5. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE
O princípio objeto do presente estudo é um ideal de justiça social tributária e apresenta-se atrelado no texto constitucional ao Princípio da Pessoalidade.
O caráter pessoal que deve ser revestido o imposto refere-se à aptidão de poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação tributária, considerando a sua condição econômica levando em conta indícios que possam sugerir a existência de riqueza tributável. É uma técnica adotada para aferir a capacidade econômica.
Luciano Amaro observa bem este ponto, ora estudado, discorrendo da seguinte forma:
A personalização do imposto pode ser vista como uma das faces capacidade contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado. 23
Em função disso, os financistas costumam classificar os impostos em reais e pessoais. Os impostos pessoais são aqueles em cujas quantificações sejam consideradas as condições pessoais de cada contribuinte, seja na definição da base de cálculo ou da fixação da alíquota. Por sua vez, os impostos reais são aqueles em cujas quantificações levam-se em conta apenas a matéria tributável. 24
Esta classificação advinda do Direito Romano é considerada por muitos tributaristas obsoleta, e sem aplicação, uma vez que, ao final, a tributação recairá sempre sobre um contribuinte, ou seja, sobre uma pessoa, não existindo, portanto, a referida distinção.
Todavia, em que pese a importância desta crítica, esta conceituação faz-se importante para analisar o alcance do Princípio da Capacidade Contributiva e do Princípio da Pessoalidade em face da ressalva do texto constitucional que dita que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte..."
A doutrina se divide acerca da interpretação da expressão "sempre que possível". Alguns entendem que não se trata de mera norma programática, destituído de juridicidade, mas de imposição constitucional, de natureza obrigatória, que vincula tanto o legislador quanto o juiz. Assim, os princípios apenas não serão observados quando realmente não for possível, como é o caso, por exemplo, dos impostos reais, que, para Hugo de Brito, inclui aqueles impostos que, por sua natureza, comportam a transferência do encargo financeiro.
Baleeiro, atualizado por Mizabeu Abreu Machado Derzi, orienta a interpretação do dispositivo, ensinando:
O art. 145, §1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. E quando será impossível? A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante), transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes. Torna-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadoria de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo. 25
Sendo os impostos de natureza pessoal, a aplicação do princípio da capacidade contributiva é simples. Basta que se analisem as condições do sujeito passivo da obrigação tributária para, em função destas qualidades, aferir-se sua capacidade de contribuir e graduar a imposição de acordo com esta capacidade.
Por sua vez, os impostos de natureza real podem causar dificuldades relativamente à aplicação do princípio em questão. Isso porque, conforme se verificou da própria conceituação desta espécie de tributo, a materialidade do fato gerador é indiferente ao sujeito passivo e suas qualidades.
Desta forma, no caso destes impostos, o legislador reconheceu que adequar os impostos à capacidade contributiva do consumidor é um pouco mais complicado, e sua aplicação não será tão concreta e não terá resultados tão justos.
Dado o fato de que alguns impostos não permitem adequadamente a avaliação das características do sujeito passivo, como os impostos de natureza real, que, quer incidindo diretamente, como nos casos dos impostos que atingem o patrimônio, que incidindo indiretamente, como os impostos sobre a produção e circulação de riquezas, dificultam o prévio conhecimento das condições pessoais do contribuinte, verifica-se que o legislador constituinte, pela redação do §1º do art. 145, privilegiou a criação de impostos com caráter pessoal, por reconhecer que estes tendem a atingir melhor a justiça fiscal. 26
Para Carrazza, a ressalva do §1º do art. 145. é imperativa, não devendo ser encarada como mera diretriz programática, incapaz de produzir efeitos, ensejando a inconstitucionalidade das leis que as afrontem, vinculando, portanto, os legisladores e os juristas. É o que obriga o legislador a buscar soluções para os impostos reais no que tange a persecução do princípio da capacidade contributiva, em função disso, conclui:
Depois, podemos perceber a influência do princípio da capacidade contributiva em outras normas constitucionais tributárias. É o caso da que obriga o legislador a tornar o IPI seletivo em função da essencialidade do produto industrializado (art. 153, §3º, I, da CF), da que declara imunes à tributação por via do ITR os proprietários de glebas rurais (art. 153, §4º, da CF), da que protege da tributação por via de IR os rendimentos provenientes de aposentadorias e pensões recebidos por pessoas com idade superior a 65 anos (art. 153, §2º, II, da CF) etc. 27
Desta forma, a melhor doutrina entende que a expressão "sempre que possível" está relacionada diretamente apenas à graduação pessoal da imposição tributária, fato este que deveria ter ficado mais explicitado no texto constitucional, uma vez que nem todos os impostos tem natureza pessoal. 28 Não obstante isso, os estudiosos defendem ainda a imperatividade do comando constitucional, da forma como for possível, nos impostos pessoais ou reais.
Conclui-se, portanto, que o elemento literal, não obstante ser indispensável, é absolutamente insuficiente para a interpretação da norma jurídica, deixando o entendimento do comando constitucional do art. 145, §1º um tanto quanto obscuro, permitindo que existam interpretações diversas, e até mesmo opostas deste dispositivo.
Na aplicação da norma constitucional, entende-se, portanto, que "sempre que possível", os impostos terão caráter pessoal, mas o princípio da capacidade contributiva deve ser aplicado "sempre", mesmo quando depara-se com situações mais complicadas como no caso dos impostos reais. Tanto é que o legislador criou uma forma subsidiária, e um pouco menos efetiva, de impor, na criação dos impostos reais que oneram o consumo, uma graduação do valor dos produtos segundo a natureza do bem, criando a seletividade, que impõe que o gravame seja inversamente proporcional à essencialidade do bem.
O que ocorre, na realidade, é que, ao final, o produto será adquirido por todos, pelo mesmo preço, o que torna a seletividade uma forma incompleta ou precária de justiça social.
6. DO ALCANCE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
No Direito Tributário Brasileiro, a primeira menção ao princípio da capacidade contributiva foi feita no texto constitucional da Carta Magna de 1824, art. 179, §15, verbis:
Art. 179. – (...)
§15 – Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção a seus haveres.
Porém, apenas na Constituição de 1946 é que o mesmo encontrou-se expresso integralmente no texto normativo, no seu art. 202. Todavia, o referido dispositivo foi suprimido na Constituição de 1967. Mesmo assim, alguns ainda defendiam a existência implícita deste princípio, numa interpretação sistemática das normas constitucionais.
Com o fim da ditadura, e a criação da Comissão Constituinte que seria responsável pela elaboração do texto constitucional da Carta Magna Federal que viria a ser promulgada em 05 de Outubro de 1988, a chamada comissão Afonso Arinos, fez constar no anteprojeto o Princípio da Capacidade Contributiva, referindo-se a todos os tributos em geral:
Art. 149. – Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados pela capacidade econômica do contribuinte segundo os critérios fixados em lei complementar.
Com as devidas alterações, o texto constitucional promulgado restringiu aplicação do princípio em questão, impondo a sua observância apenas com relação aos impostos, não mais com relação ‘a todas as espécies de tributos, como no texto original.
Todavia, é importante examinar a possibilidade de aplicação deste princípio com relação aos tributos vinculados, em que o montante arrecadado é aplicado diretamente na atividade prestada pelo Estado como contraprestação ao recolhimento.
Em análise mais concreta, podemos analisar a aplicabilidade desta orientação constitucional com relação às taxas, sejam elas instituídas com fundamento em serviços públicos específicos e divisíveis ou no exercício do poder de polícia, e com relação às contribuições de melhoria.
Hugo de Brito Machado, observando a restrição imposta pelo constituinte, observou:
Em relação às taxas o princípio da capacidade contributiva há de Ter um tratamento específico, distinto do que há de ter no que pertine aos impostos. Já no que se refere à contribuição de melhoria nos parece evidente que se aplica, pela própria natureza desse tributo, o princípio em estudo. 29
O fato gerador das taxas, como tributos vinculados que são, decorrem de uma atuação estatal específica e direcionada ao contribuinte, seja através da prestação de serviços ou do exercício do poder de polícia, sendo coerente que a dimensão do fato imponível seja a o valor gasto.
Daí porque não se deve dimensionar a taxa conforme a capacidade contributiva de quem deve pagar. Isso não quer dizer que rigorosamente não observará esta norma constitucional. Todavia, a aplicação do princípio ficou à mercê do bom senso do Ente Tributante competente para cobrar a referida exação.
Por sua vez, no caso da contribuição de melhoria, não vislumbro a possibilidade de aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva uma vez que o valor que será recolhido, nada mais é do que a restituição aos cofres públicos da importância que foi incorporada à sua propriedade, em decorrência de um investimento público.
É cediço que o referido tributo não tem como objetivo custear a obra promovida pelo poder público, mas impedir que o proprietário do imóvel tenha vantagens e valorização do seu bem às custas do dinheiro público. Nada mais justo, portanto, que o contribuinte seja devedor da importância que efetivamente valorizou o seu bem. Se o contribuinte for proprietário de uma pequena casa que tiver uma valorização de 50% (cinquenta por cento) do valor imobiliário originário, o mesmo deve contribuir com este valor. Da mesma forma que o proprietário de uma mansão que sofrer a mesma valorização.
O investimento foi realizado com o dinheiro público, e as obras públicas devem ser destinadas a atender aos interesses sociais. Mas não é justo que um ou outro particular se beneficie, ou que pague menos do que o ganho que obteve, em detrimento de todos os outros cidadãos que contribuíram para arrecadar o valor empregado na obra.
Baleeiro, atualizado por Mizabeu Abreu M. Derzi bem observa a imperatividade do princípio objeto deste estudo quanto aos impostos, fazendo relevantes considerações sobre os tributos vinculados:
A Constituição brasileira, não obstante, adotando a melhor técnica, como alerta F. Moschetti, restringe a obrigatoriedade do princípio aos impostos, conforme dispõe o art. 145, §1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública. 30
Desta feita, independentemente de previsão constitucional explícita, o Princípio da Capacidade Contributiva pode ser admitido também com relação à estes tributos vinculados. Embora não seja uma imposição, o mesmo pode ser aplicado como uma orientação, funcionando simplesmente como um princípio de justiça fiscal. Neste sentido, bem observou José Maurício Conti:
"O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios. 31
7. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E IMPOSTOS REAIS QUE ONERAM O PATRIMÔNIO – IPTU
Conforme já observado, a imposição do Princípio da Capacidade Contributiva com relação aos impostos, nem sempre, é tão simples.
Tal assertiva faz sentido quando levamos em consideração os impostos classificados como reais, classificação esta que abrange os impostos que incidem sobre o patrimônio, e os impostos que comportam uma transferência do encargo tributário, chamados impostos indiretos.
No caso dos impostos que oneram o patrimônio, como por exemplo, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU, Imposto Territorial Rural - ITR, Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis- ITBI, muito se questiona acerca da possibilidade de aplicação da progressividade como forma de alcançar a capacidade contributiva do contribuinte, proprietário do bem.
No caso específico do Imposto Predial Territorial Urbano, muito discutido e ainda controverso nos Tribunais pátrios, a questão tornou-se ainda mais controversa, com a promulgação da Emenda Constitucional n.º29/2000.
Antes das modificações promovidas pela Emenda, o Supremo Tribunal Federal, guardião e interprete maior da Constituição Federal, em decisão proferida no Recurso Extraordinário n.º 153.771-0/MG, interposto pelo hoje Desembargador mineiro José Tarcísio de Almeida Melo, com relação à legislação do Município de Belo Horizonte, Lei Municipal n.º 5.641/89, que instituiu, dentro da sua competência, o IPTU, manifestou-se no sentido de que trata-se de imposto de natureza real, insuscetível de ser graduado conforme a capacidade contributiva do contribuinte, devendo aplicar alíquota única, permitindo a variação apenas no que tange a base de cálculo. Restou, portanto, reconhecida, por maioria avassaladora de votos, a inconstitucionalidade da aplicação de alíquotas progressivas para o IPTU, como revela a ementa de seu acórdão adiante transcrita:
IPTU. PROGRESSIVIDADE.
No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocadamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é permitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu art. 145, §1º, porque este imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte que com arrimo na conjugação deste dispositivo constitucional (genérico) com o art. 156, I, §1º (específico).
A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocadamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extra fiscal a que alude o inciso II do §4º do art. 182. é a explicação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, I, §1º.
Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no art. 156, §1º aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§2º e 4º do art. 182, ambos da Constituição Federal.
Recurso Extraordinário conhecido e provido, declarando-se constitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641/89, no Município de Belo Horizonte.
(STF, RE 153.771, Rel. Min. Moreira Alves, julg. em 20/11/1996)
Apura-se, portanto, que no entendimento do Excelso Pretório, o referido imposto de natureza notoriamente real não seria possível graduar suas alíquotas no sentido de alcançar a capacidade econômica do contribuinte, o que restringia, portanto, a aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva.
Há que se destacar que a progressividade permitida era tão somente aquela que visava o cumprimento da função social da propriedade, como forma de compelir o contribuinte, através de aplicação de alíquotas que aumentariam com o tempo, a dar uma destinação social ao seu bem.
Ainda com base no referido voto do I. Min. Moreira Alves, vale destacar:
Ora, no sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocadamente um imposto real, porquanto ele tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo. E mais, no art. 130. estabelece que ‘os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis,..., subrogam-se nas pessoas dos seus respectivos adquirentes, salvo quando conste do título de transmissão a prova de sua quitação’, o que implica dizer que, se não constar do título de transmissão a prova da quitação desses impostos (inclusive, portanto, o IPTU), o sujeito passivo do imposto devido anteriormente à transmissão do imóvel passa a ser o adquirente, o que importa concluir que essa obrigação tributária, nesse caso, se aproxima da obrigação ob ou propter rem, também denominada obrigação ambulatória, porque o devedor não é necessariamente o proprietário titular do domínio útil ou possuidor ao tempo em que ocorreu o fato gerador e nasceu a obrigação tributária, mas pode ser o que estiver numa dessas posições quando da exigibilidade do crédito tributário, circunstância esta que mostra, claramente, que nesses impostos não se leva em consideração a capacidade contributiva do sujeito passivo, até porque, no momento da ocorrência do fato gerador anterior à transmissão, o futuro adquirente não era titular de direito real ou tinha posse para daí se inferir, por presunção, que ele tivesse capacidade contributiva, que obviamente tem de ser aferida quando o fato gerador anterior à transmissão não posteriormente à ele.
(RE 153.771-0/MG - grifei)
Não obstante o entendimento firmado acerca da natureza jurídica do imposto em questão, alguns doutrinadores ainda discordavam desta posição, asseverando que o imposto sempre irá incidir sobre a pessoa, o que torna esta classificação obsoleta, e fora da realidade jurídica.
Todavia, com o advento da Emenda Constitucional n.º 29/2000, a questão tornou-se ainda mais controversa. As alterações promovidas no art. 156. da Constituição Federal, trouxeram mais uma vez a baila, um tema que já se encontrava pacificado pelo Colendo STF, tendo em vista que as modificações passaram a permitir, a princípio, que legislador municipal aplicasse alíquotas progressivas para a cobrança do IPTU, levando em conta o valor do imóvel gerador do débito e de sua localização.
As alterações constitucionais promovidas criaram uma série de posições contraditórias dentro da doutrina.
Para Sacha Calmon, pode-se dizer que o IPTU admite a progressividade estribado em duas matrizes, quais sejam, a matriz da política urbana, cujo fundamento constitucional é assegurar a função social da propriedade e a capacidade contributiva do contribuinte que exsurge do art. 145, §1º da Constituição Federal. 32
O tributarista Hugo de Brito Machado, também compartilha desta opinião, e enxerga na Emenda Constitucional n.º 29/2000 como uma solução para as intermináveis discussões, tendo em vista que agora existe permissão constitucional no sentido de que é possível aplicar alíquotas progressivas de acordo com a localização e o uso do imóvel. 33
Em contra partida, o Professor Aires Barreto, no que tange as referidas alterações, posiciona-se no sentido de que a Emenda Constitucional n.º29/2000 é inconstitucional uma vez que estaria completamente descompassada com as cláusulas pétreas, mais precisamente no que diz respeito ao Princípio da Capacidade Contributiva. Sustentou o Douto Professor que o Congresso Nacional poderia, no exercício de seu poder constituinte derivado, introduzir emendas à Constituição Federal, entretanto, não poderia alterar substancialmente a área constituída por cláusulas pétreas, e dentre estas estaria aquela que garante aos contribuintes o direito de somente serem submetidos à progressividade de alíquotas em face dos impostos pessoais, disposta no art. 145, §1º, da Carta Magna. 34
Neste sentido, destaca-se o recente entendimento do Douto Juízo da 1ª Vara da Fazenda Municipal da Comarca de São Paulo, Capital, ao deferir a medida liminar em Mandado de Segurança, nos autos do processo n.º 053.02.002.562-1, decisão proferida pelo MM. Juiz de direito Marco Aurélio Paioletti Martins Costa:
O poder constituinte originário facultou a progressividade do IPTU mas para ‘assegurar o cumprimento da função social da propriedade’ estando implícito em nosso sistema constitucional tributário que impostos reais não podem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, conforme tem reiteradamente proclamado o Supremo Tribunal Federal. (...)
Sendo, pois, conflitante com os princípios adotados na Carta Magna o dispositivo da EC 29/2000 na parte que alterou o §1º do art. 156. da Constituição Federal, na qual se baseou o legislador municipal para instituir a progressividade em função do valor venal do imóvel, defiro a liminar, (...).
Esta corrente de doutrinadores, notoriamente, não admite que uma Emenda Constitucional possa alterar a natureza jurídica de um imposto. O IPTU não pode deixar de ser um imposto de natureza real apenas em função das alterações trazidas pela Emenda n.º 29/2000. Consequentemente, estes tributarista entendem que mesmo após a alteração da Constituição Federal pela aludida emenda, é de se impor uma interpretação sistemática, conjugando o art. 156, §1º com o art. 182, §4º, todos da Carta Magna, a fim de que seja levado a efeito, o cumprimento da função social da propriedade, daí porque as alíquotas progressivas do IPTU apenas poderão ser adotadas em caráter extrafiscal, servindo, tão somente como instrumento de política urbana.
Em que pese ter a referida Emenda Constitucional ter sido editada e promulgada sob a pressão dos Municípios Brasileiro, que viam na progressividade fiscal uma possibilidade de aumentar ainda mais a arrecadação dos cofres municipais, entendo que as alterações promovidas constituem um instrumento de redistribuição de riquezas, de justiça fiscal, tendo em vista que as alíquotas progressivas do IPTU permitirão atingir, de uma forma um pouco mais real, a capacidade contributiva do contribuinte.
A progressividade das alíquotas, aliada à variação na base de cálculo permite a justiça social, ou pelo menos, constituem uma boa orientação para chegarmos lá.