Utilização dos bens particulares pela Administração Pública e a aplicabilidade da teoria da aparência

29/07/2015 às 08:42
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Abordaremos a aplicação de uma nova Teoria aos bens particulares, de modo a demonstrar que esses quando utilizados para uma finalidade pública adotam características próprias dos bens públicos. Temos aqui a manifestação da Teoria da Aparência.

INTRODUÇÃO:

É fato que, costumeiramente, a Administração Pública utiliza bens de pessoas particulares para o exercício de suas atividades, mascarando-os de forma tamanha que os tornam, na maioria das vezes, imperceptíveis àqueles que se beneficiam da prestação de tais serviços. Essa imperceptibilidade deriva, sutilmente, do manto administrativo que se encontra por trás da força estatal, que resulta dos Princípios mestre que regem todo o sistema administrativo: Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e Indisponibilidade do Interesse Público.

Portanto, a utilização dos bens particulares pela Administração Pública faz com que estes tenham uma aparência de bens públicos, isto é, quando utilizados pelo Estado eles se tornam afetados e possuem certas características que são próprias aos bens públicos: Inalienabilidade Condicionada e Impenhorabilidade.

Temos ai à aplicação de uma Teoria ainda pouco discutida no sistema normativo brasileiro e até mundial, é a Teoria da Aparência, é a discussão no direito daquilo que parece ser, mas não é!  O que se deve ter em mente é que tal teoria não se encontra expressamente no nosso sistema de normas, mas que não pode está distante de um ordenamento que preza pela democracia e boa-fé social.

Neste ínterim, o presente estudo se debruçará sobre os três princípios mestres do Direito Administrativo: Supremacia do Interesse Público, Indisponibilidade do Interesse Público, Continuidade do Serviço Público, bem como o da Eficiência. Também o conceito de Bem e de bens públicos virá à tona no transcorrer do presente, bem como será explicado o significado do Domínio Público, que pode ser em seu sentido estrito, amplo e até eminente. Serão explicitadas, ainda, as diversas formas de utilização desses bens particulares pela Administração Pública. E, por fim, apreendido a cerca da Teoria da Aparência, uma teoria recente no Direito Brasileiro que normalmente é aplicada no Direito Civil, mas no presente será aplicada no Direito Administrativo no tocante à aparência pública que os bens particulares adquirem quando utilizados pela Administração.

1 - CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DOS BENS:

O Código Civil não conceituou bens, fazendo apenas suas devidas classificações, portanto, tal ordenamento não traz um conceito preciso, exato, deixando nas mãos da doutrina essa árdua tarefa.  Assim, para Silvio Rodrigues “Bens são coisas que por serem úteis e raras são suscetíveis de apropriação e contém um valor econômico[1]. Desta forma, podemos afirmar que todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens, ou seja, estes são espécie daquelas.

Ainda no que se refere aos bens, o Código Civil os divide em privados e públicos. Esses são os pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno. Já aqueles são bens pertencentes às pessoas físicas ou jurídicas de Direito privado, atendendo os interesses dos seus proprietários, desse modo, o artigo 98 do mesmo diploma legal fez um trabalho de exclusão, ou seja, o que não é bem público é privado.

Na IV Jornada de Direito Civil, os doutrinadores concluíram que o rol constante no referido artigo 98 do Código Civil é meramente exemplificativo, quando afirma que “o critério de classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente à pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado a prestação de serviço público”. Com essa conclusão percebe-se que são bens públicos todos aqueles pertencentes à pessoa jurídica de direito público interno e externo, inclusive os das pessoas jurídicas de direito privados que estejam prestando algum serviço público.

No que toca a classificação dos bens alguns estudiosos afirmam que teve início com o Código Civil de Napoleão, em 1804, no qual declaravam-se públicos alguns bens como os rios, estradas, praças e etc., como sendo do Estado, não podendo ser adquiridos pelo particular. Só que segundo Maria Silva Zanella Di Pietro[2] deve-se a Pardessus a primeira classificação de bens: de domínio nacional, suscetível de apropriação privada; de domínio público, que eram o de domínio de todos.

O Código Civil Brasileiro disciplinando o tema (bens públicos) de forma geral, prevê, em seu artigo 99, a seguinte classificação de tais bens: a) os de uso comum do povo ou de uso geral, que são aqueles utilizados pela população em geral e são utilizados pelo povo indistintamente, são exemplos os rios, as praças, ruas, estradas, jardins, etc.; b) os de uso especial, que são aqueles utilizados pelo Estado para prestação/execução de um serviço público, isto é, são bens destinados ao povo só que utilizados pela Administração para prestação de serviço, tais como o prédio da prefeitura, os hospitais, etc., é importante destacar que esses não são utilizados pelo povo indistintamente; c) os bens dominicais ou dominiais , que são os bens sem nenhuma destinação pública, são aqueles das pessoas jurídicas de Direito Publico por força de direito real, portanto, esses podem ser, e são, disponíveis e alienáveis, são eles as terras devolutas, os terrenos de marinha, os bens desafetados, entre outros.

2 – DOMÍNIO PÚBLICO (sentido estrito, amplo e eminente) E A INAPLICABILIDADE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO

É de suma importância para compreensão de alguns elementos norteadores dos bens públicos o estudo do domínio público que por ter um conceito abstrato tal expressão se torna imprecisa, uma vez que ela pode ser utilizada com abordagens diferentes, isto é ora o enfoque é o Estado, ora a coletividade quando utiliza alguns bens públicos, e assim sucessivamente.

Assim, podemos dividir o domínio público em sentido amplo e em sentido estrito. Aquele é o poder que o Estado tem de domínio e regulamentação sobre os bens do seu próprio patrimônio, ou em face aos bens privados importantes para a coletividade, ou, ainda, quando a Administração Pública atinge as coisas que não são apropriáveis individualmente, mas de fruição comum da sociedade. E este se refere aos bens que são destinados ao uso da coletividade, individualmente ou em geral, são os classificados como bens públicos de uso comum do povo, cuja definição já fora abordada.

Não se pode esquecer que ainda temos o domínio público em sentido eminente, que é derivado da Teoria do Domínio Eminente na qual, na antiguidade, afirmava que todos os bens, especialmente os de titularidade dos particulares, eram tidos como propriedade derradeira da Coroa, isto é mediante simples decisões do monarca tal propriedade poderia ser afastada do domínio útil do verdadeiro proprietário, que teria apenas um domínio limitado, podendo ser abolido a qualquer momento se assim desejasse o Estado.

É por causa dessa concepção que o professor Marçal Justen Filho[3] rejeita a Teoria do Domínio Eminente afirmando que esta não se coaduna com o atual sistema de normas, in verbis:

A teoria do domínio eminente tem suas origens no período anterior a afirmação do Estado de Direito. Não traduz corretamente a relação política e jurídica entre Estado e a sociedade. Não se pode admitir perante o vigente regime constitucional o domínio eminente do Estado sobre os bens privados.

Só que com o novo ordenamento jurídico tal teoria tomou contornos diferentes e, modernamente, é aplicada e aceita pela doutrina majoritária, só que com raciocínio diferenciado. Atualmente, o domínio eminente é interpretado no sentido de necessidade da Administração, isto é da coletividade. É quando o Estado utiliza o seu poder de polícia para promover a desapropriação, para requisitar ou ocupar temporariamente bens particulares, mas sempre precedidos por indenização caso haja dano, o que não ocorria no passado.

Com segurança é possível registrar que o domínio eminente, hodiernamente, abarca tanto os bens públicos, quanto os bens privados, e, ainda, os bens não sujeitos ao regime normal da propriedade, como, por exemplo, o espaço aéreo e as águas não se confundindo com o conceito de bem público, que são aqueles titularizados pelas pessoas jurídicas de direito público. 

Outrossim, o domínio eminente não tem relação alguma com o domínio de caráter patrimonial, tal expressão é derivada do poder  soberano do Estado, sobre o que se encontra nos seus limites  territoriais. Não se quer dizer que a Administração é proprietária, dona de tudo. Longe disso. O que se quer dizer é que por ser detentor do poder político, soberano, de uma forma geral, ele tem o poder de submeter a sua vontade todos os bens situados em seu território. Isso é derivado da previsão Constitucional expressa no artigo 1º, inciso I.

Nesse sentindo é o que nos demonstra, em suas sábias palavras, o professor José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

Desse aspecto político, que é inerente ao sentido de domínio eminente, defluem todas as formas de investida que o Estado emprega em relação à propriedade privada. Com efeito, pode o Estado transferir a propriedade privada, por meio da desapropriação, quando há utilidade pública ou interesse social; estabelecer limitações administrativas gerais à propriedade; criar regime especial de domínio em relação a algumas espécies de bens, ainda que não sendo proprietário de todos os bens, o Estado pode instituir regimes jurídicos específicos que afeta fundamentalmente o domínio[4].

Desta forma, pode-se afirmar sem receios, que existe um aparente domínio do Estado, um domínio mitigado, um domínio respeitador da lei que utiliza a razoabilidade e proporcionalidade, que coloca na balança o interesse do particular e do Estado, deixando prevalecer sempre o interesse público sobre o privado perante toda e qualquer propriedade.

Ainda, sem delongas, é importante deixar claro que o regime de direito público é incompatível, quase que na totalidade, com os institutos do direito privado, quais sejam, os institutos da propriedade e da posse.

É inadmissível e incorreto que diante do arsenal principiológico e de um ordenamento jurídico democrático que rege o direito administrativo que um bem público seja de propriedade do Estado para o reconhecimento dos efeitos de usar, gozar e dispor da coisa livremente, como ocorre no Direito Civil. Tais efeitos são utilizados, mas com certas limitações.

É certo que a Administração para cumprir sua função de prestação de serviços usa seus bens ou autoriza essa utilização por terceiros; tem, também, o direito de gozar recebendo todos os frutos deles derivados; e de dispor desde que o bem seja previamente desafetado, que o bem não tenha uma destinação pública, aqui se encontra a diferenciação no tocante aos bens regidos pelo Direito Civil.

Insta salientar que o vínculo entre a Administração Pública e os bens não se identificam com a relação típica de direito privado, existem diversas características de cunho meramente coletivo que dão aos bens públicos qualidades diversas dos bens privados, ou seja, com a afetação os bens públicos adquirem características próprias, que em regra, não são aplicados aos bens privados.

3 – OS PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO NA APLICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS E AS RESPECTIVAS CARACTERÍSTICAS/REGRAS DE TAIS BENS.

Como todo o ordenamento jurídico tem por alicerce princípios, nos quais estrutura todo o sistema de normas, no Direito Administrativo não poderíamos encontrar diferenciação, inclusive no tocante aos bens públicos, uma vez que ele, o Direito Administrativo, é carreado de um vasto arsenal principiológico que deve ser respeitado por todo e qualquer administrador público. Dessa forma, temos três princípios mestre que regem o Direito Público, em especial o Direito Administrativo, que são aplicados diretamente a todo regime jurídico dos bens públicos, são eles: o princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, a Indisponibilidade do Interesse Público e a Continuidade do Serviço Público.   

Pelo Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado entende-se que na busca do interesse da coletividade o Estado pode e deve mitigar o interesse privado. Esse princípio é o fundamento da existência das prerrogativas e dos poderes da Administração Pública. É por esse princípio que a Administração pode limitar o direito de propriedade dos administrados, pode requisitar bens, ocupar temporariamente, limitar a utilização de bens e, inclusive promover a desapropriação.

No da Indisponibilidade do Interesse Público parte-se da ideia que tal interesse é indisponível, de que o administrador não pode abrir mão e nem é proprietário da coisa pública, mas sim o povo. Portanto, o papel do Estado é simplesmente administrativo, sendo que esse princípio é uma limitação ao princípio acima. Aqui aquele que administra deve obedecer a critérios impostos pela lei para aquisição, utilização e venda de bens, aqui não existe vontade da administração, mas sim da lei, que é o instrumento tradutor da vontade do povo.

Pelo princípio da Continuidade do Serviço Público, temos a ideia de que a atuação do Estado deve ser contínua e ininterrupta, de forma a cumprir seu papel na prestação dos serviços da melhor forma possível. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Fernanda Marinela[5], esse é um subprincípio, derivado do princípio da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública que é oriundo do princípio fundamental da indisponibilidade.

Nesse ínterim, é por causa desses princípios que surgem as características/regras próprias dos bens públicos: a imprescritibilidade, impenhorabilidade, onerosidade e alienabilidade condicionada.

É importante demonstrar, em primeiro lugar, que os bens públicos são inalienáveis, sendo que essa regra não é absoluta. A alienabilidade condicionada é um misto da regra com pitadas de relatividade, de exceções, isto é, preenchidas certas condições os bens públicos podem ser alienados, assim, é importante frisar que mesmo havendo possibilidade de alienação o administrador deve obediência às condições exigidas por lei.

Desse modo, o primeiro requisito para alienação de bens públicos é a sua desafetação, quando perdem a sua destinação pública, por ato ou fato administrativo ou por lei; sem esquecer que quando são desafetados, eles se tornam bens dominicais, podendo ser alienados conforme o artigo 100 do Código Civil.

O segundo requisito é a existência de interesse público, deve haver um interesse do povo na alienação dos bens. O terceiro requisito é a necessidade de avaliação prévia. Tendo como quarto e ultimo requisito a obrigatoriedade de licitação. É o que nos mostra a dicção do artigo 17 da Lei 8.666/1993.

Vale ilustrar, ainda, que quando a alienação for de bens imóveis dependerá de autorização legislativa e a licitação será na modalidade concorrência. Para bens móveis, são satisfatórios os requisitos gerais acima citados, podendo a licitação versar sob qualquer modalidade a depender da escolha do administrador e do cabimento ao caso concreto, segundo a lei.

Não se pode esquecer dos bens imóveis que foram adquiridos pela administração pública por procedimentos judiciais ou dação em pagamento – que é um acordo de vontade entre os sujeitos da relação obrigacional no qual pactuam a substituição do objeto obrigacional por outro -, no qual também poderão ser alienados desde que preenchidos os requisitos que já foram citados, com a diferenciação que há necessidade de autorização legislativa podendo ser alienado por ato da autoridade competente e o procedimento licitatório poderá ser na modalidade concorrência ou leilão.

A outra regra é a impenhorabilidade dos bens públicos, isto é, a proteção de tais bens no que tange a penhora, o arresto e o sequestro, sendo que a alienação somente ocorrerá na forma comum. Essa regra, que não comporta exceção, decorre da alienabilidade condicionada: os bens não podem ser alienados de forma livre, podendo ser unicamente com observância das condições legais, por isso a penhora, o arresto e o sequestro perdem sua razão de ser quando se fala em bens públicos.

Nessa mesma linha de raciocínio temos, ainda, como característica a onerosidade ou impossibilidade de oneração dos bens públicos, afastamento de tais bens da possibilidade de serem gravados por direitos reais de garantia, ou seja, proibição do penhor ou da hipoteca. Não onerar é a impossibilidade de deixar o bem como garantia para o credor, que no caso de ajuizada Ação de Execução e com o eventual inadimplemento surgiria o direito de alienar esse bem ou converter esse ato em penhora, só que não é demasiado salientar que como esses bens não são de livre alienação tais garantias também não se justificam.

Por outro lado, o credor da Administração Pública não pode ficar desamparado diante de um ordenamento jurídico democrático que visa o interesse de um povo, sendo que a garantia dos credores não recairá diretamente no que tange aos bens públicos, e sim no que toca ao regime de precatório, segundo o artigo 100 da Constituição Federal.

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Por fim, temos a ultima características dos bens públicos, segundo a doutrina majoritária, que é a imprescritibilidade. Nesse caso, temos a impossibilidade de tais bens serem adquiridos pelo decurso do tempo, é a chamada prescrição aquisitiva, denominada usucapião. Desse modo, os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

Esse entendimento é em regra legalista, uma vez que se pode extrair da dicção do artigo 102 do Código Civil,  a seguinte prescrição: os bens públicos não estão sujeitos a usucapião, e isso independe da destinação, ou seja, pode ser ele dominical ou não, incluindo os bens imóveis ou móveis, estando todos eles incluídos. Ainda temos os artigos 183 e 191, parágrafo único da Constituição da Republica, no qual protege os bens imóveis e afasta inclusive o usucapião pro labore. Nesse mesmo sentido, o artigo 200 do Decreto-Lei nº 9760/46 nos traz a proteção dos bens imóveis da União, independente de sua natureza.

Mas não é apenas isso! O Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de sanar qualquer dúvida existente a essa proteção da imprescritibilidade dos bens públicos, editou a Sumula de nº 340 que assegura que “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não pode ser adquiridos por usucapião”. Deste modo a Corte Suprema bateu o martelo confirmando a regra absoluta de que os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

4 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA DA APARÊNCIA

Foi em meados dos séculos XIX e XX, com as transformações impulsionadas pela Revolução Industrial que surge ideia clássica da Teoria da Aparência. A expansão do comércio nessa época fez com que o ordenamento jurídico, atendendo a necessidade de prevê mais segurança e celeridade a tal comércio, adotasse a aparência, reconhecendo como válidos alguns atos e fatos aparentemente verdadeiros. Assim, aparência seria uma circunstância de fato que se manifesta como real em uma circunstância não real. Só que esse aparecer sem ser, coloca em confronto interesses humanos proeminentes que a lei não pode e nem deve desconhecer.

De tal modo, a aparência no Direito é um fenômeno existente e real que manifesta um outro fenômeno jurídico aparente que não é existente e, por isso, não é real. E esses outros, novos, fenômenos se verificam, se manifestam por meio de símbolos, fatos, sinais e circunstâncias, tudo com base em um comportamento normal e habitual.

Corroborando com tal entendimento são as sabias palavras de Álvaro Malheiros, citado pelo Advogado Luiz Carlos Iorio, em seu artigo publicado pela Revista Conteúdo Jurídico, in verbis:

Podemos, agora tentar descrever e dar um conceito mais preciso da aparência de direito. Nela, um fenômeno materialmente existente e imediatamente real, manifesta um outro fenômeno - não existente materialmente nem imediatamente real - e o manifesta de modo objetivo, através de sinais, de signos aptos a serem apreendidos pelos que dele se acercarem; não através de símbolos, mas pelos próprios fatos e coisas, com base num comportamento prático, normal. Manifesta-o como real, conquanto não o seja, porque essa base de relações e de ações, abstratamente verificável na generalidade dos casos, vem a falhar no caso concreto[6].

Não são raras as vezes que diante dos eventos cotidianos nos deparamos com coisas que parecem ser, mas na realidade não são! E quando descobrimos que o que parecia ser na verdade não é, cria-se um estado caótico de coisas, um estado de transtornos emocionais e sentimentais, e até, muitas das vezes patrimoniais. Por isso o direito não pode e não deve deixar a mercê às relações jurídicas não reais, que são os negócios jurídicos travados entre pessoas, e que na cabeça de uma ou algumas delas eram tidas como verdadeiras.

 Só que tal Teoria ainda é tímida nos ordenamentos jurídicos dos mais diversos países, encontrando-se precedentes no direito italiano, alemão, francês, americano e alguns outros poucos. No Brasil, não poderia ser diferente, tal teoria é pouco discutida na doutrina e jurisprudência, que segundo o artigo publicado na Revista Conteúdo Jurídico pelo Advogado Luiz Carlos da Cruz Iorio[7], essa teoria é analisada, com mais profundidade por Pontes de Miranda e Orlando Gomes, além do professor Arnaldo Rizzardo, sem esquecer-se dos raros livros e poucos artigos que tratam do assunto, de um modo, como não poderia ser diferente, ainda superficial e específico.

No direito Brasileiro a teoria se mostra com mais força na seara civilista como no instituto da posse, que é uma aparência de propriedade; um pagamento por erro justificável a um credor putativo, desde que qualquer pessoa na mesma condição viesse a ser enganada; o mandatário praticando certos atos sem ter mais competência para tanto ou extrapolando tal competência; no caso de herdeiros aparentes ou excluídos da herança que geraram prejuízo ao espólio antes da sentença de exclusão; tanto no direito civil, como no direito comercial, e também no direito administrativo do indivíduo que pratica atos sem ser legitimado para tanto.

Não pode esquecer-se da aplicabilidade da teoria, que é o tema em debate, no direito administrativo, na aparência de bem público que os bens privados têm quando afetados a uma finalidade pública.

Em todas as hipóteses em que são possíveis prevê a manifestação da teoria da aparência deve-se levar em conta o respeito a terceiros de boa-fé, que por terem uma falsa percepção da realidade, enganável por qualquer homem médio, devem ser protegidos pela legislação vigente, nem que seja de forma comparada.

Como se vê não é forçoso nem arriscado dizer que apesar de não estar, nem explicita nem latente, na codificação brasileira a teoria da aparência pode ser entendida como um princípio do ordenamento jurídico, uma vez que o direito foi construído para o homem e existe, a todo instante, uma necessidade de ordem coletiva de se conferir segurança as operações jurídicas, dando guarida para aqueles que agem de boa–fé, garantindo o principio básico do ordenamento jurídico brasileiro, a dignidade da pessoa humana.

Certo é que a complexidade cada vez maior das relações sociais e jurídicas que a vida moderna nos impõe dificulta a estrada para chegarmos ao fundo das coisas e dos enigmas, nos limitando a uma feição externa daquilo que é real com a qual nos defrontamos diariamente. Por isso, a necessidade de um princípio, de uma teoria que resolva tais problemas relacionados à aparência de realidade com a qual enfrentamos no dia-dia, que no final das contas era uma falsa realidade.

Por tudo que fora exposto é possível afirmar, que de certa forma, a teoria da aparência foi aceita no direito brasileiro, de forma tímida, tanto no aspecto doutrinário quanto na esfera jurisprudencial (ex: REsp. 12592/SP; REsp. 276025/SP; REsp. 276025/SP; REsp. 135306/SP; REsp. 50841/RJ; REsp. 147030/AM;  REsp. 12811/MS; AgRg no AG 18784/PR; REsp. 113012/MG; REsp. 2584/ES[8] e etc.). Só que na jurisprudência percebe-se que a aquiescência e aplicação da referida teoria, ainda, é insegura, prendendo-se muito mais aos juízos críticos valorativos pessoais de cada magistrado do que a uma sistematizada e metódica teorização da matéria, que asseverasse a identidade dos julgados.

O que se percebe é que não há uma unanimidade, um consenso entre os doutrinadores e os jurisconsultos na aplicação da referida teoria, uma vez que ora é fundamentada na proteção da boa-fé de terceiros, ora na do erro comum e invencível ou escusável, ora na exteriorização da publicidade. Mas o que se deve levar em consideração é que o direito não pode desamparar uma sociedade que clama por justiça, devendo o operador de tal ciência utilizar da Teoria da Aparência de forma a suprir os anseios daquele que foi lesado por uma falsa percepção da realidade.

5 – APLICABILIDADE DA TEORIA DA APARÊNCIA AOS BENS PARTICULARES UTILIZADOS PELO ESTADO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

O ordenamento jurídico brasileiro, em sua organização administrativa, é dividido em pessoas jurídicas que compõe a administração indireta que são: as pessoas jurídicas de direito público (autarquias[9], agências reguladoras[10] e executivas[11], e fundações públicas[12]); e as pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas[13] e sociedade de economia mista[14]).

No que tange ao tratamento legislativo dos bens das pessoas jurídicas de direito público o tema é pacífico perante a doutrina, já que eles consideram tais bens como públicos. Questão tormentosa é no tocante aos bens das pessoas jurídicas de direito privado, o que torna a discussão de uma grande complexidade.

O professor Jose dos Santos Carvalho Filho[15] ao conceituar bens públicos afirma que são somente aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito públicos, sejam elas federativas, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sejam da administração descentralizada, como as autarquias, nestas incluindo-se as fundações de direito público e as associações públicas, sejam eles de qualquer natureza e a qualquer título.

Desse modo, para o renomado professor os bens das empresas públicas e das sociedades de economia mista não podem ser havidos como bens públicos, já que as mesmas tem natureza jurídica de direito privado, portanto, seus bens são privados.

Só que para o mestre Celso de Antonio Bandeira de Mello[16] todos os bens que estiverem submissos à atividade pública devem ser assim considerados, devem ser tidos e devem estar incluídos na noção de bens públicos, in verbis:

A noção de bem público, tal como qualquer outra noção em Direito, só interessa se for correlata a um dado regime jurídico. Assim, todos os bens que estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens públicos. Ora, bens particulares quando afetados a uma atividade pública (enquanto estiverem) ficam submissos ao mesmo regime dos bens de propriedade pública. Logo tem que estar incluídos no conceito de bens públicos.

Porém a doutrina moderna, com mais sensatez, vem adotando uma posição intermediária, não excluindo por completo nenhum dos dois conceitos, mas sim os adaptando. A exclusão absoluta dos bens privados do conceito de bens públicos podem causar danos irreparáveis para a segurança do patrimônio e para os serviços públicos nas mais variadas circunstâncias. Já a inclusão absoluta de tais bens como públicos poderá gerar privilégios e formalidades exageradas, uma vez que são pessoas jurídicas de direito privado. Portanto, o mais coerente é o raciocínio de uma posição intermediária. Nem totalmente público, nem absolutamente privado, isto é, híbrido, desde que tais bens estejam vinculados à prestação de serviços públicos.

A nível didático, seguindo a posição doutrinaria hodierna, é importante mencionar que tanto as empresas públicas, quanto as sociedades de economia mista estão sujeitas a um regime de direito privado, mas que não é absolutamente privado, é híbrido, misto, isto é, ora público em razão das diversas regras e princípios do ordenamento jurídico, se eles estiverem ligados à prestação dos serviços públicos, ora privado quando exploradoras de atividades econômicas. Também, não gera grandes discussões, nos doutrinadores modernos, a afirmação que essas empresas quando prestadoras de serviço público gozam de um regime mais público do que privado, sofrendo, dessa forma, uma limitação nas regras de direito privado.

Nessa linha de raciocínio, é importante salientar, com precisão que os bens das Empresas Estatais são bens privados, como é de clareza solar a previsão do Código Civil. Contudo, não se pode ter a ideia de que tais bens seguirão um regime absolutamente privado, uma vez que é possível identificar em diversas leis esparsas o tratamento público dessas empresas quando prestadoras de serviço público ou quando seus bens estiverem ligados à prestação do serviço público.

Além do mais, o Estado quando descentraliza uma atividade continua sendo responsável indireto pela prestação do serviço público, portanto, não teria sentido a adoção de um regime totalmente privado diante de uma finalidade pública. Desse modo, nada mais justo que um tratamento diferenciado, uma maior proteção a tais bens quando vinculados à prestação de um serviço público.

É nesse ponto onde se desdobra a Teoria da Aparência. Quando os entes privados, no caso em questão as Empresas Estatais, prestam serviços públicos à sociedade, coletividade, refletem no sentido que aqueles bens são públicos, que estão amparados por prerrogativas dos bens públicos, que não pode ser alienados livremente ou penhorados. A sociedade tem a ideia de que o serviço prestado não sofrerá, em tese, interrupções por causa de eventuais dívidas da empresa privada, eles professam, em aparência, que tais bens são públicos. Por isso tudo devem tais bens ter a proteção similar dos bens públicos.

Importante mencionar que todo esse raciocínio não pode ser adotado para as pessoas jurídicas de direito privado quando exploradora de atividade econômica, porque estão fora da ideia de que serviço público é um dever do Estado, podendo tal serviço ser prestado diretamente ou não, o que de maneira alguma afasta a responsabilidade de que o serviço seja oferecido.

Atualmente é perceptível e latente a necessidade da Administração na utilização de bens particulares, sejam eles de pessoas físicas ou jurídicas. Tal utilização é desdobrada por meio de intervenção na propriedade privada como a ocupação temporária e requisição, por meio de contrato como o de locação, a utilização de bens pelas pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, concessionárias, entre outros.

É evidente que para o alcance da eficiência no serviço público há a necessidade da administração em celebrar contratos que serão regulados pelo direito privado, no qual o Estado se situa no mesmo plano jurídico, não tendo nenhuma prerrogativa que fuja do sistema contratual comum.

Entre eles se encontram o contrato de locação, que é utilizado diariamente pela Administração Pública, no qual o Estado loca do particular algum bem para a prestação de um serviço público.

A partir daí podemos perceber mais uma vez a manifestação da Teoria da Aparência. Ao celebrar o contrato locatício e consequentemente prestar um serviço público a sociedade acredita intrinsecamente que tal bem é público, que a partir daquele momento o ente locador é o novo dono, isso deriva da supremacia que o Estado tem sobre o interesse privado.

Um exemplo latente dessa aparência pública que o bem privado tem quando locado pela Administração, é da prefeitura ou órgão do município que não tenha sede própria para prestação de suas atividades habituais. Os cidadãos ao frequentarem esse bem entenderão que este é público, e que o serviço administrativo indispensável aos anseios sociais não serão interrompidos por quaisquer inconveniências.

O segundo exemplo, também perceptível no seio da Administração é a locação de carros, caminhões, caçambas que serão também utilizados para servir a sociedade nos seus serviços essenciais, uma vez que o Estado não tem recursos financeiros suficientes para adquirir tais bens móveis em tempo suficiente para não deixar a sociedade à mercê da própria sorte.

Desse modo, no contrato de locação se mostra a manifestação mais clara da Teoria da Aparência, uma vez que quando tais bens são afetados para a prestação de serviços públicos eles passam a adquirir uma aparência pública, e por isso contraem características próprias dos bens públicos, tais como alienabilidade condicionada, impenhorabilidade.

Em função do princípio da continuidade não é razoável que um carro utilizado para prestar serviço ao hospital público de certa localidade no transporte de passageiros com enfermidades em tratamento ou um imóvel no qual o Município instalou uma escola sejam penhorados por causa de dívidas do verdadeiro proprietário. Não é coerente que as crianças fiquem sem estudar ou os idosos sem o tratamento adequando que irá estender seu tempo de vida, por causa de uma simples dívida. É a manifestação do interesse público sobre o privado.

Outro exemplo da manifestação da Teoria da Aparência se mostra nos bens da Concessionária de serviço público. A concessionária é uma empresa de natureza privada que celebra contrato, por meio de licitação, com Administração para a prestação, por sua conta e risco, de serviços públicos. A licitação será sempre na modalidade concorrência, com a pequena/grande diferenciação que o edital pode estabelecer uma inversão de fases, os procedimentos para a licitação se encontram na Lei 8987/95.

 É sabido que o Estado ao contratar uma empresa para prestação de serviço, esta será remunerada pelo próprio usuário do serviço, ou seja, a própria população que utiliza do serviço da concessionária remunerará diretamente a empresa contratada. Outro ponto importante é o que diz respeito às pessoas que podem celebrar o contrato de concessão, que somente pode ser pessoa jurídica ou consórcio de empresas, inadmitindo a contratação de pessoa física. Portanto, os bens de tais empresas são bens privados.

Só que, quando a concessionária utiliza dos seus bens para prestação de serviços essenciais tais bens devem ser amparados pela Teoria da Aparência adquirindo características próprias dos bens públicos.

Um exemplo que pode ser citado é da empresa de transporte coletivo. Os ônibus utilizados para a condução de passageiros não podem ser vendidos pela empresa livremente, a concessionária deve garantir o mínimo indispensável para a locomoção da população, que, na maioria das vezes, é auferido por critérios discricionário do poder judiciário, variando entre 30%[17] a 80%[18].  É coerente que a concessionária pode vender ou ter como objeto de penhora um ou outro bem, o que não pode, de maneira alguma, é a venda absoluta ou constrição completa dos veículos que prestam o serviço de locomoção da coletividade.

O que não se pode esquecer é que as prerrogativas, nos casos citados a impenhorabilidade e alienabilidade condicionada, só devem ocorrer enquanto o bem estiver vinculado ao serviço público. Caso a Administração venha adquirir seu próprio veículo para o transporte dos enfermos, ou venha a construir uma sede para escola, ou se ainda a empresa concessionária tiver rescindido ou o contrato tiver vencido, o bem estará livre das prerrogativas próprias dos bens públicos, voltando a ter apenas as prerrogativas privadas que lhe são de direito. Aqui temos o desaparecimento da Teoria da Aparência.

No que toca às características públicas que os bens privados adquirem em função da sua utilização ao serviço público, e consequentemente a manifestação da Teoria da Aparência, tais características não podem ser interpretadas, na mesma proporção, que são aplicadas aos bens públicos, uma vez que tais bens continuam sendo bens privados, não perdendo essa característica.

Destarte, os bens privados cobertos pelo manto da aparência ao adquirir a característica da alienabilidade condicionada o verdadeiro proprietário, o particular, não pode vender tal bem enquanto este estiver prestando o serviço público, afetado a atividade pública. Pela característica da impenhorabilidade tal bem não pode ser objeto de penhora, interrompendo, com isso, a prestação do serviço público.

Os bens privados não adquirem com a manifestação da Teoria da Aparência as outras duas características comuns aos bens públicos: da onerosidade e imprescritibilidade. No que toca à onerosidade não há impedimento que um bem particular aparentemente público seja onerado na execução, só que tal bem não poderá ser penhorado enquanto estiver afetado, prestando o serviço público. No que diz respeito à imprescritibilidade essa não faz sentindo existir, já que para um bem ser usucapido ele tem que ser utilizado por outra pessoa por um lapso de tempo, se isso acontece tal bem não estará servindo a coletividade e por isso não estará amparado pelos efeitos da Teoria da Aparência; o que pode acontecer é a própria Administração usucapir o bem privado, mas para isso ele já estaria afetado ao serviço público.

6- POSSÍVEIS LIMITES DO DIREITO ADMINISTRATIVO À TEORIA DA APARÊNCIA (Princípio da Legalidade e entendimento jurisprudencial)

 Apesar de todo o raciocínio e da maestria da aplicação da Teoria da Aparência aos bens privados quando utilizados pela administração pública, esta não encontra amparo nas normas administrativista, encontrando amparo apenas a partir de conceitos doutrinários e algumas jurisprudências, o que não retira por completo o encanto de tal teoria. No que toca a precária jurisprudência versando sobre o tema, apesar de atrasada, temos algumas que vão de encontro ao aproveitamento da teoria, como podemos analisar:

Execução de sentença. Nomeação de bens à Penhora recusada, sem que tenha havido recurso. Devolução da indicação ao credor. Penhora de elevadores. Possibilidade. C.B.T.U. Empresa privada cujos bens podem ser disponibilizados e, portanto, afetados pela penhora, sendo absolutamente infundada o argumento de que, prestando serviço público, os seus bens são impenhoráveis. Recurso manifestamente protelatório. (Agravo de Instrumento n.° 2001.002.11891, Des. Fabrício Bandeira Filho, Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, julgamento em 01.11.2001). (grifos nosso)

Empresa concessionária de serviço público: penhora de seus bens – penhora de dinheiro. 1. As empresas concessionárias de serviço público não têm patrimônio afetado e pode o mesmo sofrer penhora. (...) (Recurso Especial n.° 241683, Rel. Eliana Calmon, Segunda Turma do STJ, julgado em 06.04.2000). (grifos nosso)

Mas como se sabe, jurisprudência tem para todo o gosto e no referido tema não poderia ser diferente. Apesar de, ainda, ser tímida os novos entendimentos jurisprudenciais já estão envergando no sentido de adotar a Teoria da Aparência aos bens privados quando utilizados pelo Estado, mesmo que de forma implícita, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. BENS. IMPENHORABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Cuida-se de Agravo em Recurso Especial interposto contra acórdão que afastou a penhora, no atual estágio do procedimento, uma vez que nem sequer houve a liquidação, além de assentar a impenhorabilidade dos bens de sociedade de economia mista que sejam necessários à continuidade do serviço público. 2. Pretende a recorrente o reconhecimento da impenhorabilidade dos valores depositados em conta-corrente, que, segundo ela, são destinados exclusivamente à execução do serviço público. (...) 4. No que tange à questão da impenhorabilidade dos bens afetados ao serviço público, o julgado recorrido não diverge da orientação do STJ, segundo a qual são impenhoráveis os bens de sociedade de economia mista prestadora de serviço público, desde que destinados à prestação do serviço ou que o ato constritivo possa comprometer a execução da atividade de interesse público (cf. AgRg no REsp 1.070.735/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18.11.2008; AgRg no REsp 1.075.160/AL, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 10.11.2009; REsp 521.047/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20.11.2003). (...) 6. Recurso Provido. (AgRg no AREsp 37.545/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 13/04/2012) (grifos nosso)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. PÓLO PASSIVO OCUPADO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. PENHORA DE IMÓVEIS. SUBSTITUIÇÃO DE IMÓVEIS POR VEÍCULOS. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE. ART. 678 DO CPC. 1. A aplicação dos arts. 10, 11 e 15 da Lei n. 6.830/80 e 656 do CPC deve ser feita com razoabilidade, especialmente quando está em jogo a consecução do interesse público primário (transporte), incidindo na espécie o art. 678 do CPC. 2. Por isso, esta Corte Superior vem admitindo a penhora de bens de empresas públicas (em sentido lato) prestadoras de serviço público apenas se estes não estiverem afetados à consecução da atividade-fim (serviço público) ou se, ainda que afetados, a penhora não comprometer o desempenho da atividade. Essa lógica se aplica às empresas privadas que sejam concessionárias ou permissionárias de serviços públicos (como ocorre no caso). Precedentes. 3. O Tribunal de origem, soberano para avaliar o conjunto fático-probatório, considerou que eventual restrição sobre os bens indicados pela agravante comprometeria a prestação do serviço público, o que é suficiente para desautorizar sua penhora. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1070735/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 15/12/2008) (grifos nosso)

PROCESSO CIVIL. BILHETERIA DE EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO - METRÔ. PENHORA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. A receita das bilheterias que não inviabilizam o funcionamento da devedora sociedade de economia mista estadual pode ser objeto de penhora, na falta de vedação legal, e desde que não alcance os próprios bens destinados especificamente ao serviço público prestado, hipótese que é diversa daquela da ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, amparada pelo Decreto-lei n. 509/69. (REsp 343.968/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2002, DJ 04/03/2002, p. 255) (grifos nosso)

Pelo simples fato de não ter uma legislação versando sobre o tema a Teoria se esbarra, encontrando um limite, no Princípio da Legalidade, no qual afirma que os atos da administração devem ser seguidos em conformidade com a lei, bem como em alguns antigos julgados e na doutrina administrativista que não se debruça sobre o tema com mais afinco, de forma direta. Eis o grande problema da aplicação da Teoria da Aparência no Direito Administrativo.

Só que a teoria deve ser interpretada de maneira ampla, de forma que resolva com magnetismo os eventuais problemas surgidos durante sua aplicação, em especial no que tange a prestação eficaz do serviço público. Deve-se buscar uma exegese de acordo com um conjunto de princípios que regem todo o direito administrativo, qual seja o da Supremacia do Interesse Público, Continuidade do Serviço Público e, principalmente, da Eficiência. No caso teríamos um “conflito de princípios”, de um lado um Princípio da Legalidade e do outro os princípios na busca de uma melhor prestação de serviço público, que atenda a todos continuamente e de maneira eficiente. Qual/quais deles devem/deveriam prevalecer?

É para se pensar os novos rumos da jurisprudência e até mesmo da lei no que toca ao tema, uma vez que nos dias atuais o povo clama por serviços de qualidade e de forma eficiente. E como o Direito é uma ciência mutável, passível de transformações a todo instante, não se pode ficar preso à interpretação de único princípio para aplicação de todo um sistema administrativo, que é muito mais amplo do que se possa imaginar. Destarte, a ideia mais coerente é adotar a impenhorabilidade e alienabilidade condicionada aos bens privados quando afetados ao serviço público, unificando a jurisprudência, para que, somente assim, se possa alcançar, mesmo que de forma indireta, os anseios sociais que clamam por uma prestação de serviço público o mais próximo do ideal.

CONCLUSÃO

Como fora discorrido nos tópicos acima, é possível concluir que a Teoria da Aparência se desenvolve quando se encontra uma situação de fato que leve um indivíduo ao equívoco consciente, segundo a ordem geral e normal das coisas e situações, e pela impossibilidade do homem médio em saber que realmente aquilo que era não é.  Isto é, a aparência se dá quando um acontecimento manifestante faz aparecer como real aquilo que é irreal, ou seja, quando não há uma coincidência entre o fenômeno manifestante e a realidade manifestada.

É por causa dos acontecimentos cotidianos que tal Teoria não deve ser esquecida quando a Administração utiliza os bens privados para a prestação dos seus serviços. Tais bens para o homem médio são bens públicos, apesar de não serem, de terem apenas aparência pública. É por isso, que tais bens privados adquirem duas características dos bens públicos, a alienabilidade condicionada e a impenhorabilidade.

É certo que, em função do Princípio da Supremacia do Interesse Público tudo que a Administração toca se publiciza, por isso, quando ela toca nos bens particulares para a prestação de um serviço essencial esses bens adquirem prerrogativas públicas, eles se tornam aparentemente públicos.

Assim a noção de aparência dos bens públicos manifesta a ideia ético-jurídica de um ordenamento que preza pelo coletivo em prol do individual.  Da ideia de um ordenamento jurídico que tem um fundo material de justiça de acordo com a necessidade geral de nosso tempo, de acordo com os anseios de uma coletividade, impendido, com a aplicabilidade da Teoria da Aparência, que os serviços públicos não ocorram ou ocorram sem eficiência.

É com a aplicação da Teoria da Aparência aos bens privados quando utilizados pela Administração que conseguiremos, em linhas tênues, uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos, uma vez que com mais prerrogativas teremos em menor proporção a descontinuidade do serviço público e consequentemente a satisfação dos anseios sociais.

 REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Teoria da aparência. (acórdão comentado). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1232, 15 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9137>. Acesso em: 8 maio 2013.

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

IORIO, Luiz Carlos da Cruz. A Análise técnico-jurídico da Teoria da Aparência como princípio de direito. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 14 fev. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35785&seo=1>. Acesso em: 09 maio 2013.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev. e atual. 1 reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5ª Ed. Niterói: Impetus, 2011.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª Ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 33. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

Vade Mecum Saraiva/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Cespedes e Juliana Nicoletti. 15 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.


[1] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 33. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. V.I, pag. 116

[2] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. Pag.631.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7 ed. rev. e atual. 1 reimp. Belo Horizonte: Forum, 2011. Pag. 1030

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. Pag.998.

[5] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5ª Ed. Niterói: Impetus, 2011, pag.53

[6] IORIO, Luiz Carlos da Cruz. A Análise técnico-jurídico da Teoria da Aparência como princípio de direito. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 14 fev. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35785&seo=1>. Acesso em: 09 maio 2013.

[7] IORIO, Luiz Carlos da Cruz. A Análise técnico-jurídico da Teoria da Aparência como princípio de direito. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 14 fev. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35785&seo=1>. Acesso em: 09 maio 2013.

[8] CHAMONE, Marcelo Azevedo. Teoria da aparência. (acórdão comentado). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1232, 15 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9137>. Acesso em: 8 maio 2013.

[9] Pessoa jurídica de direito público, criada por lei, para o controle interno e externo, dotada de capital exclusivamente público, com capacidade administrativa e criada para prestação de serviço público (realiza atividades típicas).

[10]  É uma autarquia em regime especial. Surgiu em razão do fim do monopólio estatal. É responsável pela regulamentação, o controle e a fiscalização de serviços públicos, atividades e bens transferidos ao setor privado. Caracteriza-se por três elementos: maior independência, investidura especial e mandato.

[11] É uma autarquia comum ou uma fundação que, por iniciativa da Administração Direta, recebe status de Agência desde que preenchidas algumas condições, visando a uma maior eficiência e redução de custos. Tem como principais requisitos: a realização de um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento; e a celebração de contrato de gestão que visa a dar a essas pessoas jurídicas mais autonomia e mais verba orçamentária.

[12]  É uma pessoa jurídica composta por patrimônio personalizado destinado pelo seu fundador para uma finalidade especifica. Pode ser pública ou privada de acordo com a sua instituição. Quando instituída pelo Poder Público, é fundação pública, compõe a Administração Indireta e pode ter personalidade jurídica de direito público ou de direito privado. Quando instituída pelo particular, é denominada fundação privada, não compõe a Administração e é regida pelo Direito Civil, não sendo objeto de estudo do Direito Administrativo.

[13] Pessoa jurídica de direito privado, autorizada por lei, composta por capital exclusivamente público, criada para prestação de serviços públicos ou exploração de atividades econômicas, sob qualquer modalidade empresarial.

[14] Pessoa jurídica de direito privado, também autorizada por lei, criada para a prestação de serviço público ou exploração de atividade econômica, com capital misto e na forma de S/A.

[15] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. Pag. 997.

[16] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª Ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. Pag.930.

[17] TST - RODC-77/2005-000-18-00.4 Relator: Carlos Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 14/12/2006, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,

[18] TST - RODC: 9556000392003502 9556000-39.2003.5.02.0900, Relator: Rider de Brito, Data de Julgamento: 17/11/2005, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 03/02/2006.

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Sobre o autor
Claudio Lima

Advogado atuante. Palestrante. Pós Graduando em Direito da Seguridade Social e Prática Previdenciária, desenvolvendo os estudos atualmente nesta área. Ex- conciliador do Balcão de Justiça e Cidadania da Bahia (polo FAT- Feira de Santana).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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