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Redução da maioridade penal: hoje aos 16, amanhã aos 14 e, no futuro, no berço

03/09/2015 às 16:21
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Não é viável, do ponto de vista jurídico, analisar a redução da maioridade penal como uma resposta ao grave problema da violência, ou até mesmo uma questionável impunidade em nosso sistema jurídico.

 No Brasil e, mais acentuadamente, no mundo jurídico, o debate em torno da redução da maioridade penal ocupa vários espaços e produz opiniões das mais sortidas. Nos dias de hoje, em nosso País, um cidadão está apto a responder penalmente pelos seus atos a partir dos 18 anos de idade, porém, o tema da redução da maioridade penal sempre é assunto do dia. O debate ficou mais quente após a Câmara Federal recentemente aprovar o Projeto de Emenda à Constituição que reduziu a maioridade penal em dezesseis anos para alguns delitos, em especial os de natureza hedionda.

Quem defende a redução sugere a diminuição para 16 anos da capacidade penal do cidadão. Outras correntes defendem mudanças mais profundas, como o fim da idade mínima penal. Os críticos alegam que em nada adiantará tal medida, que apenas mudaria de foco o problema.

A redução da maioridade penal, com todo respeito a quem cogita diferente, é uma atitude ineficaz e a resposta errada e simplista para um debate verdadeiro e complexo que é a questão da violência. Ora, os que advogam tal tese aceitam expressamente (diferente de reconhecer; todos nós reconhecemos a derrota, aceitar é outra história) o fracasso retumbante do nosso Estado em prover políticas públicas primárias que possam estabelecer condições minimamente dignas aos nossos jovens, destacadamente os mais carentes.

Nesse texto esmiuçarei alguns pontos que acho de maior relevo sobre esse assunto, pois a completude dele se faz impossível no momento.

Não é viável, do ponto de vista jurídico, analisar a redução da maioridade penal como uma resposta ao grave problema da violência, ou até mesmo uma questionável impunidade em nosso sistema jurídico. Essas questões são solucionadas de outra forma, e não por meio de um recrudescimento legislativo. A história comprova a nulidade dessas medidas alentadora para as maiorias circunstanciais.

O foco para a solução viável para este problema é por meio de provimento de políticas sociais perenes e a presença de um Estado de Direitos e não um Estado que nega direitos, como o de hoje. Na medida em que o Poder Estatal se afasta do cidadão, outras forças terminam por cooptá-lo.

 Achar normal que o Poder Público proceda de maneira semelhante quanto aos marginais e que é mais importante a atuação da Secretaria de Segurança Pública, do que as de Saúde, Ação Social, Educação, dentre outras, é criar uma selva de miseráveis e não um projeto para salvarmos nossa juventude da desgraça em que se encontra hoje.

 A redução da maioridade penal leva justamente a isso, ou seja, o Estado lava as mãos de sua responsabilidade, criando, cada vez mais, mecanismos repressores. Em caso de êxito dessa equivocada política criminal, nossa população carcerária, que recentemente assumiu a terceira colocação no ranking mundial, explodiria ao ponto de desestruturar todo sistema prisional. Chegaríamos de fato àquela lamentável situação em que o Estado deveria deixar de construir escolas, para erguer presídios.

Antes de lançarmos mão de uma medida drástica dessas, temos que ter a consciência e a capacidade ampla para medirmos as consequências que isso trará ao País. A responsabilidade social e patriótica (a verdadeira e não aquela que os canalhas usam como refúgio) é de cada um. O que precisamos por aqui não é endurecimento aleatório das leis e sim a certeza de que, se o cidadão errar, vai ter que pagar, na forma da lei, pelo seu erro, com todos os seus direitos, entretanto, com todos os seus deveres muito bem assinalados e cumpridos.

 O que intimida não é a teoria das leis e sim a prática da punição justa e serena. Nós não precisamos punir mais, precisamos punir melhor, no sentido mais universal possível da palavra punição, não nos limitemos apenas às Penas Privativas de Liberdade, essas, com o nosso atual sistema carcerário, são patentemente cruéis e ineficientes; mas isso é assunto para outro artigo.

Todavia, deslocando um pouco o debate do campo emocional, e até mesmo de visão de mundo, faz-se mister desmistificar algumas inverdades pregadas como verdade pela grande mídia e setores comprometidos com a causa. O primeiro monstro que deve ruir é a questão de que, no Brasil, temos uma das menores responsabilidades penais do mundo. Essa informação é falsa.

A regra no mundo é que a responsabilidade penal se mantenha na esfera dos 18 aos 21 anos de idade; diferente do que se apregoa, a exceção é abaixo disso. Países como Espanha, Japão, Inglaterra e Alemanha, que outrora tinham adotado a redução, hoje debatem aumentá-la. Na Alemanha isso já foi posto em prática. O Uruguai,  recentemente, via plebiscito, derrubou a redução da maioridade penal. Ou seja, é errada a ideia de que “o mundo todo” tem a maioridade penal abaixo dos dezoito anos e que nós somos o país da impunidade.

A confusão nesse tema ocorre quando confundem, de maneira intencional até, “responsabilidade juvenil” com a “responsabilidade penal”. São dois institutos absolutamente díspares. O primeiro diz respeito à responsabilidade dos jovens e adolescentes ao cometerem atos infracionais, regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O segundo versa sobre a capacidade de um adulto ser punido pelos seus atos, acobertado pelo Código Penal.  A UNICEF, em documento datado de novembro de 2007, já repudiou essa confusão.

De forma desavisada, misturam esses conceitos e geram, de maneira proposital, o caos informativo. É bom que se diga: a responsabilidade juvenil, no Brasil, é uma das menores do mundo, que é a partir dos doze anos. Algo que viola as recomendações da Organização das Nações Unidas, emitidas por meio da Carta de Pequim, em 1985, e a Convenção sobre os Direitos da Criança 1989. Agride também a Constituição Federal, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), todos os compromissos internacionais que o Brasil é signatário, e o bom senso.

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Nossos adolescentes são exemplarmente punidos, sim! Uma medida socioeducativa pode chegar a três anos de completa reclusão, segundo o ECA. Se pararmos para pensar, um adulto só passará três anos em regime fechado se cometer, possivelmente, algum crime hediondo, dentro de uma progressão criminal normal. Há realmente impunidade? O jovem não pode ser o bode expiatório de uma onda de violência, onde ele, de acordo com dados do Ministério da Justiça, comete cerca de 1% dos delitos no Brasil.

Em suma, é isso: não faz nenhum sentido lógico querer reduzir a maioridade penal, sem que tenhamos um bom sistema de saúde, educação e, sobretudo, dignidade para todos nós. Sem esquecer de reestruturar o nosso falidíssimo sistema carcerário e fazer com que o cidadão se aproprie de que, ele errando, a Lei atuará sobre ele. Queiram ou não, esses jovens uma dia sairão de lá e voltarão para o convívio social.

Essa redução apenas mudaria o foco do problema, achando mais culpados, mais vítimas e matando, mais ainda, os inocentes, escondendo o débito estatal para com a população, até que um maldito dia, teremos que prender o nosso futuro no berço, pois, no Brasil, nunca se combate a causa, e, sim, o efeito. O Estado deve ser racional e exemplar. Educar sempre foi e sempre será muito mais eficiente do que punir.

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Sobre o autor
Iarley Maia

Bacharel em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Advogado criminalista, com foco voltado para os delitos cometidos contra a administração pública. OAB/PB nº 19.990. Funcionário Público. Consultor Jurídico. Autor de artigos voltados para a área de Direto Penal, Processual Penal e Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Iarley. Redução da maioridade penal: hoje aos 16, amanhã aos 14 e, no futuro, no berço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4446, 3 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42084. Acesso em: 22 nov. 2024.

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