As deficiências do sistema prisional e da ressocialização no Brasil

08/08/2015 às 22:24
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Em tempos em que se discute a diminuição da maioridade penal é imprescindível conhecer as falhas do sistema prisional brasileiro e apontar soluções menos drásticas e mais realistas para o problema da criminalidade.

Resumo:

O presente trabalho tem a finalidade de estudar de maneira concisa o sistema prisional brasileiro provando por meio deste estudo a sua ineficácia no papel de ressocialização do detento, bem como de diminuir a violência. Para levar a bom termo este trabalho adotamos como metodologia de pesquisa leitura de produção bibliográfica relacionada ao sistema prisional e ao direito penal, autores clássicos tais como Cesare Beccaria, Michel Foucault, ou modernos como Rogério Greco e Fernando Capez. Na primeira parte do trabalho denominado Breve história da humanização das prisões, é realizada um análise histórica e linear das prisões falando sobre a House of Correction, o primeiro modelo prisional surgido na Inglaterra caracterizado pelas torturas e tratamento desumano. Falamos também nesse tópico sobre o processo de humanização das penas sendo Beccaria e seu Dos Delitos e das Penas, papel central, analisando brevemente a partir disso o Sistema Montesiano, Sistema Progressivo Irlandês, Sistema de Borstal, Sistema de Elmira, e principalmente o Sistema Progressivo Inglês que influenciou todo o mundo inclusive o Brasil mesmo que tenha sofrido adaptações. A segunda parte do trabalho intitulado Prisões e ressocialização no Brasil fará uma crítica ao modelo prisional brasileiro expondo estatísticas e conceitos que demonstram a falência do sistema prisional e a existência de problemas como superlotação, alto custo, e não regressão da violência. Propõe como solução para esse quadro a maior adoção de penas alternativas, e a implantação de políticas preventivas da violência.

Palavras- chave: Sistema prisional. Penas alternativas. Políticas públicas.

Abstract:

This work aims to study concisely the Brazilian prison system thereby proving its ineffectiveness in the role of ressocialização the detainee as well as reduce violence. To make a success of this work we adopt as a research methodology reading bibliographic production related to the prison system and criminal law, classical authors such as Cesare Beccaria, Michel Foucault, or modern as Rogério Greco and Fernando Capez. In the first part of the work called A Brief History of humanization of prisons, it is held one historical and linear analysis of prison talking about the House of Correction, the first prison model emerged in England characterized by torture and inhumane treatment. We also talk that topic on the process of humanization of penalties being Beccaria and his On Crimes and Punishments, central role, analyzing briefly from this the Montesiano System, System Progressive Irish, Borstal system, Elmira system, and especially the Progressive System English has influenced the whole world including Brazil even if it has undergone adjustments. The second part of the article entitled Prisons and ressocialização in Brazil will make a criticism of the Brazilian prison model exposing statistics and concepts that demonstrate the failure of the prison system and the existence of problems such as overcrowding, high cost, and no return of violence. It proposes as a solution to this situation the increased adoption of alternative sentences, and the implementation of preventive violence policies.

Key- words: Prison system. Alternative sentences. Public policy.

Introdução

     As recentes propostas de diminuição da maioridade penal que tramitam no Congresso Nacional e a ampla aprovação da sociedade brasileira desta Emenda Constitucional refletem o quão a sociedade teme a insegurança pública e simultaneamente o quão está sendo deturpada a solução para o problema, pois são poucos aqueles que tem consciência de que o aumento do número de prisões não tem sido fator de diminuição da violência.

É com o objetivo de investigar e propor uma solução para os conflitos que envolvem o sistema prisional que justifica-se a existência deste artigo que terá como problemática central analisar a proposta iluminista de ressocialização dos detentos e em contrapartida esclarecer que esta proposta no Brasil não é eficiente, pois há uma falência total do sistema prisional. Para comprovar tudo isso utilizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica partindo da leitura de autores clássicos como Cesare Beccaria, Michel Foucault a modernos como Rogério Greco, e Fernando Capez.

O trabalho é composto por duas partes complementares, na primeira delas intitulada Breve história da humanização das prisões, traçamos sucintamente uma linha temporal que vai desde o período da House of Correction da Inglaterra (século XVI) aos sistemas prisionais “humanizados”, tais como o próprio Sistema Progressivo Inglês que com algumas modificações ainda é utilizado na maioria dos países, incluindo-se o Brasil, tudo isso tendo o intuito de demonstrar como se deu a proposta de ressocialização dos detentos. Após, na segunda parte denominada Prisão e ressocialização no Brasil faremos uma crítica ao atual modelo prisional brasileiro, que não consegue cumprir com seu papel de ressocialização e sofre de problemas tais como superlotação, custos elevados e pouca eficiência no que tange a diminuição da violência. Por término, conclui-se que as prisões privativas de liberdade e seu uso em demasia não soluciona o problema da criminalidade, bem como a prisão não viabiliza o preso para o convívio pós cumprimento da pena, sendo preciso pois, a adoção de penas alternativas e políticas públicas de prevenção a criminalidade em substituição as penas privativas de liberdade e políticas repressoras.

  1. Breve história da humanização das prisões

Durante muitos anos as penas privativas de liberdade foram consideradas a solução para a diminuição da violência, tendo como função principal evitar a fuga do acusado. Em 1550 surgiu em Londres o modelo de prisão que intitulava-se House of Correction, um de seus objetivos era assegurar que o preso não fugisse antes que um julgamento provasse a sua culpa ou inocência. Passado o julgamento do detento ocorreria a execução da sentença. Se considerado culpado o réu cumpriria na prisão a pena determinada pelo juiz.

O modelo carcerário House of Correction tinha como característica torturas e total falta de respeito ao ser humano, todavia influenciou fortemente os modelos carcerários ocidentais tornando comum a tortura como forma de obter a confissão do acusado do crime que pressuponha-se ter cometido, e muitas vezes até mesmo de crimes do qual não era acusado, mas havia a mínima probabilidade de ter cometido.

Apesar da amplitude com que foi adotado o House of Correction, muitos pensadores já se revoltavam com a desumanidade das penas. Dentre estes, o mais conhecido foi Cesar Beccaria, autor da famosa obra Dos Delitos e das Penas[1], publicado em 1763. Este livro é considerado revolucionário em direito penal e possuía a intenção de lutar contra as penas degradantes e fazer crer que as penas deveriam ter um caráter de utilidade para a sociedade e para o homem, de modo que ela não servisse apenas para reproduzir o mal.

Dos Delitos e das Penas lançou novas diretrizes para os sistemas prisionais. Inspirados nesta obra surgiram sistemas prisionais nos Estados Unidos e na Europa que se tornaram os sistemas clássicos e mais difundidos no mundo a partir de então. Partindo da contribuição de Beccaria, formaram-se diversos sistemas prisionais pelo mundo. Citemos alguns[2]:

Sistema Montesiano: Idealizado por Manuel Montesinos y Molina na Espanha, tentou desenvolver um sistema humanitário de prisão e diferenciar-se dos demais sistemas, reduzindo o número de castigos, equilibrando o exercício da autoridade com finalidade pedagógica, e extinguindo o regime celular. Foi o primeiro regime progressivo a surgir.

Sistema Progressivo Irlandês- Deu origem ao que chamamos hoje de prisão aberta, visava preparar o detento para a vida em liberdade. Era permitida a prática do trabalho no campo e a conversação. Os presos não utilizavam uniformes. 

Sistema de Elmira: Criado em Nova York em 1869, era inspirado no modelo irlandês foi uma espécie de reformatório, desenvolvendo o trabalho em disciplina militar. Diferentemente dos outros sistemas, neste o detento recebia um provento para utilização após a condenação.

Sistema de Borstal: Um tipo de reformatório surgido na Inglaterra com fins morais, profissionais, e educativos, implantando o modelo aberto no país apoiado pelo governo e pela comunidade[3].

Até mesmo na Inglaterra o sistema foi implantado com sucesso, adotando o chamado Sistema progressista inglês (1840), tipificado pela existência de três períodos de progressão: período de prova, período de prisão comum, e período de liberdade condicional. Segundo Carlos Roberto Bittencourt[4] o Sistema (ou regime) progressista inglês privilegiava o bom comportamento do preso demonstrando assim as suas intenções reformadoras. Outro ponto interessante naquele sistema fora a sua reinserção do detento após o cumprimento de sua pena. Desta maneira pode-se dizer, que o Sistema progressista inglês tinha um duplo objetivo: Por um lado, buscava estimular que o preso aderisse as boas condutas durante o regime prisional, por outro, corrigir moralmente o detento para a sua vida após o cumprimento da condenação.

Apesar da quase universalização do sistema progressista inglês como sistema carcerário, já na década de 40 do século XIX se pensava algumas modificações no sistema, como por exemplo, o primeiro período do sistema começou a ter os contornos daquilo que modernamente entendemos como ressocialização ou recuperação social dos detentos agregando assim novos elementos a ideia inicial do sistema progressista. Salienta-se que mesmo com transformações o sistema progressista inglês ainda é utilizado em muitos países, inclusive o Brasil contemporâneo.

  1. Prisão e ressocialização no Brasil

A prisão tornou-se a partir do século XIX a principal resposta penológica fundamentada na ideia de que a prisão seria o meio mais eficiente para punir o infrator e realizar a sua reforma. Acreditava-se que desta forma seria combatida a criminalidade. Não se pode dizer que este quadro tenha se alterado bruscamente nos últimos anos, pois hoje a prisão ainda é amplamente utilizada em detrimento de penas alternativas. Contudo juristas e sociólogos fazem um grande questionamento em relação a pena privativa de liberdade, questiona-se também a eficiência do sistema de ressocialização. O constante aumento de prisões que não é acompanhado pela diminuição da criminalidade fornece um quadro pessimista em que a eficácia das prisões tradicionais torna-se criticável.

O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo tendo ultrapassado a Rússia em 2014, segundo dados do Centro Internacional de Estudos Penitenciários do King’s College da Inglaterra. Segundo reportagem do jornal Estadão[5] entre 2005 e 2009 a população carcerária aumentou de 361 mil para 473 mil detentos, o que significa um amento de 31,05%. Salienta-se ainda que a maior parte dos prisioneiros brasileiros são réus provisórios que aguardam por sentença judicial o que implica na superlotação das penitenciárias que faz com que estas instituições se tornem aglomerado de esquecidos pelo poder público e pela consciência coletiva.

Outro fator preocupante no que tange a superpopulação carcerária e sua ineficiência está o seu alto custo. Cada detento, em média custa ao governo R$1. 200,00. Caso fosse aplicada uma pena alternativa o custo poderia ser reduzido a um valor médio de R$56,00. Ou seja, investe-se uma alta quantia para financiar um sistema penitenciário que não produz os resultados esperados pela sociedade, quando este dinheiro poderia perfeitamente ser utilizado para o cumprimento de outras demandas sociais, tais como a saúde e a educação. Segundo as estatísticas do DPEN o custo estimado de alguém que cumpre a pena privativa de liberdade é equivalente à manutenção de 10 alunos da rede de ensino fundamental em escolas públicas. É sabido também que dentre os presos que cumpriram o regime fechado é de 75% o índice de reincidência, enquanto entre os infratores que cumpriram penas alternativas chega a apenas 4%.

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A partir destes dados é possível dizer que o sistema progressivo de prisão sofre com uma crise em grandes amplitudes que se relaciona com problemas internos da má administração do executivo, e por outro lado por problemas que se relacionam com a lentidão do judiciário, além do pouco uso das penas alternativas. A constante utilização das penas privativas de liberdade teria a priori as finalidades de punir o detento, de ressocializa-lo e de diminuir a violência na sociedade livre. Sabe-se porém, que dentre estes três principais objetivos apenas a punição do detento ocorre, pois conforme as estatísticas já mencionadas o índice de reincidência é muito alto o que reflete ainda a incapacidade de ressocialização do sistema penitenciário.

Conforme o jurista Gabriel Barbosa G. de Oliveira Filho[6] a sociedade tende a naturalizar o cotidiano e desta forma as prisões são consideradas pela comunidade como algo natural, banal quando na verdade não é um instituto que sempre tenha existido e como qualquer outro é passível de críticas e necessita de fundamentação que justifique a sua existência e sua finalidade. Essa naturalização das prisões leva-nos a crer que a pena privativa de liberdade é a punição mais eficiente e justa, a primeira opção para se reprimir os atos delituosos. Há nesse tipo de entendimento desconhecimento sobre a criminalidade, tanto quanto a causa que leva ao crime quanto as razões que levam a reincidência após o cumprimento da pena. Todo esse quadro de desmantelamento do sistema prisional nos leva a pensar novas alternativas que sejam mais eficazes no combate a criminalidade e que possam conferir maior eficiência ao sistema carcerário brasileiro.

  1. Considerações finais

O sistema penitenciário brasileiro, como comprovam estatísticas nacionais e internacionais sofre de uma grave crise de grandes dimensões. As penitenciárias estão superlotadas, a manutenção dos presos tem um custo bastante elevado, até mais que o dos alunos da educação fundamental, em contrapartida todo esse esforço não tem tido os efeitos desejados pela sociedade, tais como a redução da violência, a reinserção fraterna do preso ao convívio social. Enquanto as penas privativas de liberdade são adotadas com grande escala e não conduzem aos resultados desejados com grande índice de reincidência, as penas alternativas ainda possuem coisa adesão, mas se tem mostrado mais eficientes na ressocialização do detento, produzido um grau bem mais baixo de reincidência, além de espantosa redução de custos. É preciso, pois realizar um esforço conjunto que envolva todos os Poderes para traçar novas diretrizes para a prática punitiva penal do Estado, adotando-se mais as penas alternativas e menos as prisões privativas de liberdade. É preciso também aderir a práticas preventivas que ultrapassem a simples repressão estatal sem as quais não poderá se eficiente a longo prazo a diminuição da criminalidade.

  1. Referências.

 

 

 

 

 


[1] BECCARIA, Cesar. Dos Delitos e das Penas. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2006.

[2] PFALLER, Petra Silvia. Uma sociedade sem prisões? In: http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2012/07/Uma-sociedade-sem-pris%C3%A4es-Petra-Silvia-Pfaller.pdf.

[3] MITIURA, Viviane K; AMARAL, Marilda R. A. As penas privativas de liberdade. In: Intermas Unitoledo. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2061/2138 , Acesso em: 23/jun/2015

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000; p . 92.

[5] FORMENTI, Lígia. População carcerária cresce 74% no Brasil entre 2005 e 2009. In: O Estadão. Disponível em: http://m.brasil.estadao.com.br/noticias/geral,populacao-carceraria-cresce-74-no-brasil-entre-2005-e-2012,1699318?cidade=Bras%C3%ADlia,+DF, Acesso em: 26/jun/2015  

[6] OLIVEIRA FILHO, Gabriel Barbosa G. de. A origem e história das penas: o surgimento da pena privativa de liberdade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 119, dez 2013. 

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