3 - O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE PERANTE O STF
O controle difuso de constitucionalidade, como dito anteriormente, diferentemente do controle abstrato concentrado, caracteriza-se pela possibilidade de qualquer juiz ou tribunal declarar a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo emanado do poder público. (MORAES, 2011)
Seus efeitos, em regra, são ex nunc e vinculam somente as partes envolvidas na demanda, como vimos no tópico anterior.
Geralmente, o incidente de inconstitucionalidade chega ao Supremo Tribunal por meio de determinado recurso processual ou por incidente suscitado no próprio STF em demandas de competência originária daquela Corte.
A Constituição Federal, em seu art. 102, estabelece as hipóteses em que o STF, como órgão de cúpula do judiciário, deve exercer a proteção dos valores constitucionais a ele confiados.
A forma mais comum do STF apreciar, por meio do controle difuso, a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo é mediante o Recurso Extraordinário, ressalvados, no entanto, os casos de competência originária em que o incidente é suscitado no processo que transcorre diretamente na Suprema Corte.
A previsão de exercício do controle difuso de constitucionalidade pelo STF, mediante a utilização do Recurso Extraordinário decorre diretamente da Carta Maior, precisamente em seu art. 102, inciso III, alínea “b”, senão vejamos:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (grifo nosso)
Desse modo, excluídos os casos de processos originários daquela Corte, o controle de constitucionalidade difuso exercido pelo STF é suscitado via Recurso Extraordinário interposto pela parte interessada.
Consoante leciona Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar da previsão constitucional do Recuro Extraordinário:
[...] esta norma deixa bem claro que a decisão acerca de questão constitucional, proferida na forma incidental em processo destinado ao exame do caso conflitivo concreto, assim como a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de competência do Tribunal de Justiça, podem chegar ao STF mediante o sistema recursal, ou melhor, mediante recurso extraordinário. (MARINONI, 2013)
Ou seja, em outras palavras, o Recurso Extraordinário é verdadeiro instrumento recursal de otimização do controle de constitucionalidade difuso exercido pelo Pretório Excelso.
O recurso extraordinário é limitado ao que a doutrina costuma chamar de esgotamento de instância. Ou seja, nas palavras do mestre Marinoni, “[...] o recurso extraordinário apenas é cabível quando não existe outro recurso para impugnar a decisão perante o tribunal[...]”. É, também, esse entendimento que predomina em nossa Corte Constitucional, conforme se extrai da súmula 281 do STF:
STF Súmula nº 281 - 13/12/1963
Admissibilidade - Recurso Extraordinário - Cabimento - Justiça de Origem - Recurso Ordinário da Decisão Impugnada
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.” (grifo nosso)
Assim, só é possível a utilização de Recurso Extraordinário quando na justiça de origem não mais houver recurso cabível ao caso concreto.
Na prática, imaginemos uma demanda ajuizada em primeira instância de jurisdição e que teve suscitado o incidente de inconstitucionalidade de lei federal no caso concreto. Digamos que a norma questionada foi declarada inconstitucional e afastada a sua aplicação pelo juiz singular.
Então, a parte prejudicada, inconformada com a decisão, interpôs Recurso de Apelação para o Tribunal de Justiça que, por sua vez, confirmou a inconstitucionalidade da norma, mantendo integralmente a sentença do juízo a quo. Diante da decisão, foi interposto embargo de declaração, não provido pelo Tribunal.
Nesse exemplo, o instrumento processual cabível para combater a decisão do Tribunal é o Recurso Extraordinário direto para o Supremo Tribunal Federal que exercerá o controle de constitucionalidade difuso no caso concreto, nos termos do art. 102, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal.
Nesse exemplo, teoricamente, o STF - como Guardião da Constituição - daria a ultima palavra em termos constitucionais e seu entendimento deveria se estender aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.
Porém, no atual ordenamento jurídico brasileiro, em sede de controle difuso de constitucionalidade, essa vinculação dos demais órgãos ao entendimento do STF não é tão simples como se imagina.
Isso porque os efeitos de uma decisão do Supremo em incidente de constitucionalidade não transcende a demanda em cujo incidente foi suscitado. Seus efeitos, portanto, são mais restritos, conforme veremos.
3.1 - Os efeitos da decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade
Quanto aos efeitos da decisão de mérito no controle concentrado de constitucionalidade, não resta dúvidas que são vinculantes e erga omnes, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal:
Art. 102. [...]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (grifo nosso)
Portanto, não há dúvidas de que a decisão do STF “nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. (CF, 102, § 2º)
O problema aparece quando analisados os efeitos dessas decisões em sede de controle difuso concreto de constitucionalidade, efeitos ex tunc e inter partes, já que esses efeitos são restritos às partes litigantes no processo em que se impugna a norma. Nos dizeres de Alexandre de Morais:
Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstibicionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nele praticados. Porém, tais efeitos ex tunc (retroativos) somente têm aplicação para as partes e no processo em que houve a citada declaração (MORAIS, 2011) (grifo nosso)
Ou seja, a contrário senso, a decisão não vinculará além dos polos da demanda, bem como não obrigará os demais órgãos judiciário e administrativo, salvo se houver modulação dos efeitos. E é nesse contexto que o problema ganha forma.Sabe-se que o STF é o Guardião Máximo da Constituição (art. 102, caput) e que, em termos constitucionais, ele é o Órgão Mor de interpretação da Carta Magna.
Porém, esse monopólio da ultima palavra sobre a interpretação constitucional resta flexibilizada diante de uma decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Isso porque, como explicado acima, uma decisão em controle difuso, mesmo proferida pelo STF, não produz efeitos extra partes. Seus efeitos limitam-se à demanda em si e se restringem a vincular apenas os polos ativo e passivo do caso concreto, isto é, a obrigatoriedade de observância do seu entendimento opera somente nas partes envolvidas no processo em que surgiu o incidente.
Em outras palavras, se o STF decidir sobre a constitucionalidade de determinada norma em sede de controle difuso, tal decisão não vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário. Assim, um juízo de primeiro grau poderia, em tese, entender diferentemente do STF e aplicar uma norma já declarada inconstitucional pelo Supremo, o que constituiria total desrespeito à sua decisão.
Para enxergamos o tamanho do problema, imaginemos uma determinada demanda em que foi suscitada a inconstitucionalidade de um dispositivo de uma Lei Federal e que, em sede de controle difuso, o Supremo Tribunal Federal tenha acolhido os argumentos de inconstitucionalidade e entendido que o dispositivo questionado, de fato, era incompatível com a Constituição Federal. Assim, na fundamentação da decisão, o STF levantou os motivos determinantes da inconstitucionalidade do referido dispositivo e, afastando a sua, decidiu o caso concreto.
Ocorre que, em uma determinada comarca, um juízo monocrático, apreciando um caso semelhante em que é questionada a constitucionalidade do mesmo dispositivo, e que já fora declarado inconstitucional pelo STF, poderia simplesmente ter entendimento diferente do Supremo e aplicar o dispositivo questionado sem que essa decisão seja passível de Reclamação no STF, em verdadeira afronta à decisão do Órgão Máximo do judiciário.
O problema é agravado se imaginarmos que, de acordo com o caso acima, um mesmo dispositivo é julgado inconstitucional para uma pessoa e constitucional para outra, em total detrimento ao Principio da Segurança Jurídica e insegurança dos jurisdicionados.
Nesse sentido, no intuito de evitar exatamente a restrição dos efeitos da decisão, em sede de controle difuso de constitucionalidade, o nosso ordenamento jurídico previu um instrumento político de suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal a ser exercido pelo Senado Federal. (CF, 52, X). É a participação do Senado no controle difuso de constitucionalidade.
3.2 - A Competência do Senado Federal no Controle Difuso de Constitucionalidade
Antes de debruçarmos efetivamente sobre a análise do papel desempenhado pelo Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade, é necessário compreendermos o contexto em que esse instrumento político de suspensão de lei declarada inconstitucional, em decisão definitiva do STF, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro.
Inicialmente, vale lembrar que o exame da compatibilidade das leis ordinárias com as normas constitucionais pelo judiciário, o chamado judicial review, teve início nos Estados Unidos no caso Marbury versus Madison em que se consagrou o controle difuso de constitucionalidade. (LEWANDOWSKI, 2007)
Nesse controle, exercido nos Estados Unidos, as decisões proferidas pela Suprema Corte têm eficácia erga omines e efeito vinculante aos demais órgãos do judiciário por força do instrumento chamado stare decisis, em que os precedentes judiciais devem ser obrigatoriamente observados. (MARINONI, 2013)
O Stare decisis é utilizado para garantir a autoridade das decisões da Suprema Corte Constitucional nos Estados Unidos, país que utiliza a estrutura jurídica da commom law, diferentemente de países de origem romanística em que as principais fontes do direito são os textos normativos, característica principal da civil law. Sobre esse ponto, cumpre observar o Ministro Ricardo Lewandowski, no Voto vista da Reclamação 4335/AC, proferida no plenário do dia 19 de abril de 2007, que aborda o tema sob o aspecto histórico quando trata da origem do controle concentrado de constitucionalidade:
[...] Durante o século XX, o sistema norte-americano cedeu espaço para um novo modelo de jurisdição constitucional, originário da Áustria, que se concentra em um único Tribunal, ou melhor, numa Corte Constitucional (Verfassungsgerichtshof). Tal sistema foi idealizado por Kelsen que, a pedido do governo austríaco, colaborou na elaboração da Constituição de 1º de outubro de 1920, conhecida como Oktoberverfassung, que abrigou tal modelo.
Esse sistema de controle concentrado foi adotado especialmente na Europa continental, ou seja, na Alemanha, Bélgica, Espanha, Itália, Iugoslávia, Portugal, Tchecoslováquia, bem como na Turquia, entre outros países.
Consoante CAPPELLETTI, as razões que levaram os referidos países a adotar o sistema concentrado de jurisdição constitucional têm a ver com a origem romanística de seu Direito, ou seja, com a civil law, que não contempla o stare decisis, característico da common law.
Essa particularidade faz com que se mostre recorrente, no sistema da civil law, o problema representado pelo conflito entre normas julgadas constitucionais por alguns juízes, e inconstitucionais por outros. Tal dissonância praticamente não existe no sistema da common law em razão da “força dos precedentes”, que decorre do stare decisis, no qual, como visto, as decisões da Suprema Corte vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário. (LEWANDOWSKI, 2007) (grifo nosso)
Como se pode observar com esse trecho do Voto vista do Ministro, o Brasil – por ser um país com característica da civil law –, quando implementou o sistema de controle difuso na primeira Constituição Republicana de 1891, não previu instrumento semelhante ao Stare decisis, utilizado na commom law para atribuir efeitos vinculantes aos precedentes judiciais, fato que ocasionou grande dissonância na jurisprudência do STF quando na solução de conflitos constitucionais, eis que a ausência de instrumento de vinculação de seus julgados abria margem para decisões conflitantes nas instâncias inferiores, ocasionando, com isso, muita insegurança jurídica à época.
Esse destoamento jurídico perdurou até a Constituição de 1934, quando o constituinte atribui ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Judiciário. Tal instrumento político de suspensão de lei ou ato normativo estava previsto nos artigos 91, IV, e 96 da Constituição de 1934, nos seguintes termos:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934)
Art 91 - Compete ao Senado Federal:
[...]
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;
[...]
Art 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurado Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato. (grifo nosso)
Conforme se percebe, com a implantação desse sistema, o constituinte pretendeu atribuir efeitos vinculantes às decisões de inconstitucionalidade proferidas pela Suprema Corte, como o Stare decisis da commom law, necessitando – para tanto – da atuação efetiva do Senado Federal para alcançar o fim almejado pelo instrumento.
Outra razão para atribuir ao Senado Federal o poder de suspender a execução de lei foi encontrada numa visão já superada do princípio da separação dos poderes. Entendia-se que a suspensão da eficácia da norma em caráter geral deveria depender da manifestação do poder incumbido de criar as leis e não apenas do poder judiciário. (MARINONI, 2013)
Assim, nasceu a importante competência do Senado no controle difuso de constitucionalidade. Tal competência se repetiu nas constituições de 1946 (art. 64), de 1967/69 (art. 42, VII) e a nossa atual Constituição Cidadã de 1988 (art. 52, X). (LEWANDOWSKI, 2007)
Atualmente, esse instrumento político de atribuição de eficácia erga omines às decisões definitivas do STF, em controle concreto de constitucionalidade, está previsto no artigo 52, inciso X da Constituição Federal:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
[...]
Na prática, o Supremo Tribunal Federal, após decidir um caso concreto em que se declare a inconstitucionalidade de um dispositivo normativo, oficia ao Senado Federal para que este, nos termos da Constituição, por meio de espécie normativa chamada de Resolução, suspenda a execução da norma declara inconstitucional. Ou seja, o efeito extra partes da norma declarada inconstitucional em sede de controle concreto pelo STF será concluída com a Resolução de suspensão desse dispositivo pelo Senado Federal. (MORAIS, 2011)Cuida-nos, contudo, traçar os limites da competência da Câmara Alta do Congresso Nacional, quando do exercício da competência imposta pelo art. 52, inciso “X” da atual Constituição Federal.
Nesse ponto, sabe-se da relevância do papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade para atribuir efeitos gerais em norma declarada inconstitucional em decisão definitiva do STF. Essa competência, diga-se, restringe-se apenas ao controle difuso concreto de constitucionalidade, já que o sistema concentrado abstrato não carece dessa suspensão por já ser dotado de “eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. (CF, art. 102, §2º)
Contudo, questiona-se se esta suspensão é ato vinculado/obrigatório ou discricionário/facultativo; bem como se estaria o Senado Federal adstrito aos limites da declaração do STF ou se poderia atribuir efeitos para além dos limites fixados na Sentença pelo Pretório Excelso.
Em outras palavras, resta-nos saber se, num determinado caso concreto, caso o STF declarasse inconstitucional um artigo de lei - questionada em um incidente de inconstitucionalidade -, o Senado Federal estaria obrigado a suspender a execução de toda a norma ou se ele estaria ele vinculado a suspender apenas o artigo declarado inconstitucional pelo STF; ou se simplesmente é ato discricionário.
Para suprir essas indagações, nos filiamos ao que leciona Marcelo Novelino quando afirma que:
“A suspensão da execução de lei pelo Senado se restringe às decisões proferidas pelo STF no âmbito do controle difuso (RISTF, art. 178), uma vez que no controle concentrado-abstrato, a decisão já possui eficácia contra todos e efeito vinculante. A suspensão da execução da lei pelo Senado é considerada um ato discricionário. Este é o entendimento adotado pelo STF e pelo Senado que, caso resolva editar a resolução suspensiva, deverá se ater aos exatos limites da decisão proferida pelo STF, não podendo retirar no mundo jurídico normas que não tiveram sua inconstitucionalidade proclamada pelo Tribunal. A suspensão da lei “no todo ou em parte” deve corresponder integralmente a que foi declarado inconstitucional: nem mais, nem menos.” (NOVELINO, 2013) (grifo nosso)
Assim, resta claro que o papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade não é ato vinculado - obrigatório - sendo, pois, ato discricionário do Poder Legislativo, classificado como deliberação essencialmente política de alcance normativo. Cabe, portanto, ao Senado examinar a conveniência dessa suspensão.
Por outro lado, também não é facultado ao Senado ampliar ou restringir os efeitos da declaração do Supremo. Estará a Câmara Alta vinculada aos estritos limites da declaração, ou seja, se o STF declarar inconstitucional apenas um dispositivo da norma, não cabe ao Senado suspender toda a lei, mas somente o artigo declarado inconstitucional.
Ressalte-se, por fim, que essa competência do Senado Federal aplica-se a suspensão no todo ou em parte, tanto de lei federal quanto de leis estaduais, distritais ou municipais, declaradas incidentalmente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. (MORAIS, 2011) Isso porque o Senado, nessa competência, não atua como órgão federal, mas sim como órgão nacional. (NOVELINO, 2013)
Por se ato discricionário, que não gera obrigatoriedade do Senado Federal em suspender a norma declarada inconstitucional pelo Supremo, retomamos o ponto inicial da criação desse mecanismo, ou seja, da insegurança jurídica, já que o Senado, por critério de conveniência ou por sobrecarga da pauta de julgamento daquela Casa Legislativa, deixa de julgar a oportunidade de suspenção das normas inconstitucionais, deixando o instrumento em desuso.
Sobre essa competência, o Ministro Gilmar Mendes vem defendendo a tese de redefiniçao do papel do Senado Federal, propondo uma verdadeira mutação constitucional do artigo 52, X da Constituição Federal, sustentando que essa previsão deve ser interpretada no sentido de o Senado apenas dar publicidade às decisões do STF, as quais já teriam efeitos gerais. Essa tese foi defendida no voto da Reclamação 4335/AC, cujo ministro é relator.
Ora, se o Senado Federal, que é competente para emprestar eficácia erga omines às decisões de inconstitucionalidades proferidas em controle difuso pelo STF, deixa de utilizar este instrumento concedido pela Constituição, coloca o ordenamento jurídico brasileiro em vulnerabilidade, principalmente a supremacia da Constituição, já que o efeito inter partes do controle concreto não permite a transcendência para se aplicar a todos e vincular os demais órgãos do judiciário.
A percepção de que as decisões do STF constituem precedentes constitucionais, que obrigatoriamente devem ser respeitados pelos demais tribunais, tornou imprescindível atribuir eficácia vinculante aos motivos determinantes de suas decisões, não importando se estas são proferidas em sede de controle principal ou incidental. (MARINONI, 2013)
Note-se que é conatural que a eficácia vinculante das decisões do Supremo seja reconhecida em todo e qualquer precedente daquela Corte Constitucional. Porem, a eficácia erga omines, contra todos, necessita da atuação do Senado Federal.
E se o Senado deixa de exercer o seu papel, cabe aos juristas, doutrina e jurisprudência, encontrar a solução para ausência de obrigatoriedade das decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade, eis que a insegurança jurídica decorrente dessa inércia da Casa Legislativa não pode, nem deve, afetar os jurisdicionados.
E é nesse contexto que entra o objeto do presente trabalho: a aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes nas Decisões do Supremo Tribunal Federal em Controle Difuso de Constitucionalidade com objetivo de atribuir força vinculante aos precedentes da Corte Constitucional.