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Apontamentos acerca da responsabilidade pré-contratual

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5. A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTATUAL E O DIREITO DO CONSUMIDOR

A análise da temática no âmbito do Direito do Consumidor faz-se essencial, seja por trazer a discussão de novos institutos e teorias ao Direito Civil, seja pelo caráter supletivo que o Código do Consumidor veio a ocupar ante a lacuna deixada no campo do direito privado brasileiro, com a demora de atualização do Código Civil.

Para que possa haver uma melhor visualização do fenômeno da responsabilidade pré-contratual, a análise privatista costuma dividi-la em dois feitos: a recusa de contratar e o rompimento das negociações preliminares [12], como visto anteriormente. Analogamente, pode se fazer uma outra distinção em campo de estudo dividindo o processo pré-contratual em duas etapas distintas: a de negociação e a da oferta.

Este aparte é necessário não só pelo cunho didático, mas por terem estas fases recebido tratamento jurídico diferenciado, pois a negativa de cumprimento da oferta tem suas conseqüências postas em dispositivos legais, o que não acontece com os possíveis danos decorrentes da fase de negociação, que têm, constantemente, de se inspirar em o princípio geral da boa-fé objetiva. A oferta já traz uma manifestação de vontade inequívoca de contratar e, enquanto não revogada até o momento legalmente permitido, é obrigatória [13]. Já as negociações preliminares não traduzem uma vontade definitiva de vincular-se ao contrato [14]. São tratativas. Inobstante isso, não se pretende indicar que os efeitos decorrentes da quebra dos deveres da fase de oferta estejam integralmente disciplinados no CDC, tendo que muitas vezes o aplicador recorrer aos citados princípios para uma plausível resolução do caso. Será necessária a análise das circunstâncias concretas para a distinção de cada um dos fenômenos in casu.


6. A FASE DE NEGOCIAÇÃO E OS DEVERES DOS POSSÍVEIS CONTRATANTES

O contrato necessita de um período anterior a sua formação de discussões e ajustes para sua melhor adaptação à vontade dos contratantes. Período este que pode ser mais ou menos longo e complexo quando, v.g., o contrato envolve interesses econômicos relevantes ou quando há necessidade de se observarem diversos dispositivos legais.

Existe, portanto, a necessidade de amadurecimento das tratativas para que se culmine na realização do contrato. É a esta fase que nos reportaremos agora e que denominaremos negociação.

Se, pelo citado nos demais itens, comprova-se a orientação da responsabilidade pré-contratual pelo princípio da boa-fé (confiança), é de se apreender, na fase de negociação, alguns deveres derivados deste preceito que hão de ser observados pelas partes com intuito de evitar dano à outra, ora para evitar os vícios de vontade, ora para permitir a realização do contrato. Referimo-nos aos deveres de lealdade, de bem-informar e de não abusar.

Tais incumbências, que segundo parte da doutrina são secundárias na relação contratual, apresentam-se, em verdade, como essenciais no estágio de negociação [15]. Isso de tal forma é, que remansa o fato de que a sua não observância dará sanchas à indenização por perdas e danos porventura existentes pelo desrespeito à máxima da confiança.

O dever de lealdade, consiste, segundo o Professor Antônio Junqueira de Azevedo, numa exigência de confidencialidade [16]. O Código de Defesa do Consumidor não se refere expressamente a esta carência legal. Importa ressaltar ainda que não há de se confundir o supradito, que é anterior à realização do contrato, com o explicitado no inc. VII, do art. 39 – sobre repasse de informações depreciativas - que é posterior ao contrato, como se nos apresenta.

Decerto, há uma dada dificuldade de utilização do princípio no Direito do Consumidor, devido à natureza das relações de consumo em serem mais propícias aos contratos de adesão. Todavia a hipótese pode ocorrer, consoante exemplifica o Professor Azevedo, com o "médico plástico, que divulga o fato de artista conhecido o haver procurado; ou o advogado, que revela ter sido procurado por político que pretendia se divorciar" [17]. Consiste assim a lealdade, especialmente em relação ao dever de manter sigilo, num dever negativo resultante da cláusula geral de boa-fé objetiva.

Seguindo no estudo, o dever de informar reporta a uma negativa do estado silente deveras lesivo, decompondo-se, desta forma, nos deveres de esclarecer sobre as características do objeto do negócio; de aconselhar sobre as atitudes mais indicadas na realização do contrato para prosperidade das intenções da outra parte; e o de advertir, se houver riscos, dos danos que possam ser causados. Possui, portanto, gradação de austeridade, conquanto mais veemente haja de ser a cientificação. O inc. III do art. 6º do CDC incluiu o Direito à Informação como direito básico do consumidor, devendo o fornecedor "informá-lo sobre os diferentes produtos e serviços, especificações, características, composição, qualidade e preço, assim como os riscos que se apresentam."

Fundamenta-se a previsão no fato de poder a coisa tratada causar ao seu adquirente um dano ainda que não apresente ela qualquer defeito. O agravo, no caso, resultaria da má utilização do objeto, por falta de informação. Esse dever, segundo o insigne douto, "se limita ao conteúdo do contrato, especialmente as qualidades essenciais do objeto, e não à oportunidade ou vantagem do contrato (isto é, se a mercadoria dentro em pouco, vai ficar mais barata ou se há no mercado, outra superior pelo mesmo preço); quanto a esses dois pontos, vale a velha máxima caveat emptor, ‘cuide-se o comprador’". [18]

No mais, o dever de informar já era citado no Código Civil de 1916 em seu artigo 94, mesmo que de maneira genérica vez que "nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa (...)". O dolo nos negócios jurídicos, como meio ou artifício de provocação do erro constitui ato ilícito, e mesmo acidentalmente acarreta a possibilidade de perdas e danos (art. 93 do CC/1916).

Arrematando o elenco ora proposto, cuidamos deixar assentado o dever de não abusar. Nos contratos, há sempre uma gama de interesses das partes negociadoras cuja harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. No exercício dos direitos que são frutos das possibilidades legais da liberdade e da vontade individual, o sujeito da relação não deve utilizar-se de uma posição de ascendência técnica, financeira ou de qualquer outra para beneficiar-se na relação através do prejuízo da parte alheia. Outrossim, ocorrerá abuso do direito quando uma certa faculdade seja exercida em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social [19].

Antes do CDC e do atual pergaminho civilístico, o abuso do direito, como ato ilícito gerador de responsabilidade, ocorria como um princípio implícito decorrente da exegese e da análise a contrario sensu do art. 160 do CC. Porém com o novo Código Civil o dispositivo se aclara, consagrado que está o princípio no art. 187 rezando que "também comete ato ilícito o titular do direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". O diploma de proteção do consumidor já havia dedicado uma seção as práticas abusivas (Seção IV, Cap. V) sendo que nesta apenas os incisos I usque V do art. 39 dizem respeito a fase pré-contratual.

Necessita o contratante, portanto, de observar este dever de não abusar, para evitar a nulidade dos atos e as indenizações, conseqüências de seu ato violador.

A última temática que devemos ter em atenção quando deste momento é a responsabilidade causada pela rutura abusiva das negociações. Diversos são os autores que indicam que o rompimento injustificado das tratativas iniciais é causa de responsabilidade pré-contratual. Entre eles, assinala Orlando Gomes [20] que "se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas para possibilitar a realização do contrato, e depois, sem qualquer motivo, põe termo às negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que sofreu".

A grande dificuldade quanto à responsabilização por dano causado pela desistência de contratar refere-se à diferenciação entre quando esta decorre da plena utilização das faculdades legais ou quando decorre do abuso do direito de livre contratação.

Assim faz-se mister que o estágio das preliminares da contratação já tenha imbuído o espírito dos postulantes da verdadeira existência do futuro contrato [21] para que seja caracterizada a responsabilidade pelo dano, explicitando aquelas posições concludentes já ventiladas. Mesmo neste caso, é de se considerar que o desistente pode ter motivos relevantes para a abdicação, v.g., morte de parente próximo ou falta de idoneidade quanto ao outro contratante. Deste modo, a apreciação não pode ser generalista, mas específica para cada evento concreto.

Há que se inolvidar, ainda, que a legislação não explicita nenhum dispositivo quanto à rutura das negociações. Inclusive o CDC se revela omisso em relação ao tema, pelo que se haverá de socorrer no princípio geral de boa-fé objetiva para a argumentação do instituto em questão. Isto porque a responsabilidade decorrente da quebra repentina das tratativas funda-se na teorização da quebra da confiança como justificativa para a imputação do dano, alternativa intermediária entre a tradicional dicotomia da responsabilidade civil como resultante do contrato ou do delito.

Esta greta abismal, no âmbito do Direito do Consumidor, pode se dar tanto por parte do fornecedor, quanto do consumidor. Elucidativa a hipótese do pedido de reserva de produto, antes de qualquer contrato. O consumidor que desperta a confiança do fornecedor, e seguidamente a frustra, não indo buscar o produto, pode causar prejuízo; o fornecedor, por sua vez, se promete a reserva e depois não a logra, também pode causar dano ao consumidor. Esta base casuística será esboço para a justa apreciação do magistrado.

Por último, incumbe a ressalta de que não cabe propositura de uma ação de obrigação de fazer para que o desistente conclua o contrato, vez que, sendo a desistência de concluir o acordo lídima faculdade do que o propõe, a responsabilização não pode implicar efeitos de suplemento volitivo (diferente da adjudicação compulsória possível na promessa de compra e venda de imóvel). A quaestio se resolverá, outrossim, em perdas e danos.


7. OS DEVERES ESPEFÍCIFOS NA FASE DA OFERTA

Pelo já concebido, temos o contrato tal qual um processo, em que se perfazem etapas com seus diversos graus de importância. Daí, vê-se que na fase prévia à sua celebração dispõem-se o momento anteriormente analisado (negociação) e aquele que é, destarte, objeto de análise neste ponto.

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Trata-se do período de oferta, que enseja igualmente certos deveres cujo inadimplemento, pautando-se no quesito da boa-fé objetiva, engendra uma conseqüente imputação por se constituir numa violação da expectativa ora traçada. Noutras palavras: gera aquilo a que nos temos referido na análise em tela: a responsabilidade pré-contratual.

Pelo caráter tecnicamente mais elaborado, e pela abrangência mais bem estruturada, continuaremos circundando o presente tópico prioritariamente à perspectiva do Código de Defesa do Consumidor (o que não nos retira da seara privativo-jurídica, que nos interessa).

Capta-se da Lei 8.078/90 que a oferta se assegura como uma proposição encoberta por elementos informativos ou disponibilizadores acerca de produto ou serviço, de alguma forma perpassada ao consumidor, fazendo este crer ter a sua frente uma intenção negocial a que conjuntará sua vontade. Isto é, vemos, outrossim, nesta definição dois âmbitos distintos de análise, equiparados e encampados por este momento da fase pré-contratual: a informação e a publicidade.

Ao nos referirmos sobre essa imputação ocasionada pelo dever constante da relação contratual em nosso momento anterior, haveremos sobressaltada a exigência de escorreição na veiculação de características de um bem economicamente apreciável. Contudo, a este dever de informação (que possui graus de austeridade diversos, conquanto variada seja a necessidade de apresentar a informação mais ou menos veemente [22]) passamos, por ora, ao dever da publicidade precisa.

Como insculpido no art. 30 e segs. do CDC, a oferta, anunciada em concomitância de prestação de informação ou de publicidade (a que se equipara), vincula o fornecedor àquilo que foi objeto da veiculação, visto que a oferta nos moldes apresentados integra, como expresso em Lei, o contrato próprio, mesmo que não se o tenha ainda celebrado.

Disto, não se nos mostra incoerência alguma, pois que tampouco se perdeu o espírito do texto (e vide para isso, i.e. sobre esta ampliação de abarcamento, o fato de que a veiculação pode atingir inclusive os consumidores equiparados de que fala o art. 29), como, ainda, que se buscou pautar pela idéia da norma de comportamento traduzida na expectativa em relação à conduta alheia, decorrente duma série de ilações a que tal esperança conduzia. Se o fornecedor (ou promitente, no Código Civil) se vale de elementos que além de informativos se mostram persuasivos (o que é definitivamente feito na publicidade), a expectação inculcada no receptor da mensagem gera, via de conseqüência, a obrigação de assim se conduzir como veiculou, nos quadros da pretensão dimanada. E não se enfadonhe o leitor ao perceber que toda a matéria se arrima, sobremaneira, no aspecto da confiança negocial.

Percebamos, assim, a circunscrição aqui proposta. Não há cogitar identidade sobre informação e publicidade, muito menos entre esta e a propaganda. O que se entende pelo dever de informar é a exigência de bem prestar, à ciência da outra parte, as características de premente explanação relativamente ao objeto do contrato. Diferentemente, havemos na publicidade, condutora da oferta (como aqui nos apraz em interesse), uma informação de vista persuasiva que busca engendrar uma vontade de contrair uma relação jurídica destinadamente econômica pela outra parte. E para efeitos de delimitação, asseguramos ser a propaganda uma veiculação qualquer de idéia que se pretende difundir [23].

Acontece que a conjuntura da oferta é francamente objetiva, e, em decorrência da rutura na expectativa e da frustração, aliados a todos os quesitos materiais inseridos, sujeita-se o violador do dever de diligência ao ressarcimento das perdas e danos (neminem laedere). E tal idéia se amplia, fazendo com que nela se busque a exigência de escorreição naquilo que é passado ao consumidor/contraente, e que visa a convencê-lo da firmação do acordo.

Não é outro, pois, o fundamento dos quesitos prescritos ao longo dos artigos 31/35 do CDC, pois que se gera, destarte, a obrigação de o contratante seguir aquilo que veiculou, bem como também se afere do artigo 427 do NCC e do 1.080 do Código Civil de 1916 ("A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.").

Com efeito, a mostra do produto ou serviço, em caráter que visa a construir no potencial contratante um desejo consumista - i.e., a publicidade -, não se resume a elaborações metajurídicas. Inversamente, possui princípios que se encontram, inclusive, regrados em vários sistemas normativos [24], e que a tornam prenhe de higidez ética. Assim, pode-se citar, a título de exemplo, o princípio da identificação, pois que sendo um composto instigador da vontade de celebrar, a publicidade há de se reger pela diretiva da referência inequívoca ao produto ou serviço. Pauta-se, outrossim, pelo termo geral da vinculação contratual, cabendo que, como já se teve dito, a veiculação obriga o fornecedor às condicionantes apresentadas. Subordina-se, alfim, peremptoriamente ao princípio da veracidade, visto que, como se vê no artigo 31 do CDC, há que constar de informações corretas, claras, precisas e ostensivas.

Não nos cabe aqui exaustar as vicissitudes da conduta humana que se pode traduzir em desvio acerca da precisão, veracidade e escorreição da publicidade [25]. Seja enganosa, seja abusiva (nos termos do artigo 37 e §§), importa a nós que tal comportamento é hipótese/condição duma sanção jurídica, pois socialmente repugnante. Ressaltemos que o asseveramento da exigência deste dever pode descambar, inclusive, ao mais ofensivo gravame judicial previsto nos ordenamentos: a pena [26].

Inobstante as querelas a respeito de possíveis recomendações extrajurídicas, e saneamento dos vícios (como a contrapropaganda), que são de relevância mas neste apontamento descabidas, o que se quer propagar é o fato de que nos Sistemas Normativos corre, paralelo à liberdade de expressão, o direito dos demais indivíduos a não serem engabelados. O fornecedor/promitente expressa, em seu intuito lucrativo, o que quer, e pelo que disse se vincula. Daí que, mesmo estando em matéria pré-contratual, reconhece-se o alcance do dever de reparação ou compensação, conseguinte ao afronte, inclusive pelos danos futuros e pelas ocasiões frustradas com a quebra da confiança [27].

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Sobre os autores
Bruno Felipe Arribas

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Diego Gomes

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Mariana Dantas de Paula

acadêmica da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Matheus Gama Correia

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRIBAS, Bruno Felipe ; GOMES, Diego et al. Apontamentos acerca da responsabilidade pré-contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4152. Acesso em: 23 dez. 2024.

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