Na esfera das Ciências Penais, são identificados como modelos processuais penais os sistemas inquisitório, acusatório e misto, sendo certo que para a corrente majoritária, é adotado o sistema acusatório no Brasil.
A respeito do Sistema Acusatório, caracteriza-se como “todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz (...)” (FERRAJOLI, 2006, p. 519 e 520).
Portanto, basicamente, trata-se de um sistema onde o juiz, que utilizando de sua posição imparcial e distante das partes, vai buscar pela verdade baseando-se nas provas apresentadas.
Quanto à questão da validade da investigação criminal direta do Ministério Público nesse Sistema Acusatório, eis que há uma separação entre o juiz e a acusação, exigida pelo axioma A8 nullum iudicium sine accusatione do Sistema Garantista, assim como relata Ferrajoli (2006, p. 522):
Ela comporta não só a diferenciação entre os sujeitos que desenvolvem funções judicantes e os que desenvolvem funções de postulação e o conseqüente papel de espectadores passivos e desinteressados reservado aos primeiros em virtude da proibição ne procedat iudex ex officio – consignado ao órgão da acusação e a conseqüente ausência de qualquer poder sobre a pessoa do imputado.
Porém, esta acusação, que antigamente somente tinha caráter privado, ganhou função de prevenção geral dos crimes e assumiu também seu caráter público, antes através de ações populares e depois com a instituição de um acusador ou do Ministério Público. (FERRAJOLI, 2006, p. 523).
O processo penal, basicamente no sistema acusatório, nada mais é do que um instrumento garantista para as partes, que tem por intermédio o juiz imparcial que ali vai julgar e decidir. Porém, o Ministério Público faz o seu papel de fiscalizador da lei zelando pela ordem e cumprimento democrático das normas constitucionais.
Porém é importante observar que no âmbito da questão investigatória não se pode misturar uma relação entre o Parquet e as Polícias Judiciárias e Militares. O promotor não pode assumir sozinho uma investigação e excluir a Polícia Judiciária de seu papel fundamental, tornando, portanto, ilegítimo o papel investigatório direto do Ministério Público no sistema acusatório (Nucci, 2006, apud MACHADO, 2008).
Ainda em relação sobre a ilegitimidade do Ministério Público, relata Machado (2008):
Luís Roberto Barroso elenca, de forma sistematizada, os argumentos daqueles que se opõem à legitimidade do Ministério Público, quais sejam: (a) O art.144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma expressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. Cuida-se de exigência do devido processo legal a competência da polícia judiciária no procedimento investigatório criminal. (CF, art. 5º, LIII); (b) A Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII) e não de substituí-la; (c) O escopo do inciso VI do art. 129 da CF/88 está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa. O inquérito criminal é tratado em dispositivo diverso (VIII) e nesse ponto, a atuação do Ministério Público se limita à requisição de instauração do próprio inquérito e de diligências investigatórias; (d) A promoção da ação penal não engloba a investigação criminal. Não se aplica a lógica dos poderes implícitos; (e) Apenas uma emenda à Constituição poderia atribuir competência investigatória ao Ministério Público; (f) Em toda evolução histórica do Brasil a competência para realizar as investigações preparatórias da ação penal sempre foi da Polícia. As inúmeras tentativas de modificar esse regime foram frustradas; (g) A atribuição de competência investigatória pelo MP concentraria excessivo poder numa única instituição; (h) A concentração de atribuições prejudica a impessoalidade e o distanciamento crítico que o membro do MP deve manter no momento de decidir pelo oferecimento ou não da denúncia; (i) A ausência de disciplina legal, sujeita os envolvidos ao império dos voluntarismos e caprichos pessoais; (j) O Ministério Público já dispõe de instrumentos suficientes para suprir deficiências e coibir desvios da atuação policial.
Mesmo existindo, por outro lado, a possível legitimidade do Ministério Público em poder exercer diretamente uma investigação, como cita também Machado (2008), o Parquet não poderá decidir sozinho uma investigação sem a participação da Polícia Judiciária:
Segundo Luís Roberto Barroso outros argumentos podem ser sintetizados, a saber, (a) A Constituição atribui ao Ministério Público o poder de expedir notificações, tanto na esfera cível quanto na criminal, nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos pra instrui-los; (b) O sistema do art. 129 CF buscar fornecer ao MP autonomia para levar a cabo a apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia; (c) Várias normas constitucionais fundamentam a atribuição dessa competência ao MP, por exemplo, art.127, caput; art.129, II e IX; art.144, caput; arts. 1º, 3º, 5º; (d) A investigação pelo MP só será empregada quando estritamente necessária; (e) A atuação direta do MP pode conferir maior celeridade a atividade investigatória, pois, o contato pessoal com a prova facilita a formação de seu convencimento; (f) A atuação do Parquet é recomendável devido a sua independência em relação aos poderes estatais. Os problemas estruturais que envolvem as corporações policiais e o contato mais direto com a criminalidade, por vezes, resultam no envolvimento de policiais em casos de corrupção e de crime organizado.
Conclui-se, portanto, que no sistema acusatório e seu contexto, é válida sim a investigação do Ministério Público, porém esta será somente feita indiretamente com a função de um órgão fiscalizador das normas constitucionais e também atuando como auxílio nas atividades da Polícia Judiciária.
Para Ferrajoli “(...) o que se exige, (...) é a autonomia também do poder inquiridor em relação a qualquer poder ou condicionalmente, juntamente com a subordinação de uma polícia eficiente, profissionalizada e por sua vez imune às ingerências do Executivo ou de outros poderes (2006, p.525). Logo, infere-se que a participação do Ministério Público na investigação criminal na fase acusatória é autônoma, porém indireta, pois tal órgão não deve atuar sozinho e sim em colaboração com outros órgãos, como a Polícia Judiciária, desde a fase inquisitória, em que aí sim, atua diretamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Prefácio da 1. ed. italiana, Norberto Bobbio. 2. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
MACHADO, Ivja Neves Rabêlo. Sistema acusatório e investigação criminal pelo Ministério Público, 2008. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080429175221259#8>. Acesso em 24 abril 2010.