7– Dos Efeitos da Sentença: a apreensão e a destinação de bens confiscados e a perda da nacionalidade
O presente capítulo trata especificamente dos efeitos da sentença, iniciando pelo art. 46 que dispõe: "Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica."
A lei permite que, "havendo possibilidade ou necessidade da utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, logo após a instauração da competente ação penal, observado o disposto no § 4º deste artigo."
"§ 2º Feita a apreensão a que se refere o caput, e tendo recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade policial que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público.
"§ 3º Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
"§ 4º O Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade policial, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas operações de prevenção e repressão ao tráfico e uso indevidos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica.
"§ 5º Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos nos §§ 1o. e 4o., o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.
"§ 6º Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal.
"§ 7º Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, intimará a União, o Ministério Público, a Secretaria Nacional Antidrogas – Senad e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias.
"§ 8º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão.
"§ 9º Realizado o leilão, e depositada em conta judicial a quantia apurada, a União será intimada a oferecer, na forma prevista em regulamento, caução equivalente àquele montante e os valores depositados nos termos do § 2º, em certificados de emissão do Tesouro Nacional, com características a serem definidas em ato do Ministro de Estado da Fazenda.
"§ 10. Compete à Secretaria Nacional Antidrogas - Senad solicitar à Secretaria do Tesouro Nacional a emissão dos certificados a que se refere o § 9º.
"§ 11. Feita a caução, os valores da conta judicial serão transferidos para a União, por depósito na conta do Fundo Nacional Antidrogas - Funad, apensando-se os autos da alienação aos do processo principal.
"§ 12. Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo." Observa-se, contudo, que em sede de Mandado de Segurança pode-se perfeitamente ser concedida, liminarmente, uma ordem para cassar ou sustar as medidas apontadas nestes parágrafos. Ada, Scarance e Gomes Filho esclarecem que "no curso da demanda surgem com bastante freqüência atos jurisdicionais ilegais, cuja execução é apta a provocar dano irreparável a uma das partes. E a existência de recurso contra esse ato pode não ser suficiente para evitar o dano, quando a impugnação não tiver efeito suspensivo. Nesses casos, o único meio capaz de evitar o dano é o mandado de segurança, notadamente pela suspensão liminar do ato impugnado. Pode-se afirmar, portanto, que, se o writ não pretendia, inicialmente, ser instrumento de controle de atos jurisdicionais, as necessidades da vida judiciária acabaram levando-o a preencher essa finalidade." [62]
O art. 47 dispõe, in verbis:
"A União, por intermédio da Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, poderá firmar convênio com os Estados, com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção, repressão e o tratamento de usuários ou dependentes, com vistas à liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas de combate ao tráfico ilícito e prevenção ao tráfico e uso indevidos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas ou que causem dependência física ou psíquica."
Já o art. 48 estabelece que "ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível e sobre o levantamento da caução." Evidentemente que estes efeitos secundários da sentença não poderiam jamais ser automáticos, exigindo-se a devida e indeclinável fundamentação. Aliás, neste sentido, é o disposto no art. 92, parágrafo único do Código Penal.
"§ 1º No caso de levantamento da caução, os certificados a que se refere o § 9o. do art. 46 serão resgatados pelo seu valor de face, e os recursos para o respectivo pagamento providos pelo Fundo Nacional Antidrogas.
"§ 2º A Secretaria do Tesouro Nacional fará constar dotação orçamentária para o pagamento dos certificados referidos no § 9º do art. 46.
"§ 3º No caso de perdimento, em favor da União, dos bens e valores mencionados no art. 46, a Secretaria do Tesouro Nacional providenciará o cancelamento dos certificados emitidos para caucioná-los.
"§ 4º Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que não foram objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da União, serão apropriados diretamente ao Fundo Nacional Antidrogas.
"§ 5º Compete à Secretaria Nacional Antidrogas – Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União.
"§ 6º A Secretaria Nacional Antidrogas – Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato cumprimento ao estabelecido no § 5º."
A Seção II deste capítulo cuida da perda da nacionalidade. O primeiro artigo foi vetado. Ele dispunha que seria "efeito da condenação perder o naturalizado, condenado por infração aos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a nacionalidade brasileira. O juiz, transitada em julgado a sentença condenatória, oficiará ao Ministro da Justiça para o cancelamento da concessão da naturalização." Vetou-se porque "o art. 12, § 4o., I da Constituição Federal, que dispõe sobre a perda da nacionalidade, dá um tratamento diferenciado a questão. A Lei Maior prevê que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional. É claro que o tráfico de drogas é uma atividade contrária ao interesse nacional. A perda da nacionalidade, todavia, ocorrerá por processo administrativo declaratório, após a decretação judicial do cancelamento da naturalização. Esse processo judicial admite contraditório. O contraditório pode, até mesmo, abarcar questões que envolveriam suposta apatridia em caso de perda da nacionalidade brasileira, caso essa seja a única que possui o indivíduo. A apatridia é fortemente condenada pela Comunidade Internacional e há diversos instrumentos jurídicos internacionais comprometendo os países a evitá-la. O problema do artigo é que atribui uma automática perda da nacionalidade a quem for condenado. Essa perda seria mero efeito da condenação por tráfico. Isso, ao nosso ver, contraria o disposto na Constituição Federal acima mencionado. Quanto ao parágrafo único, este não apresenta problema, já que é o Ministério da Justiça o responsável pela solicitação de processo de cancelamento da naturalização no caso de atividade contrária ao interesse nacional, entretanto, o dispositivo já se encontra regulamentado pelos arts. 23 a 34 da Lei nº 818/49. Razão pela qual também não merece prosperar."
O art. 50, porém, sobreviveu: "É passível de expulsão, na forma da legislação específica, o estrangeiro que comete qualquer dos crimes definidos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, tão logo cumprida a condenação imposta, salvo se o interesse nacional recomendar a expulsão imediata." Atente-se que a expulsão depende de um inquérito sumário a ser instaurado pela Polícia Federal, assegurando-se ao expulsando, excepcionalmente, o direito de defesa (art. 71 da Lei nº. 6.815/80). Nesta hipótese, como diz Tourinho Filho, "o inquérito é mesmo contraditório, obrigatoriamente contraditório." [63]
8 – O Capítulo VII – Da Cooperação Internacional
Foi vetado também todo o CAPÍTULO VII que tratava da Cooperação Internacional (arts. 51 e 52), in verbis:
"Art. 51. Preservadas a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o Governo brasileiro, observadas as disposições da Convenção das Nações Unidas de 1988 contra o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e às drogas que causem dependência física ou psíquica de entorpecentes, prestará cooperação a outros países, sem ônus, quando solicitado a:
I – colaborar na produção de provas;
II – realizar exame de objetos e lugares;
III – prestar informação sobre pessoas e coisas;
IV – colher o depoimento de testemunhas;
V – prestar outras formas de colaboração permitidas pela legislação em vigor.
§ 1º A solicitação de que trata este artigo será dirigida ao Ministério da Justiça, via Departamento de Polícia Federal, que a remeterá, quando necessário, à apreciação do Poder Judiciário para decidir a seu respeito, ou a encaminhará à autoridade competente.
§ 2º São requisitos da solicitação:
I – o nome e a qualificação da autoridade solicitante;
II – o objeto e o motivo da solicitação;
III – a descrição sumária do procedimento em curso no país solicitante;
IV – a especificação da assistência solicitada;
V – a documentação indispensável ao esclarecimento da solicitação, quando for o caso.
Art. 52. Para a consecução dos fins fixados nesta Lei, será instituído e mantido sistema de comunicações apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de informações sobre o tráfico de produtos, substâncias e drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica com órgãos congêneres de outros países."
Eis as razões do veto: "O artigo apresenta vários e graves problemas. Primeiro, remete a cooperação judiciária a questões de ´bons costumes´, expressão indefinida e que não acrescenta nada às hipóteses de concessão ou denegação de assistência judiciária. Em segundo lugar, elenca de maneira incompleta as formas de cooperação, excluindo, por exemplo, o bloqueio de bens e produtos do crime. Em terceiro lugar, o inciso V do art. 51 dispõe sobre outras formas de assistência previstas na legislação em vigor, sem mencionar, como deveria, dispositivos de instrumentos internacionais bilaterais e multilaterais existentes sobre o tema, que são muitos. A própria Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, prevê, em seu art. 7º e seguintes a assistência Judiciária Recíproca, de maneira mais ampla do que o que consta do projeto. O § 1º do art. 51 prevê o encaminhamento das solicitações de assistência pelo Departamento de Polícia Federal. Entretanto, em todos os acordos internacionais vigentes sobre o tema, é a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, indicada como Autoridade Central para o trâmite das solicitações de cooperação judiciária em matéria penal. O art. 52, isoladamente, não teria sentido. Fica prejudicado, portanto."
9 – As Disposições Finais
O Capítulo VIII trata das disposições finais, nos seguintes termos:
"Art. 53. As medidas educativas aplicadas poderão ser revistas judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do agente, do seu defensor ou do representante do Ministério Público.
"Art. 55. Havendo a necessidade de reconhecimento do acusado, as testemunhas dos crimes de que trata esta Lei ocuparão sala onde não possam ser identificadas." Dispositivo absolutamente dispensável, diante do art. 226, III do CPP.
O restante do capítulo foi vetado. Estabelecia:
"Art. 54. Os meios de divulgação manterão sob sigilo os valores atribuídos a drogas e equipamentos apreendidos."
Razões do veto: "Em que pese o elevado propósito da norma, seu acolhimento apresenta a impropriedade de não especificar quais os meios de divulgação que deverão manter sigilo sobre os valores atribuídos a drogas e a equipamentos apreendidos, além de não definir o tempo desta proibição. A amplitude da norma destoa da intenção do legislador. Poderia, ainda, gerar dificuldades na aplicação da norma, inviabilizando, inclusive, a divulgação de dados oficiais de interesse público."
"Art. 56. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17, 18 e 19, se caracterizado ilícito transnacional, caberão à Justiça Federal.
Parágrafo único. Se o lugar em que tiverem sido praticados for Município que não seja sede de vara da Justiça Federal, o processo e o julgamento referidos no caput caberão à Justiça Estadual, com interveniência do Ministério Público respectivo, com recurso para o Tribunal Regional Federal da circunscrição."
Razões do veto: "O disposto no art. 56 e seu parágrafo único ficam prejudicados em face do veto sugerido ao Capítulo III."
"Art. 57. Esta Lei será regulamentada em 90 (noventa) dias.
"Art. 58. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
"Art. 59. Ficam revogados a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, mantido o Sistema Nacional Antidrogas de que trata o art. 3º daquela Lei, e o art. 1º da Lei nº 9.804, de 30 de junho de 1999." As razões já foram transcritas acima.