EMENTA: 1.A CADEIA DE CUSTÓDIA. 1.2. A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. 1.3. A NULIDADE DECORRENTE DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA
1.A CADEIA DE CUSTÓDIA
O tema “cadeia de custódia” é pouco explorado na doutrina brasileira, e, particularmente, não conheço um doutrinador que trata do tema relacionado com as nulidades processuais penais.
Watson define como cadeia de custódia o processo pelo qual as provas estão sempre sob o cuidado de um indivíduo conhecido e acompanhado de um documento assinado pelo seu responsável naquele momento. [1]
Em realidade, a cadeia de custódia é todo o procedimento usado com escopo de manter e documentar a história cronológica da descoberta das provas e dos elementos informativos.
Na área forense, todas as amostras são recebidas como evidências. São analisadas e o seu resultado é apresentado na forma de laudo a ser utilizado na persecução penal. As amostras devem ser manuseadas de forma cautelosa, para se evitar futuras alegações de adulteração ou má conduta que possam comprometer as decisões relacionadas ao caso em questão. O detalhamento dos procedimentos deve ser minucioso, para tornar o procedimento robusto e confiável, deixando o laudo técnico produzido com teor irrefutável. A sequência dos fatos é essencial: quem manuseou, como manuseou, onde o vestígio foi obtido, como armazenou-se, por que manuseou-se.[2]
2.A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA
Na formação do conjunto dos elementos probatórios, a cadeia de custódia é de salutar importância, pois tem como principal escopo preservar as informações coletadas, possibilitando a documentação e a ordem cronológica das evidências, quem foram os responsáveis por seu manuseio etc.
Procedimentos como: colocar lacres em evidências e restringir o acesso apenas aos profissionais responsáveis pela custódia minimizam a possibilidade da manipulação indevida e tornam as evidências mais confiáveis, pois a quebra da cadeia de custódia pode causar consequências irreversíveis à persecução penal judicial.
3.A NULIDADE DECORRENTE DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA
O problema na “quebra da cadeia da custódia da prova” é que a não preservação integral das provas afeta a credibilidade dos meios e, fatalmente, acarretará nulidade de todo o processo.
A teoria da quebra da cadeia da custódia da prova é frequentemente alegada quando não é disponibilizado para defesa o franqueamento da integralidade da degravação ou dos áudios de uma interceptação telefônica.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu que:
A prova produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do órgão acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em vista a impossibilidade da efetiva refutação da tese acusatória, dada a perda da unidade da prova.
Mostra-se lesiva ao direito à prova, corolário da ampla defesa e do contraditório — constitucionalmente garantidos —, a ausência da salvaguarda da integralidade do material colhido na investigação, repercutindo no próprio dever de garantia da paridade de armas das partes adversas.
É certo que todo o material obtido por meio da interceptação telefônica deve ser dirigido à autoridade judiciária, a qual, juntamente com a acusação e a defesa, deve selecionar tudo o que interesse à prova, descartando-se, mediante o procedimento previsto no art. 9o , parágrafo único, da Lei n 9.296/1996, o que se mostrar impertinente ao objeto da interceptação, pelo que constitui constrangimento ilegal a seleção do material produzido nas interceptações autorizadas, realizada pela Polícia Judiciária, tal como ocorreu, subtraindo-se, do Juízo e das partes, o exame da pertinência das provas colhidas. Precedente do STF.
Decorre da garantia da ampla defesa o direito do acusado à disponibilização da integralidade de mídia, contendo o inteiro teor dos áudios e diálogos interceptados [STJ: HC n. 160.662, de 18.2.2014, Rei. Min. Assusete Magalhães).
O TSE tem decisões no mesmo sentido:
“Para que a defesa possa identificar e invocar o contexto em que proferidas certas palavras, é necessário que a ela seja concedida a oportunidade não apenas de examinar os trechos destacados pela acusação, mas também de verificar todo o conteúdo das gravações realizadas, de modo a selecionar conversas que, eventualmente, completem o sentido ou até contradigam o sustentado pelo representante. Nesse aspecto, a discussão relativa à necessidade de transcrição do inteiro teor das interceptações realizadas é antecedida pela necessidade de se entrega à defesa o inteiro teor do áudio captado, ainda que por meio magnético ou dispositivo de armazenamento de dados, o que foi considerado desnecessário pelo Tribunal Regional Eleitoral, a partir do conteúdo do art. 9° da Lei n. 9.296/1996”.
“O franqueamento da integralidade da degravação ou dos áudios é medida indispensável ao pleno exercício da defesa, especialmente por apresentarem os relatórios parciais trazidos aos autos a versão unilateral do autor da ação, circunstância que efetivamente não se coaduna com o devido processo legal”. (RECURSO ELEITORAL (RE) N. 503- 10.2012.6.24.0071 - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – 71ª ZONA ELEITORAL - ABELARDO LUZ (IPUAÇU), [TSE. RE n. 311-97.2012.6.06.0097, de 1°.4.2014, Rei. Min. Henrique Neves].
Quando não é disponibilizada para a defesa a integralidade da degravação ou dos áudios, haverá quebra da cadeia de custódia da prova, pois, como apropriadamente defendeu o Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Agravo Regimental na Ação Penal n. 508:
"A transcrição de apenas trechos da degravação dificulta sobremaneira a defesa".
A fim de afastar qualquer nulidade, defende o Ministro Ricardo Lewandowski, que a melhor solução seria a de "entregar a transcrição integral para a defesa para que ela possa agir como entender de direito", obtemperando que, "quando a defesa tem a cópia integral, ela pode se contrapor à acusação e apresentar aqueles trechos que entende relevantes, para fazer a contradita que entender conveniente" [STF: julgado de 7.2.2013, Rei. Min. Marco Aurélio de Mello].
Ante o exposto, concluo que a eventual quebra da cadeia de custódia da prova importa, portanto, na ilicitude da prova, devendo o magistrado, em face disso, determinar o consequente desentranhamento dos autos. E, ainda, deve se pronunciar sobre a extensão da ilicitude quanto a eventuais provas ilícitas derivadas.
Notas
[1] WATSON, James D, et al. DNA Recombinante: genes e genomas. Artmed Editora. 3a Ed. 2009.
[2] No mesmo sentido: Júnior. Ettore Ferrari. No artigo: “A cadeia de custódia e a prova pericial”, publicado no http://jus.com.br/artigos/21391/a-cadeia-de-custodia-e-a-prova-pericial#ixzz3fQSpoMni. Acesso em 09 de julho de 2015.