O valor jurídico do afeto na adoção por casais homoafetivos

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O presente artigo busca analisar a problematização existente no tema com a intenção de levantar o despertar em todos um maior conhecimento e uma maior reflexão no que se refere à aceitação do instituto da adoção menorista.

O VALOR JURÍDICO DO AFETO NA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

Marta Ângela Sobreira Vanderlei [1]

[1] Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

 

RESUMO

O presente artigo busca analisar a problematização existente no tema com a intenção de levantar o despertar em todos um maior conhecimento e uma maior reflexão no que se refere à aceitação do instituto da adoção menorista, em virtude de sua nobre função de regularizar a situação daqueles que desejam tomar por filho pessoa que biologicamente não o é, bem como daqueles que anseiam por uma família substituta, que lhes possibilitem um futuro mais digno, livre do desamparo e da marginalização, mas tendo também como base para mudanças na legislação em geral, possibilitando, no futuro, a legitimação das adoções realizadas por pares homoafetivos. Assim, no intuito de contribuir de alguma forma para mudar a situação de abandono e desilusão a que estão relegados nossas crianças e adolescentes, como também buscando conferir uma maior visibilidade ao direito dos homossexuais de, também, satisfazerem o sonho da paternidade/maternidade através da adoção, baseando-se na presunção de uma realidade não biológica, mas sim afetiva, vista como um fenômeno de amor e afeto entre as partes, que deve ser incentivada pela lei é que se amolda o presente trabalho, que se apresenta como um despretensioso estudo doutrinário, legislativo e jurisprudencial dos principais aspectos que permeiam este tipo de adoção. Nos dias atuais, a Lei 8.069/90, seguida do Código Civil de 2002 vem dar nova abordagem, mais ampla e acessível, sem, no entanto, ousar regulamentar, expressamente, a situação das famílias homoafetivas que pretendem, com amor e responsabilidade, se habilitarem à adoção. A falta de regulamentação conduz ao questionamento central desta monografia, a saber, a possibilidade da adoção por famílias homoafetivas frente aos requisitos do instituto e à aprovação social, tendo sempre por norte inafastável, o interesse do adotando, aliado aos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação, conduzindo-nos, assim, à conclusão de que a mera opção sexual do indivíduo não o desabona enquanto candidato à adoção.

Palavras-chave: Adoção. Homossexuais. Família. Preconceito. Dignidade.

 

1 INTRODUÇÃO

A partir do estudo da disciplina Direito de Família e da oportunidade de vivenciar na sociedade atual diversos casos de adoção, como forma constitutiva do vínculo de filiação, surgiu a curiosidade, muito provavelmente, em decorrência de histórias de vida que se misturaram à minha, fazendo-me enxergar a relevância e benesse de tal instituto, que têm o condão de transformar vidas.

Desde então, tive interesse pelo assunto, o qual elegi para desenvolver esta monografia, procurando cada vez mais me inteirar sobre o estudo. Assim, em decorrência do momento atual em que despontam discussões em torno da possibilidade jurídica de se deferir a adoção a pessoas homossexuais, senti-me desejosa de contribuir, ainda que despretensiosamente, para um melhor esclarecimento do assunto, e também por me considerar uma pessoa preconceituosa no assunto a ser abordado, mas, também, por acreditar da importância que advém da adoção.

O presente estudo permeia em torno de um assunto sócio jurídico de fundamental relevância não apenas para os operadores do direito, especialmente os que lidam com as nuances do apaixonante ramo do direito de família.

A sociedade em geral, que deve estar ciente de todos os regulamentos a serem seguidos para a perfectibilização de uma tendência que precisa ser, cada vez mais, propagada entre nós e cuja origem remonta à Antiguidade, qual seja, a de gerar filhos do amor. A adoção teve evolução histórica significativa, levando este instituto a ser utilizado na antiguidade como forma de perpetuar o culto doméstico.

Ao longo dos anos, a adoção vem passando por profundas transformações de acordo com as mudanças do Direito de Família, surgindo assim com maior ou menor importância nos ordenamentos jurídicos, de acordo com as características e as expectativas de cada sociedade em um determinado momento. Embora a adoção hoje seja um instituto do Direito, podemos destacar que sua origem é de natureza religiosa.

Atualmente, adoção de crianças por casais homossexuais vem ganhando espaço nos meios jurídicos, exoneração deve evoluir com opiniões diversas sobre a matéria, principalmente considerando que os veículos de comunicação, em todos os seus segmentos, começam a discutir abertamente a possibilidade da existência de preconceito quanto à preferência sexual das pessoas, e seu reflexo na sociedade, quando se trata de adoção de menores.

É impossível negar que em nosso país, é expressivo o número de menores sem lar e desperta a compaixão de qualquer cidadão de bem, tendo se tornado cada vez mais frequente os casos de casais que buscam na adoção uma forma de se doar como pais àqueles que ainda não tiveram oportunidade de conhecer a alegria de se ter um lar, bem como de pessoas solteiras que desejam constituir uma família, mas que, por algum motivo, não puderem gerar filhos seus.

A adoção não pode ser abordada como sendo uma tarefa simples, pois, não se trata de mero instituto jurídico, sendo passível de uma avaliação isolada e dissociada de subjetivismo. Ela transcende o direito e encontra sustentação nos mais valiosos sentimentos e necessidades humanas, razão pela qual a sua análise deve estar intimamente relacionada com as diversas variáveis que a circundam como as de ordem cultural, econômica, psicossocial e moral.

Falar sobre o tema se torna, ainda, mais difícil, quando se percebe que a grande maioria das adoções é precedida de situação de abandono, fato lastimável que ocorre, com muita frequência em nosso país, onde grande parte da população encontra-se em níveis sub-humanos, em extrema miséria, relegada a uma situação de total dependência, oriunda de um modelo econômico historicamente concentrador de rendas, injusto e desumano.

Pelas grandes dificuldades em se alcançar as transformações estruturais que o Brasil necessita e do entristecedor quadro encontrado em milhões de crianças e adolescentes abandonados no país, provocado pela falta de envolvimento social de uma elite dirigente, que perdeu a sensibilidade e a capacidade de indignar-se pela atual situação encontrada, e pelo silêncio, cúmplice das consciências adormecidas, é que a disseminação da adoção começa a ganhar espaço e se torna atualmente um tema relevante, sobretudo, quando se discute a possibilidade de seu deferimento a candidatos homossexuais.

Diante da possibilidade de um ato que permite estender as prerrogativas filiais às pessoas que não compartilham do mesmo sangue, envolvendo não somente emoções e doação de sentimentos, mas, sobretudo, a construção de um novo vínculo jurídico entre adotante e adotando.

Vínculo este que a natureza não criou, mas que o direito tem demonstrado a disciplinar, baseando-se na presunção de uma realidade não biológica, mas sim afetiva, vista como um fenômeno de amor e afeto entre as partes, que deve ser incentivada pela lei.

O presente estudo abordará a adoção sob dois aspectos: de um lado, trataremos da adoção enquanto sonho de inserção sócio familiar de milhares de crianças e adolescentes abandonados e que anseiam por um elo afetivo, alguém para chamar de pai, alguém para chamar de mãe; e, de outro lado, a questão dos homossexuais que, ainda, tem que ultrapassar duras lutas contra o preconceito e o moralismo para então serem considerados como cidadãos aptos a adotar e, assim, conseguirem a chancela legal para desenvolverem, com amor e responsabilidade, a tão sonhada paternidade/maternidade.

Mas não somente num contexto puramente jurídico, como também se baseando na presunção de uma realidade afetiva, vista como um fenômeno de amor e afeto entre partes, que devem ser incentivadas pela lei.

Embora o nosso ordenamento jurídico pareça querer ignorar a existência dos homossexuais, não se pode esquecer sua condição de cidadãos, titulares de direitos e deveres assegurados constitucionalmente aos heterossexuais, não podendo mitigar a dignidade humana em razão de sua opção sexual.

Não há qualquer razão plausível para discriminações deste viés, já que são veementemente proibidas pela nossa Carta Magna, no entanto, o preconceito ainda contamina a nossa sociedade, lamentavelmente, criando entraves ao deferimento da filiação civil aos homossexuais.

Importante destacar que este trabalho não representa uma linha de defesa à adoção por casais homoafetivos, buscando defender a igualdade de direitos entre estes e os casais heterossexuais, mas, que se encontre em condições de igualdade, passando ambos por avaliações equivalentes pela equipe interdisciplinar, podendo ser ou não considerados aptos à adoção, mas que não sejam privados de maneira alguma, em não adotar simplesmente pelo fato de terem orientação sexual diversa da maioria dos casais da sociedade.

O que mais deve ser levado em consideração numa adoção, não é garantir se a criança ou o adolescente estaria em melhores condições com uma família heterossexual ou com uma família homossexual, mas onde estaria melhor amparado(a), se nas ruas ou instituições, ou num lar homoafetivo.

Assim sendo, o objetivo maior desta monografia é evidenciar os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais que permeiam em torno da problematização, “adoção homoafetiva” visando uma melhor condição jurídica e afetiva, tanto para a criança quanto para o adolescente, ou deixar permanecer em estado de abandono nas ruas ou em abrigos, em vez da opção de ser adotado por uma pessoa que tem diferente orientação sexual, mas capaz de lhe oferecer amor, um lar e a chance de sonhar com um futuro promissor.

No presente estudo foram utilizadas pesquisas bibliográficas, buscando explicar o problema através da análise de doutrina, legislação e jurisprudência sobre o assunto, que, por ainda ser recente, não conta com grande produção doutrinária, despontando como principais autores sobre a matéria, Maria Berenice Dias e Enézio de Deus Silva Júnior, em cujas obras fui me amparar.

Quanto aos objetivos presentes neste investigatório, se dividem em:

1) Geral - analisar no instituto da adoção, a valoração do afeto na jurisdição brasileira na concessão a casais homoafetivos; 2) Específicos: a) contextualizar e difundir a adoção como solução aos menores abandonados que têm viés constitucional o direito a uma família e existência digna; b) verificar os pressupostos legais (normas e princípios) do instituto da adoção no atual direito brasileiro; c) qualificar o valor jurídico na adoção com o afeto; d) investigar, com base, principalmente, na legislação, doutrina e jurisprudência nacionais a possibilidade da adoção de crianças e/ou adolescentes por homossexuais.

Por fim, espero que este trabalho possa contribuir de alguma forma para um maior esclarecimento sobre o tema analisado sob o aspecto jurídico e social, afastando os preconceitos que, lamentavelmente, permeiam a questão e que, por vezes, impedi-nos, até mesmo, de aceitar um ordenamento jurídico mais justo.

 

 2 CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO

Em relatos históricos, a adoção teve o seu prenúncio ainda na remota Antiguidade, conforme se pode verificar dos regramentos advindos dos Códigos de Manu, sendo largamente utilizada em Roma e na Grécia, como meio de perpetuar, pela linha masculina, o culto familiar, pois, se houvesse a hipótese de falecimento do pater, sem deixar herdeiro capaz de continuar o culto aos deuses-lares, poderia se recorrer à adoção, como meio de evitar a temida desgraça da extinção de sua família.

Fustel de Coulanges, em seus comentários gerais in A cidade antiga, assegura que o instituto da adoção deriva da religião, pois esta era a causa principal de união dos membros da família antiga: razão pela qual a adoção se fundava na necessidade de salvação do lar pela prevenção da extinção do culto doméstico, só se permitindo a quem não tinha filhos.

Segundo COULANGES (2002, p. 44):

O dever de perpetuar o culto doméstico foi o princípio do direito de adoção entre os antigos. A mesma religião que obrigava o homem a casar, que determinava o divórcio em caso de esterilidade, que, em caso de impotência ou de morte prematura, substituía ao marido um parente, oferecia ainda à família um último recurso para escapar à desgraça tão temida da extinção: esse recurso era o direito de adotar.

 A preocupação com a descendência era uma prática que estava presente até mesmo na Bíblia Sagrada (DEUTERONÔMIO 25:5), cuja Lei do Levirato obrigava os irmãos do marido morto a desposarem a cunhada para dar-lhe descendência, "a fim de que o seu nome não se extinga em Israel". Vários são os trechos bíblicos que narram célebres casos de adoção, como as de Éster por Mardoqueu e Efraim e Manes por Jacó.

Entre os egípcios e os hebreus, a adoção não mereceu regulamentação expressa, havendo apenas alguns relatos neste sentido, como o caso de Moisés que foi adotado pela filha do Faraó, quando sua mãe biológica foi forçada a abandoná-lo. Tal espécie de adoção era muito frequente na Antiguidade.

Foi no direito romano que o instituto da adoção foi difundido, encontrando disciplina e ordenamento jurídico sistemático, pelo qual, um chefe de família sem herdeiros podia adotar como filho um menino biologicamente pertencente à outra família, pois assim disciplinava o art. 185 do Código de Hamurabi: "Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem”.

 Naquela época, o único escopo da adoção era a manutenção do culto doméstico, onde só era permitida àqueles que não podiam gerar filhos, cabendo ao adotante a obrigação de iniciar o adotando nos segredos do respectivo culto, de modo que o ingresso na família adotiva ocorria por meio de um ritual sagrado, no qual o adotando renunciava a qualquer culto a que pertencesse por força da consanguinidade, abraçando a nova família, sem poder mais retornar à família anterior.

Conforme as lições do mestre PEREIRA (2002, p. 230), o direito romano chegou a contemplar três formas de adoção:

a) adoptio per testamentum, que correspondia a um ato de última vontade do adotante, na qual o adotando se submetia à confirmação da cúria, constituindo-se num ato complexo e solene, raramente utilizado, muito embora tenha sido a forma na qual ocorrera a célebre adoção de Otávio Augusto por Júlio César;

b) ad rogatio, era a forma de adoção na qual o adotando capaz se desligava de sua família e se tornava um do adotante, caracterizando-se, pois, por ser um ato bilateral de vontades, do adotante e do adotando, inclusive, incluindo todos os dependentes deste último, e necessitando da intervenção do Estado;

c) dai/o in adoptionem, que correspondia à adoção propriamente dita, em que um incapaz (alieni iuris) era entregue em adoção, verificada a vontade do adotante e com o consentimento do representante do adotando, neste tipo de adoção, o adotante e o adotando compareciam perante o juiz, que após declarar, a extinção do pátrio poder, declarava em seguida a respectiva adoção.

Ressalta-se que, a princípio, somente aos homens era atribuída a capacidade para adotar, mas, sobretudo, pelo enfraquecimento do fundamento religioso, aos poucos, foi sendo permitido às mulheres que tivessem perdido seus filhos, sobretudo, por ocasião das grandes guerras.

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Surgiram no direito romano duas formas de adoção, sendo estas protegidas por Justiniano: a forma chamada adoptio plena, aquela que era realizada entre parentes, e a adoptio minus plena, que era realizada entre estranhos, porém em ambos os casos o adotando conservava os direitos sucessórios da sua família natural. Foi então nesta época que se acentuou o conceito de que a adoção deveria imitar a filiação natural, uma ideia que atravessou os séculos e influenciou o direito civil moderno.

Com as invasões bárbaras, ocorridas no século V depois de Cristo, deve-se registrar que a adoção ainda perdurou no Império Romano, embora revestida de finalidade diversa que, nos dizeres de PEREIRA (2002, p. 230), era o "desejo de perpetuar num guerreiro valente os feitos d'armas do adotante".

Na Idade Média, mais especificamente a partir do apogeu do Cristianismo e das mudanças de valores da época, a adoção caiu em desuso, haja vista que, curiosamente, a Igreja passou a considerá-la nociva aos princípios religiosos de então, que só reconheciam a família e os filhos que adviessem do sacramento matrimonial.

Neste momento de declínio do instituto, havia àqueles que consideravam a adoção uma falta que poderia ser manipulada para fraudar as normas que proibiam o reconhecimento dos filhos adulterinos. Assim sendo, tornava-se incompatível a existência da adoção ante as leis que vieram a ser instituídas naquele período.

A adoção permanecia inadaptada e praticamente inexistente neste período, tendo em vista que só em raríssimos casos ainda se recorria a esse instituto, já que no século XVI, não se transferia ao adotando sequer o direito de suceder ao adotante.

Graças, a época moderna, que foi marcada por grandes avanços, surgiram três legislações onde o instituto da adoção era regulado, quais sejam, o Código Dinamarquês de 1683, o Código Prussiano de 1751 e o Códex Maximilianus da Bavária, de 1756, sendo que dentre estas, o Código Prussiano exerceu relevante influência sobre o Código Napoleônico, que por sua vez contribuiu para que a adoção ingressasse nos ordenamentos jurídicos posteriores e se expandisse para outras partes do mundo.

Foi devido a Napoleão que este instituto ressurgiu com maior expressão, pois seu Código, datado de 1804, regulamentou a adoção em seus artigos 343 a 360, embora de forma tímida, nos moldes da adoção romana minus plena, porém com notório fim sucessório, pois era interesse do próprio Imperador adotar um de seus sobrinhos para fazê-lo herdeiro do trono, já que sua esposa era estéril.

Apesar de o Código Napoleônico ter tratado a adoção de forma muito complexa, sob normas rigorosas, foi considerado o marco inicial para a revitalização e aperfeiçoamento do instituto. De modo que, em seguida, foi elaborada a Lei Francesa de 1923, que ampliou a ideia de adoção, assemelhando-a à adoptio plena, embora deixando subsistir os laços de parentesco originários do adotando.

Posteriormente surgiu a legislação de 1939, daquele mesmo país, que veio fixar a legitimação adotiva, dando-lhe maior amplitude e aproximando o adotado da filiação legítima; razão pela qual se pode dizer que o ordenamento jurídico francês influenciou muitas culturas, e dentre elas a brasileira.

Não podemos esquecer que a adoção no século XIX foi pouco empregada, voltando à tona, após a Primeira Guerra Mundial com o escopo de oferecer amparo familiar aos órfãos resultantes do conflito. Assim sendo, mudava-se, o foco da adoção da pessoa do adotante para a do adotando que, a partir de então, passava a ser o principal beneficiário da medida.

Neste mesmo sentido, dispõe SILVA FILHO (1997, p. 27):

A adoção teria sido pouco praticada durante o século XIX. A partir do principio do século, em virtude da Primeira Guerra Mundial, a adoção passou a preocupar os legisladores, visando amparar os órfãos de guerra. Deu-se-lhe nova feição de cunho caritativo, como observa a maioria dos autores.

Ressalta-se a transformação por ALBERGARIA (1996, p. 30-31) pela qual passou a Adoção, a partir do pós-guerra, sendo evidenciado que não se tratava mais de dar um filho a uma família para suprir o que a natureza lhe negara, mas de oferecer um lar para um menor, cuja família lhe faltara. Vejamos:

[...] a única das causas da expansão da adoção atual estaria no aumento crescente das crianças órfãs, ilegítimas, abandonadas e disseminadas pelo mundo, como consequência do pós-guerra, e hoje agravada pelo êxodo rural, a acelerada industrialização, o progresso da tecnologia e a consequente superpopulação urbana.

Portanto, é a adoção surgida sob a influência romana, que foi evoluindo ao longo dos séculos, e que é retratada com maior ou menor amplitude pelas diversas civilizações, que vem sendo admitida por quase todas as legislações modernas, evidenciando-se como preocupações dominantes, o seu caráter humanitário e a prevalência do bem-estar do menor.

Assim sendo, levando-se à conclusão de que, com o passar do tempo, a adoção desprende-se de sua finalidade primitiva, qual seja a de perpetuação do culto familiar, passando a adquirir contornos mais nobres e humanitários, e apresentando, nos dias de hoje, características assistenciais, que visam sempre a amparar o adotando, envolvendo-o por laços de parentesco e afetividade.

Através das mudanças dos tempos e das concepções sociais, a adoção, atualmente, é consagrada pela grande maioria dos ordenamentos jurídicos mundiais, inclusive o brasileiro, apresentando-se sob novas perspectivas e regulada por regras mais amplas e acessíveis, graças a certo nível de amadurecimento sócio jurídico que lhe permitiu alcançar finalidades mais altruísticas, a partir da real conscientização de que se a adoção deve imitar a natureza, logo ela deve ser igualitária e benéfica ao adotando, pois é conhecido que a regra nos fala que os pais biológicos não discriminem seus filhos, nem lhes piore a sua existência, porquanto igual dever precisa ser assumido por quem pretende abraçar a filiação adotiva.

Desta maneira é que a adoção, embora repelida por alguns, mas aclamada pela grande maioria, encontrou um alargamento e evoluiu consideravelmente, conforme defendido por CHAVES (1980, p. 08), quando afirma que "sua vitalidade é tão pujante que conseguiu sobrepairar à desconfiança, dominar incompreensões e vencer crises, disseminando, em todas as latitudes, as bênçãos dos seus benefícios”.

 

3 O VALOR DO AFETO NA FAMÍLIA

Muitas doutrinas da psicologia abordam o afeto com a designação de carícia, apontando que esta é essencial para o desenvolvimento de todo ser humano. Hoje é possível identificar na nossa sociedade que cada vez a mais valor aos valores econômicos do que as pessoas.

Vale dizer que a relevância do afeto em relação ao seu valor jurídico variou no decorrer do tempo, havendo dois momentos básicos distintos, em um primeiro momento, quando a presença do afeto nas relações de família era considerada como inerente ao organismo familiar, isto é, presumida, e, em outro momento, a sua presença se tornou essencial para dar visibilidade jurídica às relações das famílias.

 

3.1 Evolução da família

A Constituição Imperial de 1824 não fez nenhuma referência à família ou ao casamento. Tratou apenas da família imperial e seu aspecto de dotação (Capitulo III, arts. 105 a 115).

A segunda Constituição Brasileira 1891 também não trouxe dispositivos a respeito da família. No entanto, o §4°, do art. 72: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”. O conteúdo deste dispositivo afirma a separação dos poderes Igreja/Estado, quando o catolicismo deixou de ser a religião oficial e o casamento se tornou o vínculo constituinte da família brasileira.

Na Constituição de 1934, no qual o legislador constituinte passou a dar tratamento especial à família, onde no título V, referiu-se assim: Da família, da Educação e da Cultura, inserido no Capítulo I, da Família, presente em 04 (quatro) artigos (144 a 147), ficando estabelecidas as regras do casamento indissolúvel, permitindo o reconhecimento de filhos naturais.

A Constituição de 1937 tratou do tema do art.124 a 127, mantendo-se as garantias já existentes, especialmente no que concerne ao poder paterno, inclusive a igualdade de tratamento entre os filhos naturais e filhos legítimos. Garantiu também uma vida digna aos adolescentes, como também responsabilizou os pais pelo abandono dos filhos.

A única novidade proveniente da Constituição de 1946 foi a possibilidade de extensão dos efeitos civis do casamento religioso, restabelecendo um direito previsto na constituição de 1934 e suprimido na carta de 1937.

No que tange à família, a Constituição de 1967 também não introduziu novas normas. Ateve-se somente a manutenção de direitos já garantidos anteriormente. Nisto, a família legalmente reconhecida pelo ordenamento jurídico se manteve inalterada.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 ampliou as formas de constituição de família, protegendo aquelas que não fossem originadas do casamento. Nesta seara, fica reconhecida a entidade familiar proveniente da união estável entre homem e mulher, como também a família monoparental estabelecendo a igualdade entre homem e mulher nos exercícios de direitos e deveres atinentes à sociedade conjugal. Além disso, proíbe as discriminações relativas à filiação entre filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção.

 

3.2 Diferentes formas de constituição das famílias

Segundo DINIZ (2004, p.12), família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção. Neste enfoque cabe destacar alguns tipos:

 

a)  Família monoparental

É a Família constituída quando uma pessoa, que pode ser homem ou mulher, encontra-se sem cônjuge ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças, às quais a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 referiu-se como descendentes.

 

b)  União estável

É uma união duradoura de pessoas livres e de sexos diferentes, que não estão ligadas entre si por casamento civil.

 

c)  União homossexual

Entidade composta por duas pessoas do mesmo sexo, com vistas à convivência, em conformidade de esforços e pensamentos, que interagem com seus sentimentos e emoções, à semelhança da união concubinária heterossexual, constituindo-se em sociedade de fato, à falta de legislação reguladora, gerando assim efeitos jurídicos civis.

 

3.3 A Importância do afeto como qualificador das relações familiares

 

     É visível que neste novo panorama mundial, as pessoas passaram a se sentir a vontade para escolher novas formas de família que melhor as permita atingir a felicidade, não mais se sentindo presas a estruturas convencionais estabelecidas por uma sociedade conservadora.

A família desvincula-se do seu modelo originário, fundada no casamento, no sexo e na procriação. Com o movimento das mulheres, os métodos contraceptivos e as técnicas de inseminação, há hoje o sexo sem o casamento, o sexo sem a procriação, e o casamento sem procriação.

Algumas das justificativas para essa transformação é o multiculturalismo e a globalização, na medida em que outros países, de acordo com a sua própria cultura ou religião, podem prever formas de constituição de família diferentes das nossas, porém ao entrarmos em contato automaticamente passamos a admitir ou considerar estas novas possibilidades.

Diante também do movimento de valorização da pessoa humana, o ordenamento jurídico passa a se mostrar mais preocupado em garantir direitos existenciais do que restringir a liberdade a padrões pré-estabelecidos de comportamento.

Esta nova visão dos vínculos familiares busca prestigiar muito mais o comprometimento entre as pessoas, do que à forma de constituição ou identidade sexual dos integrantes. Passando a priorizar o laço de afetividade, é o envolvimento emocional o parâmetro que irá subtrair um relacionamento do âmbito do Direito Obrigacional, cujo núcleo é a vontade, e inseri-lo no Direito de Família, cujo núcleo é o amor.

Diante disto, houve avanços. Logo, um tipo de família ainda hoje encontra resistência para seu reconhecimento, aquela composta por pares do mesmo sexo. Em uma sociedade que ainda mantêm uma moral conservadora, este segmento de pessoas é condenado a invisibilidade, afinal o Executivo não promove políticas públicas, o Legislativo nega-se em aprovar leis e o Judiciário, amparado na omissão legal, tem medo de fazer justiça. Ocorre que a ausência de lei não pode servir de justificativa para se negar direitos.

Assim, faz-se mister o constituinte se dedicar a observar ação do afeto junto às relações familiares. É importante que se ressalte a necessidade dos pais/genitores entenderem que seus filhos, independente da origem, devem ser amados, com o fulcro de contribuir para formação de famílias mais prósperas e unidas. Assim, a sociedade será formada ou manterá sua instituição em pilares sólidos.

 

 

4 ADOÇÃO HOMOAFETIVA: JUSTIÇA X PRECONCEITO

Os tribunais têm proferido decisões no sentido de reconhecer essas uniões como sociedades de fato, outros como entidades familiares e por fim alguns não proferindo decisões de mérito, respaldados na justificativa de que não há qualquer previsão legal.

Para aqueles tribunais que entendem ser as uniões homoafetivas tais como sociedade de fato, têm a justificativa de que este não seria o caso de qualquer investigação sobre a vida íntima dos envolvidos.

Ademais, a súmula 380 do STF diz: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Assim ela tem sido utilizada como fundamento para esse posicionamento, sendo concedidos apenas efeitos patrimoniais nesses casos. Assim, essa relação jurídica acaba regulamentada pelo direito das obrigações, sendo seu respectivo processo remetido às Varas Cíveis para sua apreciação pelos magistrados.

O afirmado anteriormente fica bem evidente nos seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo e Tribunal de Justiça de Minas Gerais respectivamente:

 

Ementa: União de pessoas do mesmo sexo – AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL – Competência de uma das Varas Cíveis – Inconformismo – Desacolhimento – Ausência de se semelhança com o art. 226 § 39, da CF – Objeto da ação relacionado com o direito obrigacional – Precedente apreciado pela Câmara Especial deste E. Tribunal – Decisão mantida – Recurso desprovido. (4769234400 – Rel. Grava Brazil – TJSP – 09-02-07).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA - PARTILHA DE BENS - COMPETÊNCIA - BENS ADQUIRIDOS EM COMUM DURANTE REFERIDA UNIÃO - CONVIVÊNCIA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO NÃO PODE SER CONSIDERADA COMO ENTIDADE FAMILIAR - QUESTÃO AFETA AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - INCOMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. "A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na Vara Cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a Vara de Família. No caso, a homologação guarda aspecto econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum" (S.T.J. Resp. 148.897.MG- DJ-06-04-98 -Resp. 502.995 - RN - Rel. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES - Julg. 26-04-05).

 

Além disso, cabe a um dos envolvidos na união comprovar que participou efetivamente na conquista dos bens adquiridos durante o período de convivência, sendo então o patrimônio repartido pela metade e em alguns casos em parcela menor. Essa solução parece ser plausível apenas em se tratando de separação entre os conviventes.

No entanto, quando se trata de morte de um deles, ao outro apenas é devido à meação, sendo a metade restante concedida aos parentes, que em muitos casos tratavam de forma hostil a orientação sexual do convivente “de cujus”. Esses mesmos parentes não são herdeiros necessários, hipótese em que se configura claramente enriquecimento ilícito, com prejuízo do outro convivente que despendeu anos e esforço junto ao convivente falecido para conquistar o patrimônio, objeto da meação.

Mas, faz-se necessário observar que o vínculo que sustenta esta relação entre indivíduos do mesmo sexo é a afetividade e não um vínculo obrigacional, essas pessoas são conviventes e não sócios que têm a finalidade de lucro em seu negócio (no caso a relação homoafetiva).

 

4.1 Ausência de proibição legal x Dignidade da pessoa humana

O art. 1.622, caput, do Código Civil era a principal fundamentação dos opositores da adoção homoafetiva, por tal dispositivo dispor que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.

Logo, por decorrência lógica ao art. 226, § 3º da Constituição, que não reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo, vislumbraria uma possibilidade de disposição legal contra a adoção por casais homoafetivos. Porém, tal dispositivo do novel código foi revogado pela Lei nº 12.010/09, derrubando por vez até mesmo qualquer possibilidade jurídica hipotética de impedimento da realização da adoção.

Em breve análise já se pode concluir que para o deferimento ou indeferimento do juiz para efetivação da adoção por casais homoafetivos é apenas a averiguação se haverá reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Admitir que o Código Civil e ou, o Estatuto da Criança e Adolescente contenham normas que vão de encontro à possibilidade de adoção por casais homossexuais, tais dispositivos padecem de vício de inconstitucionalidade, pois afrontam bruscamente o princípio da igualdade consagrada na Carta Magna.

A norma constitucional que versa sobre a diferença de sexo para que se admita a união estável e a consequente adoção afronta normais constitucionais de caráter fundamental que integram as cláusulas pétreas.

Interessante perceber que não há vedação expressa para adoção unilateral de pessoal homossexual, apenas pelo casal homoafetivo o que faz com que muitos homossexuais adotem de forma unilateral o menor, mas, vivendo em conjunto com seu parceiro e criando o infante como casal que são. A questão que perdura é, se é sabido que isso é uma realidade e tem-se que zelar pelo interesse do menor, porque não autorizar definitivamente a adoção pelo casal fazendo com que o adotado possua direitos sucessórios salvaguardados por ambos.

 

4.2 Construções jurisprudenciais

Segue alguns julgados procedentes mostrando o novo posicionamento que vem a passos largos modernizando o judiciário brasileiro:

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 35.466-0/7, da Comarca de OSASCO, em que é apelante PROMOTORA DE JUSTIÇA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE OSASCO, sendo apelado o H. F. C.: Vistos, etc.1. Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público contra sentença que deferiu a guarda de K. D. D. O. a H. F. C. pelo prazo de 180 dias. Alega, em síntese, que o guardião é homossexual, o que poderá acarretar prejuízo na formação da personalidade da criança. Processou-se o recurso, sem o oferecimento de contrarrazões, tendo sido mantida a decisão hostilizada. A outa Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo. É o relatório. 2. Inconvincente o reclamo. Isto porque não se entrevê, por ora, que a homossexualidade do apelado seja obstáculo à guarda. Assim é que realizada uma primeira avaliação psicológica, ficou constatado que K. vinha se desenvolvendo bem do ponto de vista psicológico, tendo a psicóloga afirmado peremptoriamente que “a homossexualidade de H., ainda não inteiramente compreendida pela criança, na o se constitui como um fator de perturbação emocional para ela até o momento”. Orientou-se o guardião da necessidade de esclarecer tal situação à criança (fls. 11/13). Passados seis meses, novo relatório foi levado a efeito, não tendo sido detectada qualquer deformação na personalidade (fls. 35), o que levou à psicóloga a opinar favoravelmente à guarda. No mesmo sentido está o relatório da assistente social, podendo-se ainda inferir que o apelado vem cuidando adequadamente da criança (fls. 14/16). Além disto, não se pode olvidar que a criança vive em companhia do apelado desde os 45 dias de vida, vale dizer, há mais de nove anos, de tal arte que uma mudança brusca poderia sim trazer consequências desfavoráveis à K. Foi diante deste quadro que optou o magistrado em deferir a guarda, firmando também sua decisão em apoio doutrinário (fls. 80). E o fez por prazo certo, com determinação de acompanhamento do caso pelo setor técnico. A decisão, pois, não merece reforma, posto que procurou o magistrado consolidar uma situação de fato não prejudicial à criança, não se podendo ignorar a dificuldade de, a esta altura, colocá-la em uma família substituta. Por outro lado, proceder-se-á a um monitoramento da situação, com o fito de se evitar um comprometimento na educação da criança. Esta, efetivamente, a melhor solução, ficando registrado em atenção à legítima preocupação da Douta Promotora de Justiça que a guarda é medida provisória, podendo ser revogada a qualquer tempo ante a constatação de perigo para a formação da personalidade da criança. 3. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.(BRASIL, 2007).

PROCESSO Nº 97/1/03710-8/ JUIZ SIRO DARLAN DE OLIVEIRA. Julgado em 20 de agosto de 1998 na 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO RIO DE JANEIRO: Afirmam os expertos que “M. demonstra estar feliz com sua inserção num contexto familiar. Os vínculos formados com o Sr. J. são de confiança e parecem estar permitindo o desenvolvimento pleno do menino” (Parecer psicológico, fls. 41) e, “o menino exibia boa aparência, expressando-se com naturalidade, parecendo-nos estar recebendo os cuidados necessários ao seu desenvolvimento (Estudo Social, fls. 51) e, ainda, o próprio adolescente afirma às fls. 44: “que agora tem um pai de nome J. ... que está gostando de morar com seu novo pai, que além de estudar, brinca muito, que seu novo pai é professor de ciências, que quando seu pai está trabalhando fica com a empregada, que deseja ser adotado”. Qual será então o conceito de “reais vantagens” dos Ilustres Fiscais? Deve ser muito diferente do que afirmam a Equipe Interprofissional e o próprio interessado, o adolescente, que prefere ver acolhido o pedido que permanecer em uma Instituição sem qualquer nova chance de ter uma família, abandonado até que aos doze anos sofrerá nova rejeição já que não poderá mais permanecer no Educandário R.M.D., onde se encontra desde que nasceu, e será transferido para outro estabelecimento de segregação e tratamento coletivo, sem qualquer chance de desenvolver sua individualidade e sua cidadania, até que por evasão forçada ou espontânea poderá transformar-se em mais um habitante das ruas e logradouros públicos com grandes chances de residir nas Escolas de Formação de “marginais” em que se transformaram os atuais “Presídios de menores” e, quem sabe, atingir ao posto máximo com ingresso no Sistema Penitenciário? Será esse o critério de “reais vantagens” (BRASIL, 2009)

 

Para embasar ainda mais todo o exposto seguem jurisprudenciais acerca do tema, onde as Colendas Côrtes acertadamente julgam favorável e concedem aos casais homoafetivos esses direitos incontestes que possuem, vejamos o Resp. 889852/RS do Ministro Relator Luís Felipe Salomão:

Decisões:

[...] Nesse particular, é bem de ver que a lacuna não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos das crianças e adolescentes – direitos estes que, por sua vez, são assegurados expressamente em lei. O artigo 1o da Lei 12.010/09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor. Com efeito, em se tratando de adoção de crianças, há vários interesses envolvidos –daqueles que pretendem adotar, dos menores, do Ministério Público, da sociedade em geral. Todavia, mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. Por isso mesmo, a matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. (...) De fato, em vista de as uniões homoafetivas merecerem tratamento idêntico ao conferido às uniões estáveis, a circunstância de se tratar de casal homossexual, por si só, não é motivo para impedir a adoção de menores. (BRASIL, 2009)

 

De igual forma o STF se posicionou aos moldes dos preceitos fundamentais garantido aos casais homossexuais o exercício da paternidade conforme RE 615264 tendo como Ministro Relator Marco Aurélio:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 615.261 (608) ORIGEM: AC -5299761-TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL PROCED: PARANÁ.-RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO.-RECTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROC(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ .-RECDO : ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS .-RECDO : DAVID IAN HARRAD ADV: GIANNA CARLA ANDREATTAROSSI .- DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO -NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257: [...] 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológico, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. 2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem. 3. Nego seguimento ao extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010. Ministro MARCO AURÉLIO. RELATOR. (BRASIL, 2010)

 

Como se percebe, são importantes precedentes, pois se trata de um Tribunal Superior o SJT bem como o STF já vem reconhecendo analogicamente, efeitos da união estável entre duas pessoas do mesmo sexo para que possa de igual forma reconhecer a adoção homoafetiva.

 

 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Importante destacar a importância do estudo feito no conceito de família, pois complementa e ratifica a evolução histórica e social ocorrida no passar do tempo, mostrando que o liame que afasta uma família homoafetiva de uma família heteroafetiva é apenas o preconceito sem razão. Pois ambas, possuem, no seu âmago, as mesmas características que enlaçam qualquer família, amor, carinho e respeito.

Imperioso, portanto, ressaltar o quanto é importante para o deslinde desta celeuma jurídico-legal, em face à omissão legislativa, a exposição dos princípios norteadores do direito de família, basilar para todo enfrentamento legal do tema, ressaltando, ainda, que na falta de norma que discipline o caso concreto, se possa fazer o uso dos consagrados princípios constitucionais, intitulado como direito fundamental, de modo que, será sempre superior a norma, garantido, destarte, o direito daqueles que são ou se sentem, prejudicados em face do direito brasileiro.

Crucial para se caminhar para a questão principal deste trabalho, é a analise do conceito de adoção, e suas características para que se possa, de igual forma, mostrar que um denominador comum chegado pela maioria dos doutrinadores quanto ao conceito de adoção, onde evidenciou-se que adoção é a inserção de pessoa estranha na família, desvinculando-se por definitivo o adotado da família anterior, garantindo ao mesmo a proteção integral dos interesses consagrados no Estatuto da Criança e do Adolescente, vivendo em lar saudável onde exista amor, carinho e respeito, que tanto pode ser encontrado em família heteroafetiva como na homoafetiva.

A questão da adoção por casais homoafetivos, abordando a omissão legal e a sua irrelevância em face as princípios fundamentais consagrados na constituição, a não prejudicialidade do adotado em face do adotante, de igual forma foi abordado o direito a parentalidade e os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Com esta abordagem, restou claro que há possibilidade de adoção por homossexuais e casais homoafetivos, de forma que a omissão legal não é óbice para o não pedido de adoção do infante e seu consequente indeferimento pelo magistrado, que é direito inconteste destes casais pleitear a adoção respeitando os requisitos legais pra tanto e que não é o fato das nossas leis serem omissas que afasta o direito dos casais homossexuais de adotarem e ter o direito parentalidade frustrado.

A adoção homoafetiva é plenamente possível, mesmo com a omissão legal, pois o único óbice encontrado é o preconceito, donde deve ser ignorado, uma vez que a discriminação é vedada por nossa Carta Maior, posicionando-me ainda no sentido de que este tipo de adoção só resguardará o melhor interesse do infante, não lhe prejudicando em sua formação, ao revés, será em dobro trabalhado sua construção no meio social, seu caráter e convívio com as diferenças.

 

 

REFERÊNCIAS

ALBERGARIA . Adoção plena segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: Dei Rey, 1996.

BEVILAQUA, Clóvis. Direito de família. 8. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1956.

CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

COULANGES, Foustel de. A Cidade antiga. Trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 1996. v. 5.

_____________. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

_____________. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 5.

DIAS, Maria Berenice. Incesto e alienação parental. 1ª. Ed. Revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 5.

KAUSS, Ornar Gama Ben. A adoção no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993.

LIBERATTI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, São Paulo: Malheiros, 1995.

MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide, 1993.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6.

SILVA FILHO, Artur Marques da. O regime jurídico da adoção estatutária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 3ª Ed. Curitiba: Juruá, 2008.

VIANA, Marco Aurélio da Silva. Da guarda, da tutela e da adoção: no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

 

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Sobre a autora
Marta Ângela Sobreira Vanderlei

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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