Este semana atendi uma leoa travestida de mãe em meu escritório, em depoimento extremamente emocionado, num misto de amor incondicional e sede de justiça, me contou sobre os expedientes absurdos e desumanos dispensados à sua filha pela direção da escola em que estuda e de um punhado de pais de alunos, ditos normais, que acreditam, por preconceito e ignorância, que duas crianças diferentes não podem aprender juntas, brincar juntas e desenvolver conceitos de amizade, tolerância, companheirismo e amor ao próximo. Sua filha tem síndrome de Down. E daí?
Antes de qualquer comentário mais elaborado, é necessário que se esclareça: Síndrome de Down não é uma doença, é uma alteração genética. Normalmente, as pessoas com a síndrome apresentam a chamada “trissomia 21 simples”, que seria um cromossomo extra em todas as células de seu organismo. Nos cromossomos passados pelos pais, por algum motivo, haveria a repetição de um cromossomo. A cada ano, de 3.000 a 5.000 crianças nascem com Síndrome de Down em todo mundo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
E não há cura, simplesmente porque não é uma doença. Trata-se de um ser especial em suas diferenças. As pessoas com SD (síndrome de Down) andam, falam, correm, se relacionam, e, pensam...nem sempre com a velocidade da maioria ou com a velocidade que a maioria espera(...)
No prosseguimento à derrubada de falsas certezas, as pesquisas demonstram que a interação escolar entre crianças com SD com outras ditas “normais”, são benéficas a todos- sobretudo as que não tem SD, pois aquelas servem como exemplos de superação nos comportamentos e conquistas inerentes à idade, o que certamente contribui com o desenvolvimento social e emocional de todos os envolvidos.
Também me parece óbvio que capacidade de interação, de aprendizado e noções de urbanidade dependem diretamente da afinação do tripé pais, direção e professores. Aliás, cabe ao professor possibilitar atividades que privilegiem o aprendizado explorando as potencialidades individuais, mas observando de perto as potenciais diferenças, e, sobretudo, demonstrando e incentivando o intercâmbio de experiências em sua amplitude, porque é mágico o momento em que qualquer criança é surpreendida por conquistas que acreditavam há pouco não seriam capazes.
A Lei 7.853/89, em seu artigo 8º, determina que recusar a inscrição de um aluno em qualquer escola- privada ou pública- por motivos relacionados a qualquer deficiência, é crime. Além de receber uma multa, os diretores ou responsáveis pela escola que se negar a matricular pessoas com deficiência podem ser punidos com reclusão de um a quatro anos. (Artigo 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa: I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;).
Com o advento da Lei os dados do Censo Escolar demonstram que houve expressivo aumento nas matrículas de pessoas com deficiência na educação básica regular – turmas mistas, ou seja, que também estudam crianças sem deficiência. O número de alunos especiais matriculados também disparou de 196 mil para quase 700 mil entre 1998 e 2014 – uma expansão de mais de 250%. O percentual de estudantes com esse perfil em salas comuns saltou de 12% para 80%, nesse período. Também importante ressaltar que o aumento do número de professores com formação em educação especial foi expressivo, embora longe do ideal.
Com tudo isso, de maneira velada e com requinte de crueldade, diretores ainda criam um sem-fim de dificuldades para que crianças sejam matriculadas ou que permaneçam nas escolas. Impedir que uma criança tenha acesso à escola, é crime. Fere de morte o Princípio Constitucional da Igualdade. Mas impedir que uma criança tenha a oportunidade de ir à escola e interagir, confraternizar, desenvolver, trocar, aprender e ensinar, conquistar e ser incluída em uma sociedade plural, por natureza, é crime contra à coletividade, lastimável e execrável. É preconceito latente, e, este sim, doença antirrepublicana a ser combatida e estirpada. Coloquemos em prática a máxima que “A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”.
A vocês, pais e mães, que munidos do amor incondicional por seus filhos, lutam, sem medir esporços, por um olhar igualitário, minha solidariedade e meus mais profundos respeitos.