Ementa: Artigos 49, 50 e 51 do Código Penal [1] e Artigo 164 da Lei de Execuções Penais [2] e sua interpretação constitucional e atual. Atualização da multa penal. Os critérios existentes e dentre eles o mais razoável. Posição da doutrina e da jurisprudência. Tendências de mudança. Necessidade de alteração legislativa.
INTRODUÇÃO
Levando em consideração os princípios constitucionais existentes, da legalidade, anterioridade da lei penal, da certeza e determinação das penas, do pleno conhecimento da sanção, do contraditório, da ampla defesa, da razoabilidade, da proporcionalidade, da irretroatividade dos efeitos penais maléficos e da interpretação benéfica - favor rei, tentar-se-á adjetivar, em uma linha, como seria a adoção atual das 10 posições colhidas por Alberto Silva Franco [3] na jurisprudência quanto ao início da incidência da correção monetária sobre a pena pecuniária e referidas por José Eulálio Figueiredo de Almeida em obra recente [4].
Não se quer criticá-las, vez que não se conhece o contexto nem as circunstâncias fáticas em que elas vieram à lume, somente se ateve à letra fria da página do repositório onde foi encontrada.
Antes de tudo, vale ressaltar que Damásio E. de Jesus [5], após afirmar sua posição, da extinção da correção monetária pelo Decreto-Lei nº 2.284, de 10 de maio de 1986, cita inúmeros julgados a favor de sua posição, embora reconheça que a posição prevalente é a da sua permanência. Frisa o eminente jurista que a manutenção do § 2º do artigo 49 do Código Penal é flagrantemente inconstitucional ferindo o princípio da legalidade. Abona sua posição com a doutrina de Ricardo Antunes Andreucci: "o importe final da pena de multa ficaria incerto, condicionado a inúmeros vetores, como as flutuações econômicas internacionais e nacionais, os cálculos técnicos a serem feitos por especialistas... e outros completamente alheios a autor." [6]
Cabe registrar aqui que já se afirmou sobre a revalidação expressa, confirmando a vigência do artigo 49, § 1º, do Código Penal pelo artigo 297 da Lei nº 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro, vez que posterior à Constituição Federal de 1988. [7]
Júlio Fabbrini Mirabete, que antes já se posicionara pela manutenção da correção monetária, somente excluindo o período de 28-2-86 a 28-2-87, por força da vigência do citado decreto-lei, que "proibiu a incidência da correção monetária em qualquer débito, sem executar [8] o disposto no dispositivo penal, traz agora em reforço à sua tese a Súmula nº 43 do STJ [9], os artigos 144, § 1º, do CTN [10] e os arts. 2º, § 2º, e 32 e seus §§ 1º e 2º da Lei nº 6.830/80 [11], aplicáveis por força das inovações oriundas da Lei nº 9.268, de 1º.4.1996.
Passemos à casuística jurisprudencial:
1ª POSIÇÃO: data do fato.
É a mais geral e amplamente aceita, é interpretação literal do artigo 49, § 1º, do CP, porém se revela um critério injusto.
Neste sentido:
"A correção monetária da multa deve ser aplicada desde a data do fato delituoso que ensejou a condenação, para assegurar, nos termos do § 2º, do art. 49 do CP, que o seu valor continue o mesmo, embora expresso em outro montante, em face da desvalorização da moeda."
2ª POSIÇÃO: 1º dia seguinte à data do fato.
É um entendimento isolado, sem justificativa plausível.
Conheça o único julgado citado neste sentido:
"Adoção do critério de dia-multa e de atualização monetária (art. 49 e §§) objetiva a revalorização da pena de multa, como está na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, e tal apenas se possibilita, ante os índices assombrosos da inflação, mediante incidência da correção monetária a partir do dia seguinte ao do delito."
3ª POSIÇÃO: data da sentença condenatória.
É uma posição intermediária, porém não encontra embasamento legal estrito.
Eis seus termos:
"O § 2º do art. 49, do CP, visa proteger o valor monetário da multa, quando da execução e, obviamente diz respeito à multa cominada na sentença. Esta, portanto, fixa o dies a quo para a correção monetária".
Conclui o julgado que eventual defasagem não poderia ser debitada à conta do réu, que não é o responsável pela corrosão monetária, a cujo pensamento acrescento nem pela demora do processo.
Quanto à delonga, pertinente é o trecho de decisão citada na mesma obra só que em outra rubrica, justificando o termo a quo após o fato-crime, a saber:
"...coarcta a flagrante injustiça, bem identificada por Silva Franco, que conduz à exacerbação da pena por motivos aos quais o acusado é manifestamente alheio (a demora natural do processo ou a demora na produção de provas de acusação).
4ª POSIÇÃO: data do trânsito em julgado para o réu.
Interessante, porém, gera desequilíbrio perante o Estado, vez que o réu se conformando com a sentença naquele patamar, teria sua pena aumentada da correção com a simples interposição de qualquer recurso pela acusação, o que prolongaria o término do processo.
Ostenta o seguinte teor:
"É a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória para o réu que a multa se torna certa e imutável, e conseqüentemente devida. Portanto, é a partir desse instante que se deve proceder à atualização monetária da sanção pecuniária."
5ª POSIÇÃO: trânsito em julgado para as partes.
Entendo ser a mais consentânea, é o momento de formação do título executivo.
Justificando a posição:
"A correção monetária somente passa a fluir do trânsito em julgado da sentença condenatória, quando a responsabilidade do réu se torna imutável e a multa devida e exigível, ou seja, quando a res judicanda se transforma em res judicata, alcançando a sentença a eficácia e autoridade como título executivo penal (art. 164 da LEP)."
6ª POSIÇÃO: 11º dia do trânsito em julgado ou 11º do "encerramento do processo"
Benéfica ao réu, porém não se sustenta por não se basear em lei expressa.
Veja o exemplo:
"Fixada a pena por sentença, sua atualização deverá ser feita a partir do momento em que ela for exigível, isto é, após esgotado o prazo de dez dias da intimação do sentenciado para seu pagamento. Antes disso, não estava o réu obrigado a pagá-la, até porque não saberia ele se seria condenado."
7ª POSIÇÃO: 11º dia da intimação.
Respeita literalmente o artigo 50 do Código Penal que aparentemente diverge do § 2º do artigo 49, que pressupõe a necessidade da execução.
Nesse diapasão:
"Inadmissível aplicar-se a correção monetária da pena pecuniária a partir da data do fato, vez que a atualização só é devida na execução, após a intimação para sua satisfação."
8ª POSIÇÃO: data da citação para a execução.
É injusta pois forçaria o pagamento imediato, desrespeitando os dez dias que são garantidos pela lei de execuções penais.
A propósito:
"Face a omissão da lei, deve ser adotada a posição mais benéfica ao condenado. Assim, a atualização monetária da pena de multa deve ser feita a partir da citação para execução e não do fato delituoso, pois neste momento o acusado não estava obrigado a pagá-la."
9ª POSIÇÃO: 11º dia da citação.
É a que seria mais consentânea por ser a que mais beneficiaria o réu, porém não tem apoio legal.
Vejamos:
"Ausente no artigo 49, § 2º do CP a indicação do termo a quo da correção monetária incidente sobre a multa, deve a atualização fazer-se a partir do 11º dia da citação a que se refere o art. 164 da LEP."
10ª POSIÇÃO: critério de atualização misto, utilizando o salário mínimo até a data da sentença e a correção monetária a partir dela.
É também um entendimento isolado, carente de justificativa plausível, que contraria disposição expressa "vigente ao tempo do fato" constante no § 1º, do artigo 49, do Código Penal, não sendo sustentável por ser uma construção forçada.
Apresentamos o seu teor:
"Desde o dia do fato até o dia do trânsito em julgado, a variação do valor da pena de multa, será corrigida pela variação do salário mínimo, ou melhor, a pena de multa aplicada terá por base de cálculo o valor do salário mínimo vigente na data do trânsito em julgado. A partir dessa data a atualização se fará pelos índices de correção monetária. Não se pode aceitar o argumento de que o condenado tem o direito adquirido de responder tão somente pelo valor da multa do dia do crime porque foi a esta pena que ele assumiu o risco de se submeter, e não a uma pena maior. Não se pode igualmente aceitar o argumento no sentido de que se o condenado soubesse que a pena era maior, talvez não tivesse cometido o crime. Estes argumentos contêm em si um erro de apreciação econômica, por desconhecerem que o valor da pena é exatamente o mesmo, embora seja expresso em cifras diferentes, pela desvalorização da moeda. Deixar-se de atualizar ou de corrigir a pena para montantes que mantenham o valor da condenação no dia do cometimento do delito, é aplicar-se ao fato punível uma reprimenda inferior à que foi estabelecida pelo legislador."
CONCLUSÃO
A partir da nova redação dada ao artigo 51 do Código Penal acredita-se que a situação pode se alterar.
Em primeiro lugar, porque poderá haver o reforço da 5ª posição, vez que o artigo agora é expresso que a partir do trânsito em julgado a multa será considerada dívida de valor, com a incidência de todos os seus consectários, ou seja, juros, multa de mora e logicamente a correção monetária.
Em segundo lugar, poderá decorrer mais uma corrente, numa evolução da 9ª posição acima, com a mudança na quantidade de dias, a saber:
11ª POSIÇÃO: 6º dia da citação.
Justificar-se-á que, devendo ser observado o rito das execuções fiscais para a cobrança do valor da multa, após a intimação para pagamento nos 10 dias no juízo penal, deve ela ser inscrita como dívida ativa da Fazenda Pública e, sendo de 05 dias, contados da citação, o prazo para pagamento previsto no artigo 8º da Lei nº 6.830/80 que rege a matéria, a partir do sexto dia é que o devedor estaria em mora e sujeita a sua obrigação à atualização monetária.
Aguardemos o passar do tempo e as decisões vindouras ou quiçá, eventual modificação legislativa com definição expressa do dies a quo para a contagem da correção monetária, para sabermos quem será o senhor da razão.
Notas
[1] Multa Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Pagamento da multa Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. (...)
Conversão da pena de multa e revogação. Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996).
[2]Art. 164 - Extraída a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora. (...)
[3]SILVA FRANCO, Alberto, et alii. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5ª ed., São Paulo: RT, 1995, p. 633/641, item 2.02
[4] Sentença Penal - Doutrina, jurisprudência e prática, refere serem nove, na verdade analisando-se detidamente o conteúdo de cada uma delas se encontra onze, ou doze se for considerada uma meramente terminológica.
[5]JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. 12ª ed. revista e atualiz., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 195.
[6]Pena de multa e o princípio da legalidade, in Pareceres de direito penal, p. 100, citado na obra acima.
[7]SOUZA NUCCI, Guilherme de. Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 2000, p. 165.
[8] (s.i.c. deve ser excetuar).
[9] MIRABETE, Júlio Fabbrini, Execução Penal, 9ª, ed, São Paulo: Atlas, 2000, p. 588.
[10]Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.
[11] Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. (...)
[12] Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
[13] Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:
I - na Caixa Econômica Federal, de acordo com o Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, quando relacionados com a execução fiscal proposta pela União ou suas autarquias;
II - na Caixa Econômica ou no banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.
§ 1º - Os depósitos de que trata este artigo estão sujeitos à atualização monetária, segundo os índices estabelecidos para os débitos tributários federais.
§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente.
[14] MIRABETE, Júlio Fabbrini, Código Penal Interpretado, 2ª edição, São Paulo, Atlas: 2001, p. 345.
[15] TJMS - AC - Rel. Gilberto da Silva Castro - RT 657/315. No mesmo sentido: RT 667/284, JTJ 151/164, BMJ 91/11, RT 667/282, RJD 16/54, RT 665/311, entre outros.
[16] TARGS - RA - Rel. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto - RT 698/414.
[17] TACRIM-SP - RA - Rel. José Santana - JUTACRIM 100/64.
[18] TACRIM-SP - RA - Rel. Costa Manso - RT 633/303 e RJD 2/32.
[19]TACRIM-SP - RA - Rel. Hélio de Freitas - RJD 1/38, JUTACRIM 97/54 e RTJE 55/262.
[20] TACRIM-SP - RA - Rel. Walter Tintori - BMJ 90/1 e RJD 9/36.
[21] TACRIM-SP - RA 532.867/6 - Rel. Celso Limongi.
[22] TACRIM-SP - AC - Rel. Raul Motta - RJD 16/118.
[23] TACRIM-SP - AC - Rel. Heitor Prado - BMJ 70/1 e RJD 2/30.
[24] TACRIM-SP - AC - Rel. Paulo Franco - RJD 18/31.
[25] TACRIM-SP - AC - Voto vencido: Pedro Gagliardi - JUTACRIM 96/41 e RT 634/304.
[26] Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996).
[27] Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 05 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
(...)