositura. Nesse sentido, o presente fragmento assim descreve:

[...] a terceirização é uma das técnicas de administração do trabalho que têm maior crescimento, tendo em vista a necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço.[20]

Contemplando o fragmento de texto supra transcrito já torna-se possível evidenciar o viés eminentemente empresarial por trás da proposta. Focaliza-se por meio da iniciativa apresentada a melhoria da condição econômica da empresa, deixando-se para analisar em um segundo plano as condições dos trabalhadores envolvidos.

E foi voltando-se para esse propósito que o projeto prevê:

Art. 2º: [...]

§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo. [21]

Ao prever a ausência de vínculo, independentemente do ramo de prestação de serviços o projeto acaba autorizando uma espécie de terceirização irrestrita, em total desconformidade com o texto da súmula 331 do TST, o qual limita a terceirização tão somente a atividades-meio da empresa, fadando de ilicitude a intermediação na contratação de mão-de-obra para o desempenho da atividade fim desenvolvida no estabelecimento.

Talvez essa seja a previsão que cause mais tumulto nos debates jurídico envolvendo a regulamentação da terceirização. Sobre esse ponto em específico, atenta Felipe Santa Cruz para a dificuldade de se implantar a terceirização em atividades-fim, sobretudo em setores que se firmam no vínculo de pessoalidade existente entre o profissional e o público alvo

Elos de confiança como os encontrados, por exemplo, entre médico e paciente ou professor e aluno, são construídos através do tempo e do convívio. Como se dará a evolução interpessoal, prioritária, seja no tratamento de doentes, seja na alfabetização de estudantes, diante da impossibilidade da estabilizar estes postos? Pelo mesmo princípio, como manter a expertise de técnicos de uma empresa?[22]

O mesmo dispositivo ainda gera polêmica por ter silenciado sobre a hipótese em que se configure na prática a subordinação e demais elementos da relação de emprego entre o trabalhador e a empresa tomadora dos seus serviços.

Não obstante toda a polêmica centrada na discussão sobre a terceirização irrestrita, tida esta como a que abrange inclusive a atividade-fim de uma empresa, alerta, mais uma vez, Valdete Souto:

 é de perceber que o problema real da terceirização e, por consequência, do PL 4330, também não se resume a intermediação em atividade-fim, o que quer que isso signifique. Qualquer terceirização é prejudicial. Seus efeitos: redução de salários, facilitação da exploração de trabalho escravo, fragmentação da classe trabalhadora, com prejuízo real à luta sindical, sonegação de direitos, aumento do número de acidentes de trabalho, invisibilidade, não são diferentes para trabalhadores das chamadas atividades-meio.[23]

A reflexão da Magistrada transmite um olhar ainda mais abrangente sobre a repercussão da regulamentação da terceirização nas relações de trabalho. Utilizando-se, mais uma vez, das suas palavras, tem-se que “a compreensão da real dimensão da questão social que estamos enfrentando, desse recuo diante de uma ordem social claramente estabelecida no texto constitucional, é o que nos habilita a enfrentar o retrocesso.”[24]

Tal percepção remete à compreensão da dimensão constitucional envolvendo o tema. É de amplo conhecimento que a Constituição Federal de 1988 inovou na tutela dos direitos sociais, atentando-se, sobretudo para a dignidade da pessoa humana, que deve permear toda e qualquer relação de trabalho.

Nesse sentido, torna-se evidente que o debate a ser instaurado sobre as disposições da Lei que regulamentará a terceirização deve se ater não às vantagens ou desvantagens propriamente ditas que uma ou outra categoria hão de sofrer, mas sim se os preceitos constitucionais serão resguardados com essa regulamentação.

Prosseguindo à análise do projeto nº. 4.330, resguardando-se das críticas que já circulavam sobre a temática da terceirização, a justificativa do projeto ainda prevê:

Uma das maiores críticas que se faz à terceirização é a precarização das relações de trabalho dela decorrentes, apresentando altos índices de acidentes do trabalho. Atribuir a responsabilidade à contratante por esse aspecto ligado às condições de trabalho representa uma garantia ao trabalhador e, certamente, contribui para a melhoria do ambiente laboral.[25]

O texto busca afastar a crítica que se faz sobre a possibilidade de aumento no número de acidentes de trabalho diante da precarização que a terceirização proporcionaria. De fato, como bem observa Silvana Abramo, Diretora de Cidadania e Direitos Humanos da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho,

As estatísticas comprovam que o número de acidentes do trabalho e de doenças em razão do trabalho é muito maior entre os trabalhadores terceirizados o que, não fosse pelo fundamental direito à vida e ao trabalho digno e saudável de todos, tem ainda o efeito nefasto de aumentar os gastos estatais com o sistema único de saúde e da previdência social, diminuindo a produtividade do país e a geração de renda.[26]

Como se denota da justificativa do projeto, pretende-se solucionar a questão do alto índice de acidentes de trabalho envolvendo operários terceirizados mediante a responsabilização da empresa intermediária, contratante direta desses trabalhadores. Acontece que a preocupação em torno dos acidentes do trabalho não se restringe tão somente à atribuição da responsabilidade a uma ou outra empresa. A preocupação é no sentido de que não ocorram esses acidentes, ou seja, sob um viés preventivo.

Com efeito, tem-se conhecimento de que o índice de trabalhadores terceirizados que se envolvem em acidentes de trabalho dentro da empresa tomadora de serviços é muito mais elevado quando comparado aos empregados efetivos[27]. Isso acontece porque as empresas intermediadoras da mão-de-obra normalmente são empresas menores, que não têm condições e nem perspectiva para fazer um plano de prevenção bem elaborado.

Outro ponto que vem sendo bastante criticado é sobre como ficará a questão sindical. Sobre esse aspecto, cabe transcrever o seguinte trecho da justificativa apresentada ao projeto:

 Outro aspecto relevante da proposição é que o recolhimento da contribuição sindical compulsória deve ser feito à entidade representante da categoria profissional correspondente à atividade terceirizada. Aumenta-se, dessa forma, o poder de negociação com as entidades patronais, bem como é favorecida a fiscalização quanto à utilização correta da prestação de serviços.[28]

A respeito da insegurança que paira sobre como ficará a filiação sindical do trabalhador terceirizado, destaca Uchôa que

a proteção sindical dos empregados do quadro próprio do tomador de serviços é uma proteção mais sólida e eficiente, pelo fato deles formarem uma comunidade homogênea. Essa situação difere dentre os trabalhadores vinculados ao regime de terceirização, não raramente submetidos a uma escala rotativa em diferentes locais de trabalho, que lhes torna invisíveis à proteção dos respectivos sindicatos, lhes dificultando a mobilização e a participação nas políticas sindicais.[29]

Percebe-se, diante da observação exarada pelo autor, que o aumento do poder de negociação sustentado na justificativa do projeto será difícil de vislumbrar na prática, já que a grande rotatividade de trabalhadores terceirizados dificulta a defesa de seus interesses junto aos empregados efetivos das empresas tomadoras.

Assim, são imensos os efeitos negativos que se prevê caso o projeto de regulamentação da terceirização seja aprovado. Conforme analisa o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos,  

Os efeitos da terceirização sobre as condições de trabalho, para além dos baixos salários e os altos índices de rotatividade, indicam também: diminuição dos benefícios sociais; perda dos direitos trabalhistas; trabalho menos qualificado; aumento de acidentes; trabalho sem registro (informalidade); perda de representação sindical; jornada mais extensa, entre outros.[30]

A partir dessa reflexão, cada vez mais se discute sobre o cenário de precarização que a adoção da terceirização pode causar nos direitos trabalhistas.

De fato, há tempos se aguardava a edição de uma lei que regulamentasse de maneira mais efetiva o trabalho terceirizado, prevendo as peculiaridades a ele inerentes, as quais o enunciado nº 331 do TST não conseguiu abranger. De qualquer sorte, esperava-se que essa regulamentação ao menos seguisse a ideia central insculpida naquele enunciado, no sentido de que a terceirização fosse utilizada como um mecanismo de contratação secundária, jamais destinando-se a suprir a falta de funcionários que desempenham a atividade principal da empresa.

Acontece que, segundo observa Felipe Santa Cruz

o texto do PL 4330 inverte e desequilibra esta dinâmica, transformando em regra o que deveria ser exceção. Ao permitir um aprofundamento da mão de obra terceirizada em todos os níveis de atividade de uma empresa, a norma alastra os riscos da precarização, colocando em cheque a relação entre o patrão e empregado assegurada pela CLT. Afinal, terceirizar é vender o trabalho de outrem por meio de um intermediário que se apropria do pagamento dos salários sem a necessidade de garantir a amplitude do leque dos direitos trabalhistas. [31]

No mesmo sentido, analisando o texto do PL 4.330/04, Silvana Abramo conclui que “dentre seus aspectos mais graves está o de tornar regra o trabalho precário, que na nossa legislação, é tratado como exceção”.[32]

Em que pese haja os que sustentem que a nova lei sobre terceirização será vantajosa tanto para a empresa como para o trabalhador, alerta Silvana Abramo que

Do ponto de vista das empresas que usam a terceirização para simples colocação de mão de obra o sistema só é vantajoso se houver sonegação e rebaixamento de direitos trabalhistas, porque se os salários dos terceirizados e demais direitos trabalhistas deles for exatamente igual aos dos empregados diretos, a empresa tomadora terá que pagar para a empresa prestadora o mesmo valor que paga aos seus empregados diretos acrescido do valor relativo ao pagamento à empresa prestadora – seus gastos e lucro.[33]

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Tem-se, assim, que o sistema a ser implantado caso haja a aprovação do projeto de lei nº. 4.330 só dará lucro para as duas empresas, tomadora e intermediadora da mão de obra, se as verbas pagas aos trabalhadores terceirizados forem menores do que as pagas aos trabalhadores diretos.

Atentando-se para a esfera do trabalhador, conforme observam Druck e Borges,

Cabe destacar que para “além da perda de direitos – por poucos que sejam os direitos de um contrato formalizado no Brasil – e da perda material-financeira, há uma perda moral, à medida que eles reconhecem, na condição de terceirizado, a ‘perda de respeito’, ‘perda de auto-estima’, e ‘é muito sofrimento’[34].

Com isso, torna-se evidente que se por um lado a regulamentação da terceirização pode consistir em um mecanismo facilitador para as empresas, que conseguem dispor da mão-de-obra de que necessitam a um custo bem menor quando comparado ao que teriam com a contratação de pessoal efetivo, por trás desse manejo existem preocupantes implicações para os trabalhadores que se submetem a essa forma de contratação.


CONCLUSÃO

 Durante o estudo analisado, foi possível vislumbrar que a terceirização surgiu no Brasil como uma técnica de administração de empresas, com um viés totalmente econômico e empresarial, já que possibilitava a delegação de serviços especializados a empresas menores, o que permitia aos grandes empresários dedicar-se mais à sua atividade final, garantindo melhores posições diante da concorrência.

Essa prática veio se tornando cada vez mais frequente no meio empresarial e acabou trazendo inúmeros reflexos para o âmbito do direito do trabalho, diante do que o Tribunal Superior do Trabalho resolveu se posicionar sobre o tema, no intuito de trazer ao menos um mínimo de regramento para a sua prática.

Assim, por meio do Enunciado nº 331, ficou estabelecido que a terceirização somente seria admitida nas atividades meio, jamais na atividade fim da empresa, sob pena de reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhador e a empresa tomadora dos serviços.

Mesmo depois da sucinta regulamentação elaborada pelo Tribunal, permanecia a discussão sobre a necessidade da edição de uma lei que viesse a dispor detalhadamente sobre os aspectos envolvendo a terceirização, sobretudo no tocante às relações de trabalho dela decorrentes.

Com isso, foi proposto o Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, que apresenta como principal justificativa a emergência da definição de responsabilidades com o escopo de proteger as partes envolvidas nas relações de terceirização.

Como se viu, desde a sua apresentação o projeto tem ensejado fortes discussões, em especial contra a sua aprovação. Certamente o aspecto mais polêmico dentre todos os que foram erguidos é a previsão que autoriza a terceirização irrestrita, ou seja, em qualquer das atividades praticadas na empresa.

Além de prever essa terceirização generalizada, o projeto silenciou quanto a situação em que se constatar a presença dos requisitos configuradores da relação de emprego entre o trabalhador e a empresa tomadora, limitando-se apenas a estipular a inexistência de vínculo entre um e outro.

Essa lacuna, que o Tribunal Superior do Trabalho já havia solucionado por meio do enunciado 331, vai de encontro ao propósito desse projeto de lei, que tem por escopo proporcionar segurança jurídica às partes envolvidas em uma relação de terceirização. Pelo contrário, a maneira como o texto se encontra redigido pode aguçar ainda mais as controvérsias existentes, aumentando a insegurança sobre o tema.

Analisando todo o texto que compõe o projeto em debate, percebe-se que o mesmo carece de especificações mais contundentes, sobretudo em relação às obrigações que a empresa interposta terá perante aos trabalhadores que contrata.

Assim, diante de todo o exposto, tem-se que se o projeto de lei nº 4.330 for aprovado nos moldes do texto proposto, a terceirização, que hoje consiste em uma das formas de flexibilização das relações de trabalho, poderá tornar-se um verdadeiro mecanismo de precarização de direitos.

Em que pese seja louvável a ideia de regulamentar esse instituto que pode trazer benesses às empresas e até mesmo proporcionar novas oportunidades de trabalho, nos moldes em que o texto se encontra editado, a única beneficiada será a empresa, pois a única previsão que realmente não deixa dúvidas nessa proposta legislativa é a ausência de vínculo entre a empresa tomadora e o trabalhador.

De outra parte, tem-se que a proteção dos trabalhadores terceirizados em nada melhorará. Pelo contrário, com a terceirização irrestrita, aumentam-se as chances de exploração de mão-de-obra, de fragmentação da classe e consequente prejuízo na luta sindical.

E isso tudo representa um verdadeiro retrocesso em relação às grandes conquistas que a classe operária aferiu ao longo de décadas, em especial com o advento da Constituição Federal de 1988.

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Sobre o autor
Michele Machado Segala

Advogada. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEGALA, Michele Machado. Regulamentação da terceirização nas relações de trabalho:: avanço ou retrocesso? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4441, 29 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41157. Acesso em: 2 nov. 2024.

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