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Reforma do Poder Judiciário, fatos históricos e alguns aspectos polêmicos

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06/10/2003 às 00:00
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5. ATUAL SITUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

5.1. As verdadeiras razões do caos no Judiciário

Diversas são as razões relacionadas à sobrecarga existente dentro do Poder Judiciário, sendo assim elencadas:

  • excesso na quantidade de processos;

  • excesso de recursos e

  • abusos protelatórios.

A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, diz no seu artigo 5º., inciso XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, garantindo a todos, peremptoriamente no dia-a-dia da prática forense, o direito à apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer que seja a demanda, prevalecendo o princípio do direito subjetivo do cidadão. Conforme alguns renomados juristas quando declinam suas opiniões sobre os grandes problemas no Poder Judiciário, afirmam ser esta uma das maiores razões da sobrecarga da nossa justiça.

Por outro lado, nunca se levou em consideração que outros fatores transformaram e levaram o Judiciário Brasileiro a esta situação caótica, como a falta de infra-estrutura, tanto do ponto de vista físico-pessoal e logístico, quanto a quantidade absurda de demandas nos Tribunais Superiores. Este problema, por sua vez, é provocado em grande parte pelo próprio Poder Publico, pela objeção e resistência muitas vezes infundadas e nem sempre justificadas às pretensões legítimas manifestadas pelos cidadãos de boa-fé, que se vêem compelidos em face ao comportamento inaceitável, arbitrário e protelatório dos Entes Públicos, os quais se utilizam inclusive de instrumentos de ordem "constitucional" criados para outras finalidades, a buscar a interferência do Poder Judiciário. Tal é o caso de algumas Medidas Provisórias exaradas pelo Poder Executivo, as quais praticamente obrigam os cidadãos ingressarem em juízo, a fim de ver o seu direito subjetivo assegurado, gerando, desse modo, uma desnecessária multiplicação de processos contra o Governo.

Claro está que alguns pontos mais delicados e urgentes devem ser resolvidos para que efetivamente haja um aumento na produtividade e conseqüentemente uma assistência jurisdicional mais adequada. Como exemplo, pode ser citada a criação de um mecanismo jurídico/processual que evite procedimentos meramente protelatórios e que impeçam a utilização de dispositivos e preceitos constitucionais para os fins que não sejam os amparados pela Carta Magna.

Com efeito, verifica-se que muitos advogados, inclusive os que labutam para o Poder Público, invocam e justificam de maneira antiética tais dispositivos e preceitos a seu serviço, como por exemplo, o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, de forma inescrupulosa, inconseqüente e irresponsável, com a única intenção de ganhar tempo, esquecendo-se que tais atitudes promovem prejuízos incalculáveis tanto para o Estado, bem como para grande parte da sociedade que não mais acredita na instituição: Poder Judiciário.

Tal fato foi comprovado com a matéria publicada 7 pelo Jornal do Estado de Minas que revelou o conceito do Judiciário junto a população, cuja pontuação foi considerada péssima. Em pesquisa, realizada pela Salles Inter-Americana de Publicidade, foi solicitada pela Escola de Magistratura de São Paulo. A população considerou a justiça como "antiquada", "acomodada", "lenta", "elitista", "sombria" e "ineficiente".

Portanto, essas situações provocam e contribuem em muito para a institucionalização tanto da impunidade, como da pseudo-injustiça.

Para solucionar tais fatos são necessárias medidas de cunho inibidor, que possam evitar definitivamente atitudes de comprovada má-fé, de argumentos infundados e descabidos, num "ping-pong" infernal, sem prejuízo das penalidades legais a serem aplicadas a quem as pratica.

Com a imposição de tais providências legais, certamente haveria uma atuação jurisdicional mais pronta e mais econômica para todas as partes envolvidas, inclusive para o próprio Estado.

O outro ponto fundamental para a solução da morosidade no Judiciário Brasileiro consiste em uma análise mais profunda nos dados levantados 8, os quais informam a principal esfera dos recorrentes. Vê-se que quase 61% dos recursos em tramitação no Supremo partem da União, seguido pelo INSS com 21,94% e pelo Estado de São Paulo com 11,59%. Realizada a soma, verifica-se que aproximadamente 95% de todas as demandas no STF e outros Tribunais Superiores são, de fato, oriundas do Poder Público. Outra questão a ser abordada diz respeito as ações e matérias já decididas anteriormente, inclusive sumuladas pelos Tribunais Superiores, que correspondem há aproximadamente a 80% das ações em trâmite nestas instâncias. O Poder Público insiste no inconformismo irracional e inútil, não se submetendo á jurisprudência dominante das Altas Cortes, provocando assim um delongar, prejudicial e desgastante dos feitos, procrastinando ao máximo a sua inevitável e tardia derrota, utilizando a tática de quem não tem o bom direito.

Não há como se contestar os dados aqui expostos. Estes procedimentos deploráveis se verificam na União, nos Estados e nos municípios. A justificativa alegada é da carência de recursos, o que, por sinal, já se tornou uma característica de governantes incompetentes e maus aplicadores de suas arrecadações tributárias.

Por tudo já exposto, não obstante o problema da morosidade e da quantidade de recursos, há de ser mencionada a questão estrutural, nascida com o advento da Constituição de 1988, cuja contribuição foi das mais significativas para este processo de desgaste.

Criou-se na Constituição Federal de 1988 uma nova abertura para que os cidadãos buscassem os seus direitos, sem no entanto preparar o Poder Judiciário, com estrutura apropriada, para suportar a demanda de processos que estariam por vir.

De maneira comparativa, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 foi para o Brasil, no que diz respeito ao Poder Judiciário, como a construção de um moderno Shopping Center, sem vias de acesso e de infra-estrutura, adequadas, causando um grande congestionamento e confusão.

Com tal comparação, verifica-se que não houve por parte dos Constituintes a preocupação, ou mesmo a previsibilidade, quanto às questões estruturais como, a quantidades de juízes e varas, de tribunais, de uma reformulação nos Códigos Processuais, Civil e Penal, nas aquisições e modernizações das juntas, varas e tribunais de todas as instâncias.

Certamente estes foram os principais pontos que levaram o Poder Judiciário a essa situação de caos.

5.2. Dados Estatísticos

Os quadros abaixo se referem ao quantitativo dos magistrados na primeira e segunda instância de alguns países, o que permite fazer um balizamento comparativo, pois os mesmos se encontram distribuídos como o exposto.

5.2.1. Dados Mundiais

País

Advogados

Juízes de Carreira

Promotores, Promotores da República, Magistrados Requerentes ou fiscais

Formados em Direito

Custo do Sistema Jurídico Oficial

População do País em 2001 / Milhões

Média Judicial

Alemanha

60.00

16.000

4.000

--

7% Orçamento

83

5.187

Itália

90.000

5.000

3.000

--

--

58

11.600

Espanha

--

3.00

1.400

--

--

40

13.333

Inglaterra

77.000

1.800

--

--

--

50

27.777

França

36.000

6.500

1.600

--

3.2% Orçamento

60

9.230

Japão

--

2.850

1.500

--

--

127

44.561

Holanda

--

1.500

450

--

--

16

10.666

USA

750.000

32.000

--

--

0,3% PIB 1,2% Orçamento

279

8.178

Brasil

500.000

12.801

8.400

1 milhão

9% orçamento 2,1% PIB

166

12.967

Portugal

--

1.515

1.087

--

1,2% Orçamento

10

6.600

5.2.2. Dados no Brasil 9

Magistrados judiciais

1º Grau

2º Grau

Total

Federal

900

140

1.040

Trabalhista

2.100

350

2.450

Militar Estadual e Fed.

47 + 48

17 + 9

121

Estadual

8000

1.190 (TA e TJ)

9.190

Total

--

--

12.801

Conclui-se que, comparando a quantidade de Juízes X População no Brasil, temos um Juiz para cada 12.968 (doze mil novecentos e sessenta e oito) brasileiros o que vale 0,0078% da população, enquanto que em Portugal este mesmo índice é de um Juiz para 6.601 (seis mil, seiscentos e um) portugueses o equivalente a 0,066%, ou seja, bem mais de 100% em relação ao Brasil.

Quando levado este comparativo para os Promotores a situação fica ainda mais gritante. No Brasil existe um Promotor para 8.400 (oito mil e quatrocentos) brasileiros o que vale 0,0051% da população. Já em Portugal os valores são de um Promotor para 1.087 (mil e oitenta e sete) portugueses, perfazendo um percentual de 0,011%.

Enquanto, temos um juiz para quase 13.000 (treze mil) habitantes, a média, na Europa, é de um para 3.000 (três mil) a 6.000 (seis mil) habitantes. Por sua vez, enquanto o Supremo Tribunal Federal julgou mais de 70.000 (setenta mil) processos no ano de 2001, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou menos de 100 (cem) causas em igual período e o Superior Tribunal de Justiça mais de 200.000 (duzentos mil), números de longe sem similar no âmbito internacional, sem se falar que as instâncias ordinárias estão igualmente super congestionadas.

Dessa forma, conclui-se, sem muito esforço, que há uma clara disparidade entre o Judiciário que o povo brasileiro tem, daquele que deveria ter, ágil, moderno, democrático e transparente e que todos almejam. No entanto, não se pode negar que muitos juízes encontram-se descontentes com tal situação. Clamam por mudanças, principalmente no tocante a estrutura logística, reivindicando melhores condições de trabalho, redução das cargas de processos, aumento do número de juízes e de assessores, inclusive reformas dos Códigos de Processos, que deles se acham reféns.


6. A PROPOSTA DE REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO

Após dez anos de uma lenta tramitação no Congresso Nacional, o projeto de emenda constitucional que trata da reforma do Poder Judiciário, cuja reta final se aproxima, seguiu para o Senado Federal.

Entre idas e vindas, algumas propostas razoáveis, outras disparatadas, algumas inócuas, outras não, apresenta-se agora um projeto que poderia ter sido mais audacioso, mais moderno, com maior transparência e democracia.

No entanto, deságua naquele que para muitos, é a reforma possível para o momento, mantendo pontos que ainda demonstram a sua característica conservadora.

Como já foi amplamente discutido, o Poder Judiciário está atualmente sofrendo, como todas as instituições do Estado hodierno, os mais diversos reflexos e impactos de um mundo que passa por processo violento de transformações, hoje, denominado de "GLOBALIZAÇÃO".

Sua estrutura atual tornou-se arcaica, antiquada, permaneceu conservadora, ainda com a mentalidade do Século XIX e, totalmente, inadequada aos anseios da sociedade.

Mesmo com todas as metamorfoses que assolam o mundo moderno, nas áreas tecnológica, no gerenciamento e administração com técnicas avançadas e dos padrões de comportamento humano, nenhum extraordinário e revolucionário processo de modernização, seja no campo da engenharia administrativa contemporânea, seja na evolução dos processos e decisões judiciais, nada foi efetivamente realizado, no intuito da modernização do Poder Judiciário.

Que se faz necessária à reforma do Judiciário, isso não se tem qualquer dúvida. Também como se pode afirmar que é este o único ponto de convergência entre as diversas correntes doutrinárias, políticas e jurídica envolvidas no processo. É um dos maiores desafios atualmente do mundo jurídico nacional.

Mas quando se entra nas especificidades e particularidades dos artigos e pontos mais polêmicos, começam as divergências que serão tratados neste trabalho.

Propõe-se então a discussão, e exposição de alguns pontos mais polêmicos da reforma do Poder Judiciário, que se encontra ainda no Senado Federal, sendo assim destacados:

  • 6.1 – processo de seleção e admissão de magistrados;

  • 6.2 – os critérios de promoção magistrados, as formas indicações e eleições nos tribunais;

  • 6.3 – órgão de controle externo do Poder Judiciário;

  • 6.4 – os efeitos da súmula vinculante.

6.1. Processo de Seleção e Admissão de Magistrados.

Outrora, a imagem que se via do Juiz era para muitos sinônimo daquela pessoa séria, sisuda, compenetrada, de um comportamento retilíneo, sempre de larga experiência judicante na sociedade e por isso mais idosos.

Hoje, com a evolução da sociedade, há uma inclinação na busca da modernidade, através de uma nova tendência para o ingresso na magistratura. O novo juiz necessariamente deverá ser possuidor de conhecimento jurídico e experiência forense, independentemente de sua idade.

Esta, portanto, é a visão manifestada pelos legisladores envolvidos no processo de reforma do Judiciário.

No entanto para que se possa analisar com mais clareza os fatos, são necessárias algumas observações mais profundas do referido trecho da reforma, agora exposto:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso público de provas e títulos realizado por entidade pública não pertencente à estrutura do Poder Judiciário, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público em todas as suas fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, cinco anos de atividade jurídica, computando-se para tal efeito, o tempo de efetiva realização de curso regular de escola oficial de magistratura, e observando-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (NR) 10

Observa-se que a grande preocupação recai sobre a formação intelectual, bem como a suposta presunção de que somente "n" anos de experiência em atividades jurídicas fará com que este Bacharel em Direito seja a pessoa que a sociedade tanto almeja como um bom Juiz.

Existem, entretanto, outros fatores que não foram objeto de observação, tais como: aspectos psicológicos e morais da personalidade do candidato a juiz que, por força de suas atribuições decidirá sobre a vida do cidadão e das relações sociais.

Vê-se hoje que alguns magistrados, mesmo em minoria, por uma má formação moral, por despreparo, por falta de maturidade, as vezes por não saber lidar com o poder, transformam-se em verdadeiros tiranos 11.

O cargo assumido lhes sobe à cabeça, maculando a honrosa função de julgador. Felizmente, não é a maioria.

Tal característica definiu muito bem o Ilmo juiz do TRF da 1ª Região, Dr. Eutáquio Silveira, quando disse

Não há pior juiz do que aquele que busca a notoriedade. Que só decide pensando na repercussão favorável que a sua decisão terá na mídia e, com esse objetivo, pratica todas as ilegalidades e abusos imagináveis, passando ao largo da lei e da ordem jurídica. Magistrado como esse não pode exercer a função que exerce, não está preparado para representar o Estado na sua atividade jurisdicional. Deve ser excluído dos quadros da Magistratura, porque a ela desserve.

Cabe salientar que, em se tratando de uma reforma, poderia o legislador ter tido uma maior precaução a respeito da questão relativa à experiência profissional, ao exigir do candidato ao cargo de magistrado pelo menos alguns anos de efetiva atividade advocatícia, e não tão somente atividade jurídica. Dessa forma, o exercício da advocacia por um período mínimo de 3 anos, deveria ser um requisito para aos que almejam um cargo de juiz, tanto pelo fato da experiência propriamente dita, quanto para melhorar o relacionamento entre juízes e advogados.

Isso não significa que os Bacharéis em Direito, que exercem atividades jurídicas a mais de 5 anos, conforme proposta da PEC 29/00 no seu art. 93, inciso I, não detenham a mesma condição intelectual. Mas o que não se pode negar é que o fato de ter estado do outro lado, sentindo de perto todas as dificuldades enfrentadas durante as atividades advocatícias, torna essa experiência de fundamental importância para a formação de bom magistrado.

Outro ponto que deve ser observado trata do "Curso de Formação à Magistratura", que para muitos deveria acontecer imediatamente após sua aprovação no Concurso. Todavia, este deveria ser um pré-requisito para a admissão no cargo de juiz e não após a investidura no mesmo.

O Curso de Formação deveria ter característica de Mestrado, com duração mínima de 2 anos e estaria subordinado ao Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público e OAB, com apoio da Escola de Magistratura, que determinariam a estrutura acadêmica do referido curso, podendo inclusive solicitar suporte das Universidades.

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Quanto ao ingresso no Curso de Formação, este seria através de processo seletivo de provas e títulos.

Algumas indagações foram feitas relativas a tal proposta, afirmando-se inclusive que sendo o Curso de Formação um pré-requisito para o ingresso na magistratura, traria consigo a exclusão de alguns em favor de outros mais abastados, podendo imperar o Nepotismo.

Ora, partindo do pressuposto que tal Curso teria organismos envolvidos em sua criação e coordenação, como o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e OAB, com apoio da Escola de Magistratura, seria o mesmo que afirmar que o nosso Judiciário é formado exclusivamente por maus juízes. O que não é verdade.

Quanto aos recursos para financiamento do Curso, uma parcela seria proveniente das taxas processuais, no caso específico do Ceará do FERMOJUR, sendo o restante das despesas pagas pelos próprios alunos.

Outra preocupação que surge, versa sobre a vitaliciedade do juiz em início de carreira. Coloca-se em dúvida se é uma garantia do juiz ou do jurisdicionado. Se a garantia é do juiz, é correto que o mesmo não pode se beneficiar sem antes provar a sua competência e presteza, inclusive a sua postura vocacional para o cargo. Por outro lado, sendo esta garantida ao jurisdicionado, fica complicado entender como poderia existir juízes vitalícios e não vitalícios exercendo as mesmas funções. Neste caso, alguns jurisdicionados vão se beneficiar dessa garantia e outros não, por uma mera questão de sorte e tempo, pois é desta forma que hoje está posto.

Fazendo-se uso das sugestões do Professor Candido Albuquerque 12, posteriormente à aprovação no Concurso, o aspirante a juiz trabalharia e seria remunerado, passando por um processo de adaptação, ou seja, um período de estágio probatório de 1(um) ano, na sua futura Comarca, para adquirir a vitaliciedade, bem como para conhecer as particularidades do local onde deveria exercer suas funções judicantes.

De outra forma, sendo o Curso de Formação um pré-requisito para o Concurso para Magistratura e o Estágio Probatório como requisito básico para admissão do Juiz, pode-se assim justificar;

1º - estaria o Juiz dentro do pressuposto de maturidade e intelectualmente pronto para o exercício da função;

2º - a vitaliciedade deixaria de estar vinculada à obrigatoriedade do cumprimento do tempo de 3 (três) anos, conforme a proposta que se encontra na PEC 29/00 (art. 95, inciso I, do Senado Federal), ficando unicamente atrelada ao desempenho e aos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência do aspirante a magistrado durante 1 ano de estágio probatório em sua Comarca.

Por fim, fica assim automaticamente resolvido a questão relativa a idade do futuro Juiz, que por força das exigências estaria assumindo as suas funções próximo dos 30 (trinta) anos, pois conforme média histórica se conclui o Curso de Graduação ou Bacharelado aos 23 (anos) anos, tendo este que passar mais 3 anos na efetiva atividade forense, mais 2 anos no Curso de Formação e aproximadamente 2 anos referente ao concurso e período de Estágio Probatório na sua Comarca.

6.2. Os Critérios de promoção dos Magistrados, as formas de indicações e eleições nos tribunais.

Todo sistema jurídico saudável, que tenha a finalidade de proporcionar justiça, deve em primeiro lugar, ter dentro dos seus quadros de juízes pessoas vocacionadas, altamente aptas, competentes e que respeitem e sejam respeitados pelos seus concidadãos na sociedade. Para que tudo isso aconteça, também se faz necessário existir engrenagens institucionais adequadas com o intuito de selecionar e manter estes indivíduos dentro e em harmonia com a estrutura moderna do judiciário.

Em se tratando das promoções no Projeto de Emenda Constitucional da reforma do Poder Judiciário, era de se esperar dos legisladores, bem como dos magistrados que tanto buscaram a modernização e democracia, uma maior ousadia e a implementação de mecanismos institucionais mais atualizado neste processo.

Mas há de se reconhecer os avanços alcançados na reforma, tímidos, em algumas áreas, expressivos em outras. Alguns merecem ser enaltecidos, como a vedação da nomeação de parentes de magistrados até o segundo grau civil, para os cargos de confiança nos tribunais, sendo que este assunto será adiante tratado com mais detalhe.

Outra importante conquista foi que metade do Órgão Especial dos Tribunais será eleita diretamente pelo conjunto dos juízes vinculados à Corte. Embora ainda não se tenha conseguido a eleição direta para a presidência dos tribunais, isso é apenas uma questão de tempo.

Foram alterados também pontos relativos à promoção por antiguidade, exigindo-se que a recusa do juiz mais antigo pelo tribunal pressuponha o voto fundamentado de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa ao magistrado, conforme consta na alínea "d" do inciso II do Artº 93, já devidamente alterado no Senado. Ressalve-se que este ainda não é o texto definitivo, pois deverá ser remetido novamente à Câmara dos Deputado.

O que deixa margem para uma maior preocupação é o fato da existência, no texto originário da Câmara do Deputados, art. 93, alínea "e", de uma vedação à promoção do juiz que retiver autos injustificadamente além, do prazo legal.

Vê-se, neste caso, que a exclusão por parte do Senado Federal do referido texto, teve a preocupação de não melindrar e/ou de favorecer alguns maus juízes. Foi se excluído do texto constitucional aquilo que é de sua obrigação funcional: "decidir" o mais rápido possível.

O nepotismo não foi esquecido. É mais uma evolução que trata o art. 93, inciso XVII, ao proibir a nomeação ou designação para cargos em comissão e funções comissionadas de cônjuges, companheiros ou parentes até o segundo grau, extensivo a todos os membros dos referidos tribunais.

Com isso, nenhum membro dos tribunais poderá fazer as permutas que hoje acontecem, com a nomeação de parentes de juízes para assessores de outros magistrados e assim por diante.

A única exceção consiste para o funcionário efetivo dos quadros dos tribunais. Neste caso, poderá assumir cargos Comissionados, sendo vedado servir ao magistrado que é seu parente.

Com o objetivo de levar para os tribunais a experiência profissional e uma visão ampla e de certa forma bem mais amadurecida de advogados e membros do Ministério Público, justifica-se a manutenção do art. 94. da PEC, que trata do Quinto Constitucional.

No entanto, muitas são as críticas no que diz respeito a sua formatação e indicação.

A Ordem dos Advogados e o Ministério Público continuarão a indicar os seus candidatos para o "quinto", formando a mesma lista sêxtupla e adotando como um dos critérios de escolha um requisito de difícil ou discutível mensuração, que é o do "notório saber jurídico".

Tal requisito com certeza enseja margem ao critério da subjetividade, possibilitando interferências externas na indicação dos referidos postulantes ao cargo em pauta, ou seja, indicações fora dos critérios democráticos e transparentes.

Não se pode negar que dentro do contexto de ascensão e acesso ao Poder Judiciário, buscou-se, a todo o momento, a manutenção das idéias no sentido de trazer formatos mais modernos, democráticos e transparentes, sendo estas as metas tanto da sociedade e de todos os institutos que o rodeiam, tais como, a OAB do Brasil a AMB do Brasil e tantos outros.

No entanto, não se observou neste artigo qualquer a evolução no que diz respeito a sua parte mais substancial, deixando que critérios tão subjetivos ainda se fizessem constar no projeto.

Caberia, sim, a OAB e ao próprio Ministério Publico a busca de um formato mais aberto, deixando para trás a subjetividade na escolha de seus candidatos, trazendo para o íntimo das suas instituições o exemplo democrático do sufrágio como forma de elegê-los. Desta forma, demonstraria tanto para os resistentes à democracia plena, bem como para a sociedade geral, que dentro de suas instituições nascia o embrião da transparência, modernidade da democracia no âmbito do Judiciário brasileiro.

Também foram implantadas no novo texto constitucional outras mudanças com o intuito de corrigir algumas distorções. Pode-se destacar aquelas disposições que proíbem aos que ingressam em órgão do segundo grau, pela via do quinto constitucional, chegar ao STJ. E mais, os juízes de Tribunais Regionais Federais passarão a se chamar Desembargadores, como acontece com os dos Tribunais de Justiça Estaduais, bem como somente serão promovidos por merecimento os que estiverem no quinto superior da antiguidade. Corrige-se, assim, falha hoje verificada, que distingue os TRF (Tribunal Regional Federal) dos TRT (Tribunal Regional do Trabalho).

Outra importante proposta na reforma do Poder Judiciário foi a implantação da chamada quarentena, art. 101. da PEC 29/00, para o ingresso no STF.

Assim, não poderá ser nomeado quem tiver nos últimos três anos, exercido os cargos de Presidente ou Vice-presidente da República, Senador, Deputado Federal, Governador ou Vice-governador, ou do Distrito Federal, Ministro de Estado, Procurador Geral da República, Advogado-Geral da União, Presidente da OAB. Nem os cônjuges ou parentes até o segundo grau de qualquer destas autoridades.

Além disso, a aprovação pelo Senado passa a ser de três quintos de seus membros (para os Tribunais Superiores, deverá haver aprovação da maioria absoluta do Senado).

Este artigo trará um imenso beneficio ao Poder Judiciário, evitando nomeações de pessoas que por serviços prestados ao Chefe do Executivo venham a ser recompensados com tal premiação.

Dentro do contexto de promoções no judiciário, buscou-se nesta etapa algumas idéias, no sentido de trazer formatos mais modernos e transparentes.

De certo que o processo de promoção deveria ser voltado a valorizar os juízes mais qualificados, que buscaram oferecer uma prestação jurisdicional dentro dos melhores padrões, ou seja, voltados unicamente para os critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência do magistrado em sua Comarca e não pela antiguidade.

Assim sendo, ficaria extinta a promoção por antiguidade, por não estimular o crescimento pessoal e o desenvolvimento no âmbito profissional do Juiz.

Manter-se-ia tão somente a promoção por merecimento e a mesma só se daria de três em três anos, considerando o tempo efetivo do exercício nas funções, coincidindo com mesmo período que o juiz em início de carreira teria para alcançar a vitaliciedade.

O efeito imediato da promoção seria apenas financeiro mediante aumento de (10%) dez por cento sobre os vencimentos do magistrado. Quanto à promoção entre instância, esta seria automática, mediante simples declaração do tribunal, para o magistrado que tivesse acumulado a maior quantidade de promoções.

Concorrendo vários magistrados, a vaga seria daquele que acumulou dentro dos cursos de aperfeiçoamento melhor desempenho; havendo empate, será escolhido o mais idoso; persistindo empate, a decisão seria por sorteio. Neste caso, não existiria mais qualquer tipo de lista, bem como qualquer influência política na escolha dos membros dos tribunais.

Em se tratando dos Tribunais Superiores, seriam também utilizados os mesmos critérios de promoções, anteriormente descritos, exceto decisão por sorteio;, em havendo empate, seria realizada uma sabatina, pelos atuais membros, que valeria como se fosse uma prova, com a participação do Ministério Público e OAB. Mesmo assim, continuando o empate, seria escolhido o mais antigo.

No caso do Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, os Tribunais Militar e Eleitoral, continuariam como se encontram na proposta de reforma.

No tocante às eleições, todas as Constituições, desde o final do Estado Novo, vêem outorgando reiteradas vezes a autonomia aos tribunais para que promovam eleição de seus cargos de direção, consagrando o princípio do governar a si mesmo ou auto reger-se.

Portanto, com a consolidação definitiva e histórica do Estado Democrático de Direito, quando o povo colocou o próprio povo no poder, fez-se necessário, urgentemente, garantir aos juízes o direito de elegerem diretamente os administradores de seus respectivos tribunais, garantido-lhes participação mais efetiva nos rumos da magistratura local.

A participação dos juízes de primeiro grau na escolha dos presidentes e vice-presidentes é de fundamental importância, principalmente por que são aqueles que estão em contato com a comunidade, conhecendo os seus anseios e necessidades, podendo, portanto, escolher dentre aqueles desembargadores ou ministros os que seriam melhores para promover providências e atos na administração do Poder Judiciário, no sentido de atingir as metas de acesso amplo à Justiça.

Por fim, não se pode dizer que a PEC 29/00, respeitante a este tópico é considerada como sendo a Caixa de Pandora 13 do Poder Judiciário brasileiro. Se alguns males vão dela decorrer, avanços significativos poderão ser notados. E poder-se-á avançar em muito, a partir deste ano, com alterações específicas, por exemplo, no que tange a eleição direta para a administração dos tribunais e os critérios de escolha de magistrados, a partir do segundo grau de jurisdição, incluída a revisão do instituto do quinto constitucional.

Todos estes temas ainda poderão ser alterados vez que, várias propostas dos parlamentares petistas deverão ser reapresentadas nas Comissões da Câmara, para novas discussões, principalmente naqueles pontos que foram alterados no Senado, podendo ser sintetizadas da seguinte forma: 1) mudança na maneira de indicação dos ministros do STF, estabelecendo a exigência de que parte dos mesmos seja juiz de carreira; 2) mudança nos critérios de escolha dos ministros dos Tribunais Superiores, determinando que parte deles seja escolhida, por votação, pelos juízes de carreira; 3) introdução da eleição direta (voto dos juízes) para os cargos diretivos dos tribunais de segundo grau; 4) proibição de sessões secretas nos tribunais; 5) "impeachment" de juízes em casos de crimes e irregularidades graves; 6) fiscalização e controle público da máquina do Judiciário, principalmente sobre a execução orçamentária e criação de um espaço para que os cidadãos possam reclamar dos serviços da justiça; e, 7) extinção da Justiça Militar e dos juízes classistas.

Alguns desses pontos poderão ainda voltar para o Plenário da Câmara dos Deputados para novas discussões e quem sabe alterações, pois hoje quem comanda este país é o partido que tanto desejou mudanças e reformas.

6.3. Órgão de Controle Externo do Poder Judiciário

Este é um dos temas mais debatidos dentro do mundo jurídico, em que todos convergem para um mesmo ponto: a necessidade de um Órgão de Controle do Poder Judiciário; no caso concreto: o Conselho Nacional de Justiça.

O grande debate está na sua formação e formatação, bem como suas atribuições, além do alcance que teria dentro do Sistema Judiciário brasileiro.

Com efeito, uma das grandes preocupações seria a introdução de mecanismos que restringissem ou ameaçassem a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário. Ora, esse tipo de preocupação demonstra, claramente, quão é imensa a falta de informações a respeito do assunto por parte daqueles que prognosticam o enfraquecimento do Judiciário.

Antes de tudo, ressalta-se que a designação "controle externo do Judiciário" é imprecisa, pois não se defende o controle efetivado por membros estranhos ao mundo jurídico, como se fossem cartas tiradas da manga num passe de mágica, com intuito de desmoralizar ou até ridicularizar o Poder Judiciário. Conforme se pode observar no Artº 103-B da proposta aprovada pela Comissão de Constituição Justiça e Redação - CCJR do Senado Federal 14 tal órgão de controle seria bem eclético, constituído por representantes dos mais variados seguimentos e instituições oficiais ligadas ao sistema jurídico, inclusive da própria magistratura. O Conselho Nacional de Justiça seria composto de doze membros, sendo 01 Ministro do Supremo Tribunal Federal, 01 Ministro do Superior Tribunal de Justiça, 01 Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, 01 Ministro do Superior Tribunal Militar, 01 Desembargador de Tribunal de Justiça, 01 Juiz estadual, 01 Desembargador Federal de Tribunal Regional Federal, 01 Juiz Federal, 01 Desembargador Federal do Trabalho de Tribunal Regional do Trabalho, 01 Juiz do Trabalho e 02 Advogados.

Outro ponto a ser bem explicitado, para não deixar nenhuma margem a dúvidas, é o fato do referido controle se dar apenas no âmbito das esferas administrativas do Poder Judiciário, enquanto as demais atividades jurisdicionais, que são os fundamentos da essência e existência do próprio poder, ficarão intocáveis e inatingíveis, somente sendo possível questioná-las através das já existentes vias recursais.

O órgão de controle administrativo do Judiciário fiscalizaria a legalidade dos atos administrativos, em geral, e a execução orçamentária das várias instancias do Poder Judiciário; controlaria a prática do nepotismo tão comum no Poder e, entre outras prováveis funções, cuidaria de eventuais casos de corrupção. Isto posto, parece bastante claro que longe de fazer soçobrarem os pilares do Judiciário, o controle externo seria instrumento para uma maior transparência e eficácia das ações do Poder em questão e, conseqüentemente, apresentar-se-ia como um instrumento para a ratificação e desenvolvimento da democracia.

Aos que persistem em ser contra esta adoção, frise-se que hoje tal medida já é realidade, pois como disse o Ministro Nelson Jobim em um encontro em São Paulo quando conclamou os operadores do Direito, quer Juiz, Advogados e tantos outros, que não se pensasse apenas nos interesses particular e individual, que deixassem de ter uma visão míope e sim buscasse dentro de si resposta para a pergunta, "será que interessa ao cidadão? 15"

No entanto, o Artº 92 do projeto aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação – CCJR, do Senado Federal modificou o que tinha sido aprovado pela Câmara dos Deputados com a seguinte redação em seu parágrafo único "O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional (NR)" pelo §1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. (AC) e pelo § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional. (NR).

Do modo como está posto no Artº 92 o Conselho Nacional de Justiça fará parte do Poder Judiciário; no entanto, não terá jurisdição em todo o território nacional; bem assim, o documento, com 250 páginas, que apresentou o então Relator da Reforma do Judiciário, o Senador Bernardo Cabral (PFL-AM) com o seu parecer 16 sobre o assunto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, restringe o controle externo do Judiciário e amplia o poder dos tribunais superiores. Pela proposta, o Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle do Judiciário previsto pela Câmara dos Deputados, perde autoridade. Em vez de decretar a perda do cargo de juízes, o Conselho poderá apenas encaminhar processos contra eles, ocorrendo assim um retrocesso significativo na Reforma.

Outro ponto preocupante refere-se às atividades do Conselho Nacional de Justiça nos Estados. Não se sabe como irá exercer suas funções, tendo apenas a Ouvidoria Estadual como o único elo de ligação entre o denunciante e o Conselho. Além disso, existem dúvidas quanto ao processo de investigação, exames e outras atividades do Conselho, uma vez que terá um quadro de 12 membros, que por força das circunstancias não poderão ser onipresentes nem onipotentes, deixando assim sinais preocupantes quanto à sua eficiência, eficácia e efetividade.

Nestas condições, ficará amplamente prejudicado o Conselho Nacional de Justiça para exercer todas as suas atribuições se não forem criados os Conselhos Estaduais de Justiça ou os Conselhos de Justiças, secções Estaduais.

Será impossível, em face da diversidade de situações encontradas nos vários segmentos da justiça brasileira, distribuídos pelo País, um único órgão recolher queixas e as processar adequadamente, verificando e punindo os eventuais responsáveis por irregularidades, observar os procedimentos dos juizes, analisar as condições dos Cursos de Formação e muitas outras obrigações de responsabilidade do referido Conselho.

Portanto, conclui-se, para que um órgão de controle tenha condições de cumprir adequadamente suas funções, será necessária a existência de órgãos regionais e/ou órgãos estaduais.

6.4. Súmula Vinculante

Em trabalho doutrinário elaborado nos idos de 1979, quando analisado como se formaria a jurisprudência sob o império da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, tornaram-se firmes as posições contra a "interpretação vinculada", prevista na ditatorial Emenda Constitucional nº 7 de 13/4/77, através da qual era permitida a criação de um perigoso sistema de súmulas vinculativas, ou seja, com força de lei. 17

Alterando o art. 119, I, "1" da CF de 67/69, dispôs a Emenda nº 7 competir ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Uma vez acolhida, a decisão do Supremo Tribunal Federal passava a ter eficácia vinculativa absoluta. 18

Eis aí, no direito positivo constitucional, à época, o embrião da atualmente cogitada súmula vinculativa ou vinculante; a de hoje com pretenso alcance amplo para matéria constitucional e infraconstitucional, a de ontem com a nada recomendável espuriedade de sua origem. Se a liberdade de julgar foi, naqueles tempos de repressão ao comunismo, considerada um excesso comprometedor da ordem constituída então vigente, servia aquela "interpretação", forcejada e aliada à súmula obrigatória, como o meio da coibição de qualquer suposto extremismo. 19

Naquele modelo, as súmulas vinculativas e a avocatória jamais chegaram a ser de fato constituídas.

Hoje, portanto, retorna à pauta e é considerado o advento da Súmula Vinculante o ponto nevrálgico da Reforma do Poder Judiciário, onde três correntes tem visões completamente opostas.

Existem os partidários do sistema jurisprudencial em vigor, que permite a alternância de posições, bem como o dinamismo e constante aprimoramento da doutrina jurídica no Judiciário.

Há a corrente dos que são adeptos da inovação, para uniformizar os julgamentos e acelerar a tramitação processual.

A terceira corrente é favorável a uma alternativa intermediária. Defende a Súmula Impeditiva de Recursos.

Os opositores da súmula vinculante sustentam que sua adoção vai esclerosar a Justiça e manietar os juizes das instâncias inferiores.

Por outro lado, os defensores da Súmula Vinculante contestam a possibilidade desse perigo, afirmando que o novo instrumento judicial não impedirá a atividade reformuladora ou revisora, dentro de determinadas condições, as quais são estabelecidas pelo art. 103-A § 2º, dando a prerrogativa para propor revisões ou cancelamentos, os mesmos já contidos no art. 103, surgindo, neste instante, o questionamento se tais Súmulas serão ou não revistas ou mesmo canceladas.

Os adeptos da "súmula impeditiva de recursos" argumentam que a súmula vinculante limita a ação da base da magistratura e vai contra a independência do magistrado, além de promover o engessamento da jurisprudência. Defendem a súmula impeditiva porque permite ao juiz julgar cada processo separadamente. Caso a decisão seja idêntica à súmula, fica impedido o recurso ao tribunal superior, ou seja, se a decisão do juiz for diferente da jurisprudência do Supremo fixada em súmula, numa determinada questão, pode haver recurso, se for igual, não caberá recurso.

Esquecem os que são favoráveis a Súmula Vinculante alguns aspectos de ordem até mesmo jurídica e ética: pois ninguém pode impor ao juiz qualquer orientação sobre qual deverá ser a interpretação mais correta. Aliás, é muito comum que um texto legal, pela sua literalidade confusa, permita mais de uma interpretação. E nem toda interpretação dada por um Tribunal a uma lei ordinária, por mais sábia que seja, jamais poderá vincular os juízes das instâncias inferiores, que devem julgar com absoluta e total independência 20.

Desta forma, a súmula vinculante viola a independência jurídica do juiz, isto é, sua independência interna, dando assim todas as possibilidades de se argüir a sua Inconstitucionalidade, principalmente se observado que, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, inc. II, da CF/88), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado.

Ademais, pode-se também invocar, utilizando-se a Constituição Federal que é por demais pródiga, outra cláusula pétrea que enfatiza a garantia do devido processo legal. No inciso LIV do seu art. 5º diz que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Como se tanto não bastasse, acrescenta no inciso LV que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Observando-se por este prima, fica clamo a impossibilidade de se considerar válida a Súmula Vinculante.

Cabe salientar que é indiscutível que todo o processo judicial deva ser realizado com eficácia, presteza e dentro de uma rapidez aceitável, progredindo e findando-se no menor espaço de tempo possível, para que o cidadão obtenha a decisão justa o quanto antes, evitando descréditos e a impressão de impunidade, que hoje paira na concepção da grande massa da sociedade.

Quando se tem uma visão cartesiana e pontual, busca-se uma solução imediatista, como os defensores da súmula vinculante, que sustentam que a implantação de tal efeito traria maior agilidade e rapidez na efetivação da tutela jurisdicional, pois evitaria manobras protelatórias e morosidade processual.

Observa-se que, no fundo prevalece, unicamente, a vontade de desembaraçar e dar maior celeridade aos processos, deixando de lado o princípio fundamental de proporcionar uma correta prestação jurisdicional, fazendo com que tal prestação venha a trilhar o defeituoso caminho da ética de resultados, em detrimento à ética de princípios.

Por outro lado, não se pode esquecer que a celeridade nos processos é deveras importante e deve ser prioritariamente perseguida, sem com isso provocar danos aos demais princípios jurídicos.

É óbvio que a inserção, não da súmula vinculante e sim da súmula impeditiva de recursos em nosso sistema jurídico, traria uma rápida resposta judicial, quando o assunto já estivesse sumulado, cristalizado, como decorrência de reiteradas decisões anteriores.

No entanto, se o juiz de 1º Grau, no exame do caso concreto, não estiver convencido da aplicabilidade da Sumula Impeditiva de Recurso, determinará em sua sentença o prosseguimento natural da ação.

O fenômeno da morosidade da justiça não é uma questão cultural ou mesmo uma prerrogativa do Judiciário brasileiro, é um problema globalizado que está enraizado no universo jurídico, decorrente do exercício pleno do direito de cidadania, cada vez mais de reconhecida dimensão e amplitude, acompanhando o crescimento, o desenvolvimento e evolução da sociedade e da própria civilização moderna.

Exemplifica-se para o melhor entendimento alguns casos concretos com que se deparam os operadores do direito.

À porta de um Hospital existe uma placa informando "É Proibido Entrada e Permanência de Menores de 12 anos". Admita-se a hipótese de que tal norma seja constitucional.

Imagine-se, então, que um filho menor de 12 anos, cujo pai seja portador de câncer em estado terminal, com poucos dias de vida, seja impedido de entrar no Hospital por causa desta norma. Para ele, a norma é inconstitucional, pois lhe impede o direito ao convívio e visitação nos últimos dias de vida de seu amado pai. Chega-se, então, à seguinte conclusão: a constitucionalidade é algo que se avalia não em abstrato, mas em função de cada caso concreto. Uma norma pode ser constitucional para um caso e inconstitucional para outro.

Outro exemplo foi trazido pelo Prof. Dalmo Dallari 21 em uma entrevista concedida a Denise de Roure e Nicanor Sena Passos à Revista Consulex que afirma ser "a súmula vinculante péssima em termos de evolução do Direito". Exemplifica ainda utilizando sua experiência pessoal, que por sinal é bastante ilustrativa, demonstrando a necessidade que se tem de divergir, bem como de buscar demonstrar através de nova ótica social e jurídica uma moderna posição, visão e tese jurisprudencial, mesmo que esta seja ainda tímida no início e de pouca aceitação dentro do mundo jurídico, mas que através de um simples voto divergente, abrir-se-ia possibilidade de uma concepção nova, que culminaria em alterar toda a jurisprudência, podendo mudar até a legislação e mesmo a Constituição do país. O caso aqui relatado é uma demonstração de tal fato. Isso aconteceu mais ou menos por volta de 1960, em que uma mulher modesta, vivia maritalmente com um operário durante mais de 30 anos. E vivendo juntos, trabalhando, fizeram um patrimônio que consistia em uma casa modesta que era o patrimônio do casal e onde eles moravam. Quando morreu esse operário, sua companheira que vivia dentro da casa e precisava da mesma porque era o que ela tinha como patrimônio, teve a surpresa de ver aparecer uma antiga esposa de seu marido. Uma mulher que tinha casado com ele e convivido durante menos de 2 anos e, depois disso, se separaram. Mas, esta antiga esposa tinha se casado no cartório e, naquela época, 40 anos atrás, a legislação brasileira não admitia a hipótese da companheira vir a ter qualquer direito e nem a jurisprudência permitia isso. Então, fui (Dalmo Dallarri) advogado dessa mulher, companheira de mais de 30 anos, tentando fazer que se reconhecesse que ela é que deveria ficar com a casa, porque na verdade ela tinha sido a companheira constante, de muitos anos, e tinha colaborado para a compra da mesma. E, no entanto, fui derrotado porque o juiz que julgou o caso entendeu que a lei não amparava, de qualquer maneira, a minha cliente. E a jurisprudência dos tribunais era terrível, porque quando se alegava direito de companheira, os tribunais chamavam a companheira de concubina e diziam que era imoral querer dar direitos à concubina. E há, mesmo, votos em que o relator pergunta que serviços a concubina presta. Isso com insinuações maliciosas e mesmo humilhantes, para a companheira. Casos como esse que foi relatado foram se sucedendo. E, assim como eu, outros advogados foram recorrendo e houve nos tribunais casos de obtenção de votos favoráveis. Quer dizer, no começo nós não ganhamos, mas tivemos votos favoráveis. Eram votos divergentes. A partir desses votos divergentes, foi havendo a adesão de outros desembargadores, de outros juízes e, afinal, a jurisprudência se tornou dominante. Então, dessa maneira, através da jurisprudência, se afirmou a necessidade, a justiça, de reconhecer direitos à concubina. E isso, hoje, consta da legislação brasileira, consta inclusive da Constituição. Mas começou com a jurisprudência divergente.

Hoje vivemos fatos semelhantes em relação à vida em comum dos homossexuais, que em muito pouco tempo também terão seus direitos reconhecidos.

Não se pode, definitivamente, ter uma visão puramente dogmática no estudo da sociedade e das ciências jurídicas. As dúvidas e as evoluções fazem parte do comportamento do homem, pois este age movido pela necessidade que experimenta, tanto dos desejos e vontades naturais, quanto culturais e para satisfazê-las, adotam comportamentos e utilizam-se de meios dos mais variados, institucionalizados ou não. Com isso, pode-se afirmar que tais atitudes são provenientes da evolução natural da humanidade. Portanto, ter também uma visão Zetética pondo em dúvida e dissolvendo as opiniões com uma função especulativa, explícita e infinita, traz para o crescimento da sociedade pontos fundamentais de amadurecimento e fortalecimento social. A dogmática é mais fechada, presa a conceitos fixos, conformando problemas a premissas, assim como os que querem a implantação da Súmula Vinculante.

Diante de tudo isso, faz-se também necessário que se entenda que 22 o juiz, esse ente inanimado de que falava Montesquleu, tem sido na realidade a alma do progresso jurídico, o artífice laborioso do Direito novo contra as fórmulas caducas do Direito tradicional. Esta participação do juiz na renovação do Direito é, em certo grau, um fenômeno constante, podia-se dizer uma lei natural da evolução jurídica: nascido da jurisprudência, o Direito vive pela jurisprudência, e é pela jurisprudência que vemos muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação imóvel. É fácil dar a demonstração experimental deste asserto, por exemplos tirados das épocas mais diversas e dos países mais variados, como o Brasil.

Portanto, não se deve tentar, por mais úteis e necessárias, que se transforme robotizadas as decisões dos nossos magistrados de 1º Grau.

Por fim, conclui-se, não seria a implantação tão somente da Súmula Impeditiva de Recursos ou mesmo a Súmula Vinculante a solução definitiva para os males que assolam o Poder Judiciário, pois qualquer uma que fosse a opção seria puramente paliativa e política.

Dever-se-ia sim, implantar a Súmula Impeditiva de Recursos por um período curto de tempo como forma de desafogar as demandas dentro do Poder Judiciário e iniciar de imediato uma reforma racional e radical dos Códigos Processuais Brasileiros, pois estes teriam como solucionar e regulamentar os casos recursais, os procedimentos protelatórios, bem como resolver as causas, que a sociedade tanto almeja do Judiciário de nosso País.

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Sobre o autor
José Pericles Chaves

servidor da Procuradoria Jurídica da Universidade Estadual do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, José Pericles. Reforma do Poder Judiciário, fatos históricos e alguns aspectos polêmicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 96, 6 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4212. Acesso em: 5 dez. 2025.

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