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A aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes nas decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade

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10/09/2015 às 11:11

Resumo:


  • O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade combina características dos sistemas americano e austríaco, gerando complexidade na análise de constitucionalidade de leis ou atos normativos.

  • Decisões em controle difuso de constitucionalidade pelo STF possuem efeitos inter partes, não vinculando outros órgãos judiciais ou administrativos, o que pode gerar insegurança jurídica e desrespeito à supremacia constitucional.

  • A aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes pode ser uma solução para reforçar a supremacia da Constituição e o respeito às decisões do STF, atribuindo efeitos erga omnes às declarações de inconstitucionalidade em controle difuso.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO

O modelo peculiar de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil sempre esteve no limiar das discussões acerca dos efeitos jurídicos por eles produzidos, eis que a mescla dos dois sistemas de controle requerer efeitos distintos: o sistema norte americano atrai efeitos inter partes, enquanto o Austríaco, erga omnes. (MORAES, 2008)

É justamente a união dos dois sistemas de controle no modelo brasileiro que torna a tarefa de análise da constitucionalidade de lei ou ato normativo tão complexa.

Embora seja uma compilação de dois sistemas distintos, o modelo de controle previsto na Constituição Federal de 1988 inovou quanto à atribuição dos efeitos nas declarações de inconstitucionalidade de cada sistema, notadamente no sistema difuso.

O efeito inter partes da declaração de inconstitucionalidade no controle concreto difuso faz com que seja flexibilizada a supremacia da constituição em face da não vinculação dos fundamentos da declaração, já que o dispositivo da sentença decide apenas o bem da vida pleiteado no caso concreto. Ou seja, as razões que levaram a determinada decisão serão reconhecidas na fundamentação e, assim, afastada a norma inconstitucional, ficando o dispositivo da sentença responsável pelo reconhecimento ou não do direito almejado, bem como seus efeitos ficarão restritos às partes. (MARINONI, 2013)

Esse efeito não transcendente da decisão no controle difuso de constitucionalidade e a possível aplicação de uma teoria Alemã para reforçar a Supremacia da Constituição e o respeito às decisões do STF é o objeto do presente trabalho.

A aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes nas decisões definitivas do STF no controle de constitucionalidade difuso será a base que norteará todo este estudo.

A fim de evitar a possibilidade de desrespeito ao Princípio da Supremacia da Constituição e, como consequência, o desrespeito às próprias decisões do STF, a utilização de um mecanismo que permita a vinculação dos demais órgãos do judiciário ao entendimento do seu órgão de cúpula no controle incidente de norma, é algo que merece prioridade no atual contexto jurídico do país.

A flexibilização da Supremacia da Constituição decorrente dos efeitos no controle concreto traz inúmeros reflexos jurídicos relevantes, como a violação da isonomia e a segurança jurídica, entre outros.

O presente trabalho abordará o tema justamente sob essa perspectiva, trazendo a peculiaridade do controle difuso no contexto americano, berço desse sistema incidente, e os instrumentos utilizados no Brasil para atribuir efeitos erga omnes às declarações definitivas de inconstitucionalidades proferidas pelo STF.


2 - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: BREVE HISTÓRICO

O controle de constitucionalidade é um instrumento de afirmação da supremacia da constituição. Em que pese a divergência na doutrina, esse instrumento está intimamente ligado ao modelo de constituição rígida, eis que, sob o aspecto formal, o princípio da rigidez constitucional pode ser aferido como paradigma de controle sobre atos emanados do poder público. (NOVELINO, 2013)

A doutrina costuma diferenciar os sistemas de controle de constitucionalidade dos chamados modelos de controle constitucional. Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos:

os sistemas de controle de constitucionalidade são as matrizes das quais derivam os diversos modelos de justiça constitucional. Muitos são os modelos de fiscalização da constitucionalidade, por exemplo, o francês, o alemão, o espanhol, o italiano, o português, o brasileiro, etc. Mas sistemas de controle da constitucionalidade das leis ou atos normativos só há dois: o americano e o austríaco ou europeu continental. (BULOS, 2011)

Sob esse enfoque, há vários modelos de controle de constitucionalidade. Cada país adota e adapta o seu próprio modelo de controle. Porem, os chamados sistemas de controle há apenas dois: sistema americano e sistema austríaco, também chamado de europeu.

O controle de constitucionalidade difuso que conhecemos hoje nasceu nos Estados Unidos da América sob o enfoque de uma constituição que não o previu expressamente. Todavia, John Marshall, Chief Justice da Suprema Corte Americana, inaugurou as bases desse controle no ano de 1803, na célebre decisão do caso William Marbury versus James Madison. Nascia aí o sistema americano de controle  constitucionalidade, consistente no entendimento de que, para resguardar a constituição, qualquer juiz pode averiguar a alegação de inconstitucionalidade, num caso concreto, por via de defesa ou de exceção. (BULOS, 2011)

Já o sistema austríaco foi formalizado com o advento da constituição da Áustria em 1920, sob a inspiração de Hans Kelsen - reconhecidamente um dos um dos maiores teóricos do século XX – a pedido do Governo austríaco da época.

Esse sistema consiste em controle abstrato de normas que sejam incompatíveis com a constituição, exercido por um órgão de cúpula do Poder Judiciário por meio de controle concentrado e autores legitimados previamente determinados.

O Brasil adotou vários modelos de controle de constitucionalidade ao longo da sua história, ora usando apenas um sistema, ora mesclando o controle difuso e concentrado.

A constituição Republicana de 1891 inaugurou o modelo difuso de constitucionalidade brasileiro. A constituição reservou ao Supremo Tribunal Federal a competência para rever as sentenças das justiças dos Estados, em ultima instância, quando suscitado a inconstitucionalidade de tratados ou leis federais.

A reforma da constituição em 1926 empreendeu algumas modificações no modelo de controle, sem, contudo, alterar a essência do sistema difuso. Nessa reforma foi ampliada a competência do Supremo Tribunal para uniformizar a jurisprudência dos demais Tribunais. Assim, consolidava-se o sistema americano de constitucionalidade no Brasil. (Moraes, 2011)

Já na constituição de 1934, o controle de constitucionalidade brasileiro sofreu algumas mudanças, mas mantendo sempre o controle incidental das leis e atos normativos pelo Pretório Excelso. Entre outras mudanças sofridas, foi atribuída ao Senado Federal a competência para suspender a execução de lei, tratado, decreto, regulamento ou outra deliberação declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário. (BULOS, 2011)

A constituição Polaca de 1937 manteve o controle difuso de constitucionalidade e repetiu a proibição do Poder Judiciário de conhecer de questões exclusivamente políticas. Permitiu, ainda, ao Presidente da República submeter ao parlamento a lei declarada inconstitucional.O controle de constitucionalidade difuso exercido pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de Recurso Extraordinário, só foi permitido na constituição de 1946, que também deu nova configuração à chamada Representação de Inconstitucionalidade Interventiva, atribuindo ao Procurador Geral da República (PGJ) a competência para sua deflagração. Foi, ainda, nessa constituição que, por meio da Emenda n. 16 de 1965, inaugurou-se, oficialmente, o controle abstrato de normas em nosso país. A partir de 1965 que foi conferido ao STF processar e julgar originariamente as ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal propostas pelo PGJ.

A Constituição de 1967 não trouxe maiores modificações no controle de constitucionalidade, porém ampliou a representação interventiva. Somente com a Emenda Constitucional n. 1 de 1969 houve modificação significativa no modelo de controle de constitucionalidade, consubstanciada no retorno de controle sobre leis municipais em face da Constituição do Estado, para fins de intervenção no Município.

A Constituição Cidadã de 1988, por fim, aperfeiçoando o, até então, controle de constitucionalidade brasileiro, a Constituição de 1988 nos apresentou um modelo de controle avançadíssimo, notadamente no que se refere ao controle concentrado de normas. Nesse ponto, Uadi Lamêgo Bulos comenta que “esse detalhe é significativo, porque a Carta de Outubro ampliou a legitimidade para a propositura de ação direta de constitucionalidade (art. 103)”.

Além disso, a Magna Carta possibilitou que as grandes controvérsias constitucionais fossem submetidas ao Supremo Tribunal Federal pelo processo de controle concentrado de constitucionalidade. Permitiu, ainda, ao STF, suspender – de imediato – a eficácia de ato normativo considerado inconstitucional por meio do pedido de medida cautelar, mantendo, assim, a novidade que originalmente decorre da Emenda Constitucional n. 7/77.

Estabeleceu-se também a possibilidade de controle constitucional sobre as omissões legislativas, seja pela forma concentrada ou difusa: respectivamente, a ação direta de constitucionalidade por omissão e o mandado de injunção.

O constituinte de 1988, ao reforçar a estrutura do controle concentrado de constitucionalidade, acabou por diminuir a importância do controle difuso. Quer dizer, conforme assevera Bulos:

[...] a competência da jurisdição constitucional ordinária foi, de certa forma, atenuada, mas não extinta. Resultado: a inconstitucionalidade das leis ou atos normativos passou a ser examinada, na maioria das situações de relevo, pelo Supremo Tribunal Federal (controle concentrado). Já os juízes – titulares da jurisdição constitucional ordinária – ficaram, praticamente, limitados, tendo em vista que a Carta de 1988 esvaziou o controle difuso de constitucionalidade. (BULOS, 2011)

Ou seja, demandas decorrentes de leis ou atos normativos que requeiram uma atenção maior são, desde logo, submetidas ao controle concentrado de normas, a fim de que o STF se pronuncie sobre a sua constitucionalidade. Não obstante, embora tenha havido uma diminuição da importância do controle difuso, essa diminuição não se refletiu na prática forense, eis que a quantidade de demandas que, no seu curso, suscitam o incidente de inconstitucionalidade supera, e muito, as demandas propostas por meio do controle abstrato de normas, já que seus legitimados são limitados.

Assim, da mescla entre controle incidental e controle concentrado de constitucionalidade, consagrou-se o nosso modelo de controle de normas chamado de modelo misto, onde a constitucionalidade de uma lei poderá ser questionada por meio difuso concreto ou concentrado abstrato.

Como dito, o presente trabalho se restringirá ao estudo do controle difuso de constitucionalidade e a possibilidade de ampliação de seus efeitos com a aplicação da teoria que é o objeto principal desse estudo.

2.1 - O Controle de Constitucionalidade Difuso

O controle difuso de constitucionalidade se dá pela arguição de inconstitucionalidade por parte do jurisdicionado, num determinado caso concreto, de norma em que pauta sua defesa. É chamado de difuso devido o poder de controlar a constitucionalidade de uma norma ser distribuído, difusamente, a vários órgãos do Poder Judiciário diante de toda e qualquer demanda, mas se exerce de forma incidental e concreta. (MARINONI, 2013)

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O controle difuso de constitucionalidade, como vimos no tópico anterior, teve origem nos Estados Unidos (EUA), o chamado judicial review, no célebre caso Marbury versus Madison em que John Marshall – Chief Justice – consagrou o entendimento de que havendo conflito entre a aplicação de uma Lei e a Constituição em um caso concreto, aplica-se a regra constitucional, por ser hierarquicamente superior.No Brasil, Luiz Guilherme Marinoni leciona que:

Foi a grande influência do pensamento de Rui Barbosa sobre a Constituição de 1891, que foi fortemente carregada com as tintas do direito estadunidense. Assim, não foi por acaso que o controle de constitucionalidade foi com ela sedimentado, já que a sua semente foi lançada na “Constituição Provisória da República”, de 1890 – Dec. 510, de 26.06.1890, arts. 58, §1º e 59. (MARINONI, 2013)

Observa-se que esse sistema de controle integra nosso ordenamento jurídico desde a Constituição Republicana de 1891 e teve muita influência do pensamento de Rui Barbosa que, inspirado no direito estadunidense, sedimentou o controle de constitucionalidade que hoje conhecemos por difuso concreto.

No campo prático, o controle difuso se processa de forma incidente na demanda posta à apreciação do juiz de primeira instância ou do tribunal, cujo exame do mérito é prejudicado pela arguição de inconstitucionalidade, que não integra o objeto principal da lide, mas, tão-somente, o ponto prejudicial de mérito, óbice para a conclusão do processo.

Noutras palavras, a análise da constitucionalidade de lei ou outro ato normativo dar-se de forma paralela ao processo principal, cujo bem da vida está sendo questionado. Isso porque a decisão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade não integrará a parte dispositiva da sentença, sendo mencionado apenas na fundamentação da decisão com o intuito de afastar a norma questionada, se inconstitucional – ou aplica-la – se constitucional, a fim de que se decida a lide sem a prejudicial arguida.

Por isso, a consequência principal, num caso concreto, do argumento sobre a constitucionalidade de uma norma não integrar a parte dispositiva da sentença é que este argumento não ensejará o efeito vinculante às demais pessoas que não polarizaram a lide. Ou seja, não gera efeito erga omines, eis que a parte da fundamentação – ao contrário da dispositiva – não faz coisa julgada nem vincula terceiros estranhos à lide.

Nesse ensejo e a fim de melhorar o entendimento desse ponto sem comprometer a estratégia didática, passa-se à análise dos elementos da sentença para que possamos entender os limites da coisa julgada e a vinculação de seus efeitos, notadamente em sede de controle difuso de constitucionalidade.

2.1.1 - A sentença e seus requisitos essenciais

Toda sentença judicial tem por objetivo encerrar o que parte da doutrina chama de juízo de concreção ou subsunção das regras legais ao caso fático concreto. Nos dizeres de Ovídio A. Batista da Silva: “O juiz, ao contrário do administrador, tem por função específica realizar o enlace entre a norma jurídica abstrata e o caso concreto que lhe é submetido a julgamento”. (BATISTA DA SILVA, 2002).

Em regra, toda sentença deve ser composta por três partes, os chamados elementos ou requisitos essenciais da sentença. Esses elementos estão previstos no Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 458, senão vejamos:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem. (grifo nosso)

Nesse ponto, observa-se – portanto -, que toda sentença deve ser composta, em regra, pelo relatório, pelos fundamentos e pela parte dispositiva que, juntos, formam um todo unitário da decisão a ser proferida. Esses elementos serão analisados individualmente a seguir.

2.1.1.1 - O relatório

O relatório é a parte preliminar de uma sentença, a primeira das três partes contida na decisão. Nela, o magistrado deve fazer um resumo do andamento processual, contendo os desdobramentos mais relevantes e apontando os fundamentos do pedido almejado pelo autor, bem como os argumentos levantados pela defesa e os fundamentos de incidentes suscitados durante o transcorrer do processo. O objetivo dessa primeira parte é demonstrar que o juiz conheceu de todo o processo e analisou os pontos controversos, considerando as razoes do pedido e da defesa.

Ressalvadas as hipóteses previstas em lei, o relatório deve integrar toda e qualquer sentença, sob pena de nulidade.

Nessa linha de pensamento, embora trate especificamente de processo penal, Ada Pelegrini Grinover nos ensina que [...] “Visa-se com o relatório verificar se o juiz tomou conhecimento do processo e das alegações das partes antes de efetuar o julgamento. A absoluta falta do relatório conduz a nulidade insanável” do processo. (GRINOVER, 2010)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), filiando-se à Ada Pelegrini Grinover, acolheu a tese da nulidade absoluta pela ausência do relatório, no julgamento do RMS 25.082/RJ, sob a relatoria da Ministra Denise Arruda:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE RELATÓRIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NULIDADE CONFIGURADA (ARTS. 165 E 458, DO CPC, E 93, IX, DA CF/88). RECONHECIMENTO DE OFÍCIO.  RECURSO ORDINÁRIO PREJUDICADO. 1. Nos termos dos arts. 165 e 458 do Código de Processo Civil, são requisitos essenciais da sentença o relatório, os fundamentos e o dispositivo. Na hipótese examinada, não foi lavrado o relatório do acórdão que julgou o mandado de segurança impetrado pela ora recorrente, do qual somente constou a fundamentação e a parte dispositiva do julgado. 2. O relatório é requisito essencial e indispensável da sentença e a sua ausência prejudica a análise da controvérsia, suprimindo questões fundamentais para o julgamento do processo. Tal consideração impõe o reconhecimento da nulidade do julgado impugnado, em manifesta violação dos arts. 165 e 458, do Código de Processo Civil, e 93, IX, da Constituição Federal. 3. Precedentes do STJ. 4. Recurso ordinário prejudicado. (RMS 25.082/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 12/11/2008) (grifo nosso)

Como se pode observar no julgado acima, o relatório constitui requisito essencial para a validade da sentença, elemento ensejador de nulidade do julgado se não observado essa formalidade indispensável.

Assim, descrito o andamento processual no relatório, passa-se a análise do mérito da demanda por meio da fundamentação.

2.1.1.2 - Os fundamentos

Os fundamentos da decisão constituem a segunda parte da sentença, caracterizada pela obrigatoriedade imposta ao magistrado de demonstrar as razões que o levaram a decidir de uma ou outra maneira. O dever de fundamento atribuído aos juízes quando da prolação da sentença é uma exigência legal e decorre, inclusive, da própria Constituição Federal, quando nela prevê sobre o Estatuto da Magistratura no art. 93, inciso IX da Carta da República:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (grifo nosso)

A fundamentação, portanto, é requisito essencial de validade de uma decisão e deve manter um vínculo estrito com as demais partes da sentença, visto que do relatório decorre a fundamentação e, desta, a conclusão que integra a parte dispositiva da sentença.

É na fundamentação que o magistrado vai apontar os dispositivos legais e constitucionais que motivaram a sua decisão, bem como as razões de fato e de direito que influenciaram no resultado da lide apreciada.

Na motivação o juiz necessariamente deve, antes de tudo, tratar de questões preliminares suscitadas pela parte, que deverão ser apreciadas antes do mérito. Nesse sentido, o art. 301 do CPC, quando trata sobre a contestação, prescreve: “Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar [...]”(grifo nosso), e apresenta várias preliminares que deverão ser analisadas pelo magistrado antes de adentrar o mérito da questão levada em juízo.

Portanto, é na fundamentação que o órgão julgador expressará o enquadramento fático à norma abstrata existente, que culminará nos motivos determinantes da decisão no caso concreto, a chamada ratio decidendi.

Não obstante, os fundamentos da sentença não constituem somente os motivos determinantes (ou ratio decidendi) da decisão, mas abrangem, também, os argumentos ditos de passagem por foça da retórica jurídica e composta de expressões dispensáveis na fundamentação, que não tiveram força determinante no deslinde da controvérsia, os chamados obter dictum.

Sobre a ratio decidendi e o obter dictum serão feitas considerações mais aprofundadas adiante, eis que são elementos essenciais para a aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, objeto do presente trabalho.

2.1.1.3 - O dispositivo

Finalmente e não menos importante, chegamos à conclusão da sentença, a parte dispositiva da decisão.Depois de relatado o andamento processual com o apontamento dos aspectos mais relevantes e após enquadrar o caso concreto à norma abstrata por meio da fundamentação, o julgador passará ao ultimo elemento da sentença, qual seja: o dispositivo.

O dispositivo nada mais é do que a conclusão da sentença. É sobre esta parte da sentença que se formará a coisa julgada material nos processos contenciosos. Nesse sentido é a conclusão dos arts. 467 e 468 do CPC:

Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Assim, a coisa julgada vincula-se diretamente à parte dispositiva da sentença, onde, efetivamente, serão expostos os limites da decisão e o bem da vida discutido na ação.

Nesse sentido, cumpre observar que a parte da sentença que resolverá o bem da vida discutido será a conclusão. Logo, a parte da sentença que, de fato, vincula os litigantes e gera efeitos, inclusive para terceiros, é a parte dispositiva da sentença.

Uma decisão em controle difuso, por exemplo, não terá em sua parte dispositiva a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma impugnada, já que o objeto principal da lide não é o incidente constitucional em abstrato da norma, mas sim o bem da vida pleiteado. A arguição de inconstitucionalidade é usada apenas como via de defesa para a demonstração do direito que se objetiva no processo analisado.

Portanto, essa análise se processará como incidente e integrará apenas a fundamentação da sentença com o objetivo de aplica-la ou afastá-la, dependendo da conclusão sobre a constitucionalidade, no caso concreto. Nesse caso, a parte dispositiva da sentença se limitará a decidir o bem da vida pleiteado no processo, atribuindo-lhe os limites da decisão a fim de restringir os contornos da coisa julgada.

Logo, tratando-se de incidente de inconstitucionalidade, cuja analise se opera na fundamentação da sentença, a inaplicabilidade de norma declarada inconstitucional somente produzirá efeitos para as partes litigantes e, ainda, somente naquele caso onde foi suscitada a inconstitucionalidade, já que somente a parte dispositiva vincula. Ou seja, se as mesmas partes, pautando-se na mesma norma já declarada inconstitucional, discutirem outro bem da vida qualquer, esta demanda não será atingida pela inconstitucionalidade declarada na demanda anterior, eis que somente o dispositivo da sentença formou a coisa julgada material e, ainda, somente para o bem da vida questionado na demanda originária.

Destarte, a parte principal de uma sentença em nosso ordenamento jurídico é, sem dúvida, o dispositivo já que é a parte que vincula os litigantes e dita os limites da decisão, independente do que foi explanado na fundamentação, respeitando – por óbvio -, a coerência lógica e harmônica entre relatório, fundamentação e dispositivo, sob pena de nulidade da mesma ou, no mínimo, de recurso de embargo de declaração.

2.2 - O exercício do controle difuso de constitucionalidade

O objetivo principal do controle difuso concreto de constitucionalidade é a proteção dos direitos subjetivos, ou, nos ensinamentos de Marcelo Novelino, “do processo constitucional subjetivo.”

Portanto, o exercício desse controle se dá pela análise da compatibilidade da norma impugnada aos mandamentos constitucionais, a fim de se evitar o desrespeito dos direitos subjetivos conferidos pela Norma Maior.

A importância dessa observância de compatibilidade é tamanha que, em que pese não ser unanime, a inconstitucionalidade incidenter tatum de uma norma, por ser apenas uma questão incidental analisada na fundamentação da decisão, pode ser reconhecida inclusive de ofício, sem provocação das partes. (NOVELINO, 2013)

Nesse sentido, cumpre observar o seguinte o julgado:

[...] CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Todo e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para proceder ao controle difuso de constitucionalidade. Por isso, cumpre ao Superior Tribunal de Justiça, ultrapassada a barreira de conhecimento do especial, apreciar a causa e, surgindo articulação de inconstitucionalidade de ato normativo envolvido na espécie, exercer, provocado ou não, o controle difuso de constitucionalidade. Considerações. agravo regimental – JULGAMENTO SUMÁRIO. A circunstância de o agravo regimental ser examinado de forma sumária é conducente a assentar-se o provimento quando não alcançada a unanimidade no Colegiado – salutar doutrina trazida do Superior Tribunal de Justiça pelo saudoso Ministro Menezes Direito e adotada pelo relator.

(STF - AI: 666523 BA , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/10/2010, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-234 DIVULG 02-12-2010 PUBLIC 03-12-2010 EMENT VOL-02444-02 PP-00415)  (grifo nosso)

Assim, conclui-se que, para o exercício do controle difuso de constitucionalidade, não há, necessariamente, a provocação da parte beneficiada pela inconstitucionalidade para que a analise se processe. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes no julgamento da ADPF 33:

[...] Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício [...]. (MENDES, 2006)

Com tais declarações, não restam dúvidas de que havendo fundado receio de inconstitucionalidade por parte do magistrado, este poderá exercer o controle de constitucionalidade da norma de ofício, sem a intervenção das partes.

Isso porque, como dito acima, o objetivo principal do controle difuso de constitucionalidade é verificar se houve ou não a violação de um direito subjetivo decorrente da incompatibilidade entre um ato do poder público e a Constituição vigente no momento em que o fato ocorreu. (NOVELINO, 2013)

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Sobre o autor
Rafael da Silva Pantoja

Graduação em Direito pela Escola Superior Batista do Amazonas (ESBAM-2014) Atualmente, Servidor Público Federal - Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM). Chefe de Cartório Eleitoral (Portaria TREAM 585/2015 - 44ª Zona Eleitoral - Pauini/Am) Trabalhou na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). Advogado (OAB/AM 10272). Foi servidor concursado do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANTOJA, Rafael Silva. A aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes nas decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4453, 10 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42194. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel. Escola Superior Batista do Amazonas. Curso de graduação em Direito. Trabalho sob orientação da profª. Ma. Natasha Lazzaretti

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