O instituto da delação premiada está tipificado no Código Penal, prevista como “confissão espontânea” nas circunstâncias atenuantes do artigo 65, III, “d”, que consiste na confissão espontânea e voluntária, na esfera do processo penal, do acusado que admite contra si a prática de algum fato criminoso de quem seja suspeito, com pleno discernimento diante da autoridade competente, como assim conceitua Guilherme de Souza Nucci.
A confissão espontânea, segundo Fernando Capez, é considerada um serviço à justiça, uma vez que simplifica a instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa. Para sua incidência, é necessária a confissão quando esta ainda não era conhecida, sendo irrelevante a demonstração de arrependimento, pois o intuito da lei é beneficiar o agente cooperador.
Este instituto também está previsto em sete leis que fazem referência a delação premiada: artigo 159 do Código Penal, sobre crimes de extorsão mediante seqüestro (Lei nº 9.269/86), artigo 8º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), artigo 16 da Lei 8.137/90 que trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, artigo 6º da Lei 9.034/95 sobre crime organizado, artigo 1º, parágrafo 5º da Lei 9.613/98 sobre lavagem de dinheiro, artigo 14 da Lei 9.807/99 sobre programa de proteção a vítimas e testemunhas e artigo 32, parágrafo 2º da Lei 10.409/02 sobre repressão a tóxicos.
Nota-se que o ordenamento jurídico é bem restrito quanto ao benefício da delação premiada, cada uma com suas peculiaridades e sem um regramento único. E como deslinde da questão, questiona-se a sua extensão para todos os outros tipos penais.
O objetivo do Estado em relação à delação premiada é que, através deste instituto, se estritamente necessário, ele possa exercer o seu dever de preservação de bens jurídicos mais relevantes e as violações mais graves agindo, assim, quando outros mecanismos do ordenamento não forem eficientes.
Ou seja, a delação premiada somente se justifica na renúncia de um direito que é o de punição do Estado quando opostamente houver a vantagem de preservar os bens jurídicos mais importantes.
Importante analisar seria quanto à extensão desse instituto para todos os tipos penais, pois se este é dado somente à situações restritas, mostra que o tratamento e aplicações devem ser especiais e não gerais. São crimes de maior confrontação que, talvez, saia tão somente do poder de punir do Estado. Ou seja, necessita da “colaboração” do acusado como meio de investigação.
Se extensivo à todos os outros tipos de crime tiraria a função ius puniendi do Estado que tem o direito-dever de punir infratores de condutas criminosas, onde também causaria ensejo aos abusos quando se tratar da delação premiada a tratando com irresponsabilidade.
Insta esclarecer que deve ser tratada com atenção as causas relevantes deste instituto, como os prêmios proporcionais, a veracidade das informações prestadas e sua checagem minuciosa, além da proteção eficaz do delator e sua família, como posiciona Luiz Flávio Gomes.
Por se tratar de um benefício tão delicado e que pode ser aplicado tão somente a “macro-criminalidade” o instituto da delação premiada não poderia se estender aos demais tipos penais, pois a finalidade do Estado é de cada vez mais se modernizar até chegado ao ponto de não utilizar-se mais da delação.
A delação premiada somente deve ter sua aplicação aos crimes que realmente possam formar um conjunto de delitos onde o seu combate tenha um especial interesse social, como aqueles praticados pelas organizações criminosas.
Diante de todo o exposto acima, conclui-se portanto, que perante o dever do Estado de punir e perante os benefícios da delação premiada que tem como instituto beneficiar o réu que colabora com as investigações, este deve somente continuar restrito aos crimes de maior potencial ofensivo aos bens jurídicos tutelados mais importantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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