Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução Legal. 3. Evolução Institucional. 4. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
Embora, somente na última década, os recursos hídricos tenham despertado maior atenção na esfera governamental pátria, o Brasil possui há décadas, normas legais e órgãos destinados a promover seu gerenciamento e tutela.
Desde a edição da Constituição do Império, em 1824, o tema tem sido tratado em nosso sistema legal, constitucional e infraconstitucional, visando a proteção da saúde humana, sustentabilidade de um recurso natural indispensável ao crescimento econômico do País e ainda, contemporaneamente, como recurso natural vital à sobrevivência da espécie humana. Salienta-se que, ainda na época do Brasil-colônia, sob a égide das Ordenações do Reino já existiam institutos para regular o regime das águas existentes em nosso território (BRAGA,2002).
No âmbito institucional vários órgãos e instituições estatais foram criados, fundidos e re-direcionados, não obstante, nem sempre visando a gestão sustentável dos recursos hídricos. Salienta-se que o primeiro órgão criado foi a Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, do Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura, que data de 1920 (LANNA,1995).
Apesar de vigente, grande parte da legislação hídrica restou inócua durante décadas no que tange à gestão sustentável, devido a crença da infinitude deste recurso, pois o Brasil dispõe do maior potencial de água doce disponível do mundo, ou seja, aproximadamente 12% e principalmente, em decorrência dos interesses econômicos vislumbrados acerca deste recurso, durante boa parte do século XX, v.g. exploração energética.
Tão importante quanto o recurso é para a humanidade, também é o conhecimento e difusão dos meios legais e institucionais para sua proteção, recuperação e gestão. Razão pela qual, este artigo tem como objetivo demonstrar de forma panorâmica a evolução legal e institucional dos recursos hídricos no Brasil. A primeira parte versa sobre a evolução legal, onde serão mencionados e elucidados os pontos mais relevantes das legislações constitucionais e infraconstitucionais. A segunda parte versa sobre a evolução institucional. Na conclusão do trabalho, de forma concisa será retratado os avanços e retrocessos da gestão hídrica em nosso País, em seus aspectos legal e institucional. Foram utilizadas fontes documentais indiretas secundárias, ou seja, livros, revistas, jornais, artigos científicos e vasta documentação oficial (leis, decretos, resoluções).
2. EVOLUÇÃO LEGAL
A normatização e a institucionalização evoluíram de acordo com as necessidades, interesses e objetivos de cada época. Neste contexto, verificar-se-á que as primeiras constituições brasileiras tutelaram os recursos hídricos para assegurar os direitos de navegação e pesca, tendo em vista a relevância econômica destas atividades para o país.
A partir da segunda metade do século XX, com o desejo desenfreado pelo desenvolvimento econômico "a qualquer custo" a água passou a ser utilizada de forma mais intensa e diversificada. Assim sendo, a legislação brasileira, em especial, o Código de Águas, em seu livro III, artigos139 usque 204, devidamente regulamentado, passou a tutelar os recursos hídricos visando assegurar a produção energética. Corroboram-se tais fatos, verificando-se o elevado número de usinas e centrais hidrelétricas criadas no país neste período e também pelo fato de que as disposições do Código de Águas referentes à preservação, conservação e recuperação dos recursos hídricos não foram regulamentadas, ao contrário das disposições referentes à produção energética.
Ordenações do Reino
Antes da edição da Constituição do Império, vigia no Brasil, as Ordenações do Reino, sendo adotado o Alvará de 1804, aplicado no Brasil pelo Alvará de 1819 (BRAGA, 2002).
Pela Ordenação, os rios navegáveis e os que se faziam navegáveis, que eram caudais e corriam o tempo todo, pertenciam aos direitos reais. A utilização das águas dependia de concessão regia. Não obstante, o Alvará de 1804, consagrou a situação de fato existente, no sentido da livre derivação das águas dos rios e ribeiros, que podiam ser feitas por particulares, por canais ou levadas, em benefício da agricultura e da indústria (POMPEU, 2002).
Com a promulgação da Constituição do Império, a Ordenação tornou-se inaplicável no Brasil. Os direitos reais foram transferidos para o domínio nacional. O Alvará de 1804, todavia, continuou em vigor até o advento do Código de Águas (BRAGA,2002).
Constituição do Império, de 25/03/1824
A Constituição do Império, de 25/03/1824, foi omissa sobre o tema. Mas, de acordo com o direito vigente à época, na propriedade do solo está implícita a do subsolo, ou seja, as águas subterrâneas (POMPEU, 2001). Portanto, se nas terras privadas existissem mananciais de água subterrânea, estes pertenciam aos proprietários do solo. Neste sentido, o artigo 179, da citada constituição assegurava "o direito de propriedade em toda sua plenitude". Não obstante, também era previsto constitucionalmente o direito de desapropriação do patrimônio privado, mediante prévia indenização, quando o poder público julgasse necessária sua utilização. Desta forma, os mananciais hídricos existentes nas propriedades privadas poderiam ser desapropriados pelo poder público, quando este julgasse necessário. A citada constituição não fez referência às águas superficiais (POMPEU, 2001)>
A Lei de 1º de outubro de 1829 que disciplinou sobre as atribuições das Câmaras Municipais, definiu em seu artigo 16, a competência das Camâras para legislar sobre as águas, nos seguintes temas: a) aquedutos, chafarizes, poços e tanques; b) esgotamento de pântanos e qualquer estagnação de águas infectas (ANTUNES, 2002).
Em 12 de agosto de 1834, foi promulgada o Ato Adicional 16, que estabelecia a competência das Assembléias Legislativas provinciais para legislar sobre obras públicas, estradas e navegação no interior de seus respectivos territórios, o que tinha reflexos sobre a política a ser adotada no pertinente às águas (ANTUNES, 2002).
Constituição Republicana, de 24/02/1891
Este diploma legal não disciplinou o domínio hídrico, ou seja, a quem pertencia a propriedade dos rios. Mas, definiu as competências para legislar sobre a navegação dos mesmos. Ao Congresso Nacional, foi delegada a competência para legislar sobre "a navegação dos rios que banhassem mais de um estado ou se estendessem a territórios estrangeiros", conforme dispõe o artigo 34, § 6º. À União e aos Estados institui-se a competência para legislar sobre a navegação interior, ao teor do artigo 13( GRANZIERIA, 2001).
ANTUNES (2002, 574) salienta ainda que:
esta Carta Política limitou-se a definir a competência federal para legislar sobre Direito Civil, no qual se pode incluir a atribuição legislativa sobre águas, principalmente quando elas são enfocadas sob o prisma do regime de propriedade que sobre elas incide. Com efeito, o Código Civil brasileiro de 1916, elaborado sob aquela ordem constitucional, é dotado de um vasto número de artigos voltados para o assunto.
Lei 3.071, de 01/01/1916
Esta Lei instituiu o Código Civil brasileiro, trazendo em seus artigos 563 a 568 normas de regulamentação da utilização águas no pertinente ao direito de vizinhança. Mesmo com a edição do Código de Águas, em 1934, estas disposições permaneceram vigentes, pois foram recepcionadas quase na totalidade por este diploma. Neste sentido, AFRÂNIO DE CARVALHO (apud ANTUNES, 2002, p.593) declara:
"O Código de Águas de 1934 cobriu interstícios deixados pelo Código Civil, de sorte que os dois diplomas, embora se repitam em certo tanto, noutro se completam".
Importante consignar que, o Código de Águas adotou concepção diversa do CC-1916. Enquanto este, limitava-se a uma regulamentação sob o fundamento básico do direito de vizinhança e da utilização das águas como bem essencialmente privado e de valor econômico limitado, o Código de Águas, considerava-a como um elemento básico para o desenvolvimento, haja vista que a eletricidade é um subproduto elementar à industrialização do país (ANTUNES, 2002).
Ainda, de acordo com ANTUNES (2002, p. 582):
a diferença fundamental entre a normatividade estabelecida pelo CC e pelo Código de Águas está, exatamente, no fato de que o Código de Águas enfoca as águas como recursos dotados de valor econômico para a coletividade e, por isto,merecedores de atenção especial do Estado.
Com a edição da Lei 10.406, de 10.01.2002, que institui o Novo Código Civil brasileiro remanesceram os dispositivos referentes à disciplina da água do CC – 1916 com tênues alterações. A tutela que era prevista no dispositivo 563 do CC revogado, passou a ser tratada no artigo 1.288 do novo CC, com correspondência parcial e do mesmo modo a do artigo 564 no artigo 1.289, a do artigo 565 no artigo 1.290 a do artigo 567 no artigo 1.293.
Constituição Republicana, de 16/07/1934
Ao contrário das constituições anteriores, esta abordou o tema de forma clara e considerando os aspectos econômicos e de desenvolvimento. Neste sentido, disciplinou o domínio dos recursos hídricos, concedendo-os à União e aos Estados. De acordo com o artigo 20, II, pertenciam à União:
os lagos e quaisquer correntes em terrenos de seu domínio, ou que banhassem mais de um Estado, servissem de limite com outros países ou se estendessem a território estrangeiro, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças.
Aos Estados pertenciam "as margens dos rios e lagos navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não fossem de domínio federal, municipal ou particular" de acordo com o artigo 21, II.
À União, foi delegada a competência para legislar sobre águas, energia elétrica, pesca, regime de portos e navegação de cabotagem entre outros, conforme estatui o artigo 5º, XIX, do citada constituição.
Esta constituição alterou as regras vigentes sobre a propriedade das riquezas do subsolo, estabelecendo em seu artigo 118 que, a partir de então, "as minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d´água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial". Já o artigo 119, disciplina a autorização e concessão federal indispensável à exploração e aproveitamento industrial das águas e energia hidráulica (POMPEU, 2001; ANTUNES, 2002). Vislumbra-se que, neste diploma legal "a água foi considerada elemento essencial para a geração de riquezas econômicas e desenvolvimento, especialmente como fonte de energia elétrica", conforme ministra ANTUNES ( 2002,p. 575).
Esta constituição foi a precursora na elaboração de políticas públicas voltadas para o setor hídrico, instituindo no seu artigo 5º, XV, como competência privativa da União "organizar a defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do Norte". Neste sentido, o artigo 177, declarava a necessidade de um plano sistemático e permanente para a defesa contra os efeitos da seca. Para a execução deste mister, definiu-se que a União disponibilizaria quantia nunca inferior a 4% de sua receita tributária sem aplicação especial, às obras e serviços de assistência.
Código de Águas, de 10/07/1934
O Código de Águas, objeto de decreto, em 10/07/1934, é o marco legal do gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, considerando que as constituições anteriores e demais normas infraconstitucionais normatizaram sobre outros aspectos, tais como: domínio, propriedade e competências legislativas. Importante salientar que, apesar da edição de normas posteriores o mesmo ainda encontra-se vigente (ANTUNES, 2002).
O Código estabeleceu uma política hídrica bastante moderna e complexa para a época, abrangendo vários aspectos, tais como: aplicação de penalidades, propriedade, domínio, aproveitamento das águas, navegação, regras sob águas nocivas, força hidráulica e seu aproveitamento, concessões e autorizações, fiscalização, relações com o solo e sua propriedade, desapropriação, derivações e desobstrução (GRANZIEIRA, 2001).
POMPEU ( in BRAGA, 2002, p. 602. ) ministra que o "Código de Águas é considerado mundialmente como uma das mais completas leis de águas já produzidas". Ainda, "os princípios nele constantes são invocados em diversos países como modelos a serem seguidos, mesmo em legislações modernas. Veja-se, por exemplo, que o princípio poluidor –pagador, introduzido na Europa como novidade na década de 70, está previsto em seus arts. 111. e 112".
Embora previstas medidas de conservação, proteção e recuperação das águas estas não foram implementadas, ao contrário das destinadas `a exploração energética (MUÑOZ, 2000). ANTUNES (2002, p.581) de forma clara ratifica o exposto, ou seja:
"O Código, ainda que baixado com o principal objetivo de regulamentar a apropriação da água com vistas à sua utilização como fonte geradora de energia elétrica, possui mecanismos capazes de assegurar a utilização sustentável dos recursos hídricos, bem como para garantir o acesso público às águas".
Ainda neste sentido, transcrevemos as consideranda instituidoras do Código de Águas (ANTUNES, 2002, p.583):
Considerando que o uso das águas no Brasil tem-se regido até hoje por uma legislação obsoleta, em desacordo com as necessidades e interesses da coletividade nacional; Considerando que se torna necessário modificar este estado de coisas, dotando o País de uma legislação adequada que, de acordo com a tendência atual, permita ao Poder Público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas; Considerando que, em particular, a energia hidráulica exige medidas que facilitem e garantam seu aproveitamento industrial...
A primazia do aproveitamento dos recursos hídricos para geração de energia elétrica, deu-se pelo fato de que na época o país buscava seu crescimento econômico, deixando de ser um país essencialmente agrícola para se tornar um país industrializado (GRANZIEIRA, 2001). Conseqüentemente, fez-se necessária a legalização para o incremento da produção energética.
Muitos dos instrumentos de proteção, conservação e recuperação das águas previstos pelo Código de Águas e não implementados, foram adotados décadas mais tarde, por outras legislações brasileiras. É o caso da responsabilização penal, civil e administrativa, aplicada conjunta e independentemente ao mesmo crime, princípios do poluidor-pagador e usuário-pagador. No tocante à responsabilização cumulativa, assim dispunha o Código de Águas, em seus artigos 109 e 110, respectivamente:
Artigo 109 - a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízos de terceiros.
Artigo 110 - os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos.
Décadas após, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, § 3º e também a Lei dos Crimes Ambientais - LCA, em seu artigo 3º e parágrafo único, adotaram a responsabilização penal, administrativa e civil aplicada cumulativa e independente ao mesmo crime, assim dispondo respectivamente:
Artigo 225, § 3º - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Artigo 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, os casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Artigo 3º, parágrafo único - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Seguindo a lição do Código de Águas, a LCA também criminalizou a poluição hídrica, ao teor do que dispõe o artigo 54, § 2º, III, ou seja:
Artigo 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
§ 2º Se o crime:
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
O princípio poluidor–pagador que objetiva impor ao poluidor e predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados por sua atividade, ao Meio Ambiente, tiveram origem na legislação brasileira com o Código de Águas, ao teor dos artigos 111 e 112. Todavia, este princípio restou inócuo na legislação brasileira até sua adoção pela Política Nacional do Meio Ambiente, ou seja, Lei 6.938/81, que o prescreve em seu artigo 4º, VII.
O princípio do usuário–pagador também estava previsto no Código de Águas, ainda que implicitamente, pois assim declara seu artigo 36, § 2º, "o uso comum das águas pode ser gratuito ou retribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que pertencem". A cobrança, ou seja, o uso retribuído pela utilização das águas, constitui-se num instrumento de fundamental importância para a gestão dos recursos hídricos nos aspectos quantitativos e qualitativos. Porém, como as demais medidas para a preservação, conservação e recuperação, esta tampouco foi implementada. Faz-se necessária a cobrança, tanto pelo aspecto financeiro, proporcionando investimentos no setor, quanto pela conscientização do valor econômico dos recursos naturais, difundindo a imprescindibilidade do uso racional.
Conforme visto, já na década de 30, a legislação hídrica brasileira, reconhecia o valor econômico da água, através da cobrança. A cobrança pela utilização dos recursos hídricos é um dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos vigente. Hodiernamente, no Brasil, a cobrança somente é realizada no Ceará e na bacia do Paraíba do Sul que abrange parte do território dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Antevendo o uso intensivo dos recursos hídricos por várias atividades, o Código de Águas, em seu artigo 43 e seguintes, instituiu o regime de outorgas. Outorgar é "consentir, aprovar e conceder" conforme GRANZIEIRA (2001, p.180). De acordo com a Instrução Normativa 4, de 21/06/2000, do Ministério do Meio Ambiente, outorga é:
O ato administrativo, de autorização, mediante o qual o Poder Público outorgante faculta ao outorgado o direito de uso dos recursos hídricos, por prazo determinado, nos termos e condições expressas no respectivo ato.
O regime de outorga tem por objetivo administrar e controlar o uso dos recursos hídricos, garantindo sua disponibilidade aos inúmeros usuários, atuais e futuros, ou seja, visa a sustentabilidade hídrica. É um importante instrumento para a gestão das águas, posto que através dele são planejadas e executadas as políticas públicas que objetivam a utilização sustentável e de acordo com as necessidades e interesses públicos. O prazo máximo de concessão no Código de Águas era de 30 anos.
Segundo POMPEU (2001, p. 27)
no Código de Águas, as águas eram divididas em públicas ou particulares. As públicas eram ainda subdivididas em dominicais, comuns ou de uso comum. As dominicais eram as situadas em terrenos que também o fossem. Já as de uso comum eram as que em algum trecho fossem flutuáveis ou navegáveis por qualquer tipo de embarcação. As comuns eram as das correntes não navegáveis ou flutuáveis. As águas particulares eram as águas localizadas em terrenos que também o fossem, desde que não de domínio público de uso comum ou comum. A partir da promulgação da Constituição Federal/88 todas as águas brasileiras são públicas.
O domínio hídrico pertencia `a União, aos Estados ou Municípios. À União, foram atribuídas: (a) as águas dos lagos, bem como, os cursos de água em toda sua extensão, se no todo ou em parte, servissem de limites do Brasil com países estrangeiros; (b) dos cursos de água que se dirigissem a países estrangeiros ou deles proviessem; (c) dos lagos, bem como, dos cursos de água que em toda sua extensão, no todo ou em parte, servissem de limites a Estados brasileiros; (d) dos cursos de água que em toda sua extensão percorressem mais de um estado brasileiro; e (e) dos lagos e de outros cursos d’água situadas dentro da faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo das fronteiras. Aos Estados, o código atribuiu: (a) as águas públicas de uso comum que servissem de limites a dois ou mais municípios e (b) as que percorressem parte do território de dois ou mais municípios. Aos Municípios, foram conferidas as águas flutuáveis ou navegáveis, situadas exclusivamente em seus territórios, salvo restrições legais (POMPEU, 2001).
O referido Código também disciplinou, de modo superficial, sobre as águas subterrâneas. Posteriormente, o Código de Mineração classificou-as como jazida minerária determinando que se regeriam por lei especial.
LANNA,( in BRAGA, 2002, p. 609) salienta que:
No período de 1968 a 1976, foram iniciadas medidas visando à atualização total do Código de Águas, mas os Anteprojetos resultantes deixaram de ser encaminhados ao Congresso Nacional. Em 1968, foi constituída a Comissão Especial de Alto Nível,com atribuição de revê-lo e atualizá-lo, formada por especialistas de reconhecida competência nos aspectos jurídicos e técnicos relacionados com a matéria, e, particularmente, no aproveitamento múltiplo das bacias hidrográficas. A Comissão encaminhou seu anteprojeto em julho de 1971, tendo seus trabalhos declarados encerrados em 1973. Em 1972, o Ministro das Minas e Energia designou o engenheiro Ataulpho dos Santos Coutinho para efetuar a revisão final do anteprojeto o qual o entregou revisto em 17/09/1973, após consulta aos Ministérios, a técnicos e juristas. Encaminhado à Presidência da República em setembro de 1973 o anteprojeto foi devolvido ao Ministério das Minas e Energia em abril de 1974, para reexame. Até abril de 1980, o Ministério recebeu sugestões sobre o anteprojeto, o qual pelo que se sabe não foi encaminhado ao Congresso. No congresso alguns projetos de lei alterando disposições do Código de Águas foram apresentadas, mas não convertidos em lei.
Constituição Republicana, de 10/11/1937
Esta Constituição repetiu no tocante ao domínio hídrico, as disposições da constituição anterior, atribuindo a competência privativa à União para legislar sobre os bens de domínio federal, águas e energia.
Constituição Republicana, de 18/09/1946
Dentre as constituições brasileiras, esta foi considerada a constituição mais moderna e liberal que o país teve (GRANZIEIRA, 2001). No setor hídrico ela efetuou mudanças significativas a começar pela alteração do domínio hídrico. Os corpos d’água que até então pertenciam aos Municípios, Estados e à União passaram ao domínio da União e dos Estados.
Ao domínio da União, de acordo com o artigo 34, atribuiu-se:
os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhassem mais de um Estado, servissem de limite com outro país ou que se estendessem a território estrangeiro e também as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países.
Ao domínio estadual, conforme o artigo 35, foram delegados "os lagos e rios em terrenos de seu domínio e os que tivessem nascente e foz em seu território".
Esta Carta disciplinou em seu artigo 5º, XV, "a" a competência da União para legislar sobre as riquezas do solo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, florestas, caça e pesca. Não obstante, esta competência nos termos do artigo 6º, não excluía a competência supletiva ou complementar dos estados (ANTUNES, 2002).
Manteve-se nesta Carta, o título voltado para o disciplinamento da ordem econômica e social, no qual o constituinte tratava das águas nos artigos 152 e 153. No artigo 152, manteve-se as quedas d´água sob o regime de propriedade distinta da do solo para efeito de aproveitamento industrial ou de exploração. Enquanto que, o artigo 153 determinava que o aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica dependiam de autorização ou concessão. O aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida, não dependia de autorização ou concessão.
Esta constituição estabeleceu como obrigação do Governo Federal executar um plano de aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São Francisco e de seus afluentes. A execução dar-se-ia pelo período de 20 anos. Verifica-se novamente, na esfera constitucional a instituição de uma política pública voltada para o setor hídrico, desta vez, em nível de bacia hidrográfica.
Código Florestal, de 15/09/1965
O Código Florestal, instituído pela Lei 4.771, de 15/09/1965, vem sendo alterado por sucessivas leis ordinárias e medidas provisórias. Em seu artigo 2º, ainda vigente, o referido Código concedeu status de área de preservação permanente para as mata ciliares, sendo estas de acordo com o citado artigo as florestas e demais formas de vegetação natural, situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água a partir do seu nível mais alto, em faixa marginal, com larguras variáveis, dependendo da largura do rio, senão vejamos:
Artigo 2° - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d´´água, em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura: 2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as margens; 3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros.
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d´´água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d´´água", seja qual for a sua situação topográfica;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres.
As matas ciliares são muito importantes para a conservação e preservação dos recursos hídricos, tendo em vista que atuam como filtros, prevenindo a erosão do solo e assoreamento dos corpos d’água.
Constituição Republicana, de 24/01/1967
Esta constituição não alterou o domínio hídrico pertencente à União e aos Estados. Mas, ao tratar da defesa contra os efeitos nocivos da água avançou, instituindo como competência da União "organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente a seca e as inundações" além de "estabelecer e executar planos regionais de desenvolvimento". Não havendo previsão legal de alocação de recursos financeiros para esta finalidade. Em 17/10/1969, esta Constituição foi emendada, através da Emenda nº1 que seguiu as diretrizes da carta emendada.
Política Nacional de Saneamento e Política Nacional de Irrigação
A Política Nacional de Saneamento, instituída através da Lei 5.138, de 26/09/1967, normatizou o saneamento básico, especialmente sobre o sistema de esgoto e de drenagem de águas pluviais, o controle das modificações artificiais das massas de água e o controle das inundações e da erosão. Deste modo, sua edição contribuiu de modo formal para a gestão qualitativa dos recursos hídricos.
Com a modernização do país, após a década de 70, outros usos de água, principalmente a irrigação, passaram a competir com o uso energético, gerando inúmeros conflitos. Neste sentido, foi instituída a Política Nacional de Irrigação, através da Lei 6.662, de 25/07/1979 que serviu de base para o Programa Nacional de Irrigação e para o Programa de Irrigação do Nordeste. Estes programas tinham por objetivo controlar a utilização da água usada na irrigação, eliminar os conflitos existentes e também estimular o desenvolvimento econômico daquela região.
Política Nacional do Meio Ambiente, de 31/08/1981
A Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, foi instituída pela Lei 6.938 que posteriormente foi alterada pela Lei 7.804, de 18/07/1989. A PNMA é considerada uma das regulamentações ambientais brasileiras mais importantes (DRUMMOND, 1998/1999). Seus princípios, inscritos no artigo 2º, têm profundas implicações na proteção jurídica das águas, quais sejam:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico; II - o uso racional do solo, subsolo, da água e do ar; III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos naturais; IV – proteção dos ecossistemas; V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e à proteção dos recursos naturais; VII - acompanhamento ambiental do estado da qualidade ambiental; VIII – recuperação das áreas degradadas ; IX - proteção das áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental.
A PNMA objetiva compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente; estabelecer critérios e padrões da qualidade ambiental; e ainda, definir normas relativas ao uso e manejo sustentável dos recursos ambientais.
A PNMA resgatou do Código de Águas os princípios "usuário-pagador" e "poluidor-pagador". Criou novas áreas ambientalmente protegidas, ou seja, as reservas ecológicas e as áreas de relevante interesse ecológico. Especificamente em relação ao setor hídrico, delegou ao CONAMA "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", de acordo com o artigo 8º, VII. Não obstante, os demais instrumentos, princípios e objetivos definidos pela PNMA são inteiramente aplicáveis ao setor hídrico, desde que não haja previsão legal específica em sentido contrário.
Resoluções do CONAMA
A Resolução do CONAMA 01/86, instituiu a obrigatoriedade da realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA, antes da instalação de obras, atividades ou serviços que causarem ou sejam potenciais causadores de degradação ambiental. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o EPIA tornou-se uma exigência constitucional, caracterizando-se como um instrumento indispensável para a prevenção e conservação dos recursos hídricos (GRANZIEIRA, 2001).
A resolução citada, em seu artigo 2º, VII, impõe a realização do EPIA na realização das seguintes obras hidráulicas:
obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragens para fins hidrelétricos acima de 10 mw, obras de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem, retificação de cursos d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques.
O artigo 2º, XI, prevê ainda a realização do EPIA na instalação das "usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10 Mw". Importante mencionar que, as atividades, obras ou serviços arrolados pela Resolução deverão obrigatoriamente realizar o EPIA, antes de sua instalação. Enquanto que as atividades, obras ou serviços não discriminados realizarão o EPIA somente se o órgão ambiental competente julgar que sua realização poderá causar significativa degradação ambiental (GRANZIEIRA, 2001).
A Resolução do CONAMA 20/86, de 18/06/1986, dispõe sobre a classificação e enquadramento das águas. De acordo com a referida resolução classificar é "estabelecer níveis de qualidade para a água e fixar os usos compatíveis com tais níveis" e enquadrar é "estabelecer o nível de qualidade apresentado por um segmento de corpo d’água ao longo do tempo". Assim sendo, a água pertencerá a determinada classe conforme o uso a que se destina. Já, o enquadramento, baseia-se não necessariamente no seu estado atual, mas no nível de qualidade que a água deveria apresentar para atender às necessidades a que é destinada. A finalidade destes institutos é assegurar a qualidade das águas compatível com os usos a que forem destinadas e essencial para que se possa organizar o sistema administrativo destinado a fiscalização do controle de qualidade das águas interiores (GRANZIEIRA, 2001). A primeira legislação brasileira que trata da classificação das águas foi estabelecida pela Portaria 13/76 do Ministério do Interior que, na época era o órgão ao qual estava vinculada a antiga Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA.
Segundo a Resolução do CONAMA 20/86 e também a Resolução CNRH 12, as águas doces, salobras e salinas estão classificadas em nove classes, de acordo com os usos preponderantes (quadro 01). As águas doces estão classificadas nas classes: especial, 1, 2, 3 e 4. As águas salinas pertencem às classes 5 e 6 e as salobras às classes 7 e 8. Segundo o artigo 2º, "e", da Resolução CONAMA 20/86 o que diferencia as águas doces, salobras e salinas "é o índice de salinidade apresentado", ou seja, "as águas doces são as que apresentam salinidade igual ou menor que 0,5%, as salobras variam de 0,5 % a 30% e nas salinas é superior a 30%".
Quadro 1: Classes de uso preponderante das águas brasileiras, de acordo com a Resolução CONAMA 20/86
USOS PREPONDERANTES |
TIPO DE ÁGUA |
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doces |
salina |
salobra |
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E |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
8 |
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ABASTECIMENTO DOMÉSTICO |
sem prévia ou com simples desinfecção |
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após tratamento simplificado |
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após tratamento convencional |
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PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO NATURAL DAS COMUNIDADES AQUÁTICAS |
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PROTEÇÃO ÁS COMUNIDADES AQUÁTICAS |
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HARMONIA PAISAGÍSTICA |
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RECREAÇÃO |
de contato primário (natação mergulho) |
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de contato secundário |
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IRRIGAÇÃO |
de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de películas |
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de hortaliças e plantas frutíferas |
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de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras |
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CRIAÇÃO NATURAL E/OU INTENSIVA (AQUICULTURA) DE ESPÉCIES DESTINADA À ALIMENTAÇÃO HUMANA |
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NAVEGAÇÃO |
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Comercial |
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USOS MENOS EXIGENTES |
Fonte: LANNA (1995, p. 130)
Constituição Federal, de 05/10/1988
As profundas alterações ocorridas na sociedade, na economia e no meio ambiente no século XX, tornaram indispensável a implementação de instrumentos de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais. Em razão disto a CF/88 destinou um capítulo exclusivo ao meio ambiente. DRUMMOND (1998/1999, p.144) afirma que "pela primeira vez uma constituição brasileira dedicou um capítulo exclusivamente ao Meio Ambiente, o que é uma raridade no mundo".
As inovações promovidas pela Constituição para o setor hídrico foram muito importantes, haja vista que grande parte da legislação existente estava defasada, por não dispor de instrumentos necessários à gestão (MUÑOZ, 2000).
Uma das inovações mais relevantes conferidas por esta Carta, foi extinguir o domínio privado das águas existentes no território brasileiro.
A citada constituição demarcou as competências legislativas, delegando à União, de acordo com o artigo 22, a competência para legislar sobre águas e energia. Não obstante, o parágrafo único deste artigo, estabelece que Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar a sobre a referida matéria. Mas até o momento, a mencionada Lei Complementar não foi editada.
Aos Estados, foi definida a competência para legislar sobre o aproveitamento e utilização dos recursos hídricos de seu domínio, conforme o artigo 26, I e II. Já o artigo 24, VI, define como competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal para legislar sobre "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição". Num primeiro momento, as competências parecem conflitantes e confusas, mas não o são. Pois, à União, cabe legislar sobre o Direito de Águas, enquanto que aos Estados e Distrito Federal cabe legislar sobre as normas meramente administrativas, ou seja, que se destinam à gestão dos recursos de seu domínio e em combate à poluição. Portanto, sendo–lhes vedado criar, alterar ou extinguir direitos, ou seja, legislar sobre o Direito de Águas. Neste sentido, esclarece POMPEU (apud GRANZIEIRA, 2001, p.69):
legislar sobre águas significa dizer que cabe à União estabelecer normas gerais, de aplicação nacional, incidente sobre as águas federais e estaduais, com a finalidade de criar, alterar ou extinguir os direitos sobre as águas. Segundo o citado jurista, a criação, alteração e extinção de direitos sobre a água é bem diversa da instituição de normas administrativas referentes à utilização, preservação e recuperação do recurso, na qualidade de bem público.
Quando a competência pertencer à União e aos Estados conjuntamente, entende-se que a competência da União será para estabelecer as normas gerais, ou seja, aquelas que por razões de interesse público, devem ser estabelecidas igualmente para todos os estados. Neste caso, cabe aos Estados e Distrito Federal detalhar as normas gerais, adequando-as às peculiaridades locais (GRANZIEIRA, 2001).
A CF/88 também ampliou o domínio estadual concedendo-lhe o domínio das águas subterrâneas que anteriormente não tinham titular definido (FREITAS, 2000). A partir de então, pertencem aos Estados, além dos bens que já lhe pertenciam: "as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União" conforme disciplina o artigo 26, I (GRANZIEIRA, 2001).
O domínio hídrico da União permaneceu inalterado, ou seja, continuam sendo bens da União, de acordo com o artigo 20, I e II:
os lagos, rios, quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.
Para o sucesso de uma política pública é indispensável que a legislação esteja dotada de instrumentos eficazes para promover sua implementação. Neste sentido, a CF/88, em seu artigo 21, XIX, delegou à União "instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso". Porém, o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH, foi criado somente em 08/01/1997, com a edição da Lei 9.433.
Outro dispositivo legal inovador da CF/88 foi a previsão da participação dos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da Administração Direta da União, no resultado da exploração dos recursos hídricos para geração de energia elétrica ou compensação por esta exploração, de acordo com o artigo 20 § 1º. No pertinente aos serviços e as instalações de energia elétrica foi limitada a competência da União que passou a depender de autorização, concessão ou permissão dos Estados onde estão situados os potenciais hidrelétricos.
Objetivando incentivar a irrigação na Região Nordeste foi assegurado por esta Constituição, que durante o período de 15 anos, a União aplicaria 50% dos recursos destinados à irrigação, a esta região.
Em 28/12/1989, a Lei 7.990 regulamentou o artigo 20, § 1º, da CF/88 instituindo aos Estados, Distrito Federal e Municípios a compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.
Lei 9.433, de 08/01/1997
O crescimento populacional, a urbanização, a industrialização, a ineficácia na aplicação da maioria das legislações hídricas e também a ausência de um planejamento visando a correta utilização dos recursos hídricos proporcionaram profundas alterações no cenário hídrico brasileiro, principalmente nos últimos 60 anos. Para reverter o quadro de degradação destes recursos, fez-se necessária a reformulação institucional e legal.
Foram realizadas várias tentativas visando a formulação de uma política nacional de recursos hídricos e de um modelo mais adequado de gestão da água. Dentre elas, destaca-se: o Seminário Internacional sobre a Gestão de Recursos Hídricos, realizado em Brasília, em março de 1983 (GRANZIERA, 2001); a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que de setembro de 1983 a outubro de 1984, examinou "a utilização dos recursos hídricos no Brasil" (BOHN, datilografia); os encontros nacionais realizados em 1987, 1989 e 1991 pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH nas seguintes cidades, respectivamente: Salvador – BA, Foz do Iguaçu - PR e Rio de Janeiro – RJ (SETTI, LIMA, CHAVES, PEREIRA, 2001).
O Seminário Internacional sobre a Gestão dos Recursos Hídricos realizado em Brasília foi promovido pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, pela Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e pelo Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas – CEEIBH. Neste Seminário representantes da França, Inglaterra e Alemanha apresentaram os sistemas de gestão dos recursos hídricos de seus países. Esta apresentação resultou no Brasil um processo de reflexão e análise que teve como finalidade aprimorar o gerenciamento dos recursos hídricos. Na ocasião, foram abordados diversos temas, tais como: sistema de informações, gestão integrada de bacias hidrográficas, o princípio poluidor-pagador e cobrança pelo uso da água. Este evento é considerado um dos grandes marcos da modernização do sistema brasileiro de recursos hídricos, posto que propulsionou a evolução das ações que culminaram nas edições das políticas de recursos hídricos e também com a inserção do artigo 21, inciso XIX, na Constituição Federal de 1988 que assim determina: "Compete à União... instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso" (GRANZIERA, 2001; SETTI,LIMA, CHAVES, PEREIRA, 2001; LANNA, 1995). A efetivação deste processo se deu com a edição da Lei 9.433, de 08/01/1997 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.
Porém, ante a mora da União em instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos e criar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e, tendo em vista a competência outorgada pela CF/88 aos estados para legislar sobre os bens de seu domínio, vários estados começaram a elaborar suas políticas estaduais de recursos hídricos(GRANZIEIRA, 2001).
O Estado de São Paulo foi o primeiro estado brasileiro a editar uma política estadual recursos hídricos, fê-lo através da Lei 7.663, de 30/12/1991. Paulatinamente, outros estados editaram suas políticas estaduais. O Estado do Ceará foi o segundo estado a editar, fê-lo em 24/07/1992, através da Lei 11.996, seguido pelos estados de Minas Gerais, através da Lei 11.504, de 20/06/1994; Santa Catarina através da Lei 9.748, de 30/11/1994; e o Rio Grande do Sul, através da Lei 10.350, de 30/12/1994 (ANEEL, 2001; GRANZIEIRA, 2001).
Finalmente, em 08/0/1997 foi editada a Lei 9.433 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH, regulamentando o artigo 21, XIX, da Constituição Federal de 1988.
A PNRH não é apenas uma lei disciplinadora do uso e gestão dos recursos hídricos, mas sim um instrumento inovador destinado e apto a promover a sustentabilidade hídrica.
Serão aduzidos concisamente os fundamentos, objetivos e instrumentos da PNRH. No artigo 1º, da Lei 9.433/97, estão arrolados os fundamentos da PNRH, quais sejam:
I- a água é um bem de domínio público; II- a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III- em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;V- a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da PNRH e atuação do SNGRH;VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Desde a CF/88, inexiste no Brasil a propriedade privada de recursos naturais. Neste sentido, a PNRH não só ratificou o dispositivo constitucional como estabeleceu a publicização das águas como um de seus fundamentos, ao teor do artigo 1º, I, retromencionado.
Embora a renovação da água seja cíclica, sua disponibilidade torna-se limitada e insuficiente para atender a demanda, haja vista o incremento da atividade antrópica que sucessivamemte vem degradando as condições naturais de sua renovação, como também devido ao incremento populacional que por sua vez provoca a elevação da demanda hídrica em escala exponencial.
Desde a CF/34 a água tornou-se recurso natural dotado de valor econômico, ou seja, passível de cobrança. Porém, atualmente somente o Estado do Ceará (1988) e a Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul (2002) fazem-na.
A água é essencial ao ser humano e a toda atividade humana. Em decorrência disto, um dos pilares da PNRH é a gestão dos recursos hídricos visando os usos múltiplos, ou seja, uso urbano, industrial, geração de energia elétrica, navegação e irrigação. Ao contrário da PNRH, o Código de Águas conferia prioridade à produção energética em detrimento dos demais usos. Em casos de escassez, o consumo humano e a dessedentação de animais devem ser priorizados. Entende-se por consumo humano a satisfação das primeiras necessidades da vida, tais como: água para beber (dessedentação), preparo de alimentos e higienização.
O Brasil seguiu a tendência mundial adotando a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e implantação da PNRH. Ou seja, a gestão terá como âmbito territorial a bacia hidrográfica e não as fronteiras administrativas e políticas dos entes federados.
Para o sucesso de uma política hídrica ou de qualquer política ambiental é imprescindível a participação popular. Assim sendo, a PNRH adotou como um de seus fundamentos a gestão descentralizada e participativa. A gestão é descentralizada e participativa porque realizada em nível de bacia hidrográfica, através dos comitês de bacia. Ou seja, a gestão não é realizada em nível estadual ou federal e exclusivamente pelos órgãos públicos e também porque a comunidade pode compor os comitês, com membros representantes dos usuários ou entidades civis.
Os comitês são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas e serão formados por 40% de representantes da União, Estados e Distrito Federal e Municípios; 20% de representantes das entidades civis e 40% de representantes dos usuários. De acordo com a PNRH, em seu artigo 37, as principais atribuições dos comitês são:
promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação da entidades intervenientes; arbitrar em primeira instância os conflitos relacionados aos recursos hídricos, aprovar e acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia, estabelecer mecanismos de cobrança e sugerir os valores a serem cobrados, dentre outras.
Os comitês de bacia não têm personalidade jurídica, de acordo com DINIZ (1995, p.85) "personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações". Ou seja, os comitês não podem adquirir direitos e contrair obrigações, assim sendo, as legislações hídricas criaram a figura das Agências de Água ou também denominadas de Agências de Bacia. Compete a estas a função executiva do comitê que consiste em executar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e fornecer apoio técnico, financeiro e administrativo, enquanto que aos comitês compete a tarefa normativa – legislativa.
A PNRH condicionou a existência das Agências de Água a dois fatores, quais sejam: I) existência prévia de um comitê; II) viabilidade financeira assegurada pela cobrança. Por aspectos práticos e financeiros uma agência de bacia poderá atuar como secretaria executiva de mais de um comitê.
A PNRH tem por objetivo promover a utilização sustentável dos recursos hídricos e a prevenção contra os eventos hidrológicos nocivos, assim dispondo sem eu artigo 2º:
Artigo 2º - São objetivos da PNRH:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II- a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III- a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.
A PNRH prescreve, em seu artigo 3º, as diretrizes gerais de ação que deverão nortear a gestão hídrica; as quais têm por escopo integrar e articular a gestão dos recursos hídricos com a gestão dos demais recursos naturais e do meio ambiente. Em linhas gerais, as diretrizes estabelecem que a gestão hídrica deve estar integrada e articulada com a gestão ambiental, gestão do uso do solo, gestão dos sistemas estuarinos e zonas costeiras e também com os planejamentos estadual, regional, nacional e dos setores usuários. Estabelecendo ainda, que a gestão hídrica deve ser realizada sem dissociação dos aspectos quantitativos e qualitativos, haja vista que o uso dos recursos hídricos afeta ambos os padrões.
No artigo 5º, da PNRH, estão mencionados seus instrumentos, quais sejam: os planos de recursos hídricos, o enquadramento dos corpos de água em classes segundo os usos preponderantes, a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o sistema de informações sobre recursos hídricos.
O plano é resultado de um processo de discussões e definições, ou seja, de um acordo social, representando o desejo da população, dos usuários e do poder público acerca do futuro das águas e do meio ambiente. Os planos de recursos hídricos serão elaborados por bacia, por estado e para o país.
O enquadramento dos corpos de água em classes segundo os usos preponderantes tem como norma disciplinadora a Resolução CNRH 12/2000. Esta resolução em seu artigo 1º, I, define enquadramento como "o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um dado segmento do corpo de água ao longo do tempo". Ou seja, enquadrar um corpo d’água não significa identificar sua classe atual e sim propor que o corpo adquira ou mantenha um nível de qualidade (classe) em determinado período, de acordo com os usos a que se destina. Os objetivos principais do enquadramento são: "assegurar a qualidade da água compatível com os usos mais exigentes a que se destinam e diminuir os custos do combate à poluição mediante adoção de ações preventivas permanentes", segundo dispõe o artigo 9º, da PNRH. É de competência das agências de água propor o enquadramento aos comitês de bacia e estes encaminharão a proposta para referendum do Conselho Estadual ou Federal de recursos hídricos, conforme o domínio do respectivo curso ou corpo d’água (GRANZIEIRA, 2001).
O terceiro instrumento a ser analisado é a outorga de direitos do uso da água que tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e garantir o direito de acesso da água, conforme dispõe o artigo 11, da PNRH. A outorga é um ato administrativo pelo qual a autoridade outorgante concede ao outorgado o direito de uso do recurso hídrico, por prazo determinado e de acordo com os termos e condições expressas no ato. Assim sendo, a outorga não representa alienação (venda) das águas, posto que são inalienáveis. Segundo KELMAM ( apud MACHADO, 2001, p.439) a outorga visa:
dar garantia quanto `a disponibilidade de água, assumida como insumo básico de processo produtivo. Salienta também que a outorga tem valor econômico para quem a recebe, na medida em que oferece garantia de acesso a um bem escasso.
De acordo com o artigo 12, da Lei 9.433/97 estão sujeitos à outorga os seguintes usos:
I – derivação e captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV - aproveitamento de potenciais hidrelétricos; V – outros usos que alterem o regime, a quantidade e qualidade das água existente em um corpo de água.
Conforme visto, estão sujeitos à outorga não somente os usos decorrentes da extração e derivação da água, mas também os decorrentes da utilização dos cursos e corpos d’água como assimiladores de efluentes. A lei, em seu artigo 12, §1º, também enumera os usos que não dependem de outorga, ou seja, os destinados ao abastecimento de pequenos núcleos rurais, as derivações, captações e acumulações de água, como também os lançamentos de efluentes considerados insignificantes.
A cobrança pelo uso da água também é um dos instrumentos da PNRH a qual é definida como um preço público, ou seja, não é tarifa, imposto ou taxa. A cobrança constitui-se como uma retribuição que o usuário faz à sociedade por utilizar privativamente um bem que é de uso comum (GRANZIEIRA, 2001). Atualmente, são pagos os serviços de tratamento e captação da água e não ela utilização do bem ambiental, água. Segundo o artigo 19, da PNRH, a cobrança objetiva:
I-reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II- incentivar a racionalização do uso da água; III- obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.
Para a cobrança são imprescindíveis dois requisitos, quais sejam: outorga e a utilização da água. Deste modo, todos os usos passíveis de outorga são consequentemente passíveis de cobrança. A cobrança será realizada pelas agências de água que são os órgãos executivos das bacias hidrográficas, conforme já mencionado. Os valores arrecadados com a cobrança serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram gerados e segundo a lei serão utilizados no financiamento de estudos, programas e obras previstas nos planos de bacia.
O Estado do Ceará foi o primeiro estado brasileiro a realizar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, fê-lo no final de 1988. A cobrança realizada por este estado, restringe-se a Região Metropolitana de Fortaleza e para os setores de abastecimento público, industrial e irrigação. Os preços praticados são: abastecimento público = R$ 0.013m3; abastecimento industrial = R$ 0.67m3; irrigação no canal do trabalhador = R$0.02m3 ; irrigação no rio Acarape = R$ 0.004 m3 (COMITÊ ITAJAÍ; GTZ; COBAS, 2002, p. 4).
O Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul/SP/RJ/MG - CEIVAP, foi o segundo comitê brasileiro a efetuar a cobrança pela utilização dos recursos hídricos, sendo porém o primeiro comitê de uma bacia de domínio da União. Nesta bacia, a cobrança teve início na primeira quinzena de março, de 2002, sendo que inicialmente será cobrado o lançamento e a captação de efluentes (PELAS ÁGUAS DO PARAÍBA, 2001.Importante salientar que, o valor pago nas demais bacias hidrográficas corresponde aos serviços de tratamento e captação da água e não ela utilização do bem ambiental, água.
O último instrumento da PNRH é o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, sendo conceituado pela referida política, em seu artigo 25, como "um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão". MACHADO (2001, p.461) declara que "a lei agiu bem ao abordar o tema, pois sem informação não se implementará uma Política de Recursos Hídricos respeitadora do interesse coletivo".
Seus princípios norteadores são: descentralização na obtenção e produção de dados e informações, coordenação unificada do sistema e garantia de acesso às informações para toda a sociedade. Assim sendo, não existem e nem existirão informações secretas, posto que todas as informações existentes nos órgãos de recursos hídricos são públicas (MACHADO, 2001).
A PNRH, em seu artigo 49, qualifica as condutas consideradas infrações ao uso dos recursos hídricos, ou seja:
I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso; II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique na alteração no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos competentes; III - (vetado); IV – utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga; V – perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização; VI - fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos; VII - infringir normas estabelecidas na lei ou em regulamentos administrativos, compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes; VIII - obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções;
As penalidades a serem impostas aos infratores constituem-se em: advertência por escrito, multa, embargo provisório (prazo determinado), embargo definitivo (revogação da outorga). Além das infrações instituídas pela PNRH a LCA também criminaliza algumas atividades causadoras de poluição hídrica, tais como "causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade", a teor do artigo 54, § 2º. Já, em seu artigo 50, qualifica como crime "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas, vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação". E se deste crime "resultar na diminuição das águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático", a pena será aumentada em um sexto, ao teor do seu artigo 53, I.
Conforme já mencionado, a Lei 9.433 instituiu a PNRH e criou o SNGRH, regulamentando assim o inciso XIX, do artigo 21, da CF/88. O SNGRH tem os seguintes objetivos, conforme estabelece o artigo 32, da PNRH:
I - coordenar a gestão integrada das águas; II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; III - implementar a PNRH; IV - planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; V - promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
De acordo, com o artigo 33, da PNRH, compõem o SNGRH: o Conselho Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos; os Conselhos Estaduais e do Distrito Federal de Recursos Hídricos; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionem coma gestão de recursos hídricos e ainda as agências de água.
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem caráter normativo e deliberativo, fazendo parte do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. É a instância mais elevada do SNGRH e tem como finalidade:
I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários; II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; III -deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; IV - analisar proposta de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; V - estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; VII - deliberar sobre os recursos administrativos que lhe forem interpostos; VIII - aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos; acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; IX - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso; X - aprovar o enquadramento dos corpos de água em classes, em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA e de acordo com a classificação estabelecida na legislação ambiental.
Lei 9.993, de 24/07/2000
Esta lei dispõe sobre a compensação financeira decorrente da exploração dos recursos hídricos para geração de energia elétrica e ainda, sobre a criação do Fundo Setorial de Recursos Hídricos. Segundo a lei, 4% dos recursos arrecadados com a compensação serão destinados ao setor de ciência e tecnologia. O objetivo é desenvolver e preservar os recursos hídricos, através do financiamento de projetos e da capacitação científica e tecnológica. Atualmente, diversos projetos de pesquisa de mestrado e doutorado são financiados pelo CAPES e CNPq com recursos provenientes desta compensação.